quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Pensões sobem entre 5,2% e 6,2% em 2024

 

O governo entregou, para debate na Assembleia da República (AR), a proposta de Lei do Orçamento para 2024 (OE2024). O debate ainda não começou (o debate na generalidade desemboca na aprovação na generalidade, que lança o debate e a aprovação na especialidade, a que se seguirá a votação global final, a redação da lei, a promulgação, a referenda ministerial e a publicação), mas as fugas de informação e as declarações de alguns membros do executivo já mostram o rumo que o documento vai seguir.

Não sei dizer se é um fenómeno de antropagogia que está em curso ou se é um módulo de propaganda política governamental. Em todo o caso, o júbilo silencioso de alguns e as críticas de tantos, mercê das alegadas insuficiências, obsessões e teimosias dos atuais governantes (aliás, como dos anteriores) estão no terreno a animar as hostes.

Um dos pontos que marcam a agenda orçamental é o que afeta os cidadãos mais débeis do ponto de vista reivindicativo, que são os pensionistas de reforma ou de aposentação – isto sem falar dos muitos que vivem abaixo do limiar da pobreza.    

Dizem que o aumento das pensões não resulta de decisão do governo, mas do cumprimento da lei, cuja fórmula este governo queria alterar. Contudo, seria absurdo que a Lei do Orçamento, de abrangência anual, não contemplasse, explicitamente, tão relevante matéria em termos sociais.

Assim, a novidade, já esperada, é que as pensões mais baixas sobem 6,2%, as intermédias aumentam 5,8% e mais altas crescem 5,2%. No total, em causa estão 2,7 milhões de pensionistas, segundo a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que o revelou, a 11 de outubro, em conferência de imprensa de apresentação do OE2024 para a Segurança Social (SS).

“Este Orçamento é também de compromisso com os pensionistas“, sublinhou Ana Mendes Godinho, dando conta que, em 2024, haverá “aumentos históricos e sem cortes” das pensões.

Em maior detalhe, as reformas até 1.020 euros terão uma subida de 6,2%. Em causa estão cerca de 2,5 milhões de pensões, precisou o secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos.

Já as superiores a 1.020 euros, mas inferiores a 3.061 euros, terão um aumento de 5,8%. Neste escalão, estão cerca de um milhão de pensões, segundo o mesmo governante.

Por sua vez, as pensões acima de 3.061 euros (até ao valor a partir do qual o aumento está bloqueado) crescerão 5,2%. Há menos de 100 mil pensões nesta situação, realçou Gabriel Bastos.

Assim, por exemplo, alguém que ganhe 500 euros de reforma conta com um aumento mensal de 31 euros. São mais 434 euros ao fim de um ano do que hoje, anotou a ministra. Já para quem ganha uma pensão de mil euros, o aumento mensal será de 62 euros, ou seja, a subida anual será de 868 euros, observou a mesma governante.

Estes aumentos resultam da fórmula prevista na lei, que tem por base a evolução da economia nos últimos dois anos e a trajetória dos preços. Contudo, essa fórmula utiliza os dados disponíveis em novembro de cada ano, pelo que os aumentos sinalizados são “ainda provisórios”. Ainda assim, é possível já adiantar que, à boleia da inflação e do crescimento económico, os aumentos das pensões terão um impacto de 2,2 mil milhões de euros, adiantou Ana Mendes Godinho.

Em 2023, face aos níveis históricos de inflação, o governo decidiu não aplicar, num primeiro momento, a fórmula na íntegra, mas avançou com aumentos intercalares, no verão.

Já este ano, com a inflação ainda em níveis elevados, o Executivo promete aplicar os aumentos de forma plena. Questionada sobre o que mudou, Ana Mendes Godinho assegurou que o governo tem o compromisso de dar passos responsáveis que não levem, depois, a cortes. E num ano em que até se espera um reforço da almofada das pensões, nomeadamente por efeito do crescimento dos salários, o Executivo sente-se em condições de cumprir a fórmula. Ao mesmo tempo, está em curso o trabalho de uma comissão que avalia a sustentabilidade da SS, cujas conclusões poderão levar à revisão da fórmula. Todavia, aos jornalistas, a ministra frisou que, para já, a prioridade é manter a confiança no sistema, não relevando se 2024 será ou não o último ano de aplicação dessa fórmula nos moldes atuais.

Quanto à referida almofada, é de relevar que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) será reforçado, no próximo ano, com 2,63 mil milhões de euros, nesse ano, em transferências de capital. É o segundo valor mais elevado nos 34 anos de existência do fundo de reserva da SS. Este reforço de capital acontece depois de, em 2022, o Estado ter injetado um valor recorde superior a 3,1 mil milhões de euros, através de transferências de capital e de alienações de imóveis, que superou a totalidade de transferências realizadas nos três anos anteriores.

