terça-feira, 31 de outubro de 2023

Igreja Católica em Espanha em evidência nos abusos

 

A Provedoria de Justiça espanhola entregou, a 27 de outubro, ao Congresso dos Deputados, o “Relatório sobre os abusos sexuais no âmbito da Igreja Católica e o papel dos poderes públicos – uma resposta necessária”, no qual se estima que 1,13% da população adulta em Espanha tenha sido vítima de abuso no seio da Igreja Católica, quando era menor de idade, o que corresponderá a cerca de 440 mil dos 38,9 milhões de adultos espanhóis.

Na apresentação do estudo de 779 páginas, solicitado há um ano e meio pelo Congresso (não pela Igreja), o provedor espanhol de Justiça, Ángel Gabilondo, “evitou os números a todo o momento”, como assinala a revista “Vida Nueva”. Não obstante, confirmou que o inquérito realizado a 8.013 pessoas revelou que 11,7% afirmam ter sido vítimas de abuso sexual antes de terem completado 18 anos, e que 1,13% dizem que os abusos ocorreram no contexto da Igreja. Há 0,6% que indicam que os abusadores foram padres ou religiosos, número que – extrapolado – corresponderá a mais de 200 mil pessoas e que é “semelhante ao encontrado em estudos realizados noutros países”.

Gabilondo informou também que a unidade de atendimento às vítimas, criada no âmbito deste estudo, para recolher testemunhos, recebeu 487 denúncias de abusos, que aconteceram desde 1940 até ao presente, tendo o pico ocorrido entre 1960 e 1970, coincidindo com “os anos da ditadura franquista”, e começando a decrescer a partir dos anos 80.

Três em quatro vítimas relatam ter sido apalpadas, 22% reportam masturbação passiva e 16% ativa. Foram reportados 115 casos de violação.

 O relatório, que foi disponibilizado online refere que a “resposta da Igreja Católica, pelo menos a nível oficial, foi caraterizada, durante muito tempo, pela negação ou minimização do problema” e que só “pouco a pouco”, à medida que os casos foram sendo conhecidos e como “consequência das diretrizes emanadas pela Santa Sé, os representantes da Igreja em Espanha foram tomando medidas e posições mais firmes, ainda que mais orientadas para a prevenção do que para a reparação”. “Algumas vítimas tiveram de enfrentar, não só a negação e ocultação, como até pressões e reações dos seus representantes, nas quais foram responsabilizadas pelos abusos sofridos”, pode ler-se no documento.

Defendendo que as vítimas “merecem ser escutadas, atendidas e correspondidas”, o provedor espanhol de Justiça deixou várias recomendações à Igreja, entre elas, a promoção de um “ato público de reconhecimento e de reparação simbólica” e a abertura por parte das dioceses e institutos de vida consagrada do “acesso à informação contida nos arquivos”. Além disso, preconiza a criação de um “fundo estatal para o pagamento de compensações a favor das vítimas”,

O relatório conclui que é necessário “prestar a máxima atenção tanto aos processos de seleção” dos membros do clero, bem “como à sua formação, para deteção de abusos”.

Entretanto, a Conferência Episcopal Espanhola (CEE) fez saber que já convocou uma assembleia plenária extraordinária para 30 de outubro, com o objetivo de analisar o relatório. Paralelamente, está a decorrer um estudo sobre os abusos na Igreja encomendado pela própria CEE ao Escritório Cremades & Calvo Sotelo, o qual pediu para “prorrogar o prazo de entrega dos trabalhos”, pedido esse que também foi avaliado durante a assembleia extraordinária.

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Foram mais de cinco horas de reunião, com apenas um terço dos bispos presentes e os restantes via Zoom. No final da Assembleia Plenária Extraordinária da Conferência Episcopal Espanhola, convocada para a tarde de 30 de outubro, na sequência da apresentação do relatório da Provedoria de Justiça sobre os abusos sexuais no âmbito da Igreja, foi divulgado um comunicado que sustenta que a extrapolação feita dos dados obtidos num inquérito – que indica ter havido 440 mil casos de abusos desde 1940 – “surpreende”. Os números, asseguram os bispos, “não correspondem à verdade, nem representam o conjunto de sacerdotes e religiosos que trabalham, lealmente e com entrega da sua vida, ao serviço do Reino”.

O comunicado dos bispos espanhóis, citado pelo jornal “Religión Digital”, refere que estes “valorizaram, de maneira especial, o testemunho recolhido das vítimas, que permite colocá-las no centro. Consideraram-se também valiosas as recomendações propostas neste relatório”.

Assinalando que “não ter em conta a magnitude do problema e a sua dimensão largamente extraeclesial significa não enfrentar as causas do problema e perpetuá-lo no tempo” e que, “além disso, centrar-se exclusivamente na reparação das vítimas da Igreja, discriminaria a maioria das vítimas, transformando-as em vítimas de segunda classe”, a CEE assegura que, “caso se constitua um fundo de compensação para reparar as vítimas a partir das autoridades públicas”, a Igreja contribuirá para o mesmo.

O principal “ponto de atrito” desta reunião, refere o Religión Digital, terá sido “o que fazer com a auditoria [sobre os abusos na Igreja Católica espanhola] encomendada ao escritório Cremades & Calvo Sotelo”, em fevereiro do ano passado, cujos resultados já deveriam ter sido entregues, mas cuja entrega se encontra atrasada. O escritório terá pedido uma prorrogação do prazo de entrega e os bispos decidiram adiar a decisão para a assembleia de novembro.

Seja como for, “a Igreja quer contribuir para a erradicação do abuso sexual na infância, não só na Igreja, mas em toda a sociedade, e coloca a sua triste experiência ao serviço da mesma, num espírito de colaboração”, conclui o comunicado da CEE.

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Além do referido comunicado, o portal do Vaticano “Vatican News” menciona uma conferência de imprensa da CEE, para discutir o relatório do Defensor cívico sobre abusos sexuais na Igreja e expressar a sua tristeza pelos danos causados, reafirmando o seu compromisso de erradicar esse flagelo na Igreja e na sociedade. Ao mesmo tempo, o secretário da CEE pede que a sombra da suspeita não se estenda a todos os sacerdotes: “A grande maioria trabalha fielmente a serviço do povo de Deus.”

“Dor, perdão e desejo de reparação”. Eis o sentimento expresso dos bispos espanhóis que, na manhã de 31 de outubro, apresentaram aos jornalistas o trabalho realizado na Assembleia plenária extraordinária realizada, a 30 de outubro, para analisar o relatório do Defensor cívico, Ángel Gabilondo, sobre os abusos sexuais na Igreja, publicado recentemente. Essa foi a quarta Assembleia plenária extraordinária realizada pela CEE, que contou com a presença de um total de 88 bispos, 31 bispos pessoalmente e 57 por vídeo.

O cardeal presidente, Juan José Omella, juntamente com o secretário-geral, Dom Francisco César García Magán, relataram os dois pontos-chave que analisaram: o estudo e a avaliação do relatório apresentado pelo Defensor cívico e o estudo do pedido da empresa Cremades & Calvo Sotelo para estender o prazo do trabalho que está a ser realizado em nome da CEE.

Os bispos expressaram tristeza pelos danos causados pelos abusos sexuais cometidos por alguns membros da Igreja e reiteraram o seu pedido de perdão às vítimas. Reiteraram, igualmente, o desejo de trabalharem juntos na reparação global e de aprofundar os caminhos para a proteção e o apoio aos sobreviventes e a prevenção de abusos. No entanto, a CEE disse-se surpresa com a extrapolação feita a partir de alguns dados obtidos num estudo anexado ao relatório. “Não correspondem à verdade”, diz um comunicado emitido pela CEE, “nem representam o grupo de sacerdotes e religiosos que trabalham com lealdade e dedicação das suas vidas a serviço do Reino”. Vários jornalistas presentes na conferência de imprensa insistiram no número de vítimas, mas o presidente do episcopado explicou que não queria entrar na questão das cifras: “São vítimas”, disse ele, essa é a única preocupação. Os bispos asseguram que trabalharão para garantir a reparação e o apoio: “Existe a vontade de todos”.

A Conferência Episcopal assegura que se junta ao pedido do Defensor cívico, instando o Estado a implementar as recomendações contidas no relatório às várias instituições, para que elas assumam as suas responsabilidades em pôr fim a este flagelo que afeta toda a sociedade.

Juntamente com a responsabilidade da Igreja na questão dos abusos, o estudo do Defensor apresenta uma visão geral do problema também fora da Igreja: “o abuso sexual contra menores é um problema social ao qual todas as instituições públicas e empresas privadas têm o dever de responder”, diz o estudo. “Não levar em conta a extensão do problema e a sua dimensão amplamente extraeclesial significa não enfrentar as causas do problema e perpetuá-lo ao longo do tempo”, afirmam os prelados espanhóis. “Um único caso de abuso já é intolerável”, reiteram, expressando o compromisso de erradicar os abusos sexuais contra menores na Igreja e na sociedade.

