domingo, 8 de outubro de 2023

Terror no deserto de Gaza-Israel faz eclodir guerra sem fim à vista

 

Decorria, numa zona deserta, a cerca de três quilómetros da fronteira entre a Faixa de Gaza e Israel, o Music Festival For Peace (Festival Nova), evento conhecido por promover a convivência pacífica entre comunidades e como celebração dos valores da paz e da união.

O evento ao ar livre, numa área rural perto da fronteira entre Gaza e Israel, deveria ser festa dançante a durar toda a noite, celebrando o feriado judaico de Sucot. Porém, logo ao amanhecer (06h30, hora local) do dia 7 de outubro, ataques iniciados pelo Hamas (que se mantiveram pouco mais de meia hora) surpreenderam os festivaleiros, que, ao ouvirem diversos sirenes, sentirem foguetes e serem atingidos por disparos, tentaram fugir, o que alguns (poucos) conseguiram, enquanto muitos caíram mortos e outros foram feitos reféns.  

O local foi só um dos vários pontos atingidos no que foi o ataque mais organizado, sustentado e coordenado, dentro de Israel, por militantes do Hamas, em várias décadas, como confirmam vídeos publicados nas redes sociais, em que também são ouvidas explosões. “Ima’le”, uma expressão israelita comum que expressa medo ou sobressalto, é audível nos vídeos. A menos de três quilómetros de distância, o Hamas começava ainda a atacar tanques e militares israelitas. E foi disparada, para Israel, a partir de Gaza, uma salva de milhares de foguetes.

À medida que as pessoas se abeiravam dos seus carros para fugir, as estradas ficavam obstruídas e ninguém conseguia escapar. Detalhes dos reféns do ataque começam a surgir, à medida que familiares reconhecem parentes em vídeos que circulam em Gaza. Em alguns, vislumbra-se um veículo militar israelita a dirigir-se no sentido contrário ao do tráfego. No momento do confronto, uma das pessoas em fuga grita, para fora do carro: “Vai! Vá em frente! Vá em frente!” Dezenas de festivaleiros entraram em pânico, abandonaram os carros e começaram a correr.

Mais tarde, foram encontradas pessoas mortas e feridas à berma da estrada. Um dos festivaleiros foi morto a tiro do lado de fora de uma carrinha e outro foi executado quando se encontrava no banco do passageiro. Houve quem se perdesse na floresta, depois de correr sem parar.

Relatos obtidos pela CNN descrevem os acontecimentos como “assustadores”. Nas últimas horas, começaram a ser apuradas as identificações das pessoas feitas reféns na sequência do ataque. Num vídeo que se tornou viral, uma mulher israelita e o namorado – identificados como Noa Argamani e Avinatan Or, frequentadores do festival – são vistos a ser sequestrados. Argamani foi vista na traseira de uma motocicleta a ser levada, enquanto implorava por ajuda. Or foi visto nas proximidades, enquanto a motocicleta que transportava Argamani passava, mas acabou por ser detido por vários homens e obrigado a andar com as mãos nas costas.

Uma nuvem escura de fumaça também foi vista ao fundo. A CNN não pode verificar o vídeo de forma independente.

Membros da família e amigos do casal desejam que o vídeo seja amplamente compartilhado na esperança de os localizarem e de garantirem a libertação segura. “É muito difícil quando se vê alguém que é tão próximo da gente e se sabe que é tratado assim”, disse Amir Moadi, colega de quarto de Noa Argamani, à CNN, acrescentando que conhecia cinco ou seis pessoas que estiveram no festival e que desapareceram. “Mas ainda assim, temos pessoas desaparecidas. Temos amigos e familiares, jovens e velhos, todos que chegaram à Faixa de Gaza, e precisamos fazer tudo, agora, para os recuperarmos”, disse.

Moshe Or, irmão do namorado de Argamani, Avinatan Or, disse ao Canal 12, afiliado da CNN, que não demorou muito para encontrar o vídeo. “Eu vi a namorada dele Noa no vídeo, assustada e assustada, não consigo imaginar o que está a acontecer com ela, a gritar de pânico numa motocicleta, quando alguns canalhas a seguram e não a deixam ir”, contou ele, referindo que o irmão é muito alto (dois metros de altura) e muito forte (treina quatro vezes por semana), mas quatro pessoas o seguraram e o levaram para a pista.

