quarta-feira, 25 de outubro de 2023

A indústria da moda é a segunda mais poluidora do planeta

 

A Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, citada pela Rádio Nacional (Brasil) aponta que, nos últimos anos, foram descartados mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis e que se projeta o aumento de 60%, isto é, mais de 140 milhões de toneladas, nos próximos oito anoshttps://agenciabrasil.ebc.com.br/ebc.png?id=1487984&o=nodehttps://agenciabrasil.ebc.com.br/ebc.gif?id=1487984&o=node. Por isso, urge o esforço de toda a sociedade em construir uma indústria têxtil, de roupas e acessórios, sustentável, cabendo a tarefa, em especial, a produtores e a consumidores da moda e da indústria têxtil, que devem ser sensibilizados.

Leva centenas de anos a decomposição de roupas de fibras sintéticas, e os componentes químicos contaminam o solo e a água, sem falar no efeito estufa na produção e no descarte.

Está longe o tempo em que as roupas duravam imenso tempo. Eram reparadas (remendadas) e passavam de irmãos mais velhos para os mais novos. Hoje, os tecidos são mais fracos e as pessoas descartam-nos, até porque rapidamente passam de moda. Por outro lado, a indústria da moda – o setor têxtil não é exceção – pretende que o consumidor renove as suas provisões de vestuário, de calçado e de adereços. Assim, a média de consumo de roupas por pessoa é 60% maior do que há 15 anos. E cada peça dura a metade do tempo que costumava durar.

Ao mesmo tempo, o impacto ambiental da indústria da moda aflige toda a gente: contamina-se o solo; faz-se uso excessivo de água para as produções; a poluição chega aos rios; faz-se descarte desnecessário ou incorreto; e são construídos aterros gigantescos para descarte de tecidos e de peças. De 17 a 20% da poluição da água industrial vem de tingimento e de tratamento têxtil. Cerca de oito mil produtos químicos sintéticos são usados, no Mundo, para transformar matérias-primas em produtos têxteis, muitos dos quais serão libertados para fontes de água doce. É de destacar que os resíduos têxteis são todo o material que sobra da produção de tecidos, que deixam de ser úteis, terminado processo. Normalmente, são eliminados e tratados como lixo comum e acabam por ser inevitáveis os prejuízos ambientais.  

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A Organização das Nações Unidas (ONU) pede aos consumidores da moda reflexão, antes da compra, e à indústria da moda a adoção de formas sustentáveis. Com efeito, a indústria da produção de roupas tem grande impacto no ambiente, produzindo de 2% a 8% de todas as emissões globais de dióxido de carbono, logo a seguir à indústria petrolífera; e o setor de tingimento têxtil é um dos maiores poluentes para fontes de água, em todo o Mundo. Este é o alerta é do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

O ano da moda começa em setembro, com semanas de desfile e de garbo em metrópoles como Nova Iorque, Milão, Paris e Londres. Mas, fora das passarelas, a realidade não tem glamour e é preocupante, a médio e longo prazo. Efetivamente, a cada segundo, é deitado ao lixo ou queimado o equivalente a um camião de roupas. Muitas peças resultam do impulso de compra e nem sequer são usadas. Só a confeção de uma calça jeans mobiliza milhares de galões de água.

A indústria da moda virá a ser responsável por 25% do orçamento global de carbono até 2050.

Por isso, o PNUMA defende que é preciso tentar desligar-se do marketing da máquina, que se concentra em empurrar, a todo o tempo, novos modelos para cima dos consumidores.

Garrette Clark, especialista do PNUMA em sustentabilidade, diz que a desnecessária aquisição de roupa é a raiz do problema, mas que é possível exercer um impacto mais suave no ambiente, enquanto se vive na moda. E aconselha a utilização de roupas de segunda mão, para reduzir o desperdício e manter as roupas fora dos aterros sanitários. É dever de cada um perguntar-se, antes de comprar, se precisa da peça, se prefere seguir ou ditar a moda.

Para Clark, é possível criar um guarda-roupa original desenhando as próprias peças ou usando roupas antigas, as vintage, feitas à mão ou que se trocam entre os conhecidos. E as roupas mais baratas, que aparentam bom negócio, sendo, para muitos, a única opção, contribuem para a economia descartável, que danifica o ambiente. Com efeito, uma peça de baixa qualidade é mais fácil de ser descartada. Por isso, quanto possível, é de comprar vestuário de boa qualidade, que durará mais, se bem conservado, ajuda o ambiente, os produtores têxteis e, a longo prazo, é mais económico para o consumidor.