Durante a conferência de imprensa, o secretário da CEE, Dom Francisco César García Magán, quis enfatizar que “é injusto e falso estender uma sombra de escuridão e suspeita sobre todos os sacerdotes e pessoas consagradas”. “A grande maioria de nossos sacerdotes e religiosos”, disse, “trabalha fiel e desinteressadamente, servindo ao povo de Deus, tanto nas paróquias como nas comunidades, e naquelas áreas da Espanha esvaziada e rural, prestando serviço espiritual e de acompanhamento, porque estamos a falar de solidão e de uma população idosa. Aí temos muitos padres que trabalham com horários heroicos.”

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É de salientar, além da surpresa dos bispos, a sua determinação em se juntarem à postura da Provedoria de Justiça, a manutenção do estudo por eles requisitado e, sobretudo, apesar de criticarem a extrapolação (que se entende necessária como estratégia metodológica), afirmarem categoricamente a necessidade da extinguir o flagelo na Igreja e na sociedade, incluindo a contribuição pecuniária para o sugerido fundo estatal.

Também é de enaltecer a tentativa de equanimidade da Provedoria de Justiça ao salientar as respostas que a Igreja, no meio da sua grande heterogeneidade, tem vindo a dar ao problema. Com efeito, o relatório especifica, no quadro das respostas da Igreja, o marco jurídico e institucional; atuações específicas da Igreja em Espanha, ante as denúncias de abuso sexual, e a atenção às vítimas; e respostas da Igreja ao defensor do povo.

Por outro lado, o relatório fala dos abusos noutras confissões religiosas e das obrigações também dos Estados, quer na prevenção, no combate e na reparação, a nível pecuniário, mas sobretudo psicológico.

Por fim, é de inteira justiça não tomar a árvore pela floresta e lançar o labéu sobre todos os agentes ativos da Igreja Católica.

2023.10.31 – Louro de Carvalho

Aceleração das progressões na função pública? Sim, mas ainda não

 

O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 75/2023, de 29 de agosto, refere que “o Programa do XXIII Governo Constitucional assumiu o desígnio de assegurar serviços públicos de qualidade que contribuam para a redução das desigualdades, contando, para tal, com a valorização e melhoria das condições do exercício das funções públicas, em ordem a garantir percursos profissionais com futuro, procurando garantir previsibilidade, justiça e equidade”.

Admite que, por força do congelamento ocorrido entre 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007 e entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017, “não foi possível fazer repercutir na esfera jurídica dos trabalhadores, na sua plenitude, os efeitos associados à avaliação do desempenho individual, nomeadamente a alteração obrigatória de posicionamento remuneratório na carreira dos trabalhadores com vínculo de emprego público”. E considera que tal preocupação “esteve subjacente ao regime especial na progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, para os períodos de congelamento”.

Assim, reconhecendo “os impactos destes períodos de congelamento no normal desenvolvimento das carreiras”, estabeleceu “um regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público, através da redução do número de pontos necessários para alteração obrigatória do posicionamento remuneratório”. Este regime aplica-se às carreiras “cuja alteração do posicionamento remuneratório decorra em razão de pontos obtidos em resultado da avaliação de desempenho”, tendo impacto “nas entidades públicas empresariais integradas no Serviço Nacional de Saúde [SNS], por via dos acordos coletivos de trabalho existentes, mantendo-se para os demais contratos individuais de trabalho o desenvolvimento das carreiras previsto nos correspondentes instrumentos de regulamentação coletiva”.

Porém, esta solução “não prejudica que, em diferentes conjunturas, designadamente em próximas legislaturas, possam ser adotadas outras soluções, sem prejuízo naturalmente dos direitos ora adquiridos pelos trabalhadores da Administração Pública”.

Nos termos deste diploma, que “estabelece um regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público” (artigo 1.º), abrange os trabalhadores “com vínculo de emprego público integrados em carreira que, à data de entrada em vigor do presente decreto-lei [1/1 2024], reúnam os seguintes requisitos cumulativos: a) efetuem a alteração obrigatória de posicionamento remuneratório, em razão de pontos acumulados nas avaliações do desempenho; b) detenham 18 ou mais anos de exercício de funções integrados em carreira ou carreiras, abrangendo os períodos compreendidos entre: i) 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007; ii) 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017” (artigo 2.º).

Por conseguinte, a teor do artigo 3.º, “os trabalhadores que, no ano de 2024 ou seguintes, acumulem seis ou mais pontos nas avaliações do desempenho, relativas às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram, alteram o seu posicionamento remuneratório para a posição remuneratória seguinte à detida” (n.º 1). “Quando os trabalhadores tenham acumulado mais do que seis pontos, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório” (ver n.º 2). “A redução do número de pontos necessários para a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório […] é aplicável apenas uma vez a cada trabalhador” (n.º 3). “A alteração do posicionamento remuneratório produz efeitos a 1 de janeiro do ano em que o trabalhador acumule o número de pontos necessários para a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório” (n.º 4).

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Em consequência do referido no preâmbulo do referido decreto-lei – de que a solução vigente “não prejudica que, em diferentes conjunturas, designadamente [recordo a importância que o Presidente da República deu ao adverbio ‘designadamente’, no caso dos professores] em próximas legislaturas, possam ser adotadas outras soluções” – o governo está disponível para alargar quotas para melhores notas na avaliação de desempenho e acelerar progressões (mas só em 2026).

Neste sentido, governo e sindicatos discutiram, a 30 de outubro, a revisão do sistema de avaliação de desempenho na Administração Pública (SIADAP). Segundo a Frente Comum, o Executivo anunciou o alargamento de quotas com nota diferenciada, face à proposta inicial, levando a progressões mais rápidas para parte dos funcionários públicos, e aumentando os prémios de desempenho para dirigentes de três mil para quatro mil euros.

Assim, o governo dá um passo ao encontro de uma das maiores reivindicações dos sindicatos da Administração Pública (AP), alargando as quotas para as melhores notas na avaliação de desempenho, o que redundará em progressão mais rápida na carreira e, consequentemente, em valorização salarial, para boa parte dos funcionários públicos. Todavia, fica longe da extinção de quotas que os sindicatos exigiam, de forma transversal.

Nestes termos, a parcela de trabalhadores que podem obter mais de um ponto por ano na avaliação de desempenho, para efeitos de futura alteração remuneratória, passará a ser de 60%, face à proposta inicial, que apontava para 50%. Esta foi a novidade da reunião do dia 30 de outubro, com a secretária de Estado da Administração Pública, Inês Ramires, veiculada para a comunicação social Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum – filiada na Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) –, a primeira estrutura representativa dos trabalhadores a reunir com o Executivo

Até agora, só 25% dos funcionários públicos, no máximo, podem ter uma nota diferenciada, isto é, mais de um ponto por ano.

A proposta apresentada aos sindicatos significa que, em cada serviço, 30% dos trabalhadores poderão ter, no máximo, menção de “bom” (a que correspondem 1,5 pontos por ano). Este valor compara com os 25% da proposta inicial, em julho. Além disso, outros 30% do total poderão ser classificados com a menção de “muito bom” (dois pontos). Uma percentagem que também estava nos 25% na proposta de julho. Já os trabalhadores classificados com “excelente”, continuam a sair da fatia dos muito bons, mas podem atingir um máximo de 10% desta parcela, quando a proposta inicial restringia essa parcela a 5%.

Até agora, 75% dos trabalhadores da AP podem ter, em cada ciclo avaliativo, no máximo, uma classificação de “adequado” (a que corresponde um ponto por ano) e só 25% podem ter a classificação de “relevante” (a que correspondem dois pontos por ano), fatia de onde sai o máximo de 5% com a classificação de excelente (a que correspondem três pontos por ano).

O alargamento das quotas para as notas diferenciadas na avaliação de desempenho dos funcionários públicos acresce às mudanças no SIADAP previstas na proposta de julho.

A avaliação passará a ser feita em ciclos anuais, em vez de bienais. Deixará de ser necessário acumular os atuais 10 pontos na avaliação de desempenho para progredir uma posição remuneratória, passando a ser necessários apenas oito pontos. Estas duas alterações juntam-se à medida de manutenção dos pontos remanescentes entre mudanças de posicionamento, que já está em vigor. Em conjunto, estas mudanças significam que os funcionários públicos poderão atingir, mais cedo, os pontos necessários para avançarem na carreira.

Além disso, há uma alteração na escala das notas na avaliação de desempenho. Até agora, os trabalhadores podem ser classificados com “excelente” (a que correspondem três pontos por ano), “relevante” (dois pontos), “adequado” (um ponto), ou “inadequado” (em que se retira um ponto). Com a revisão do SIADAP, a escala terá mais níveis: “excelente” (três pontos), “muito bom” (dois pontos), “bom” (nova menção, a que correspondem 1,5 pontos por ano), “regular” (um ponto), e “inadequado” (corresponderá a zero pontos, em vez de ser retirado um ponto).

Obviamente, estas alterações permitirão que os funcionários públicos progridam, de forma mais rápida, na carreira, com reflexo no salário mensal, mas só a partir de 2026.

A proposta do Executivo é de que o novo modelo entre em vigor em 2025, produzindo efeitos ao nível da mudança de posição remuneratória dos trabalhadores a partir de 2026, ano em que terminará a atual legislatura, se as condições políticas não determinarem e sua interrupção por dissolução parlamentar. Estão em causa cerca de 65% dos trabalhadores da AP – cerca de 485 mil pessoas –, cuja progressão na carreira depende dos pontos obtidos na avaliação de desempenho, através do SIADAP ou de regimes adaptados. É o caso, por exemplo, de todos os funcionários integrados nas carreiras gerais da AP: técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais. Ficam de fora os militares, os profissionais da Guarda Nacional Republicana (GNR), os docentes, os oficiais de justiça e os juízes, cujas carreiras assentam em outros critérios.

