terça-feira, 10 de outubro de 2023

É a guerra e continuam os danos incalculáveis

 

A sete de outubro, o Hamas atacou, de surpresa, o grupo que participava num festival organizado por Israelitas. Em resposta, sob a declaração de guerra, da parte do chefe do governo de Israel, as forças armadas israelitas passaram a atacar os Árabes que habitam a faixa de Gaza e a privá-los de água e de eletricidade. E vários países, incluindo Portugal, manifestaram o apoio e a solidariedade a Israel, assim como organizações internacionais como a União Europeia (UE) e a Organização das Nações Unidas (ONU).  

O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, considerando que Israel “tem o direito de se defender” e que os ataques apenas contribuem “para piorar a situação na região”, escreveu, em mensagem partilhada na rede social X, ex-Twitter: Condenamos firmemente os ataques terroristas lançados contra civis pelo Hamas, hoje. Israel tem o direito de se defender. Estes ataques nada resolverão, contribuindo apenas para piorar a situação na região. Estamos solidários com Israel e oferecemos condolências pelas vítimas.” A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, vincando que a operação do Hamas contra Israel é “terrorismo na sua forma mais desprezível”, usou a rede social X, para condenar, “inequivocamente”, o ocorrido e sustentou que “Israel tem o direito de se defender contra tais ataques hediondos”. E o Conselho de Segurança da ONU, em sessão de emergência a 8 de outubro, denunciou, por maioria, o Hamas, pleno seu ataque em larga escala contra Israel.

Numa rara declaração pública, Mohammed Deif, líder do braço armado do Hamas, afirmou, no dia 7, que o grupo lançou uma nova operação contra Israel, a  ‘Operação Tempestade Al-Aqsa’. “Decidimos dizer basta”, notou Deif, apelando a todos os palestinianos para confrontarem Israel. 

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, pronunciou-se com dureza: “Estamos em guerra”, afirmou, numa mensagem publicada nas redes sociais. E o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, afirmou que o Hamas “cometeu um grande erro esta manhã” e que Israel “vai ganhar esta guerra”. Assim, foi pedido aos residentes das zonas próximas da Faixa de Gaza para permanecerem nas suas casas”, disse o exército, em comunicado. “As Forças de Defesa de Israel irão defender os civis israelitas e a organização terrorista do Hamas pagará caro pelas suas ações.

Segundo o exército israelita, a operação do Hamas aconteceu por terra, ar e mar. E a Força Aérea de Israel, de acordo com o i24News, canal televisivo de Israel, anunciou estar a atacar alvos na Faixa de Gaza. E a imprensa internacional refere que foi declarado “alerta de estado de guerra”.

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É óbvio que este ataque-surpresa do Hamas é totalmente condenável, pois, além de nada resolver, dá motivo para a guerra de Israel, que tem, como todos os povos que se sentem invadidos, atacados ou incomodados, a tendência para responder de forma, não só desadequada, mas excessiva e desproporcionada. E isso está a acontecer. Por outro lado, os Estados condenam a guerra, com razão, mas sem se debruçarem sobre a situação de contexto, o que está a resvalar para a criação de pensamento único similar do que se formou a propósito da guerra da Rússia com a Ucrânia, sendo que, nos dois casos, a ótica do invasor faz consistir a guerra numa operação especial. 

O constitucionalista Vital Moreira, não sendo mais “natista” do que NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) entende que o ataque-surpresa do Hamas, contra Israel, “disparando centenas de mísseis indiscriminadamente a partir da faixa de Gaza contra alvos civis, é condenável”. Porém, chama a atenção para a falta de condenação, ao longo de décadas, da “sistemática violação dos direitos dos palestinianos por Israel”, incluindo o confisco do território através de “colonatos” judaicos, a construção de um muro de separação em território palestino, a expulsão de moradores palestinianos de Jerusalém (“verdadeira limpeza étnica”), o bloqueio de Gaza, o apartheid antipalestiniano instalado em Israel, enfim a inviabilização programada de um Estado palestiniano (ver “Causa nossa”, 7-10-2023), situações de opressão de humilhação continuadas que “nenhum povo pode aceitar passivamente”.