Para a especialista, o consumidor deve consertar a roupa, quando começa a ficar velha, oferecer a amigos uma peça que não use ou doá-la a quem precisa. E, antes da compra, deverá pesquisar sobre as peças e interrogar-se se o produtor utiliza técnicas sustentáveis que podem ser verificadas como tais; se usa tecidos sustentáveis ou fibras recicladas; se se assegura que a sua cadeia de fornecimento responde ao impacto da moda no planeta; e se usa etiquetas certificadas que podem ser comparadas. As respostas encontram-se na Internet ou na leitura das etiquetas, mas é preciso cuidado com o que se lê, pois está instalada prática do “greenwashing”, que é fingir informações de cuidado com o ambiente e com a sustentabilidade. Por isso, é preciso usar o bom senso. 

Para Clark, os usuários podem pressionar as marcas preferidas com comentários em redes sociais ou deixando de comprar os produtos que não obedeçam aos critérios ambientais. De facto, quem compra pode exigir das suas marcas de roupa que sejam mais sustentáveis, que reduzam a moda em excesso e que informem sobre o impacto dos seus produtos.

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O estudo Pulse of the Fashion Industry, de 2019, da Boston Consulting Group, mostra que, até 2030, a indústria global de vestuário e calçados terá crescido 81%, chegando a 102 milhões de toneladas de roupas e de acessórios, exercendo pressão sem precedentes sobre os recursos do planeta. O consumismo cegou-nos. O que não vemos ou não sabemos, não o sentimos, nem queremos saber de onde veio ou como se fez; só queremos saber o preço. Todo o processo produtivo consome recursos naturais e humanos de modo extraordinário.

Com o aumento da concorrência, o preço tornou-se relevante e, para manter baixo preço, alguém trabalha por muito pouco e há tecnologia a substituir o ser humano. O baixo custo para o consumidor tem grande impacto na sustentabilidade e nas mudanças climáticas, efeitos adversos na água e nos seus ciclos, poluição química, perda de biodiversidade, excessivo ou inadequado uso de recursos não renováveis, geração de resíduos, efeitos negativos sobre a saúde humana, efeitos nocivos para comunidades produtoras.

Na década de 90, o conceito de fast fashion veio suprir a necessidade do consumidor impaciente, ágil e conectado. A economia em expansão, impulsionada pelo consumo excessivo individual, levou à reprodução de coleções de grandes marcas de forma rápida, constante e de baixo custo. Segundo a Forbes, em média, peças fast fashion são utilizadas menos de cinco vezes e geram 400% mais emissões de carbono do que roupas de marcas slow fashion, usadas umas cinquenta vezes. E, de acordo com o report da Ellen MacArthur Foundation, além do carbono emitido no processo de produção, o descarte da indústria, dado o ciclo de vida curto das coleções, é imenso e, a cada ano, são perdidos cerca de de 500 mil milhões de dólares com o descarte de roupas em aterros. Na criação de peças, 25% do produzido passa a lixo, isto sem falar no descarte, onde quase nada é reaproveitado.

Uma das fibras mais utilizadas no mercado fashion é o poliéster, responsável pela emissão anual de 32 das 57 milhões de toneladas globais. E são precisos mais de 200 anos para decompor a fibra. Atualmente, o mercado utiliza apenas 14% de fibras recicladas, que possuem uma pegada de carbono significativamente menor do que as convencionais. A Plastic Insights reportou que, em 2016, o poliéster respondeu por 55% do mercado global de fibra, seguido pelo algodão com pouco mais de 25%. A Ocean Conservancy afirma que, a cada ano, entram nos oceanos oito milhões de toneladas de resíduos plásticos. Assim, consumindo peixes e frutos do mar, ingerimos o equivalente a um cartão de crédito por semana em plástico. Depois, vem a viscose, produzida pela extração da celulose da madeira de árvores de rápido crescimento, provindo cerca de 30% de florestas nativas ameaçadas de extinção. Segundo Nicole Rycroft, da Canoply, organização de luta pelas florestas, para o The Guardian, as florestas tropicais em vias de extinção são invadidas, desmatadas e transformadas em camisas e em vestidos. A fabricação de viscose implica o uso de produtos químicos que acabam por ser despejados no ambiente, sem tratamento prévio. Os grandes exportadores de polpa de viscose para a China são a Indonésia, o Brasil e o Canadá.