Esta proposta continua longe das exigências da Frente Comum (FC). “O governo não aceitou qualquer uma das nossas propostas”, vincou Sebastião Santana. A FC reivindica a extinção das quotas na avaliação de desempenho e a redução para quatro dos pontos necessários para progredir uma posição remuneratória. Isto, para permitir que todos os trabalhadores da AP possam atingir o topo das respetivas carreiras, no máximo, ao fim de 40 anos de trabalho. Por isso, a FC quer continuar a negociação. “Pelo governo, o tema ficava fechado hoje”, mas, “vamos pedir reunião de negociação suplementar”, adiantou Sebastião Santana. E, sobre a atualização salarial para o próximo ano, tema que o Executivo deu como fechado, a FC voltou a insistir, na reunião do dia 30 de outubro, em maiores aumentos. “Fechámos a reunião dizendo que, perante a greve da última sexta-feira [27 de outubro], o governo tem de voltar à negociação dos aumentos salariais para o próximo ano até à votação final do Orçamento do Estado”, indicou Sebastião Santana.

Também a FESAP – filiada na União Geral dos Trabalhadores (UGT) – pediu reunião de negociação suplementar, que deverá realizar-se a 15 de novembro. “Dada a disponibilidade para melhorar as quotas, dissemos ao governo que fosse mais longe”, disse José Abraão, dirigente da FESAP. E a contraproposta desta estrutura sindical é: “Os que têm um ponto na avaliação passarem a ser só 30% do total, e os ‘excelentes’ (três pontos) passarem a ser 10% do total”.

A resposta da secretária de Estado foi que, “neste momento, o que está em cima da mesa é esta proposta”, revelou José Abraão, acrescentando que a resposta foi semelhante, face à reivindicação da entrada em vigor do novo modelo mais cedo do que o Executivo propõe. Ante essa posição de Inês Ramires, “temos a expetativa de que não sejam matérias fechadas e que a proposta ainda possa ser melhorada”, apontou José Abraão.

Outra relevante novidade surgiu ao nível dos prémios de desempenho dos dirigentes públicos, com o governo a propor um aumento de 1000 euros para os 4000 euros. Aliás, a comunicação social já vinha falando em aumento da remuneração dos técnicos superiores na AP. Contudo, o que é referido são dirigentes, quando há técnicos superiores que não ocupam cargos de direção.

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Última nota: O governo preconiza o esbatimento das desigualdades e diz querer garantir “previsibilidade, justiça e equidade”. Porém, o regime especial de progressão dos professores (ver Decreto-Lei n.º 74/2023, de 25 de agosto), apenas se aplica a quem exerça “funções docentes ou legalmente equiparadas desde o ano 2005-2006” (ver artigo 2.º, n.º 1, alínea a)). E os outros? Além disso, não se prevê aumento dos percentis das classificações de “muito bom” e de “excelente” na avaliação de desempenho docente, de que resulta maior rapidez na progressão.

Falar de justiça e de equidade é bonito, mas não basta!

O Estado tem mesmo de valorizar todos os seus trabalhadores, com justiça e com equidade, porque o merecem como pessoas, para prestigiar a dignidade do serviço público e para que os trabalhadores não se escapem para o setor privado ou para o estrangeiro.  

2023.10.31 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Uma Igreja que envolve todos e está próxima das feridas do Mundo

 

Foi publicado, a 28 de outubro, o Relatório de Síntese (doravante Relatório) na conclusão da XVI Assembleia Geral do Sínodo sobre a Sinodalidade, que, em vista da segunda sessão em 2024, oferece reflexões e propostas sobre temáticas diversas.

Após quatro semanas de trabalho, começado, a 4 de outubro na Sala Paulo VI, no Vaticano, o evento eclesial concluiu, no dia 28, a primeira sessão. Daí resultou um olhar renovado sobre o Mundo, a Igreja e suas instâncias, desdobrado em temáticas, como mulheres e leigos, episcopado, sacerdócio, diaconado, ministério e magistério, paz e ambiente, pobres e migrantes, ecumenismo e identidade, novas linguagens e estruturas renovadas, antigas e novas missões (também digitais), ouvir todos e aprofundar sobre tudo, mesmo sobre as questões mais polémicas.

São cerca de 40 as páginas do documento, fruto do trabalho da Assembleia, que “se realizou, enquanto velhas e novas guerras assolam o Mundo, com o drama absurdo de inúmeras vítimas”. “O grito dos pobres, dos que são obrigados a migrar, dos que sofrem violência ou sofrem as consequências devastadoras das mudanças climáticas ressoou entre nós, não só através dos media, mas também das vozes de muitos, pessoalmente envolvidos com as suas famílias e povos nesses trágicos acontecimentos”, diz o documento (Premissa). A este e a muitos outros desafios, a Igreja universal oferece uma resposta nos Círculos Menores e nas intervenções. Tudo foi reunido no Relatório, dividido em três partes, que traça o caminho para a segunda sessão, em 2024.

Como na Carta ao Povo de Deus, a Assembleia Sinodal reafirmou “a abertura para ouvir e acompanhar todos, inclusive os que sofreram abusos e ferimentos na Igreja”. Ao longo do caminho a percorrer “rumo à reconciliação e à justiça”, “é preciso abordar as condições estruturais que permitiram tais abusos e fazer gestos concretos de penitência”.

A sinodalidade, um primeiro passo, é um termo que os próprios participantes do Sínodo admitem ser “desconhecido para muitos membros do Povo de Deus” e que desperta confusão e preocupação entre os que temem o afastamento da tradição, o rebaixamento da natureza hierárquica da Igreja, a perda de poder ou a imobilidade e a falta de coragem para mudar. Em vez disso, “sinodal” e “sinodalidade” são termos indicativos de um modo de ser Igreja, que “articula comunhão, missão e participação”, portanto, um modo de viver a Igreja, valorizando as diferenças e desenvolvendo o envolvimento ativo de todos, a começar por bispos e presbíteros: “a Igreja sinodal não pode prescindir de suas vozes”. Precisamos entender as razões da resistência à sinodalidade da parte de alguns.

Porém, a sinodalidade anda a par com a missão, pelo que é necessário que “as comunidades cristãs compartilhem a fraternidade com homens e mulheres de outras religiões, convicções e culturas”, evitando o risco da autorreferencialidade e da autopreservação e o da perda de identidade”. Neste novo “estilo pastoral”, é importante, para muitos, tornar a linguagem litúrgica acessível aos fiéis e incorporada à diversidade de culturas”.

No Relatório, é dedicado um amplo espaço aos pobres, que pedem à Igreja “amor”, entendido como “respeito, acolhimento e reconhecimento”. Para a Igreja, a opção pelos pobres e descartados é categoria teológica antes de ser cultural, sociológica, política ou filosófica. Identificam-se como pobres os migrantes, os indígenas, as vítimas de violência, de abusos (especialmente mulheres), de racismo e de tráfico, pessoas com vícios, minorias, idosos abandonados e trabalhadores explorados. “Os mais vulneráveis dos vulneráveis, para os quais é necessária uma defesa constante, são as crianças no ventre materno e as suas mães”, diz o texto, que afirma estar “ciente do grito dos ‘novos pobres’, produzido pelas guerras e pelo terrorismo” e “por sistemas políticos e económicos corruptos”. Nesse sentido, solicita-se um comprometimento da Igreja com a “denúncia pública das injustiças” perpetradas por indivíduos, governos e empresas e com o envolvimento ativo na política, nas associações, nos sindicatos e nos movimentos populares, mas não descurando a ação consolidada da Igreja nos campos da educação, da saúde e da assistência social, “sem qualquer discriminação ou exclusão de quem quer que seja”.

Concentra-se o foco nos migrantes e refugiados, “muitos dos quais carregam as feridas do desenraizamento, da guerra e da violência”. Tornam-se “fonte de renovação e de enriquecimento para as comunidades que os acolhem e uma oportunidade de estabelecer um vínculo direto com Igrejas geograficamente distantes”. Face a atitudes cada vez mais hostis em relação a eles, o Sínodo insta “a praticar um acolhimento aberto, a acompanhá-los na construção de um novo projeto de vida e a construir uma verdadeira comunhão intercultural entre os povos”, sendo fundamental o respeito pelas tradições litúrgicas e práticas religiosas e pela linguagem.

Por exemplo, a palavra “missão”, nos contextos em que a proclamação do Evangelho tem sido associada à colonização e ao genocídio, está carregada de “doloroso legado histórico” e dificulta a comunhão. “Evangelizar nesses contextos requer o reconhecimento dos erros cometidos, aprendendo uma nova sensibilidade para essas questões.”

Pede-se igual empenho e cuidado da Igreja em educar para a cultura do diálogo e do encontro, combatendo o racismo e a xenofobia, sobretudo nos programas de formação pastoral. E urge “identificar os sistemas que criam ou mantêm a injustiça racial dentro da Igreja e combatê-los”.