Noutro vídeo, verificado pela CNN, uma mulher, Shani Louk, de dupla nacionalidade alemã-israelita, que estava no festival é exposta inconsciente, por captores armados em Gaza.

No vídeo, Louk é vista imóvel. Um homem armado, carregando uma granada lançada por foguete, está com a perna pendurada na cintura dela; a outra segura uma mecha de seus dreadlocks. “Allahu Akbar”, dizem eles, que significa, em árabe: “Deus é grande.” Parte da multidão reunida em torno do camião junta-se aos aplausos. Um homem cospe na cabeça de Louk, enquanto o carro parte.

A CNN, que não transmite o vídeo, por ser gráfico e perturbador, não sabe o paradeiro ou a condição de Louk. “Nós reconhecemo-la pelas tatuagens e ela tem longos dreadlocks”, disse o primo de Louk ao Washington Post. “Temos algum tipo de esperança… O Hamas é responsável por ela e pelos outros.”

“Nem tínhamos onde nos esconder porque estávamos em um espaço aberto”, disse uma sobrevivente à CNN. “Toda a gente entrou em pânico e começou a pegar nas suas coisas.”

Os fugitivos não sabiam, mas a menos de três quilómetros de distância, os militantes de Gaza também começaram a atacar tanques e soldados israelitas. Um vídeo mostrou, nas redes sociais, centenas de participantes a correr por um campo vazio com tiros ecoando ao fundo. A CNN não o transmitia na íntegra, porque, à medida que o tiroteio se aproximava, várias pessoas eram vistas a cair no chão, não se percebendo se as pessoas que caíam estavam a proteger-se ou se estavam a ser atingidas por tiros. Dizem alguns sobreviventes: “Foi tão assustador e não sabíamos para onde nos dirigirmos, para não encontrarmos aquelas pessoas más.” Muitos perderam-se na floresta, durante muitas horas, e levaram tiros como se fosse um campo de tiro. De alguns não se sabe se sobreviveram, se foram feitos prisioneiros ou se aconteceu algo pior.

Os organizadores do festival estão a ajudar as forças de segurança israelitas a localizar os participantes desaparecidos.

Uma fonte do Ministério das Relações Exteriores alemão disse à CNN: “O Ministério Federal das Relações Exteriores e a embaixada alemã em Tel Aviv estão em contato próximo com as autoridades israelenses para esclarecer se e em que medida os cidadãos alemães são afetados”.

Num vídeo obtido pelo meio de comunicação alemão Bild, a mãe de Louk, Ricarda, disse: “Esta manhã, a minha filha, Shani Nicole Louk, uma cidadã alemã, foi raptada com um grupo de turistas no sul de Israel pelo Hamas palestiniano.” “Recebemos um vídeo em que pude ver, claramente, a nossa filha inconsciente no carro com os palestinos e eles a conduzir pela Faixa de Gaza”, disse. “Peço que nos enviem qualquer ajuda ou alguma notícia. Muito obrigada.”

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Em resposta à incursão surpresa e sem precedentes, liderada pelo grupo palestiniano Hamas, após a declaração de guerra por parte do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, passaram a combater os paramilitares do Hamas, no sul de Israel. E lançaram ataques que destruíram vários edifícios em Gaza, uma repressão desproporcionada.

O Hamas começara a disparar milhares de foguetes, a 7 de outubro, atingindo alvos tão distantes como Telavive e os arredores de Jerusalém, que, raramente, são diretamente atingidos, devido ao sofisticado sistema de defesa aérea (Iron Dome) de Israel. Cerca de uma hora após os primeiros ataques com foguetes, militantes do Hamas entraram em Israel por terra, mar e ar, gerando algumas das primeiras batalhas campais entre forças israelitas e árabes em solo israelita, em décadas. Os militantes do Hamas infiltraram-se em 22 cidades e bases militares israelitas e fizeram reféns civis e soldados, muitos dos quais levaram de volta para Gaza.

