terça-feira, 31 de outubro de 2023

Aceleração das progressões na função pública? Sim, mas ainda não

 

O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 75/2023, de 29 de agosto, refere que “o Programa do XXIII Governo Constitucional assumiu o desígnio de assegurar serviços públicos de qualidade que contribuam para a redução das desigualdades, contando, para tal, com a valorização e melhoria das condições do exercício das funções públicas, em ordem a garantir percursos profissionais com futuro, procurando garantir previsibilidade, justiça e equidade”.

Admite que, por força do congelamento ocorrido entre 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007 e entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017, “não foi possível fazer repercutir na esfera jurídica dos trabalhadores, na sua plenitude, os efeitos associados à avaliação do desempenho individual, nomeadamente a alteração obrigatória de posicionamento remuneratório na carreira dos trabalhadores com vínculo de emprego público”. E considera que tal preocupação “esteve subjacente ao regime especial na progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, para os períodos de congelamento”.

Assim, reconhecendo “os impactos destes períodos de congelamento no normal desenvolvimento das carreiras”, estabeleceu “um regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público, através da redução do número de pontos necessários para alteração obrigatória do posicionamento remuneratório”. Este regime aplica-se às carreiras “cuja alteração do posicionamento remuneratório decorra em razão de pontos obtidos em resultado da avaliação de desempenho”, tendo impacto “nas entidades públicas empresariais integradas no Serviço Nacional de Saúde [SNS], por via dos acordos coletivos de trabalho existentes, mantendo-se para os demais contratos individuais de trabalho o desenvolvimento das carreiras previsto nos correspondentes instrumentos de regulamentação coletiva”.

Porém, esta solução “não prejudica que, em diferentes conjunturas, designadamente em próximas legislaturas, possam ser adotadas outras soluções, sem prejuízo naturalmente dos direitos ora adquiridos pelos trabalhadores da Administração Pública”.

Nos termos deste diploma, que “estabelece um regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público” (artigo 1.º), abrange os trabalhadores “com vínculo de emprego público integrados em carreira que, à data de entrada em vigor do presente decreto-lei [1/1 2024], reúnam os seguintes requisitos cumulativos: a) efetuem a alteração obrigatória de posicionamento remuneratório, em razão de pontos acumulados nas avaliações do desempenho; b) detenham 18 ou mais anos de exercício de funções integrados em carreira ou carreiras, abrangendo os períodos compreendidos entre: i) 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007; ii) 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017” (artigo 2.º).

Por conseguinte, a teor do artigo 3.º, “os trabalhadores que, no ano de 2024 ou seguintes, acumulem seis ou mais pontos nas avaliações do desempenho, relativas às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram, alteram o seu posicionamento remuneratório para a posição remuneratória seguinte à detida” (n.º 1). “Quando os trabalhadores tenham acumulado mais do que seis pontos, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório” (ver n.º 2). “A redução do número de pontos necessários para a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório […] é aplicável apenas uma vez a cada trabalhador” (n.º 3). “A alteração do posicionamento remuneratório produz efeitos a 1 de janeiro do ano em que o trabalhador acumule o número de pontos necessários para a alteração obrigatória do posicionamento remuneratório” (n.º 4).

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Em consequência do referido no preâmbulo do referido decreto-lei – de que a solução vigente “não prejudica que, em diferentes conjunturas, designadamente [recordo a importância que o Presidente da República deu ao adverbio ‘designadamente’, no caso dos professores] em próximas legislaturas, possam ser adotadas outras soluções” – o governo está disponível para alargar quotas para melhores notas na avaliação de desempenho e acelerar progressões (mas só em 2026).

Neste sentido, governo e sindicatos discutiram, a 30 de outubro, a revisão do sistema de avaliação de desempenho na Administração Pública (SIADAP). Segundo a Frente Comum, o Executivo anunciou o alargamento de quotas com nota diferenciada, face à proposta inicial, levando a progressões mais rápidas para parte dos funcionários públicos, e aumentando os prémios de desempenho para dirigentes de três mil para quatro mil euros.

Assim, o governo dá um passo ao encontro de uma das maiores reivindicações dos sindicatos da Administração Pública (AP), alargando as quotas para as melhores notas na avaliação de desempenho, o que redundará em progressão mais rápida na carreira e, consequentemente, em valorização salarial, para boa parte dos funcionários públicos. Todavia, fica longe da extinção de quotas que os sindicatos exigiam, de forma transversal.

Nestes termos, a parcela de trabalhadores que podem obter mais de um ponto por ano na avaliação de desempenho, para efeitos de futura alteração remuneratória, passará a ser de 60%, face à proposta inicial, que apontava para 50%. Esta foi a novidade da reunião do dia 30 de outubro, com a secretária de Estado da Administração Pública, Inês Ramires, veiculada para a comunicação social Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum – filiada na Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) –, a primeira estrutura representativa dos trabalhadores a reunir com o Executivo

Até agora, só 25% dos funcionários públicos, no máximo, podem ter uma nota diferenciada, isto é, mais de um ponto por ano.

A proposta apresentada aos sindicatos significa que, em cada serviço, 30% dos trabalhadores poderão ter, no máximo, menção de “bom” (a que correspondem 1,5 pontos por ano). Este valor compara com os 25% da proposta inicial, em julho. Além disso, outros 30% do total poderão ser classificados com a menção de “muito bom” (dois pontos). Uma percentagem que também estava nos 25% na proposta de julho. Já os trabalhadores classificados com “excelente”, continuam a sair da fatia dos muito bons, mas podem atingir um máximo de 10% desta parcela, quando a proposta inicial restringia essa parcela a 5%.

