terça-feira, 3 de outubro de 2023

As soluções do governo para o próximo ano ficam aquém do necessário

 

O primeiro-ministro (PM) respondeu, a 2 de outubro, às perguntas dos jornalistas Sara Pinto e Pedro Santos Guerreiro, no Jornal Nacional da TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal), sendo confrontado com os temas da ordem do dia, desde o arranque do ano letivo à habitação e ao novo modelo para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Na segunda parte, só em direto na CNN Portugal, decorreu o Town Hall, em que o PM foi interpelado pela plateia do auditório do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) sobre um conjunto de questões.

Dá-se conta, nesta peça de reflexão, do que se julga mais pertinente.

Quanto ao salário mínimo nacional (SMN), com a nova designação remuneração mínima mensal garantida (RMMG), o chefe do Executivo, recordando a proposta da União geral dos Trabalhadores (UGT) para aumento superior ao previsto no acordo de rendimentos e a abertura das confederações patronais para negociar esse valor, assegurou que o governo não será barreira para a negociação em alta desse valor. E enfatizou a fixação de “um objetivo geral para todos os salários”, de modo a fazer convergir o seu valor com “o peso na União Europeia (UE) dos salários, no conjunto da riqueza nacional, que é cerca de 48%. Essa meta mantém-se, sem esquecer o “bom senso” que vem marcando a “trajetória” do governo na matéria. A RMMG já subiu 50%, nestes oito anos, e o salário médio subiu 31%.

No dia 28 de setembro, o líder da UGT defendeu que há condições para fixar a RMMG nos 830 euros, em 2024, valor superior ao previsto no acordo de rendimentos de há cerca de um ano, na Concertação Social entre o governo, as confederações patronais e a UGT, e que definia o aumento de 4,8% dos salários e fixava a RMMG em 810 euros. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) já manifestou disponibilidade para subir os salários acima do valor previsto. E o PM admite que este salário possa subir para lá dos 810 euros, já em 2024.

No atinente às rendas, anunciou que não haverá travão ao seu aumento, em 2024, nos moldes dos 2%, deste ano. Sem indicar os termos da solução, afirmou que está a ser negociada com as partes – inquilinos e proprietários – de modo a “distribuir o esforço” entre os proprietários, os inquilinos e o Estado, sendo que “não podemos, simultaneamente, dizer que queremos dar confiança aos proprietários para colocarem casas no mercado e, todos os anos, adotarmos medidas que quebram essa confiança”, o PM, referindo o apoio às famílias com crédito à habitação, como as moratórias.

Por outro lado, vincou o subsídio à renda, que ajuda milhares de famílias, bem como a limitação dos aumentos a 2%, até ao final de 2023. E assumiu que está a enfrentar um sério problema: “Não escondo que tenho uma certa frustração, para não dizer bastante frustração, pelo facto de a realidade ter sido muito mais dinâmica do que a capacidade de resposta política.”

Anunciou o aumento das pensões na ordem dos 6%, segundo a lei.

Sobre o imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares (IRS), o PM anunciou o fim da taxação especial para estrangeiros que não residem habitualmente em Portugal, a partir de 2024. “Não faz mais sentido continuar a manter uma taxação para os residentes não habituais”, assumiu, referindo-se ao Estatuto de Residente Não Habitual, regime que oferece redução do IRS, durante 10 anos, a novos residentes estrangeiros, independentemente da nacionalidade, e a cidadãos portugueses que tenham estado emigrados mais de cinco anos. “Manter essa medida para o futuro é prolongar uma medida de injustiça fiscal que não se justifica, além de ser uma forma enviesada de continuarmos a inflacionar o mercado de habitação”, argumentou, ressalvando que o regime se manterá para quem já beneficia dele.

Sobre a descida generalizada do IRS, o PM recordou que já foi anunciado que haverá uma redução de dois mil milhões de euros, para além dos dois mil milhões já reduzidos. O novo modelo de IRS jovem volta a alargar, passando a ter uma taxação zero no primeiro ano de atividade. Estão a decorrer negociações para “uma atualização do acordo de rendimentos que foi anunciado, o ano passado, e terá reflexo nas medidas”. No respeitante a mexidas nas taxas, avançou que “depende do que estamos a polir nas negociações com os parceiros sociais”. E as “principais medidas políticas” serão definidas em sede do Orçamento do Estado (OE).

