segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Comissões cobradas pelas contas à ordem continuam a aumentar

 

Até meados de 2022, a justificação apresentada pela banca para o aumento das comissões cobradas pela manutenção das contas à ordem assentava no juro baixo, que também justificava que o pagamento por depósitos a prazo fosse quase nulo. Refira-se que o dito juro baixo eram o do crédito à habitação, que não outro como, por exemplo, o referente ao cartão de credito ou ao crédito pessoal.

A partir do momento em que o Banco Central Europeu (BCE), alinhado com outros bancos centrais, tem procedido a aumentos sucessivos das taxas diretoras dos juros, deixou de se justificar o alto preço pela manutenção de conta, bem como o baixo preço com que a banca remunera depósitos a prazo.     

Porém, se os bancos já começaram a remunerar significativamente alguns depósitos a prazo, nenhum deles se compromete a baixar as comissões e há anúncios de novos aumentos.

Como diz a Deco Proteste, associação de defesa dos consumidores, ao Jornal de Notícias (JN), “é uma estratégia no mínimo desonesta”. Efetivamente, o JN, na edição de 23 de outubro, destaca a política dos bancos, quanto às comissões cobradas aos clientes com contas à ordem. Se nos últimos anos, as comissões não pararam de aumentar, assentando a justificação dos aumentos nos juros baixos, agora que os juros dispararam, em vez de baixarem as comissões, prometem aumentá-las. Aliás, se a banca, até determinado momento, não cobrava comissões pela manutenção da conta à ordem e alguns bancos até chegaram a pagar alguma quantia em juros pela conta à ordem, não se percebe como mantém as comissões ou até as aumenta.

Nesse aumento das comissões, sobressai o Novo Banco (NB), que, tendo aumentado a comissão, em abril, de 5,90 para 6,90 mensais, anuncia agora novo aumento para 7,50 euros, a partir de 19 de janeiro. Os clientes com bonificação, que pagam agora 3,50, passarão a pagar 4,50 ou 5,50 por mês, dependendo do cliente. Ou seja, um novo aumento de 25%, para as contas não bonificadas, e até 57%, para as contas bonificadas. Ao JN, o Novo Banco justifica o novo aumento por ter comissões “inferiores à concorrência”, mas não diz porque é que não as baixa e não explica as côngruas razões do aumento. E a concorrência – o Santander, o Banco Português de Investimento (BPI), o Banco Comercial Português (BCP) e a Caixa Geral de Depósitos (CGD) – não respondeu às perguntas do jornal sobre o aumento das comissões em 2022 e a razão para não as baixarem no atual contexto de juros altos.

Sobre esta questão, Nuno Rico, da Deco Proteste, diz que os 2.238,3 milhões de euros em comissões cobradas pelos cinco maiores bancos em Portugal (4.259 euros por minuto) “são uma brutalidade” e critica a “passividade” do Banco de Portugal (BdP), neste assunto, vincando que “só existe proteção do consumidor pela via legislativa”.

Cria-se o problema para, depois, se correr a dizer que há solução. “Os bancos criam as comissões, aumentam-nas de forma muito significativa e, a seguir, propõem aos clientes que, para evitarem pagar tanto, então têm que ter um maior envolvimento com o banco, nomeadamente a domiciliação de ordenado ou o crédito à habitação. Mas nós já sabemos que, uns meses depois, também vai aumentar o preço para quem tem bonificação”, diz o especialista em produtos bancários. Foi o que sucedeu, por exemplo, com a Conta 100% do NB (aumentaram as comissões em abril e voltarão a aumentar em janeiro próximo), mas há mais casos.

Ao abrigo do aumento das comissões e da subida dos juros, em 2022, os cinco maiores bancos em Portugal tiveram lucros de 2.734 milhões de euros. Na verdade, as comissões e a subida das taxas de juros foram decisivas para o aumento das receitas.

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Há vários anos que a Deco Proteste monitoriza as comissões bancárias. Em 2022, foram cobrados 2.238,3 milhões de euros, o que dá 216 euros a cada português, em média.    

O painel da taxa de juro média dos novos contratos de crédito à habitação e do total de comissões cobradas pelos cinco maiores bancos (milhões de euros), nos últimos cinco anos, releva que, em 2018, a taxa foi de 1,41% e as comissões somaram 2.114,9 milhões; em 2019, a taxa foi de 1,22% e as comissões somaram 2.149,4 milhões; em 2020, a taxa foi de 1% e as comissões somaram 2.074,3 milhões; em 2021, a taxa foi de 0,81% e as comissões somaram 2.083,7 milhões; e, em 2022, a taxa foi de 1,82% e as comissões somaram 2.238,3 milhões.