Até agora, 75% dos trabalhadores da AP podem ter, em cada ciclo avaliativo, no máximo, uma classificação de “adequado” (a que corresponde um ponto por ano) e só 25% podem ter a classificação de “relevante” (a que correspondem dois pontos por ano), fatia de onde sai o máximo de 5% com a classificação de excelente (a que correspondem três pontos por ano).

O alargamento das quotas para as notas diferenciadas na avaliação de desempenho dos funcionários públicos acresce às mudanças no SIADAP previstas na proposta de julho.

A avaliação passará a ser feita em ciclos anuais, em vez de bienais. Deixará de ser necessário acumular os atuais 10 pontos na avaliação de desempenho para progredir uma posição remuneratória, passando a ser necessários apenas oito pontos. Estas duas alterações juntam-se à medida de manutenção dos pontos remanescentes entre mudanças de posicionamento, que já está em vigor. Em conjunto, estas mudanças significam que os funcionários públicos poderão atingir, mais cedo, os pontos necessários para avançarem na carreira.

Além disso, há uma alteração na escala das notas na avaliação de desempenho. Até agora, os trabalhadores podem ser classificados com “excelente” (a que correspondem três pontos por ano), “relevante” (dois pontos), “adequado” (um ponto), ou “inadequado” (em que se retira um ponto). Com a revisão do SIADAP, a escala terá mais níveis: “excelente” (três pontos), “muito bom” (dois pontos), “bom” (nova menção, a que correspondem 1,5 pontos por ano), “regular” (um ponto), e “inadequado” (corresponderá a zero pontos, em vez de ser retirado um ponto).

Obviamente, estas alterações permitirão que os funcionários públicos progridam, de forma mais rápida, na carreira, com reflexo no salário mensal, mas só a partir de 2026.

A proposta do Executivo é de que o novo modelo entre em vigor em 2025, produzindo efeitos ao nível da mudança de posição remuneratória dos trabalhadores a partir de 2026, ano em que terminará a atual legislatura, se as condições políticas não determinarem e sua interrupção por dissolução parlamentar. Estão em causa cerca de 65% dos trabalhadores da AP – cerca de 485 mil pessoas –, cuja progressão na carreira depende dos pontos obtidos na avaliação de desempenho, através do SIADAP ou de regimes adaptados. É o caso, por exemplo, de todos os funcionários integrados nas carreiras gerais da AP: técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais. Ficam de fora os militares, os profissionais da Guarda Nacional Republicana (GNR), os docentes, os oficiais de justiça e os juízes, cujas carreiras assentam em outros critérios.

Esta proposta continua longe das exigências da Frente Comum (FC). “O governo não aceitou qualquer uma das nossas propostas”, vincou Sebastião Santana. A FC reivindica a extinção das quotas na avaliação de desempenho e a redução para quatro dos pontos necessários para progredir uma posição remuneratória. Isto, para permitir que todos os trabalhadores da AP possam atingir o topo das respetivas carreiras, no máximo, ao fim de 40 anos de trabalho. Por isso, a FC quer continuar a negociação. “Pelo governo, o tema ficava fechado hoje”, mas, “vamos pedir reunião de negociação suplementar”, adiantou Sebastião Santana. E, sobre a atualização salarial para o próximo ano, tema que o Executivo deu como fechado, a FC voltou a insistir, na reunião do dia 30 de outubro, em maiores aumentos. “Fechámos a reunião dizendo que, perante a greve da última sexta-feira [27 de outubro], o governo tem de voltar à negociação dos aumentos salariais para o próximo ano até à votação final do Orçamento do Estado”, indicou Sebastião Santana.

Também a FESAP – filiada na União Geral dos Trabalhadores (UGT) – pediu reunião de negociação suplementar, que deverá realizar-se a 15 de novembro. “Dada a disponibilidade para melhorar as quotas, dissemos ao governo que fosse mais longe”, disse José Abraão, dirigente da FESAP. E a contraproposta desta estrutura sindical é: “Os que têm um ponto na avaliação passarem a ser só 30% do total, e os ‘excelentes’ (três pontos) passarem a ser 10% do total”.

A resposta da secretária de Estado foi que, “neste momento, o que está em cima da mesa é esta proposta”, revelou José Abraão, acrescentando que a resposta foi semelhante, face à reivindicação da entrada em vigor do novo modelo mais cedo do que o Executivo propõe. Ante essa posição de Inês Ramires, “temos a expetativa de que não sejam matérias fechadas e que a proposta ainda possa ser melhorada”, apontou José Abraão.

Outra relevante novidade surgiu ao nível dos prémios de desempenho dos dirigentes públicos, com o governo a propor um aumento de 1000 euros para os 4000 euros. Aliás, a comunicação social já vinha falando em aumento da remuneração dos técnicos superiores na AP. Contudo, o que é referido são dirigentes, quando há técnicos superiores que não ocupam cargos de direção.

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Última nota: O governo preconiza o esbatimento das desigualdades e diz querer garantir “previsibilidade, justiça e equidade”. Porém, o regime especial de progressão dos professores (ver Decreto-Lei n.º 74/2023, de 25 de agosto), apenas se aplica a quem exerça “funções docentes ou legalmente equiparadas desde o ano 2005-2006” (ver artigo 2.º, n.º 1, alínea a)). E os outros? Além disso, não se prevê aumento dos percentis das classificações de “muito bom” e de “excelente” na avaliação de desempenho docente, de que resulta maior rapidez na progressão.

Falar de justiça e de equidade é bonito, mas não basta!

O Estado tem mesmo de valorizar todos os seus trabalhadores, com justiça e com equidade, porque o merecem como pessoas, para prestigiar a dignidade do serviço público e para que os trabalhadores não se escapem para o setor privado ou para o estrangeiro.  

2023.10.31 – Louro de Carvalho

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