Da proposta do Partido Social Democrata (PSD) para a redução de 1.200 milhões no IRS, já este ano, falou em “equívoco” e lembrou que, “este ano, já reduzimos em mil milhões de euros” no conjunto das famílias que pagaram de IRS. “No próximo ano, vamos, seguramente, prosseguir a redução do IRS”, garantiu.

Sobre onde o Estado vai aplicar o dinheiro que arrecada a mais com a inflação, o chefe do governo sublinhou as medidas tomadas para aliviar os portugueses no contexto de subida da inflação. “O conjunto de medidas extraordinárias de apoio às famílias na inflação excede aquilo que foi o diferencial da receita”, disse, acentuando que as contribuições para a segurança social subiram 13%. Quanto a mais apoios às famílias, no futuro, declarou que não irão acontecer e que esse tipo de apoios se tornou “permanente” no país, estando-se, neste momento, “a apoiar 185 mil famílias no pagamento de renda de casa”.

Já no que diz respeito a contribuições para a Segurança Social, frisou que há “mais pessoas a trabalhar”, nos dias de hoje, o que faz com que a Segurança Social fique mais “robusta”.

No atinente à criação de um 15.º mês livre de impostos, considerou que esta proposta é mais “complexa”. E, em vez de isso se aplicar só a alguns setores, é de referir que há abertura e margem para negociar, antes, um aumento “para todos”. “Reabrir debates sobre a TSU [taxa social única] é a última coisa que a sociedade portuguesa precisa e quer”, realçou.

Ainda no âmbito da subida de salários, falou sobre os aumentos na Função Pública e lembrou que há negociações em curso para o Orçamento do Estado de 2024, mas sem dar pistas sobre valores. Recordou também que a prioridade tem sido as “carreiras esquecidas” e que o Estado vai abrir mil vagas para técnicos superiores, com salário de entrada nos 1.333 euros.

A respeito da habitação e questionado sobre a demora nas medidas, o PM referiu: “As políticas não começam pelo telhado, começam pelas fundações.” Mais disse que as políticas do governo sobre habitação remontam a 2018 e lembrou o Programa Mais Habitação, promulgado pelo Presidente da República (PR), que ajudará os portugueses, nesta matéria. “Nunca sacudo a responsabilidade para ninguém”, disse, comentando a questão sobre a necessidade de maior envolvimento dos municípios, com quem está a ser feito o levantamento de casas devolutas para se porem no mercado da habitação. E recordou que, perante a desertificação dos centros urbanos, o governo teve de lançar programas de substituição, restauro, reabilitação e requalificação de edifícios e até de bairros.     

Sobre o alojamento local e sobre os proprietários que rejeitam passar as habitações para o mercado tradicional, apesar das penalizações fiscais, disse apenas: “Fazem mal. Fazem mal as contas.” Disse ainda que as medidas em Portugal são das “mais moderadas de todo o Mundo” e deu o exemplo de Nova Iorque, onde o alojamento local só pode acontecer na casa do próprio e com um número limitado de dias.

Não deixou passar em claro a crise no Sistema Nacional de Saúde (SNS), defendendo a necessidade de negociações, enaltecendo o estatuto da direção executiva e acreditando na eficácia do regime de dedicação plena, a que, segundo julga, os médicos irão aderir.

Questionado sobre o risco de fecho de urgências, devido à recusa dos médicos em fazerem mais horas extraordinárias afirmou que “o governo apresentou uma reforma muito profunda da carreira médica”, apontou que os cuidados de saúde primários são os mais importantes e onde tem de se “investir” e disse que os médicos terão aumento de 12,7%. E, confrontado sobre as preocupações com a aproximação do inverno e do possível caos que nas urgências dos hospitais, afirmou estar “preocupado todos os dias”. E atirou: “O Mundo vive bem com as minhas preocupações, o que o Mundo não vive bem é com os problemas para os quais estamos a trabalhar todos os dias para [os irmos] eliminando.”

