sábado, 20 de fevereiro de 2021

ONU destaca importância de justiça social na economia digital

 

Passa, a 20 de fevereiro o Dia Mundial da Justiça Social, fazendo ressaltar, neste ano de 2021, desafios no ambiente laboral em tempos de pandemia, pelo que a ONU (Organização das Nações Unidas) lembra o impacto da crise de saúde que expôs divisões digitais que aprofundaram as desigualdades já existentes e pede mais justiça na economia digital. 

Segundo a ONU, esta economia está a transformar o mundo do trabalho. Na última década, a expansão da conectividade de banda larga, computação em nuvem e dados levaram à proliferação de plataformas digitais, que penetraram em vários setores da economia e da sociedade. Com efeito, desde o início de 2020, as consequências da pandemia levaram a exigência e acordos de trabalho remoto e permitiram a continuação de muitas atividades empresariais, reforçando ainda mais o crescimento e o impacto da economia digital. 

A crise também revelou e aumentou as divisões digitais, dentro e entre países, especialmente em termos de disponibilidade, acessibilidade e uso de tecnologias de informação, aprofundando desigualdades existentes. 

Embora estas plataformas oferecem grandes oportunidades de rendimento e muitos benefícios de trabalho flexíveis, também comportam desafios. 

Entre as dificuldades para os trabalhadores, contam-se a regularidade do trabalho, direitos a condições laborais justas, proteção social, utilização de capacidade e direito de formar sindicatos ou de se filiar neles. E são preocupação crescente a práticas de monitoramento algorítmico, que aumentam, em alguns casos, a vigilância no local de trabalho. 

Para empresas tradicionais, os desafios incluem a concorrência desleal de plataformas, não estando algumas sujeitas a impostos tradicionais e a outras obrigações, devido à sua natureza inovadora. Outro desafio é a necessidade de recursos para se adaptar continuamente às transformações digitais, especialmente para pequenas e médias empresas. 

Muitos países começaram a abordar algumas destas questões, mas a ONU defende mais diálogo e coordenação de políticas em nível internacional, uma vez que estas plataformas operam em várias jurisdições. 

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Foi em 2007 que a Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovou a Resolução A/RES/62/10, que declara o dia 20 de fevereiro como o Dia Mundial da Justiça Social, com o objetivo apoiar os esforços da comunidade internacional para a erradicação da pobreza, a promoção do trabalho digno, a igualdade de género, o bem-estar e a justiça para todos/as. Foi celebrado pela primeira vez em 2009. Não obstante, os óbices à justiça social mantêm-se, se e que não pioraram.

Diariamente são colocadas barreiras às pessoas pelo seu género, raça, etnia, idade, religião ou deficiência. O próprio sítio onde a pessoa nasce acaba por condicionar a sua liberdade e bem-estar. Cerca de 20% da população mundial consume 80% dos recursos do planeta, enquanto menos de 100 famílias detêm mais de metade da riqueza mundial.

O tema para 2021 é “A Call for Social Justice in the Digital Economy(“um apelo para a Justiça Social na Economia Digital”).

Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), o crescimento do emprego desde 2008 foi em média de apenas 0,1% ao ano, em comparação com 0,9% entre 2000 e 2007. Em 2019, mais de 212 milhões de pessoas estavam sem trabalho, contra 201 milhões nos anos anteriores. Segundo aquela agência, cerca de 600 milhões de novos empregos precisam ser criados até 2030, apenas para acompanhar o crescimento da população em idade ativa. 

E, agora, mais de 60% de todos os trabalhadores não têm qualquer tipo de contrato laboral. E menos de 45% dos trabalhadores assalariados e assalariados estão empregados em tempo integral e permanente.

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E o grande problema estrutural é o da miséria e da pobreza.

Falando de Portugal, país que a 3.ª vaga da pandemia de covid-19 colocou em posição dramática frente aos outros países da Europa e até do mundo, parece que está a reduzir a miséria, mas ainda conta mais de dois milhões de pobres.

Segundo um estudo da Pordata (projeto da Fundação Francisco Manuel dos Santos), Portugal melhorou consistentemente nos indicadores de pobreza e exclusão social, abandono escolar, desemprego de longa duração, entre outros, mas continua com um PIB per capita mais baixo do que a média europeia e mais desigualdade. Em termos de números, o país tem ainda 2,2 milhões de pessoas, ou seja, dois em cada dez residentes, vivem em situação de pobreza e exclusão social.