Ainda sobre o tema da migração, o olhar vai para a Europa Oriental e os recentes conflitos que causaram o fluxo de numerosos fiéis do Oriente católico para territórios de maioria latina. É necessário que “as Igrejas locais de rito latino, em nome da sinodalidade, ajudem os fiéis orientais que emigraram a preservar a sua identidade”, sem passar por “processos de assimilação”.

No atinente ao ecumenismo, fala-se de renovação espiritual fruto de processos de arrependimento e de cura da memória. E, citando a expressão do Papa de um “ecumenismo do sangue”, isto é, “cristãos de diferentes pertenças que juntos dão a vida pela fé em Cristo”, relança-se a proposta de um martirológio ecuménico e reitera-se que a “colaboração entre todos os cristãos” é um recurso “para curar a cultura do ódio, da divisão e da guerra, que põe grupos, povos uns contra os outros”. E não se esquece a questão dos chamados casamentos mistos, que são realidades nas quais “podemos evangelizar uns aos outros”.

Os leigos e leigas, os consagrados e consagradas, e os ministros ordenados têm igual dignidade. É pressuposto reiterado com força no relatório, lembrando como os fiéis leigos “estão cada vez mais presentes e ativos também no serviço dentro das comunidades cristãs”. Educadores na fé, teólogos, formadores, animadores espirituais e catequistas, ativos na salvaguarda e na administração: a sua contribuição é “indispensável para a missão da Igreja”. E os diferentes carismas devem ser evidenciados, reconhecidos e plenamente valorizados, e não menosprezados, apenas suprindo a falta de sacerdotes, ou pior, ignorados, subutilizados e clericalizados.

Forte é o compromisso pedido à Igreja para o acompanhamento e a compreensão das mulheres em todos os aspetos das suas vidas, inclusive pastorais e sacramentais. As mulheres “exigem justiça numa sociedade marcada pela violência sexual, pelas desigualdades económicas e pela tendência de as tratar como objetos”. “O acompanhamento e a forte promoção das mulheres andam de mãos dadas.” Muitas mulheres presentes no Sínodo “expressaram profunda gratidão pelo trabalho dos padres e dos bispos”, mas “falaram de uma Igreja que fere”, do clericalismo, do machismo e do uso inadequado da autoridade a marcar a face da Igreja e a prejudicar a comunhão. É necessária “profunda conversão espiritual e mudanças estruturais”, bem como “diálogo entre homens e mulheres, sem subordinação, exclusão ou competição”.

As opiniões variam sobre o acesso das mulheres ao diaconado: para alguns, é passo inaceitável, “em descontinuidade com a Tradição”; para outros, restauraria uma prática da Igreja primitiva; e, para outros, seria “uma resposta apropriada e necessária aos sinais dos tempos”, para “renovar a vitalidade e a energia da Igreja”. E alguns expressam o temor de que o pedido seja a expressão de perigosa confusão antropológica, aceitando que a Igreja alinhe com o espírito dos tempos. Porém, os padres e as mães do Sínodo pedem para continuar “a pesquisa teológica e pastoral sobre o acesso das mulheres ao diaconado”, usando os resultados das comissões criadas pelo Papa e a pesquisa teológica, histórica e exegética realizada: “se possível, os resultados devem ser apresentados na próxima sessão da Assembleia”.

Entretanto, reitera-se a urgência de “garantir que as mulheres participem dos processos de tomada de decisão e assumam papéis de responsabilidade no cuidado pastoral e no ministério”, o que postula a adaptação do Direito Canónico a este quesito. Os casos de discriminação no emprego e remuneração injusta devem ser abordados, inclusive na Igreja, onde “as mulheres consagradas são frequentemente consideradas mão-de-obra barata”. Em vez disso, deve ser ampliado o acesso das mulheres à educação teológica e aos programas de formação, incluindo a promoção do uso de linguagem inclusiva em textos litúrgicos e documentos da Igreja.

Observando a riqueza e a variedade das diferentes formas de Vida Consagrada, adverte-se contra a “persistência de um estilo autoritário, que não abre espaço para o diálogo fraterno”. É aqui que se geram casos de abusos de vários tipos contra pessoas consagradas e membros de agregações leigas, especialmente mulheres. O problema “requer intervenções decisivas e apropriadas”.

É expressa a gratidão aos diáconos “chamados a viver o seu serviço do Povo de Deus em atitude de proximidade com as pessoas, de acolhimento e de escuta de todos”. O perigo é o clericalismo, uma “deformação do sacerdócio” a combater “desde as primeiras etapas da formação”, graças a “um contacto vivo” com o povo e com os necessitados. Nessa linha, pede-se que os seminários ou outros cursos de formação dos candidatos ao ministério estejam ligados à vida quotidiana das comunidades, a fim de evitar “os riscos do formalismo e da ideologia que levam a atitudes autoritárias e impedem o verdadeiro crescimento vocacional”.

Foi mencionado o tema do celibato, que recebeu diferentes avaliações na Assembleia. Todos “apreciam o seu valor profético e o testemunho de conformação a Cristo; alguns perguntam-se se a sua adequação teológica com o ministério sacerdotal deve necessariamente traduzir-se na Igreja latina numa obrigação disciplinar, especialmente onde os contextos eclesiais e culturais o tornam mais difícil”. Não é um tema novo, mas “precisa ser aprofundado”.

Há uma ampla reflexão sobre a figura e o papel do bispo, chamado a ser “um exemplo de sinodalidade”, ao exercer a “corresponsabilidade”, entendida como envolvimento de outros atores dentro da diocese e do clero, de modo a aliviar a “sobrecarga de compromissos administrativos e jurídicos” que, muitas vezes, atrapalham a sua missão. Juntamente com isso, o bispo “nem sempre encontra apoio humano e espiritual” e “a experiência dolorosa de certa solidão não é incomum”.

Sobre os abusos, que põem bispos na dificuldade de conciliar o papel de pai e o de juiz, sugere-se “a possibilidade de confiar a tarefa judicial a outro órgão, a ser especificado canonicamente”.

Em seguida, pede-se uma “abordagem sinodal” para a formação, recomendando, antes de tudo, “aprofundar o tema da educação afetiva e sexual, acompanhar os jovens no seu caminho de crescimento e apoiar o amadurecimento afetivo dos que são chamados ao celibato e à castidade consagrada”. Pede-se o aprofundamento do diálogo com as ciências humanas, de modo a desenvolver questões controversas “até mesmo dentro da Igreja”, por exemplo, questões atinentes à identidade de género e à orientação sexual, ao fim da vida, a situações matrimoniais difíceis e a problemas éticos relacionados com a inteligência artificial. É, por isso, importante “dedicar o tempo necessário a essa reflexão e investir nela as melhores energias, sem ceder a julgamentos simplificadores que ferem as pessoas e o Corpo da Igreja”, havendo já muitas indicações oferecidas pelo Magistério, que esperam ser traduzidas em iniciativas pastorais apropriadas.

Com a mesma preocupação, é renovado o convite para uma escuta autêntica das “pessoas que se sentem marginalizadas ou excluídas da Igreja, por causa da sua situação conjugal, identidade e sexualidade” e que “pedem para serem ouvidas e acompanhadas; e que a sua dignidade seja defendida”. O seu desejo é “voltar para casa”, na Igreja, e serem ouvidas e respeitadas, sem medo de se sentirem julgadas. E a Assembleia reafirma que “os cristãos não podem deixar de respeitar a dignidade de qualquer pessoa”.

À luz das experiências relatadas na Assembleia por membros do Sínodo da África, o SECAM (Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar) é incentivada a promoção do “discernimento teológico e pastoral” sobre a poligamia e do “acompanhamento de pessoas em uniões poligâmicas que estão chegando à fé”.

Por fim, o Relatório fala sobre o ambiente digital. O incentivo é para “alcançar a cultura atual em todos os espaços onde as pessoas buscam significado e amor, incluindo os seus telemóveis e tablets”, tendo em mente que a Internet “também pode causar danos e lesões, por exemplo, por meio de bullying, desinformação, exploração sexual e dependência”. É, pois, urgente “refletir sobre como a comunidade cristã pode apoiar as famílias para garantir que o espaço online não seja apenas seguro, mas também espiritualmente vivificante”.

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A jornalista católica Sheila Pires, natural de Moçambique e residente na África do Sul, é uma das representantes dos leigos da África (a outra foi a teóloga ganesa, Nora Kofognotera Nonterah) que veio a esta fase do Sínodo. Antes de deixar Roma, partilhou, através do Vatican News, a experiência que diz ter sido muito enriquecedora, uma bênção de Deus, tendo aprendido muito e procurado pôr em ato uma forma ágil de comunicar, desde Roma, o Sínodo a quem ficou em África, do que resultou significativo aumento dos seguidores da página fb da SACB.

Fala do muito interesse das pessoas em saber da vida da Igreja e do Sínodo. Agora, é fazer tudo para manter esse espírito e ter a certeza de que o documento desta fase chegará a todo o povo de Deus e que se intensificará o processo de escuta e debate sobre as diversas problemáticas, ficando em aberto este processo sinodal sobre a sinodalidade que se concluirá em outubro de 2024. Grata por esta experiência, convida a rezar por Francisco, por todos e pela feliz conclusão deste Sínodo em que, pela primeira vez, foi significativa a participação de leigos, mulheres, jovens e cujos anseios foram contemplados nos debates e no Documento final.