O resultado disto, graças à “superioridade militar israelita” – “cortesia da generosidade ocidental, especialmente norte-americana” – que “vai prevalecer”, com muitas baixas civis de ambos os lados, será “mais repressão israelita sobre os palestinianos, mais apropriação dos territórios ocupados, mais ódio na relação entre as duas partes e mais combustível político para os radicais palestinianos”.

Ao argumento de quem defende que o Ocidente “faz bem a apoiar Israel, uma democracia ocidental, contra o terrorismo palestiniano e a autocracia dos países árabes vizinhos”, Vital Moreira faz três observações: as democracias liberais (Sê-lo-á Israel ainda?) têm de “cumprir as suas obrigações internacionais como potências ocupantes”;  ao “terrorismo palestiniano” não se pode responder com o “terrorismo de Estado” israelita, como sucedeu “com o bombardeamento maciço de objetivos civis em Gaza, causando centenas de mortos, e [com] o corte de energia ao território”; e, “ao ser cúmplice da ilegal anexação de territórios palestinianos em Jerusalém e em grande parte da Cisjordânia, o Ocidente perde legitimidade e autoridade para condenar, indevidamente, a anexação dos territórios ucranianos pela Rússia”. É a duplicidade de critérios que não se aceita na apreciação das guerras e no apoio que se dá a alguns beligerantes. 

Além disso, o renomado constitucionalista remete para “uma boa análise política da situação por um observador imparcial”, feita no artigo “A Shaken Israel Is Forced Back to Its Eternal Dilemma, de Roger Cohen, no New York Times.

Também a 9 de outubro, a colunista do Público Carmo Afonso, em artigo de opinião intitulado “Israel e Palestina, outra crónica difícil”, admite haver motivos para “os Portugueses sentirem mais afinidade e empatia pelo povo de Israel”, por ser “uma democracia ocidental” e parecer “partilhar os nossos valores, como o reconhecimento dos direitos LGBT ou os direitos das mulheres”, o que não se pode dizer da Palestina.

Porém, o que, na sua ótica, importa é que a Palestina “tem razão”. Com efeito, “Israel ocupou o território da Palestina”, cujo povo “foi subjugado, está a ser massacrado e vive em condições miseráveis”. Habituámo-nos a ver “mulheres palestinianas enlutadas a chorar sobre escombros de casas bombardeadas ou sobre cadáveres ensanguentados desde que existe televisão”.

Em contraponto, surge a retaliação através das ações dos movimentos radicais de libertação palestinianos. Assim, a 7 de outubro, foi cruel a demonstração de força e de organização do Hamas. É, inequivocamente, condenável e lamentável a morte de centenas de pessoas e o ferimento de outras tantas. Porém, também é de censurar o silêncio habitual perante “as atuações brutais das forças militares israelitas contra Palestinianos”, diariamente repetidas e que, neste ano, “foram particularmente mortais”. O contraste “entre a insensibilidade ao sofrimento palestiniano e a comoção com o sofrimento israelita” é notório e, a meu ver, hipócrita.

Em linha com Ursula von der Leyen e com Joe Biden, o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros “solidarizou-se com Israel” e condenou os ataques “terroristas”. Por trás da expressa condenação, está a ideia de que “Israel tem direito a defender-se”. Assim, concordam com “mais ofensivas e ataques da parte de Israel”. Porém, não se condena Israel, que oprime, destrói e faz a “limpeza étnica de Palestinianos”. Impera o silêncio para um dos lados!

Por isso, na visão racional de Carmo Afonso, a declaração de Cravinho não representa todos os Portugueses, sobretudo os que sentiram “o silêncio ensurdecedor” do governo quando “foi derramado sangue palestiniano”. Portugal, em vez de seguir as diretrizes da UE, deve ter “voz própria” e não se limitar a “condenar apenas a violência exercida por um dos lados” em conflito.

Diz a colunista que as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) são estéreis. “Ninguém delas tira consequências”. Até em Portugal, não há coerência entre as posições que assumimos na ONU e as que “verbalizamos na política externa”. Como canta um popular cantor português: “somos uma lady nas declarações de apoio ao Estado de Israel e uma louca na Assembleia Geral da ONU”.