Em plena presidência portuguesa do Conselho da UE, a Pordata, releva um conjunto de indicadores que retratam Portugal e os 27, bem como o percurso relativo aos ODS (objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável), ao longo das últimas décadas e dos próximos 10 anos. Para o efeito, estriba-se nos dados do Eurostat, que mostram haver ainda 91 milhões de pessoas (21%) em situação de pobreza e exclusão social na União Europeia (UE) e que mais de dois milhões (22% da população) estão em Portugal, que superou, em 2017, a meta de redução da pobreza prevista para 2020, ao ter retirado 543 mil residentes das condições mais precárias de vida, o que lhe confere o 6.º lugar entre os 27 com a evolução mais positiva nos últimos 5 anos.

Bulgária, Roménia e Grécia são os países da UE que têm índices de pobreza mais acentuados, ao passo que República Checa, Eslovénia e Finlândia são os países com menor proporção neste indicador (inferior a 12%). Porém, aumentaram os níveis de pobreza desde 2008 em Estados como Espanha, Suécia, Holanda, Itália, Grécia, Dinamarca, Luxemburgo, Estónia, Malta e Chipre.

Luísa Loura, diretora da Pordata, releva a necessidade de acompanhar estes indicadores, quando recebemos o embate duma crise sanitária, que também é económica e social e que se prolongará na pós-pandemia, daqui vindo a resultar o agravamento do indicador da pobreza e exclusão social diz, bem como o das desigualdades sociais.

Por outro lado, diz Luísa Loura, “haverá novas franjas”, mercê da crise, que “ficarão nas margens, mas numa situação transitória porque terão níveis de educação superior”. E exemplifica com os profissionais do setor da cultura, que têm um nível alto de instrução, mas que estão a ser fortemente penalizados pela pandemia na sua atividade profissional.

Todavia, é de ter em conta que é diferente o limiar de que parte a definição de pobreza nos diversos países da UE. Em Portugal, em 2019, situava-se em 580 PPS mensais, sendo o PPS moeda fictícia a significar “paridade de poder de compra padrão”, para comparar os níveis de bem-estar e despesa entre países, anulando a diferença de níveis de preços. No Luxemburgo, o limiar da pobreza situa-se nos 1447 PPS mensais e, na Roménia, em menos de 367 mensais. Também é de considerar que, sendo a taxa de risco da pobreza a percentagem de pessoas que têm rendimentos considerados baixos em relação à restante população, a linha de pobreza varia de país para país, pelo que, por exemplo, uma pessoa pode ser tida como pobre em Portugal e não o ser noutro dos 26 Estados membros. Em Portugal, está no limiar da pobreza quem auferir menos de 501 euros mensais.

Em 2019, 11% da população empregada portuguesa era pobre, pois vivia com rendimento inferior ao limiar de risco de pobreza, ficando o país entre os 5 países em maior risco de pobreza entre trabalhadores. Os outros 4 são Roménia, Espanha, Luxemburgo e Itália. Já têm menos de 4% da população empregada em risco de pobreza Finlândia e República Checa.

No respeitante à desigualdade, é claro que Portugal é o 8.º país a nível da UE com maior desigualdade entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres. Os primeiros ganham cinco vezes mais que os segundos. Na Bulgária a diferença é oito vezes mais. República Checa, Eslováquia e Eslovénia são os que apresentam menor diferença na desigualdade (três vezes mais). E, entre 2010 e 2019, foram 11 dos 27 países da UE, entre os quais não está Portugal, que aumentaram as desigualdades na distribuição de rendimentos.

Portugal é o 9.º país com menor PIB per capita dos 27, abaixo da média europeia, duas vezes menor do que, por exemplo, a Irlanda e três vezes menor que o Luxemburgo.

No capítulo da habitação, é de referir que, em Portugal, cerca de uma em cada 4 pessoas (24%) vive com más condições de habitação, proporção ultrapassada só por Chipre (31%), sendo que 13% da população europeia reporta não ter boas condições em casa. Trata-se dum indicador que mede a percentagem de população com pelo menos um dos défices básicos nas condições das habitações: telhado a deixar entrar água; paredes/ soalhos/fundações húmidas; e apodrecimento dos caixilhos das janelas ou do soalho.

No atinente ao conforto das habitações, Portugal é o 4.º país dos 27 com maior proporção de população (19%) que não mantém adequadamente quente a casa, valor que decresceu 17% em 15 anos. Registam maiores proporções só a Bulgária (30%), a Lituânia (27%) e Chipre (21%).