São os combates mais mortíferos em décadas, na região. De acordo com a comunicação social israelita, já foram mortos mais de 700 israelitas, incluindo 44 soldados, e há mais de dois mil feridos. Também morreram, pelo menos 340 palestinianos, incluindo 20 crianças. E, segundo as autoridades palestinianas, mais de duas mil pessoas ficaram feridas, na sequência dos ataques aéreos em Gaza. Além disso, morreram sete pessoas, vítimas do fogo israelita na Cisjordânia.

Muhammad Deif, líder militar do Hamas, disse, em mensagem gravada, que o grupo decidiu lançar a “operação”, para que “o inimigo compreenda que chegou ao fim o tempo da sua violência sem responsabilização”. Na missiva, mencionou a ocupação da Cisjordânia por Israel, os recentes ataques de autoridades israelitas à Mesquita de Aqsa, em Jerusalém, e a detenção de milhares de palestinianos, em prisões de Israel. Esta mesquita, reverenciada pelos muçulmanos como o Nobre Santuário e pelos judeus como o Monte do Templo, é dos locais mais contestados na Terra Santa.

Benjamin Netanyahu, por seu turno, declarou que o país está em guerra e que iria impor um preço elevado aos inimigos. Por isso, alertou os israelitas para se preparem para uma guerra “longa e difícil”. Os líderes do Hamas responderam, dizendo estarem preparados para nova escalada.

Israel iniciou, praticamente de imediato, enormes ataques contra cidades na Faixa de Gaza, destruindo dezenas de edifícios, enquanto o Hamas disparava foguetes contra Israel. Caças israelitas lançaram ataques aéreos, em Gaza, que destruíram centros que abrigam militantes do Hamas. E as autoridades palestinianas disseram que foi atingido um hospital, assim como edifícios de vários andares, casas e uma mesquita.

Gaza tem estado sob bloqueio israelita e controlo apertado, apoiado pelo Egito, desde que o Hamas assumiu o controlo da faixa costeira, em 2007. Foi restringida a importação de bens, incluindo equipamento eletrónico e informático, que pudesse ser usado ​​para produzir armamento. A maioria das pessoas não é autorizada a abandonar aquela faixa de terra.

Assim, o ataque do Hamas, claramente condenável, surge, putativamente apoiado pelo Irão, após décadas de tensão acumulada entre palestinianos e israelitas, marcando pela surpresa, pela dimensão e pela complexidade. O aspeto mais surpreendente das investidas paramilitares foi o desconhecimento total, por parte das secretas de Israel, da preparação do ataque. Os serviços de informação israelita falharam em toda a linha, desatentos da conjuntura internacional.

Os militares israelitas, que já deram conta da morte de “centenas de terroristas”. Segundo as Forças de Defesa de Israel, número “substancial” de civis e soldados foi levado para Gaza e está a ser mantido como refém. No norte de Israel, breve troca de ataques entre Israel e o grupo militante do Líbano Hezbollah adensa o receio de que se esteja a desenhar um conflito mais amplo. E, no Egito, em Alexandria, um agente da polícia matou a tiro dois turistas israelitas e um egípcio num local turístico.

António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), já apelou a “todos os esforços diplomáticos para evitar uma conflagração mais vasta” e preparou uma sessão do Conselho de Segurança. E o Papa, que já apelou ao fim das hostilidades, preconizou que toda a guerra constitui uma derrota.

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Há quem pense que o Irão, que nunca teve boa relação com Israel, estava em dificuldades com alguns países árabes. Apoiando o Hamas, pode conseguir a convergência árabe. Por outro lado, facilita a posição russa contra a Ucrânia. E o dito Ocidente – Estados Unidos da América (EUA), Canadá, Reino Unido e União Europeia (UE) – começarão a dividir a atenção, o apoio e o esforço por Israel e pela Ucrânia. Os republicanos dos EUA, que sentem a tenuidade do apoio de Barac Obama e de Joe Biden a Israel, podem querer tirar partido da situação para as próximas eleições, no que terão ajuda de Vladimir Putin, como parece tê-la tido Donald Trump.

A ver vamos, mas é mais um conflito que estará para durar, a engrossar a perspetiva mundial da guerra, que pode levar a nova crise global, a começar pela crise energética e adiando a ação dos países contra as alterações climáticas. O diabo seja cego, surdo, mudo e coxo!

2023.10.08 – Louro de Carvalho

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