quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

As eleições autárquicas estão a agitar os potenciais candidatos

 

As próximas eleições para os órgãos das autarquias locais – municípios e freguesias – estão a agitar muita gente. Uns protestam contra a nova legislação atinente à matéria; outros querem o adiamento do ato eleitoral por via da situação de pandemia. 

Na verdade, a Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de agosto procede à nona alteração à LO (Lei Orgânica) n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, dando nova redação aos seus artigos 7.º, 19.º, 23.º, 31.º, 103.º e 170.º.

Assim, o n.º 2 do art.º 7.º, no quadro dos também não elegíveis para os órgãos das autarquias locais em causa, inclui uma alínea c) com nova redação inibindo “os membros dos corpos sociais, os gerentes e os sócios de indústria ou de capital de sociedades comerciais ou civis, bem como os profissionais liberais em prática isolada ou em sociedade irregular que prestem serviços ou tenham contrato com a autarquia não integralmente cumpridos ou de execução continuada, salvo se os mesmos cessarem até ao momento da entrega da candidatura”.

Isto, em meu entender, clarifica determinadas situações de ambiguidade que ocorriam.

Por seu turno, o n.º 3 do mesmo artigo estabelece:

Nenhum cidadão pode candidatar-se simultaneamente: a) a órgãos representativos de autarquias locais territorialmente integradas em municípios diferentes; b) a mais de uma assembleia de freguesia integradas no mesmo município; c) à câmara municipal e à assembleia municipal do mesmo município.”.

A novidade é a proibição da candidatura dum cidadão à câmara municipal (CM) e à assembleia municipal (CM) do mesmo município, o que traz problemas a partidos que em municípios de pouco volume populacional tenham fraca implantação. Porém, não se veem críticas a tal norma.  

O art.º 19.º estabelece, no atual n.º 4, que “os grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes consideram-se distintos para todos os efeitos da presente lei, mesmo que apresentem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho”, excetuando-se, nos termos do igualmente atual n.º 5, “os grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura simultaneamente aos órgãos câmara municipal e assembleia municipal, desde que integrem os mesmos proponentes”.

Por sua vez, o n.º 8 determina:

O tribunal competente para a receção da lista promove sempre a verificação, pelo menos por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos proponentes da iniciativa, lavrando uma ata detalhada das operações realizadas e dos proponentes confirmados”.

E mantêm-se todas as outras disposições deste artigo.

O art.º 23.º fica alterado, no seu n.º 2, nestes termos:

Para efeitos do disposto no número anterior (apresentação das candidaturas), entendem-se por elementos de identificação a denominação, sigla e símbolo do partido ou coligação, a denominação e sigla do grupo de cidadãos e o nome completo, idade, filiação, profissão, naturalidade, residência e número de identificação civil dos candidatos e dos mandatários”.

O n.º 4 estabelece:

a) A denominação não pode conter mais de seis palavras, nem integrar as denominações oficiais dos partidos políticos ou das coligações de partidos com existência legal, expressões correntemente utilizadas para identificar ou denominar um partido político, nem conter expressões diretamente relacionadas com qualquer religião ou confissão religiosa, ou instituição nacional ou local; b) a denominação dos grupos de cidadãos eleitores não pode basear-se exclusivamente em nome de pessoa singular; c) a denominação dos grupos de cidadãos eleitores apenas pode integrar um nome de pessoa singular se este for o do primeiro candidato ao respetivo órgão, salvo no caso dos grupos de cidadãos eleitores simultaneamente candidatos aos órgãos câmara municipal e assembleia municipal, conforme previsto no n.º 5 do art.º 19.º; d) o símbolo não pode confundir-se ou ter relação gráfica ou fonética com símbolos institucionais, heráldica ou emblemas nacionais ou locais, com símbolos de partidos políticos ou coligações com existência legal ou de outros grupos de cidadãos eleitores, nem com imagens ou símbolos religiosos; e) os símbolos e as siglas de diferentes grupos de cidadãos eleitores candidatos na área geográfica do mesmo concelho devem ser distintos; f) é vedada a utilização das palavras «partido» e «coligação» na denominação dos grupos de cidadãos eleitores.”.

E o n.º 8 estabelece:

Na declaração de propositura por grupos de cidadãos eleitores, nos casos em que a presente lei o admitir, os proponentes são ordenados, à exceção do primeiro e sempre que possível, por ordem alfabética”.

Já o art.º 31.º dispõe que “das decisões finais relativas à apresentação de candidaturas cabe recurso para o Tribunal Constitucional”; mantém que “o recurso deve ser interposto no prazo de quarenta e oito horas a contar da afixação das listas”; e que “os recursos das decisões proferidas sobre denominações, siglas e símbolos de grupos de cidadãos eleitores têm caráter urgente sobre as demais e devem ser decididas no prazo de 72 horas”, quando dantes estas decisões eram irrecorríveis.