Segundo a Associação Brasileira de Indústria Têxtil (ABIT), no Brasil, a indústria da moda gera 175 mil toneladas de resíduos têxteis por ano. Em 2020, foram resgatadas, em São Paulo, 178 mulheres de oficinas, que faziam trabalho escravo. Há uma grande concentração de imigrantes e refugiados, principalmente latino-americanas nesta etapa da produção.

O impacto negativo do setor da moda não atinge só o ambiente; é também profundo na esfera social. Grande parte das empresas terceirizam a produção e as terceirizadas “quarteirizam” o trabalho, para minimizar os custos de mão-de-obra. Segundo a World Trade Statistical Review, a Ásia é a principal exportadora e produtora do têxtil, com destaque para a China, a Índia, Taiwan e o Paquistão. O crescimento da China gerou pequeno aumento salarial fazendo com que algumas marcas mudassem o foco para países como o Bangladesh, o Vietname e o Camboja, onde a competição por trabalho mantém salários baixos e as margens de lucro altas. Assim, há milhares de pessoas em países subdesenvolvidos em condições sub-humanas de trabalho.

Porém, um dos exemplos em contramão da indústria é a Patagónia, fundada na Califórnia pelo escalador, surfista e ambientalista Yvon Chouinard, com olhar de sustentabilidade para a cadeia toda. A preocupação vai da plantação de algodão ao bem-estar dos funcionários e com toda a cadeia de produção. Assim, foi a primeira empresa a vender casacos sustentáveis. No início, muitos achavam que vender peças sustentáveis e mais caras não resultaria, mas a conscientização das novas gerações e o pedido por produtos com propósito era aquilo de que a empresa precisava para dar ganho. Tudo começou nos anos 50, com a fabricação e venda de equipamentos de escaladas e, hoje, vende roupas e acessórios para desportos radicais, emprega mais 2.200 pessoas, possui escritórios em seis países e fatura, em média, mil milhões de dólares por ano. O fundador ficou conhecido em 2011, após a campanha que pedia que não comprassem os seus produtos, pois o consumo exagerado é nefasto para o planeta.

O facto de as lavouras de algodão serem das mais agressivas para o ambiente foi preocupação para Yvon. Assim, mesmo com prejuízo financeiro nos primeiros dois anos, decidiu que, a partir de 1996, usaria 100% de algodão orgânico, ainda que custasse o triplo do preço em relação tradicional. O orgânico agride menos o planeta, mas não é o ideal. E a empresa começou a cultivar o algodão de forma regenerativa. Esta produção ocupa o mínimo espaço possível, reveza culturas para que o solo se mantenha rico e promove parcerias com comunidades locais.

A Adidas, em 2020, passou a utilizar poliéster reciclado em 50% dos seus produtos, pretendendo, até 2024, chegar a 100%. A Stella McCartney, que usa algodão orgânico, nylon reciclado e viscose sustentável, lançou um jeans 100% biodegradável, em parceria com a italiana Candiani Denim. No final de 2019, a Arezzo anunciou a plataforma Arezzo Futuro, com uma série de mudanças, transformando desde a gestão ambiental do grupo até produtos com atributos sustentáveis e desafios de embalagem. E a Flavia Aranha, exemplo de sustentabilidade, utiliza matérias-primas naturais e tingimento com tinturas extraídas de cascas de árvores, frutos, folhas e raízes. Os povos usavam recursos naturais para tingimento têxtil, identificando as plantas que davam cor aos tecidos, mas com o surgimento dos corantes sintéticos, esqueceu-se muito desse conhecimento.

Outro exemplo com foco no social é o “Movimento Eu Visto o Bem”, de Roberta Negrini, com o sonho de criar um negócio que gerasse lucro e fosse uma máquina de transformação de pessoas com o mínimo impacto possível no ambiente. Produz roupas e artigos têxteis a partir de restos de tecidos e só usa mão-de-obra de mulheres encarceradas no sistema prisional ou em situação de vulnerabilidade social, “invisíveis” aos olhos da sociedade.

Em tempos de busca obsessiva por redução de custos e por crescimento exponencial, é incomum encontrar empresas que entendam ser necessário pagar mais, para agredir menos o planeta e as pessoas e que, se para existir de maneira sustentável é preciso crescer menos, isso não deveria ser um problema, mas uma oportunidade. Ora, a verdadeira sustentabilidade está em soluções menos baratas, atemporais na estética e amigas do ambiente e das pessoas. Reciclar roupa e conservá-la é vital para enfrentar a mudança climática.

Estar na moda é cuidar do planeta e das pessoas!

2023.10.24 – Louro de Carvalho

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