2023.10.30 – Louro de Carvalho

A prioridade do cristão é o amor, pois onde há amor está Deus

 

A liturgia do 30.º domingo do Tempo Comum no Ano A sustenta, clara e inquestionavelmente, que o amor está no centro da experiência cristã e é a mola propulsora da vida de união a Cristo e da comunhão fraterna. Como dizia, há tempos, o cardeal Américo Aguiar, se a pedagogia de Jesus tivesse usado a informática e a Internet, a password que identificaria cada um dos crentes para a cibernavegação seria “amor”. Na verdade, a cada passo cantámos “Ubi caritas et amor, Deus ibi est” (onde há caridade e amor, aí está Deus)  

 O que Deus pede e exige a cada crente é que deixe que o coração se submerja no amor.

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A primeira leitura (Ex 22,20-26) certifica-nos de que Deus não quer a perpetuação de situações de injustiça, de arbitrariedade, de opressão, de desrespeito pelos direitos e pela dignidade dos pobres e dos débeis. O trecho veterotestamentário em referência fala do desconforto dos estrangeiros, dos órfãos, das viúvas e dos pobres, vítimas da especulação dos usurários, vincando que toda a injustiça ou arbitrariedade praticada contra o irmão mais pobre ou mais débil é crime grave contra Deus e que, afastando-nos da comunhão com Deus, nos põe fora da órbita da Aliança.

O Decálogo ou dez mandamentos (cf Ex 20,2-17) constitui o coração da Aliança e apresenta os valores fundamentais que devem marcar o comportamento do Povo de Deus em relação a Javé e à vida comunitária. Porém, as leis do Decálogo, que eram gerais, não contemplavam todos os casos e situações. Por isso, a complexidade da vida diária exigiu o esclarecimento e a concretização das leis do Decálogo. Assim, foram-se gizando normas concretas para regular o devir quotidiano do Povo de Deus, sendo que o Livro do Êxodo contém uma ampla recompilação dessas leis que explicitam o Decálogo.

Logo a seguir ao Decálogo, os catequistas de Israel colocaram um bloco heterodoxo de leis, conhecido como o “Código da Aliança” (cf Ex 20,22-23,19), isto é, um conjunto de leis que os autores do Livro do Êxodo apresentam como ditadas por Deus a Moisés, no Sinai, quando, na realidade, são leis de proveniência diversa, cuja antiguidade é discutível, mas que a maioria dos estudiosos situa no tempo dos “juízes” (século XII a.C.).

O “Código da Aliança” regula vários aspetos da vida do Povo de Deus, desde o culto até às relações sociais. São prescrições, soluções, disposições justas, sãs e sólidas, que explicitam os princípios, solucionam as dificuldades e ordenam a conduta dos homens nas situações comuns e variáveis da condição humana. Nele sobressaem a viva consciência de que Israel é chamado à comunhão com Deus e o forte sentido social. Revela um Povo preocupado em concretizar os compromissos da Aliança na vida de cada dia. E sugere que a fé de Israel não é realidade abstrata ou fantasmagórica, mas realidade viva, que regula e anima cada setor da vida prática.

O trecho em apreço, um excerto do “Código da Aliança”, refere algumas exigências sociais que resultam da Aliança; e apresenta indicações sobre como lidar com três realidades de carência, de necessidade, de debilidade: a do estrangeiro, a do órfão e da viúva, e a do pobre que se obrigou a pedir dinheiro emprestado. São pessoas em situação jurídica e socioeconómica difícil, a maior parte das vezes, longe de serem acolhidas e compreendidas.

O estrangeiro é, habitualmente, um desenraizado, obrigado a deixar a sua terra e o seu quadro de relações familiares, atirado para um adverso ambiente cultural e social, onde as leis locais nem sempre protegem os seus direitos e a sua dignidade. Ao invés, é votado ao desprezo e explorado. A debilidade é aproveitada, muitas vezes, por pessoas que os exploram, escravizam e que praticam impunemente contra eles as maiores injustiças.  

O órfão e a viúva integram a categoria das vítimas tradicionais dos abusos dos poderosos. Desprotegidos, ignorados pelos dirigentes e pelos juízes, sem defesa ante as arbitrariedades dos fortes, vítimas de toda a espécie de injustiças, têm em Deus o seu único defensor.

O pobre que pede dinheiro é, quase sempre, o camponês carregado de impostos, arruinado por anos de más colheitas, que tem de pedir dinheiro para pagar as dívidas e para sustentar a família. A sua extrema necessidade é explorada pelos usurários e pelos especuladores, que o obrigam a deixar como penhor os bens mais básicos. Sufocado por juros altíssimos, acaba por perder tudo e ficar na miséria mais absoluta, condenado a morrer de frio ou de fome.

A religiosa sensibilidade israelita dita que Deus não tolera a perpetuação destas situações de injustiça e de opressão. Se Israel quer viver em comunhão com Deus e aproximar-se do Deus santo, tem de banir as injustiças e as arbitrariedades sobre os mais débeis – designadamente estrangeiros, órfãos, viúvas e pobres. Essa é uma das condições para a vigência da Aliança.

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O Evangelho (Mt 22,34-40) preconiza que toda a revelação de Deus se sintetiza no amor – amor a Deus e amor aos irmãos – e que estes dois mandamentos são inseparáveis, de modo que, se alguém ama verdadeiramente a Deus, ama necessariamente o próximo; e, se alguém não ama o próximo, não ama a Deus e, se diz que O ama, é mentiroso, pois estes ditos dois mandamentos são semelhantes, isto é, têm a mesma índole. Amar a Deus é fazer a sua vontade e estabelecer com os irmãos relação de amor, de solidariedade, de partilha, de serviço, até ao dom da vida. O resto é explicação, desenvolvimento, aplicação destas coordenadas da vida cristã à vida prática.

Após as controvérsias com os dirigentes judaicos sobre o tributo a César e sobre a ressurreição dos mortos, vem a controvérsia sobre o maior mandamento da Lei. Os fariseus, ao perguntarem a Jesus qual é o maior mandamento da Lei, procuram demonstrar que Jesus não sabe interpretar a Lei, pelo que não merece crédito.

A questão do maior mandamento da Lei não era pacífica e, no tempo de Jesus, era objeto de intermináveis debates entre os fariseus e os doutores da Lei. A preocupação em atualizar a Lei, de modo que ela respondesse a todas as questões que a vida do quotidiano colocava, levara os doutores da Lei a deduzir um conjunto de 613 preceitos, dos quais 365 eram proibições e 248 ações a praticar. Esta multiplicação preceitual lançava a questão das prioridades: Todos os preceitos têm a mesma importância ou há algum mais importante do que os outros? Todavia, a resposta de Jesus supera o estreito horizonte da pergunta, situando-se ao nível das opções profundas do homem. O importante, na perspetiva de Jesus (responde aos fariseus, que ouviram dizer que reduzira ao silêncio os saduceus), não é definir qual o mandamento mais importante, mas encontrar a raiz de todos eles. E, nesta perspetiva, essa raiz gira à volta de duas coordenadas: o amor a Deus e o amor ao próximo – de que a Lei e os Profetas são apenas comentários.

Os cristãos de Mateus usavam a expressão “a Lei e os Profetas” para se referirem aos livros inspirados do Antigo Testamento, que apresentavam a revelação de Deus. Portanto, dizer que a Lei e os Profetas se resumem nestes dois mandamentos significa que eles encerram toda a revelação de Deus, contendo a totalidade da proposta de Deus aos homens.

A originalidade deste sumário evangélico da Lei não está nas ideias de amor a Deus e ao próximo, que são conhecidas do Antigo Testamento (Jesus limita-Se a citar Dt 6,5, no atinente ao amor a Deus, e Lv 19,18, no respeitante ao amor ao próximo), mas está no facto de Jesus os aproximar um do outro, pondo-os em paralelo, e no facto de Jesus simplificar e concentrar toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos. Portanto, o compromisso religioso, proposto aos crentes do Antigo e do Novo Testamento, resume-se no amor a Deus e no amor ao próximo, amor que deve ser entendido na ótica de Jesus.

Segundo os relatos evangélicos, Jesus nunca se preocupou excessivamente com os rituais que a religião judaica estabelecia, nem viveu obcecado com a oferta de dons materiais a Deus. A sua grande preocupação foi discernir a vontade do Pai e cumpri-la com fidelidade e amor. Amar a Deus é, pois, na lógica de Jesus, estar atento ao desígnio do Pai e procurar concretizar, na vida diária, os seus planos. Ora, na vida de Jesus, o cumprimento da vontade do Pai passa por fazer da vida uma entrega de amor aos irmãos, se necessário, até ao dom total de si mesmo.

Assim, para Jesus, amor a Deus e amor aos irmãos estão interligados. Não são dois mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda. Amar a Deus é cumprir o seu desígnio de amor, que se concretiza na solidariedade, na partilha, no serviço, no dom da vida aos irmãos.

O texto ensina que deves amar a Deus totalmente, ou seja, “com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua inteligência” (em vez de “com toda a tua inteligência”, Lucas diz: “com todas as tuas forças”; e Marcos diz: “com toda a tua capacidade”). Exige um empenho total de si próprio. Costumamos dizer “amar a Deus sobre todas as coisas”, não dizemos “sobre todas as pessoas”, porque isso seria negar o dito segundo mandamento.      