Sobre a contagem tempo integral do serviço (congelado) dos professores, para efeitos de progressão na carreira (não se trata de pagamento, a pronto ou faseado, como deixava entender o líder PSD), António Costa disse que isso seria insustentável, até porque tinha de atender às reivindicações dos outros funcionários públicos, por motivos de equidade. A única promessa que pode deixar, disse, é de que “não haverá um novo congelamento de carreiras”. Porém, lembrou que a vinculação dinâmica permitiu colocar quase 28 mil professores, neste ano. E “mais importante de tudo é que, no próximo ano letivo, vamos ter um novo modelo de concurso”, disse. As alterações são as seguintes: os quadros de zona pedagógica (QZP) passam de 10 para 63, “o que diminui a distância de colocação”; e, a partir do próximo ano, os professores ficam colocados numa escola e “só saem daí, se quiserem sair”, ao invés dos atuais concursos que forçam essa situação a cada três anos.

Quanto ao novo aeroporto, disse não ver qualquer motivo para o PSD ‘romper’ o acordo obtido, há um ano, com o governo, para a criação da Comissão Técnica Independente (CTI) para definir a localização do novo aeroporto. Mas não descarta a hipótese – até porque, sobre este tema, o PSD “já disse tudo e o seu contrário”, acusou. No entanto, considerou: “Pelas conversas que tive com Montenegro, não tenho nenhuma razão para pôr em causa a seriedade do PSD nesta metodologia.” Por outro lado, a demarcar-se das alegações de falta de independência da equipa, frisou que a composição da CTI não foi escolhida pelo governo, nem pelo PSD.

Sobre o tema do aeroporto, António Costa diz que foi “o primeiro primeiro-ministro” que chegou ao governo e que, “em vez de ter a tentação de reabrir o debate, se limitou, humildemente, a aceitar o que tinha sido decidido pelo governo anterior”. Quem esteve mal foi o anterior líder do PSD, que, face à recusa de dois municípios do local estabelecido, disse não estar em condições de alterar a lei, porque, “dentro do PSD há uma grande dúvida sobre qual deve ser a localização”.

É, a ainda, de referir que o PM assegurou que o silêncio que manteve no último Conselho de Estado não representou “nenhuma mensagem especial” sobre a relação com Marcelo Rebelo de Sousa e com Belém. Antes, sublinhou que, pelas funções que desempenha, mas também pela personalidade de Marcelo Rebelo de Sousa, tem contacto muito frequente com o PR, que vai para lá da tradicional reunião semanal. Com efeito, sempre que o PR o quer ouvir, chama ou telefona, o PM atende ou desloca-se a Belém. E considerou o que contacto habitual com Marcelo é um “privilégio”, que não se replica nos outros membros do órgão consultivo, daí a opção pelo silêncio naquele encontro. Todavia, recordou as contingências do calendário, uma vez que o Conselho de Estado decorreu após o debate do Estado da Nação, onde “já tinha exposto a situação económica e social do país”. “Não tinha nada a acrescentar”, disse. Questionado sobre se existia desconfiança quanto a outros membros, descartou, mas lamentou as “fugas de informação seletivas”, pois a lei prevê o sigilo nos encontros, cujas atas só são tornadas públicas 30 anos depois.

***

As medidas anunciadas vão na linha de continuidade, embora com alguma calibração. O governo dificilmente descola dos interesses instalados e toma decisões robustas, que passam pela intervenção no mercado da habitação e nas questões salariais, como a grave situação o exige. “Para grandes males remédios”, mas é preciso prescrevê-los e ministrá-los. O conflito com os professores não é sanado pelo governo, mas duvido que outro governo se desprenda da demagogia proclamada: “pagar o tempo em cinco anos”. É que, se há tempo a pagar, os que sofreram o congelamento e se reformaram têm direito ao pagamento com juros, bem como os que rescindiram por mútuo acordo. Enfim, o PM fez um raid numa estação de TV, a pacificar o seu eleitorado e pôr a nu os opositores. Duvido desse êxito. A oposição recrudesce.

Remeter para o OE e para a negociação significa diálogo e, pontualmente, fraqueza.

2023.10.03 – Louro de Carvalho

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