Em termos da educação, outro dos indicadores importantes do estudo, que mede a taxa de abandono escolar precoce, está à vista que Portugal é o 7.º país a registar maior taxa de abandono escolar em 2019 (10,6%). Contudo, foi o 2.º país, a seguir a Malta, que mais viu decrescer o abandono escolar entre 2002 e 2019, no quadro do aumento da escolaridade obrigatória até ao 12.º, aprovado em 2009, que entrou em vigor no ano letivo de 2012-2013. Regista-se, mesmo assim, um notável avanço, já que, em 2002 (ano de ponto de partida da análise), o abandono escolar precoce era de 45% de, valor só superado por Malta, com 53%”.

E, se Portugal tinha, em 2019, taxas inferiores a países como Espanha, Itália, Bulgária, Hungria e Roménia, houve melhoria em 2020, pois, segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística), em 2020, a taxa de abandono escolar ficou pelos 8,9%, bastante inferior à meta de 10% definida pela Estratégia Europa 2020. Portugal acusa, pois, segundo conclui a diretora da Pordata, “uma melhoria consistente” e até “espetacular” nalguns casos, como é o do abandono escolar, uma vez que o país partiu duma “situação muito complicada”, com elevadas taxas de analfabetismo, durante a ditadura, em que o investimento na educação era muito fraco. Na verdade, como recorda, para os que tinham educação, esta “era de bom nível, mas não havia condições de acesso às crianças à escola”. “Parecia impossível” (diz Luísa Loura) atingir a meta de 10% dos jovens que não frequentam o ensino secundário (ou não estudam), mas conseguiu-se “um percurso consistente de escolarização” dos jovens – indicador importante, pois “é o capital humano” que está em toda a Europa e “é uma mais-valia neste momento de crise”, “capital que não se perde”.

Em Portugal, a taxa global de jovens não empregados, que não estão em educação ou formação, é de 9%, valor que representa um decréscimo 7% face ao valor máximo atingido em 2013 (16%), ao passo que, na UE, a taxa dos jovens entre os 15 e os 29 anos nestas condições foi de 13%, sendo mais acentuada nas mulheres (15% versus 11%).

E a taxa de desemprego de longa duração (12 ou mais meses) caiu mais de 7% desde 2013, ano em que atingiu o máximo de 9,3%, no programa de ajustamento imposto pela troika, depois da crise económica de 2011 que obrigou Portugal a pedir o resgate financeiro. Mesmo assim, Portugal é o 6.º país com maior taxa de desemprego de longa duração (2,8%), valor semelhante à média da UE, que, em 2013 e 2014, atingiu o valor mais elevado (5,5%). E a Grécia atinge os 12%.

Em síntese, Portugal tem vindo a reduzir a miséria no país, mas ainda tem 2,2 milhões de pessoas (ou seja, 2 em cada 10 residentes) em situação de pobreza e exclusão social. E há 91 milhões de pessoas (21%) na mesma situação na UE.

É tida como pobre, isto é, vive com rendimentos inferiores ao limiar de risco de pobreza11% da população empregada, que nos situa entre os 5 países em maior risco de pobreza neste campo.

Cerca de uma em cada 4 pessoas (24%) vive no país com más condições de habitação, proporção só ultrapassada por Chipre (31%).

Portugal é o 7.º país a registar maior taxa de abandono escolar (10,6% em 2019), mas foi o 2.º país, a seguir a Malta, que mais viu decrescer o abandono escolar entre 2002 e 2019.

Portugal é o 6.º país com maior taxa de desemprego de longa duração (2,8%), valor semelhante à média da UE, que, em 2013 e 2014, também atingiu o seu valor mais elevado (5,5%). Esta taxa – 12 ou mais meses – caiu mais 7% desde 2013, ano em que atingiu o máximo de 9,3%.

Com a pandemia e a subsequente crise sistémica, o indicador da pobreza e exclusão social vai-se agravar e as desigualdades tenderão a aumentar. É, pois, urgente que os Estados-membros da UE sejam lestos na ratificação dos instrumentos europeus que formam a “bazuca” prometida e que o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) de cada país seja aprovado a tempo, bem aplicado e monitorado e haja capacidade física e financeira para o executar em cada setor da sua aplicação.

A justiça social é um imperativo da dignidade humana, a marca da verdadeira democracia. E os pobres não podem esperar que as teias da burocracia primem pelos seus caprichos nem podem continuar a ser vítimas da corrupção, compadrio e partidarite que se instalam na sociedade.

Se não houver leis, zelo pela sua aplicação e fiscalização e ministração correta da justiça formal, a justiça social tardará. E isso não pode continuar a acontecer.  

2021.02.20 – Louro de Carvalho

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