Nos termos do art.º 103.º, “os eleitores podem obter informação sobre o local onde exercer o seu direito de voto na sua junta de freguesia, aberta para esse efeito no dia da eleição, para além de outras formas de acesso à referida informação disponibilizadas pela administração eleitoral”. E o art.º 170.º estipula:

“1 – Quem aceitar candidatura em mais de uma lista concorrente ao mesmo órgão autárquico é punido com a pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.

“2 – Quem aceitar ser proponente de mais de uma lista de candidatos de grupos de cidadãos eleitores para a eleição do mesmo órgão autárquico é punido com pena de multa até 30 dias.”.

***

O movimento de cidadãos “Matosinhos Independente” pediu audiência ao Presidente da República para apelar à redução do número de assinaturas de proponentes para que as suas candidaturas sejam possíveis, dando conta das dificuldades, pois “as restrições impostas pela covid-19, já há longos meses, têm dificultado ao máximo a recolha de assinaturas, por terem de se evitar locais movimentados e a proximidade social”. E o presidente da ANMAI (Associação Nacional dos Movimentos Autárquicos Independentes) admite “inquietação” sobre o processo de recolha de assinaturas, tendo o assunto sido abordado com a Comissão Nacional de Eleições, que apenas aconselhou os movimentos a “respeitar as normas da DGS” nos contactos de rua.

Julgam anacrónico, quando já não é possível dispor de listas telefónicas e há proteção de dados, obrigar-se a recolha de assinaturas na rua, sem os potenciais candidatos terem a possibilidade de saber a que eleitores se dirigir. Por isso, da estratégia de realizar sessões de esclarecimento e auscultar a opinião dos munícipes passam à de tentar conseguir as assinaturas criando nos respetivos sites um campo para as pessoas imprimirem a propositura e assinar sem o risco de contágio.

O art.º 19.º da LO n.º 1/2001, de 14 de agosto, na atual redação, estabelece que “as listas de candidatos a cada órgão são propostas pelo número de cidadãos eleitores resultante da utilização da fórmula: n/(3 x m), em que n é o número de eleitores da autarquia e m o número de membros da câmara municipal ou de membros da assembleia de freguesia, conforme a candidatura se destine aos órgãos do município ou da freguesia” e que os resultados da aplicação da fórmula “são sempre corrigidos por forma a não resultar um número de cidadãos proponentes inferior a 50 ou superior a 2000, no caso de candidaturas a órgão da freguesia, ou inferior a 250 ou superior a 4000, no caso de candidaturas a órgão do município”.

Ora, porque a uma eleição autárquica a Constituição permite que concorram independentes, devem criar-se condições de igualdade para o poder fazer, sendo proposta, pelo menos, neste momento de exceção, a redução para metade o número de proponentes.

De facto, é muito complicado jogar com número tão elevado de assinaturas, sobretudo em tempos de dificuldade de contactos por via das regras sanitárias. 

Helena Roseta considera o número de assinaturas exigidas “exagerado”, mas aponta “problemas maiores” não resolvidos, como o facto de os movimentos que suportam candidaturas independentes se extinguirem no dia das eleições, deixando os candidatos sem suporte no momento em que “começa o trabalho”, já para não falar do financiamento.

A ANMAI considera que as alterações legislativas acima enunciadas prejudicam sobretudo as candidaturas independentes, designadamente as atinentes a assembleias de freguesia, ao ser exigido que tenham um grupo diferente do que o mesmo movimento propõe para a candidatura à câmara e à assembleia municipal. Por outro lado, PS e PSD propuseram e aprovaram que, em nome da transparência, um candidato dum grupo de cidadãos apenas pode concorrer a um dos órgãos autárquicos (câmara e assembleia municipal), e não a ambos, nem a mais que uma assembleia de freguesia. Assim, também a ANMAI se reuniu com Marcelo para tentar travar a alteração, mas sem sucesso. E suspeita estas novas dificuldades criadas pelos partidos levem muitos a aderir a partidos populistas, porque assim evitam estes problemas.

Além disso, os movimentos, que se queixam de não terem sido ouvidos, dizem que tais alterações são “uma injustiça de todo o tamanho”.

Aurélio Ferreira sublinha que grupo de cidadãos que apenas se candidate apenas a uma assembleia de freguesia não terá direito a subvenção do Estado, pois “as subvenções são pagas em função do úmero de eleitores nas assembleias municipais. Esquece-se do tempo em que as candidaturas de grupos de cidadãos não eram possíveis para os órgãos do município. E até considera a AMAI que a LOL viola claramente o art.º 113.º, n.º 3 b) da CRP e o art.º 40.º da LOL, no âmbito da igualdade de oportunidades. Só que as normas invocadas referem-se à igualdade de oportunidades e de tratamento no âmbito da campanha eleitoral no atinente à liberdade de propaganda eleitoral a efetuar nas melhores condições,devendo as entidades públicas e privadas proporcionar-lhes igual tratamento, salvo as exceções previstas na lei(LO), estipulando a CRP “igualdade de oportunidade de oportunidades e de tratamento” – o que não obsta à especificidade diferente para a constituição de partidos e de movimentos.