O texto, no atinente ao amor ao próximo estatui que é preciso “amar o próximo como a ti mesmo”. A expressão “como a ti mesmo” não significa nenhuma espécie de condicionalismo, mas implica a totalidade do amor, exatamente como no amor a Deus. Por outro lado, supõe que a pessoa gosta de si própria, cuida do seu corpo, da sua saúde, da sua alimentação, do seu vestuário, da sua alma, da sua casa, da sua família. E é bom que assim seja, para, de igual modo, proceder com o semelhante. Mais: não vá suceder que sejamos bons para os outros e desprezemos a família, que também é o nosso próximo.   

Noutros textos mateanos, Jesus explica aos discípulos que é preciso amar os inimigos e orar pelos perseguidores. Isto quer dizer que o amor ao próximo é sem limites, sem medida e não distingue bons e maus, amigos e inimigos. Aliás, Lucas, ao contar este episódio, acrescenta-lhe a parábola do bom samaritano, explicando que o amor aos irmãos, pedido por Jesus, é incondicional e deve atingir todo o irmão que encontrarmos nos caminhos da vida, mesmo que ele seja um estrangeiro ou inimigo.

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A segunda leitura (1Ts 1,5c-10) apresenta-nos o exemplo da comunidade cristã de Tessalónica que, apesar da hostilidade e da perseguição, aprendeu, com Cristo e com Paulo, o caminho do amor e do dom da vida.

Paulo continua, no trecho em referência, a longa ação de graças que havia começado. Com efeito, à ação evangelizadora dos apóstolos (Paulo, Silvano, Timóteo) e do Espírito Santo, responderam os Tessalonicenses com o acolhimento entusiasta do Evangelho. O nascimento para Cristo da jovem comunidade cristã aconteceu em ambiente de alegria e de júbilo, apesar da hostilidade provocada pela oposição dos Judeus e pela tensão entre os cristãos e as autoridades da cidade.

Aliás, a alegria e o sofrimento fazem parte do dinamismo do Evangelho. Cristo ofereceu a sua vida até à cruz, para que a Boa Nova do Reino chegasse a toda a Humanidade; Paulo imitou Cristo e anunciou o Evangelho em dificuldades e perseguições; os Tessalonicenses imitaram Paulo e receberam jubilosamente o Evangelho, apesar da hostilidade dos concidadãos; e os crentes de toda a Grécia (“da Macedónia e da Acaia”, as duas províncias romanas da Grécia) imitaram os Tessalonicenses e sofreram alegremente pelo Evangelho.

Assim, fica manifesto que o Senhor, os apóstolos e toda a Igreja partilham o mesmo destino: todos percorrem o mesmo caminho, iluminados pelo Evangelho, na alegria e no sofrimento.

Esta longa cadeia histórica – de Jesus à Igreja – mostra que o Evangelho se faz dinamismo de vida e de salvação para todos os povos, se acolhido na alegria, apesar do sofrimento.

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É o amor a prioridade e a marca dos cristãos; é o amor que leva a suportar o sofrimento com alegria. É a falta de amor, aliada ao exibicionismo, que gera a hipocrisia, a mentira e as estruturas de pecado que invadem o campo eclesial (desde os batizados até ao topo da hierarquia). Mas é o amor que tem a força regeneradora e a capacidade de instaurar o perdão.

2023.10.29 – Louro de Carvalho

domingo, 29 de outubro de 2023

Trabalhadores na administração de grandes empresas

 

O artigo 89.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), no texto atual, estabelece, no âmbito da “participação dos trabalhadores na gestão”, que “nas unidades de produção do setor público, é assegurada uma participação efetiva dos trabalhadores na respetiva gestão”.

Parece que o governo quer estender essa doutrina a todas as grandes empresas. Com efeito, na sessão de encerramento da Conferência Comemorativa do 45.º Aniversário da União Geral de Trabalhadores (UGT), em Lisboa, Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, preconizou a ideia da criação de “mecanismos de inclusão” dos representantes dos trabalhadores na administração das grandes empresas. “Temos sempre novos reptos pela frente e, neste momento em que celebramos os 50 anos do 25 de Abril, precisamos de dar mais passos nesta democratização nos locais de trabalho”, disse a governante, defendendo “a capacidade de encontrar mecanismos de inclusão dos representantes dos trabalhadores na administração das grandes empresas”.

Ana Mendes Godinho lembrou que, para que isto “aconteça”, deve garantir-se que “há diálogo social”. “E o instrumento deve ser [feito] através dos sindicatos, da negociação e dos IRCT – Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho”, sublinhou.

Na sua intervenção, a ministra referiu que o número de IRCT aumentou 54%, em 2023, devido “às medidas criadas pelo governo”, no âmbito do Acordo de Rendimentos para “discriminar positivamente” as empresas que têm “diálogo social ativo”. “Diálogo social ativo é democracia nos locais de trabalho. É isso que cada vez mais precisamos de incentivar, porque esse é também o caminho para o aumento da competitividade das empresas”, adiantou, para clarificar: “Trabalhadores com mais direitos são melhores trabalhadores. São trabalhadores que participam e aumentam a competitividade e o crescimento das empresas.”

Por sua vez, o secretário-geral da UGT, Mário Mourão, afirmou que a UGT é “uma central sindical plural”, defensora dum “sindicalismo reformista”, de “participação”, de “proposição” e de defensora dum modelo de desenvolvimento económico e social assente no “diálogo social e na negociação”. Além disso, frisou que a concertação social “é a base para a coesão”, para um “clima de paz social” e para uma “mais efetiva” implementação de políticas.

Na conferência, foi apresentado o livro que assinala o 45.º aniversário da UGT, “A Concertação Social em Portugal e o Papel da UGT”, de Cristina Rodrigues, investigadora e coordenadora da Comissão de Recursos do Subsídio de Desemprego e de João Freire, investigador, antigo oficial da Armada e agora membro efetivo da Academia da Marinha. Os comentários ao livro estiveram a cargo Luis Filipe Pereira, ex-presidente do CES, João Proença, ex-secretário-geral da UGT.

Na sessão de abertura participaram Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social (CES) e Lucinda Dâmaso, presidente da UGT.

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A esta ideia da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social o constitucionalista Vital Moreira, no blogue “Causa nossa”, reagiu, saudando a defesa governamental da “participação dos trabalhadores no governo das grandes empresas”, que diz vir “defendendo, há muito, “como devendo fazer parte do património doutrinário obrigatório de um partido social-democrata […], como instrumento de democracia económica, de paz social e de eficiência empresarial”. Lembra que a “cogestão” empresarial tinha sido defendida pelo Partido Socialista (PS) nos idos da revolução abrilina e da Assembleia Constituinte, mas que tal compromisso se foi “desvanecendo progressivamente nos programas e na prática política do PS como partido de governo”. Por outro lado, considera que, embora, “retomando a ideia, a ministra remete a sua instituição para a negociação coletiva” e para o “diálogo social”, exclui “a intervenção legislativa” (prevista no projeto de revisão constitucional do PS), o que não leva “a lado nenhum”, mercê da oposição dos acionistas e da “tradição confrontacional da cultura sindical em Portugal”. 

Na verdade, apesar de a CRP estabelecer “a participação dos trabalhadores na gestão das empresas públicas, em geral” como foi referido, isso não se verifica “em quase nenhuma”, pois “a lei não a prevê” (segundo Vital Moreira, inconstitucionalidade por omissão) e os trabalhadores a não exigem. Não obstante, o constitucionalista admite que esta “abertura governamental” venha a ocasionar “o debate político e sindical” que o tema postula.

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É inteiramente verdade que Vital Moreira vem defendendo esta participação dos trabalhadores na gestão das empresas. Com efeito, a 26 de junho de 2014, depois de mencionar a publicação, no “Diário Económico” do dia anterior, das declarações de um administrador e de um representante dos trabalhadores na Volkswagen, ambos pertencentes ao “conselho de supervisão” da empresa-mãe, “no contexto do modelo de cogestão alemão (Mitbestimmung), apontava a cogestão como “um elemento essencial da noção alemã de economia social de mercado, por conferir “aos trabalhadores um direito de representação no ‘parlamento’ das empresas, conjuntamente com os representantes dos acionistas, tornando os trabalhadores em codecisores e corresponsáveis das empresas em que trabalham”. Assim, a “cogestão é um dos principais fatores da relativa ‘paz social’ na Alemanha”, pois contribui para a redução dos conflitos de trabalho e das greves, “para vantagem de ambas as partes na relação laboral”.

Também no mesmo dia 26 de junho de 2014, sublinhava que, “em Portugal nunca vingou a cultura da cogestão empresarial, tendo prevalecido uma cultura de luta de classes”, na empresa. Além disso, revelava que, em 1975, na Assembleia Constituinte (AC), o Partido Popular Democrático (PPD), agora, Partido Social Democrata (PSD), defendia a cogestão. Porém, tal ideia foi derrotada por uma aliança tática entre o Partido Comunista Português (PCP) e o PS (que tinha, na AC, “uma considerável influência trotskista”), vingando a noção de “controlo de gestão”, que ainda consta da CRP (artigo 54.º), mas que foi sendo “esvaziada de sentido prático, à medida que as comissões de trabalhadores foram desaparecendo”.

A Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) e a UGT sempre entenderam a cogestão como “colaboracionismo de classe”. E, embora a CRP estabeleça “a participação dos trabalhadores na gestão das empresas do setor público, isso nunca foi levado à prática” – “situação flagrante de inconstitucionalidade por omissão –, o que “nem os sindicatos nem os partidos reivindicaram”.

A 3 de abril de 2017, o constitucionalista denunciava a “falta de cidadania laboral nas empresas”. Comentando o estudo, citado pelo Expresso, de dois professores, “Greves, representação dos funcionários no local de trabalho, sindicalismo e confiança: evidências de dados internacionais”, apontava “a passividade organizativa dos trabalhadores portugueses nas suas empresas”. Com efeito, Portugal surgia no último lugar em percentagem de empresas onde há comissões de trabalhadores, delegados sindicais ou ambos, quando tem, pelos vistos, “a Constituição e o código de trabalho mais avançados, em matéria de reconhecimento de comissões de trabalhadores e dos seus direitos (incluindo direito a instalações e crédito de horas)”.

Para o constitucionalista, essa falta de “cidadania laboral” constitui “enorme debilidade”, pois, “organização é poder”, ao passo que “falta de organização significa ausência de capacidade de intervenção”. E a falta de representação dos trabalhadores nas empresas justifica a participação dos trabalhadores na gestão empresarial (falta de cogestão), apesar de ser “constitucionalmente obrigatória nas empresas públicas”.

Na AC, em 1975, na batalha ideológica entre os partidários da cogestão (PPD) e os do “controlo de gestão” (PCP e PS), venceu este, exceto para as empresas públicas. Porém, não há cogestão nem controlo de gestão. O que existe, regra geral, é “a absoluta autocracia patronal nas empresas, sem nenhum poder dos trabalhadores, que tem como contrapartida “um sindicalismo confrontacional”, que Vital Moreira diz ser “dominado pela CGTP, de inspiração leninista, que se reproduz a si mesmo, baseado no princípio do centralismo democrático”.

A 6 de maio de 2022, o mesmo académico constitucionalista assinalava que, em França, a social-democracia representada pelo Partido Socialista “se viu forçada” à “aliança política sob a égide do líder da esquerda radical, [de] Mélenchon, para as eleições parlamentares”, lançando o manifesto pelo “renascimento da social-democracia francesa”, que inclui a cogestão empresarial, com a representação dos trabalhadores no “conselho representativo” das empresas de maior dimensão, junto com os acionistas – modelo de tradição na Alemanha e noutros países nórdicos, para superar a lógica confrontacional nas “relações industriais”, figurando como “um elemento essencial” da noção de “economia social de mercado”. 

Vital Moreira diz ter defendido, desde há anos, esse modelo para Portugal, “junto com a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas resultantes de aumentos da produtividade”, estranhando porque é que o PS o descarta, não o fazendo aplicar, desde logo nas empresas públicas, “onde é constitucionalmente obrigatório”. Apesar do seu excessivo empenho na concertação social, ao nível macro das políticas sociais, “o PS mantém-se fiel ao modelo tradicional das relações entre o capital e o trabalho” nas empresas, que se mantêm como “coutadas dos acionistas de referência”, longe das preocupações sobre o “stakeholders capitalism” (capitalismo das parte interessadas), que não envolve apenas os trabalhadores.

E, a 5 de fevereiro, o professor Vital Moreira esteve presente, em Coimbra, no lançamento do livro “Deveres da Corporate Governance – Representação das Partes Interessadas no Conselho de Administração”, de Rui Moreira e Carvalho.  Considera-o “uma abordagem acessível” da representação dos vários stakeholders, e não só dos stockholders (acionistas), no conselho de administração das grandes sociedades, tendo a ver, sobretudo, com a cogestão, ou seja, “com a participação de representantes dos trabalhadores da empresa, como sucede, há muitas décadas, na Alemanha, solução que “se estendeu a outros países europeus, a começar nos países escandinavos”. Contudo, em Portugal, apesar de a CRP “impor a participação dos trabalhadores no governo das empresas públicas”, o tema não tem estado na agenda política nem na sindical.

O constitucionalista, que vem defendendo “a participação dos trabalhadores no governo das sociedades acima de determinada dimensão”, considera que “essa solução faz todo o sentido”, em termos de “economia social de mercado”, onde as empresas não podem limitar-se a “criar valor” para os acionistas. Porém, tem verificado que o PS, “partido que deveria lutar por essa reforma” não tem agarrado “essa bandeira da social-democracia europeia” – uma das falhas do programa eleitoral para 2022 –, nem a tem incluído nos temas de debate político-doutrinário promovidos pelo partido ou a submeter à consideração do CES.

Entretanto, verificava que o projeto de revisão constitucional do PSpropõe o alargamento do direito à representação dos trabalhadores nos órgãos sociais das empresas privadas, nos termos a definir por lei”, mas não explica “esta pequena revolução político-doutrinária”. E ficava dúvida se tal inovação merecerá o investimento político necessário para concitar o apoio do PSD. Veremos o que dará a revisão constitucional, de que não se rem falado nos últimos tempos.

***

Por mim, considero a necessidade e a validade da cogestão e da distribuição de parte dos lucros pelos trabalhadores, mas duvido que sejam acolhidas pela generalidade do patronato, a menos que a lei e a fiscalização as imponham. Além disso, há o risco de os representantes dos trabalhadores funcionarem como homens sanduíche, acomodando-se ao patrão, em vez de zelarem pelos companheiros, sendo imperativo o rigor na eleição e a aposta no escrutínio permanente. Por outro lado, a dialética entre capital e trabalho produz sempre o seu resultado.

2023.10.29 – Louro de Carvalho

Crimes de guerra e violação do direito internacional condenam-se

 

Os povos têm o direito de se defenderem, os direitos humanos devem ser respeitados, os crimes de guerra são condenados e o direito internacional deve ser respeitado.

Esta é a linda cantilena com que os decisores ocidentais enchem a ribalta pública da comunicação. Porém, a ditadura do relativismo, em nome de um tipo de democracia – o nosso, que é bom – que se pretende exportar, leva-nos a condenar os crimes de guerra de uns e a legitimar os de outros; a criticar a violação do direito internacional por parte de uns e a perdoar a sua violação a outros; a apontar o desrespeito pelos direitos humanos nuns países e a fechar os olhos ao seu desrespeito noutros; a entender que uns têm o direito de se de fender, mas outros não o têm.

Em nome da nossa boa democracia, somos capazes de pregar a paz, mas vendemos armas e outros equipamentos bélicos aos nossos aliados e, sub-repticiamente, fazemos venda desses materiais a inimigos, caso o preço seja compensador.

Falamos da liberdade de pensamento, de expressão e de manifestação, mas vários países da UE coartam a palavra falada e escrita que ponha em causa a legitimidade bélica de Israel e proíbem ou condicionam as manifestações a favor do povo palestiniano e do Hamas. É a conveniente ditadura democrática do pensamento único. Já vi disso!             

A 7 de outubro, o Hamas massacrou, alegadamente de súbito, uma série de israelitas e fez muitos reféns. O governo israelita, alegando surpresa e deixando entreler falha dos serviços de informação – quando, pelos vistos, fora avisado por autoridades egípcias, mas que subvalorizou – declarou a situação de guerra e começou o ataque aéreo aos Palestinianos na Faixa de Gaza. Prometeu a invasão por terra e ordenou a retirada intempestiva do Norte para o Sul, onde deixa milhões de Palestinianos sem água, sem eletricidade, sem víveres e sem medicamentos. Posteriormente, bombardeou hospitais, escolas, creches, mesquitas e a única igreja existente.

É difícil saber quem massacrou mais gente, se o Hamas, se Israel. Por isso, independentemente do estatuto político de cada uma das partes, a comunidade internacional devia condenar, em absoluto, todos os crimes de guerra, todos os massacres, todo o desrespeito dos direitos humanos, toda a violação do direito internacional. Em guerra, não há sofrimento bom e sofrimento mau. Não vale dizer que Israel é uma democracia e que tem o direito de se defender.

Não quero essa democracia israelita. Tem o direito de se defender? Os outros também. Tem líderes escolhidos pelo povo? Os outros também. É urgente o cessar-fogo, avaliar o contexto e a origem do conflito, à luz da História e da evolução do tempo e tentar perceber a origem do conflito atual. Não bastam “pausas humanitárias”, como sugere a União Europeia (UE). Caso contrário, a linguagem ocidental dos direitos humanos não passará de conversa da treta.

Se, a princípio, o conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) teve uma atitude pouco ousada na avaliação do conflito, o secretário-geral da ONU, António Guterres, com o seu discurso pungente, a 24 de outubro, parece ter agitado as consciências. Não conseguiu a unanimidade da condenação, mas conseguiu que 140 países contestassem a atitude bélica de Israel sobre os residentes na Faixa de Gaza, tal como se contesta a criminalidade de guerra russa.

O secretário-geral da ONU disse o que esta organização deve a milhões de Palestinianos e a si mesma. Ao mesmo tempo, afirmou que os ataques do Hamas contra Israel, a 7 de Outubro, “não aconteceram do nada”, apesar de ter vincado que “o sofrimento do povo palestiniano não pode justificar os terríveis ataques do Hamas” e que “esses ataques não podem justificar a punição coletiva do povo palestiniano”.