Embora haja exceções, a maioria que apoia Israel, neste conflito, apoia a Ucrânia, não só condenando a invasão e ajudando as populações, mas engrossando a guerra, “contra esforços diplomáticos de paz, porque rejeitam que se possa negociar com um invasor”. Refere Carmo Afonso que “o próprio Zelensky comparou a situação da Ucrânia à de Israel, tendo afirmado que são dois países na mesma situação”. Porém, Israel não aplicou sanções à Rússia, nem enviou armamento para a Ucrânia.

Assim, Portugal, a UE, os Estados Unidos da América (EUA) e a NATO, apoiam a Ucrânia e Israel, fazendo de conta que não há contradição. A Ucrânia apoia Israel, fazendo de conta que Israel não é o invasor. Israel faz de conta que apoia a Ucrânia, mas não a apoia efetivamente, pois “quer proteger os seus interesses na Síria e ficar bem com a Rússia”. E “a Rússia faz de conta que se opõe à lógica dos EUA de ingerência em conflitos que não lhe dizem respeito, mas interfere em todos os que consegue”. Todos brincam “ao faz de conta”, mas a Palestina, não, pois não há “faz de conta no sofrimento, nem na chacina que se avizinha”.

Ao posicionamento, que aplaudo, de Vital Moreira e de Carmo Afonso, junto a reflexão da ativista Ana Paula Cruz, médica, humanitária, de 9 de outubro, na edição online do Público.

O primeiro-ministro israelita referiu que “isto é uma guerra”, mas, historicamente, a guerra começou, pelo menos, em 1948, durante o Nakba, “quando os territórios palestinianos foram ocupados, vilas inteiras destruídas, massacres perpetrados, milhares de pessoas mortas e centenas de milhares deslocadas, para dar lugar ao projeto sionista de criação do estado de  Israel”. Por isso, em vez de conflito israelo-palestiniano, há a “força colonial israelita e a resistência de libertação  palestiniana” – forças desiguais em capacidade militar e em outros recursos.

A comunidade internacional diz que estes acontecimentos causam instabilidade na região, como se, para os Palestinianos, alguma vez tenha havido estabilidade. Não surpreende que os Estados e os líderes políticos europeus defendam o colonizador, já que “Israel é um projeto colonial criado pelo Ocidente”. E não se estranha que chamem terroristas às forças de resistência palestiniana, pois o disseram de “todas as forças de libertação das ex-colónias europeias”. Todo o movimento de resistência ao imperialismo é apelidado de terrorismo.

Para os líderes europeus, Israel tem o direito de se defender, apesar das atrocidades contra o povo palestiniano, ao qual “nunca foi dado o direito de resistir”. Não cabe ao colonizador, nem ao Ocidente “dizer como é que o povo palestiniano pode resistir”, nem que tipo de violência é aceitável contra a força opressora. Com efeito, a descolonização é violenta, porque a colonização o é. A descolonização não é teórica, mas real, porque “explode, sangra, dói”. E o que a faz violenta é a recusa do colonizador em cessar a opressão sobre o povo e sobre o território.

Em todo o caso, independentemente do massacre em  Gaza, “a resistência armada palestiniana não legitima a violência de Israel, nem esse massacre”. Na verdade, a violência colonial é prévia à resistência, é diária e não é notícia, “porque é normalizada e branqueada”. O facto de o número de mortes em Gaza não parar de aumentar não resulta de o estado de Israel se defender, mas de o estado de Israel recusar pôr um fim ao projeto colonial e de ocupação da Palestina. Como pessoas europeias, “temos o dever de nos informarmos de forma crítica, de não nos deixarmos endoutrinar por moralismos eurocêntricos, de exigir a quem nos representa a prometida descolonização”. Como qualquer povo, “a Palestina será livre, porque o povo palestiniano tem o direito a ser livre”.

A violência nunca é justa; não há ocupações territoriais aceitáveis e justificadas; e, como diz um avisado amigo meu, “de relativismo em relativismo, vamos até à falência ética e moral”. Perigo!

2023.10.11 – Louro de Carvalho

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