Concordo com a reivindicação da redução do número de assinaturas e concordo com a manutenção dos grupos de cidadãos durante o mandato, bem como acho incrível que o mesmo movimento não possa candidatar-se com os mesmos proponentes – obviamente com candidatos deferentes – aos três órgãos autárquicos. Não vejo que haja razão para recusar a verificação da identificação das assinaturas ao menos por amostragem, como alguns reivindicam, ou para recusar a proibição da utilização de palavras como “partido” ou “coligação” e siglas e símbolos de partidos e coligações já existentes, bem como as demais proibições do n.º 4 do art.º 19.º. As colagens são sempre de natureza e efeitos dúbios. Nem vale a pena, como querem alguns, contestar o facto de ser o juiz de turno da comarca a validar as listas, até por que há recurso para o Tribunal Constitucional. Repare-se que as comarcas têm, regra geral âmbito distrital. E, quando isto era competência dos juízos de círculo, também havia erros bem grandes.

Ademais, se tolero as candidaturas de grupos de cidadãos, devo dizer que, em princípio, as candidaturas a órgãos eleitos do poder político devem ser reservadas a partidos ou grupos orgânicos de igual valor, que tenham um programa consistente e que se sujeitem coerentemente a escrutínio e avaliação pública, o que não sucede com estes grupos, que se dissolvem após a eleição. Quem lhes pode retirar ou reiterar a confiança política? Ora, sucede que a maioria dos ditos independentes são apenas cidadãos dissidentes ou ressentidos de partidos a que pertenceram e a cujos aparelhos deixaram de agradar, sendo que o aparelhismo tem de ser mitigado para bem da democracia intra e extrapartidária. Admito, sim, candidaturas de cidadãos independentes incluídos na lista de partidos, com quem estes façam acordo de mandato.

***

Outro aspeto de agitação é o putativo interesse em adiar as eleições autárquicas. A ideia foi lançada por Santana Lopes com a invocação da pandemia e de que não haverá violação da Constituição, não porque o voto venha a ser condicionado, pois no caso das presidenciais correu bem (Santana dixit), mas pela campanha eleitoral, pois, nestas eleições os candidatos precisam de mais tempo, têm de ir a todo o lado (empresas, escolas, serviços, rua a rua, porta a porta), não tendo atrás de si televisões, rádios e jornais nacionais. Estas ideias estão a fazer caminho, a ponto de o PSD já ter vindo dizer que é questão a ponderar e decidir; e o PS adverte que é discussão prematura.

Sendo habitual termos estas eleições em outubro, não vejo, se as coisas se mantiverem em termos de pandemia, que outubro seja mês tão perigoso como janeiro. Ora, se os políticos, invocando indevidamente a Constituição, sem atenderem ao estado de necessidade em situação verdadeiramente excecional, resolveram não adiar a eleição presidencial, mas agitaram o fantasma do perigo pandémico da eventual necessidade de uma 2.ª volta, como ousam pôr na agenda o adiamento das eleições locais de outubro para março/abril (meses altamente perigosos em 2020)? Os candidatos não têm os meios de comunicação nacionais atrás de si, mas têm as rádios e jornais locais e as redes sociais. Têm de ir a todo o lado? Comecem mais cedo e tudo correrá bem. Ou valem-se a pandemia para estarem inativos ou se autodispensarem da ida a jogo?

Dos partidos ditos do arco da governação já é de esperar tudo. Quando me lembro de que, em tempo de crise de um deles, a prioridade do líder, em vez da reorganização do partido, era afinar o regime de incompatibilidades, a refiliação partidária ou a lei de limitação de mandatos, e a de outro era a colagem a uma moção de censura ao Governo apresentada por um partido que disputava o mesmo espaço eleitoral (PRD), o combate à teoria da cabala, a crítica suave à governança da troika ou as eleições primárias…

Porém, adiar eleições autárquicas não se justifica em meu entender, a menos que nos portemos demasiado mal no verão e não larguemos o vírus, que já deve estar farto de fazer doentes, provocar internamentos, sujeitar pessoas a cuidados intensivos e causar mortes em hospital ou ao domicílio. Se nos sacrificámos em janeiro para termos PR, porque não hemos de o fazer em outubro para temos Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Assembleia de Freguesia? Devem os candidatos ao poder local autoespevitar a sua criatividade. A democracia agradecerá.

Haja Deus e crie-se esperança robustecida!

2021.02.10 – Louro de Carvalho

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