A 20 de outubro, deslocou-se ao muro de Rafah, um dos sítios mais sensíveis do conflito entre Israel e o Hamas, não por ali haver disparos ou batalhas, mas porque há um muro, só um muro, “a separar a tragédia de alguma esperança”. “Temos 20 camiões que são uma linha de salvamento”, disse. Porém, são camiões parados. Ficou de “coração partido”, ao ver os camiões impedidos de ir evitar “a morte” de dois milhões de pessoas.

Perante o impasse na entrada de ajuda humanitária em Gaza, através do Egito, aterrou no norte do Sinai e, em questão de horas, estava diante do posto de fronteiriço de Rafah, que devia ter aberto para a entrada de água, comida e medicamentos na Faixa de Gaza.

Por isso, iniciara a reunião do conselho de segurança, no dia 24, com o apelo a imediato cessar-fogo humanitário, em Gaza, para facilitar a entrega de ajuda humanitária e a libertação de reféns. Na sua intervenção, afirmou que “o povo palestiniano foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante”. “Viram a sua terra ser constantemente devastada, as suas populações deslocadas e as suas casas demolidas”, disse, acrescentando que “a esperança de uma solução política para a situação tem vindo a desaparecer”. E, mencionando as “claras violações da lei internacional em Gaza”, referiu: “Num conflito armado, nenhum lado está acima da lei humanitária internacional.”        

O secretário-geral da ONU, que escolhera o muro de Rafah como pano de fundo, lembrou que o Mundo “está perante um paradoxo”. “Atrás deste muro, temos dois milhões de pessoas que estão a sofrer enormemente, que não têm água, comida, medicamentos, nem combustível, que estão debaixo de fogo e precisam de tudo para sobreviver.” E prosseguiu: “E, deste lado, vemos tantos camiões carregados com água, comida, medicamentos, exatamente o que é preciso do outro lado deste muro. Estes camiões não são só camiões – são uma linha de salvamento, a diferença entre a vida e a morte em Gaza.” O pedido da ONU é simples: movimentar os camiões com ajuda humanitária depressa e quantos quanto possível, mas, como lembrou, as condições e restrições de última hora têm vindo a atrasar a abertura do posto de fronteira de Rafah. 

António Guterres anunciou que a ONU “está agora ativamente envolvida com todas as partes – Egito, Israel e Estados Unidos”, para “tentar clarificar essas condições e diminuir as restrições para que, o quanto antes, estes camiões se movam para onde são mais necessários”. “É a diferença entre a vida e a morte”, sublinhou. Por fim, disse: “Tenho esperança de que haja futuro e de que um dia haja paz com uma solução de dois estados com palestinianos e israelitas a viverem em paz em dois estados, um ao lado do outro. Muito obrigado.”

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Pelo facto de Guterres ter afirmado, na dita reunião do Conselho de Segurança da ONU, em Nova Iorque, que os ataques do Hamas “não surgiram do nada”, o embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, rapidamente, o instou a demitir-se, sob a acusação de estar “completamente desligado da realidade” e de ver, “de forma distorcida e imoral, o massacre cometido pelos terroristas nazis do Hamas”. “O secretário-geral das Nações Unidas, que mostra compreensão pelo massacre de crianças, mulheres e idosos, não está em condições de liderar a ONU. Insto-o a demitir-se imediatamente”, pode lê-se na rede social X (antigo Twitter).

Além disso, o embaixador israelita disse que “não tem sentido falar com alguém que mostra compaixão pelas mais terríveis atrocidades cometidas contra os cidadãos de Israel e o povo judeu”. Por isso, Israel nega vistos a representantes da ONU no território israelita.

Por seu turno, o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita também criticou o discurso do secretário-geral da ONU e recusou reunir-se com ele. Na sua intervenção, Eli Cohen questionou Guterres: “Senhor secretário-geral, em que mundo é que vive?”

O governo israelita deve reavaliar as suas relações com as Nações Unidas, afirmou à Lusa o embaixador israelita na ONU: “Depois daquilo que o líder desta organização [Guterres] acabou de dizer esta manhã, apoiando o terrorismo, não há outra forma de explicar. Obviamente, o nosso governo terá de reavaliar as relações com a ONU e [com] os seus funcionários que estão estacionados na nossa região".

O embaixador de Israel em Portugal, Dor Shapira, disse que os comentários de Guterres sinalizam a perda de credibilidade das Nações Unidas: “Hoje, 78 anos depois [da criação da ONU], o secretário-geral provou que este organismo perdeu a sua credibilidade ao trair o mundo livre”.
Também um coletivo de famílias de reféns israelitas retidos em Gaza pelo Hamas reagiu às palavras “escandalosas” de Guterres, acusando-o de “ignorar vergonhosamente o facto de que, em 7 de outubro, foi perpetrado um genocídio contra o povo judeu”.

É de recordar que Israel aceita cessar as hostilidades com a restituição de reféns e com a entrega dos respetivos captores, o que é surreal e não constitui, pela experiência do passado, garantia de que tais hostilidades cessem. E sabe-se que algumas famílias de reféns não querem os ataques de Israel, por terem os seus familiares sob a ameaça de metralhadora.

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Perante estes dados, é de ter em conta um artigo, de 25 de outubro, de Alexandra Lucas Coelho, jornalista e escritora, ex-correspondente do Público em Jerusalém, sustentando que Guterres, na “declaração histórica” ante o conselho de segurança, deu “o salto em frente” e que “a reação expõe o estado a que chegou Israel”. Ao mesmo tempo, considera que o líder da ONU resgatou, “com clareza e coragem”, a verdade radical que era preciso dizer.

Com efeito, tendo ido tão longe quanto lhe era possível, “surpreendeu quem não esperaria tanto do secretário-geral”, inclusive “o Estado de Israel, que lhe declarou guerra através do embaixador na ONU, dizendo-se “chocado” com o discurso, “exigindo a demissão de Guterres e anunciando que vai recusar vistos à ONU”, porque “chegou o momento de lhes dar uma lição”. Israel assume “a supremacia de quem se acha acima da lei humanitária e internacional” e da ONU, pensando que “pode tudo, porque tem podido muito”, pela ajuda dos EUA e pela capitulação da UE.

A 20 de outubro, António Guterres foi a Rafah e viu que do lado de lá estão dois milhões de pessoas trancadas. A 24, disse as palavras que a ONU devia a essas pessoas e a si mesma. Tornou-se “o líder contra a barbárie”, na véspera de a UE, “herdeira de guetos, cercos e massacres”, ter sido incapaz de “apelar a um cessar-fogo humanitário”. António Costa não podia deixar de apoiar Guterres e apoiou-o. Porém, digo eu, não contrariou, a inépcia humanitária do Conselho Europeu.

A jornalista, que acompanhou no terreno, durante duas décadas, o conflito, sinaliza como a longa dependência da assistência humanitária perpetua o status quo e sugere que, desprendendo-nos desse statu quo desde 7 de outubro, se proceda a novo e urgente debate, para que que 2,3 milhões deixem de estar “sob bombas, com fome, sede, milhares no chão de hospitais em colapso, operados sem anestesia”, depois de haver “6500 mortos, dois mil dos quais são crianças”.

Fala de “escavadoras a enterrarem corpos em valas comuns”, do “risco de epidemias”, da coragem dos repórteres locais (depois de tantos terem morrido), de inúmeros telemóveis carregados com sol, partilhados nas redes. “É a violência de um Estado sobre um povo sem Estado.”

Refere o modo “como as pessoas se salvam umas às outras, partilham comida, água, Internet; horas para arranjar água potável ou pão; tendas e gente ao relento sob bombas”. E é assustador: “Mais de dois milhões reféns em Gaza. E quase três milhões na Cisjordânia, agora também bombardeada com drones, além dos ataques dos colonos. Centenas de mortos e feridos lá.”

Também em Israel está a “atmosfera tão cerrada”. “Israel recolheu-se na dor dos seus 1400 mortos, na angústia dos seus 220 reféns, da orgia de sangue […], enquanto centenas de milhares de soldados aguardam a iminente invasão terrestre, milhares de civis têm agora licença para se armarem, e as bombas caem em Gaza.” Milhares de judeus fora, sobretudo nos Estados Unidos da América (EUA), dizem “o que Guterres disse sobre o cessar-fogo, a ocupação, as violações de Israel” e “dizem a Israel e ‘a esse novo presidente de Israel que se tornou Joe Biden’: a nossa dor não é a vossa arma”. Barac Obama “criticou o corte de água, comida e energia, a desumanização dos Palestinianos que endurece gerações”, o que “ajudou a atenuar o belicismo de Biden”. Todavia, “foi Guterres quem deu o salto em frente”. E a Europa deverá perguntar-se: “Se fossem cristãos, judeus, brancos, já apelaria ao cessar-fogo? Teríamos chegado ao gueto de Gaza?” Com efeito, “zero tolerância para antissemitismo vai a par com zero tolerância para qualquer racismo”.

Com a sua postura, Guterres toca as gerações que saem à rua pelo Mundo, contra o horror em Gaza. Não se pode permitir que Israel persista na vingança até eliminar o último Palestiniano.

2023.10.28 – Louro de Carvalho