Tem havido, neste ano, alguns aumentos pontuais, mas nada de descidas. É certo que, para já, não há anúncio de mais aumentos, mas é previsível que comecem a aparecer em dezembro ou em janeiro: “ano novo, comissões novas”.   

Em janeiro de 2023, Mário Centeno, governador do BdP, manifestou, no Parlamento, a expectativa de descida das comissões, esperando que tal se refletisse nos próximos anos. Porém, tal expectativa está longe de ser concretizada. Ao invés, parece que se caminha no sentido inverso.  

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O incumprimento bancário foi denunciado pelo último Relatório de Supervisão Comportamental do BdP, publicado a 14 de julho, mostrando que os clientes estão a pagar mais comissões pelos serviços bancários no país. Se, em 2022, as comissões bancárias já tinham aumentado 10,8% nos principais bancos, a tendência parece manter-se neste ano. Em janeiro, o BCP, o NB, o Santander Totta e o BPI anunciaram aumentos dos preços cobrados pela manutenção das contas e por outros serviços. E a CGD vai fazendo o seu caminho discreto. As receitas com comissões representam cerca de um terço dos ganhos totais das instituições financeiras.

Apesar de pagarem mais pelo acesso aos serviços bancários, os clientes continuam a enfrentar incumprimento na informação prestada pelos bancos. A ação de inspeção levada a cabo pelo BdP, a entidade reguladora para estes efeitos, detetou várias falhas em relação às comissões dos depósitos. De facto, a maioria não respeitou integralmente “os requisitos” europeus.

O relatório avançava que “foram identificadas 82 instituições que não acataram, de forma completa, estas boas práticas” e clarificava que a inspeção resultara em “118 determinações específicas e 87 recomendações dirigidas a 112 instituições”.

 

As reclamações registaram-se sobretudo na cobrança de comissões atinentes a depósitos. E há dois motivos principais: a não prestação de informação total pelas instituições sobre determinadas alterações das comissões; e os montantes exigidos pelo “serviço de manutenção de conta”.

As comissões bancárias não têm parado de aumentar. A Deco Proteste nota que, “nos maiores bancos, o custo de uma conta à ordem aumentou 50%, em dez anos”. Algumas comissões chegaram a aumentar 163% neste período, evolução manifestamente desalinhada em relação à do nível geral de preços no país (a inflação acumulada situou-se nos 8,4% nestes dez anos).

Há algumas explicações para este fenómeno. Por um lado, a política monetária expansionista do BCE significou um período prolongado de juros muito baixos. Desde a aprovação dos primeiros programas de compras de ativos por parte do BCE, os juros têm permanecido próximos de 0%, reduzindo as margens financeiras. Por outro lado, o poder dos grandes bancos, que dominam a maioria do mercado de serviços financeiros, permite-lhes aumentar as comissões exigidas sem perderem muitos clientes, que, muitas vezes, não encontram alternativa.

No ano passado, entrou em vigor a proposta do Bloco de Esquerda (BE) para limitar as comissões nas transferências por MBWay. Contudo, os bancos parecem ter sido capazes de encontrar outras vias para extrair mais dinheiro aos clientes. A sede do lucro é imparável por parte da banca que os contribuintes “fazem questão de resgatar” em tempo de crise, enquanto alguns clientes se sentem “lesados” pelas falências, pelas resoluções, pelas fusões e pelas reestruturações bancárias.

Entretanto, foram estipulados alguns limites. Desde julho passado, por via das conclusões e das recomendações do dito relatório, os bancos estão proibidos de cobrar comissões por alguns serviços. Um deles é o processamento das prestações de crédito. Outro é o da alteração da titularidade da conta por motivos de óbito ou de divórcio. Ao liquidar um crédito, o distrate e as assinaturas não podem dar azo a cobrança de comissão. O mesmo sucede com as segundas avaliações, com as segundas vias de extratos e com fotocópias de documentos à guarda do banco. E foram limitados os custos do depósito de moedas e de habilitação de herdeiros.

Mais recentemente, a banca foi instada a rever as condições dos contratos de crédito à habitação, nomeadamente na contratação de taxa fixa ou mista, na protelação do aumento da prestação por via do aumento dos juros.

Contudo, face ao aumento brutal dos lucros da banca (só em 2021, os lucros foram de mais de mil milhões de euros, ainda sem o aumento dos juros e da inflação), é chocante que o Estado não tenha estabelecido um imposto sobre os lucros extraordinários da banca e que os bancos, nomeadamente a CGD, o banco que tem clientes de magros recursos (e muitos de pensão baixíssima e com complemento solidário de idosos), lhes cobre uma taxa de manutenção da conta à ordem. Explorar os pobres para obter lucros, custe o que custar, não tem nada a ver com a ética republicana e com o Estado de Direito Democrático e Social que apregoamos.    

2023.10.23 – Louro de Carvalho

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