Significa que, dos 18,1 mil milhões que o Estado transferiu para o FEFSS, desde 1989 (quando foi constituído), 31% deste montante foi angariado em 2022 e em 2023. “Já transferimos verbas muito significativas em 2022 e vamos voltar a fazer em 2023”, referiu Fernando Medina na apresentação da proposta de Lei do OE2024, em conferência de imprensa.

A aposta no reforço deste fundo, que tem como responsabilidade garantir o pagamento das pensões numa situação deficitária da SS, vai ao encontro das indicações do ministro das Finanças após a entrega do documento ao presidente da AR, ao classificar o OE2024 como um “orçamento com os olhos postos no futuro […] na consciência que esta geração tem a responsabilidade de proteger melhor as gerações que lhe seguem […] que tem a obrigação e a oportunidade de proceder à criação dos instrumentos de reforço do FEFFS”.

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Além das pensões, a proposta de OE2024, que foi entregue, a 10 de outubro, pelo ministro das Finanças, Fernando Medina na AR, traz um reforço de várias outras prestações sociais, como o abono de família e o complemento solidário para idosos (CSI). Daí que Ana Mendes Godinho tenha realçado que este é um “orçamento marcado pela prioridade no investimento social”, no atinente às famílias, às crianças, aos mais velhos ou aos mais vulneráveis. “É o orçamento com o maior aumento de sempre nos apoios às famílias.

No total, vincou a governante, são 2,3 mil milhões de euros para as famílias com filhos. “É mais do dobro do que era dedicado tradicionalmente às famílias, por exemplo, em 2015.”

No respeitante ao abono de família, os beneficiários até ao quarto escalão terão, a partir de janeiro, um aumento de 22 euros, que incorpora, de forma definitiva, por um lado, o apoio mensal extraordinário de 15 euros que foi pago, ao longo de 2023, às famílias e, por outro, o impacto do IVA zero. Só esta medida custará aos cofres do Estado 320 milhões de euros. Além disso, quanto à garantia para a infância, o complemento ao abono para as famílias mais carenciadas, depois de ter arrancado nos 70 euros e de ter passado para 100 euros, em 2023, vai chegar, em 2024, aos 122 euros.

Outra medida pensada para as famílias é o alargamento da gratuitidade das creches, o que deverá beneficiar 120 mil crianças e custar 100 milhões de euros.

Quanto aos mais velhos, o governo decidiu antecipar a convergência do CSI com o limiar da pobreza. Isso significa que o valor de referência desta prestação passa para 550 euros por mês, ou seja, mais 62,45 euros do que agora. Com esta subida do valor de referência, o governo estima que serão abrangidas mais 20 mil pessoas, totalizando 150 mil pessoas cobertas por esta prestação social. Este reforço deverá ser pago já a partir de janeiro.

“Nenhum pensionista de baixos recursos ficará abaixo do limiar da pobreza”, assegurou Ana Mendes Godinho, referindo que esta medida terá um impacto orçamental de 55 milhões de euros.

Importa ainda notar que o indexante que guia a evolução de diversas prestações sociais, o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), subirá para 510 euros (aumentará 30 euros), conforme adiantará o ministro das Finanças. E a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sublinhou que tal tem impacto, por exemplo, no subsídio por parte, na prestação social para a inclusão (PSI), no rendimento social de inserção (RSI) e nos limites das prestações de desemprego.

Na referida conferência de imprensa, a ministra Ana Mendes Godinho aproveitou para fazer um ponto da situação das contas da SS, indicando que, pela primeira vez, o governo estima que o sistema terá receitas acima de 40 mil milhões de euros. São mais 1.670 milhões de euros do que este ano e mais 16.100 milhões de euros, face a 2015. Para tal evolução, contribui, nomeadamente, a evolução do emprego e dos salários. Por exemplo, o número de trabalhadores declarados à SS está hoje acima do registado em 2022, em 190 mil indivíduos. As contribuições estão a subir 13%. E, só de janeiro a julho, já foi possível ultrapassar o valor total de salários declarados em todo o ano de 2022.

Também do lado da despesa há um aumento: em 2024, deverá subir 1.940 milhões de euros, face a este ano, totalizando 35 mil milhões de euros.

Por outro lado, Ana Mendes Godinho assinalou que, quando o governo iniciou funções, em 2015, havia a previsão de que a almofada das pensões, o FEFSS, se esgotaria em 2029. “Ganhamos, entretanto, mais 40 anos no nosso cofre das pensões. Temos as pensões garantidas para lá de 2070”, disse, anunciando que, em 2025, pela primeira vez, estarão garantidos dois anos de pensões. “Era um dos objetivos de sempre do FEFSS. Isto resulta claramente da evolução do emprego, dos salários e da diversificação das fontes de financiamento.” É de notar que, com este novo cenário, os primeiros saldos negativos do FEFSS foram adiados em 18 anos, face ao previsto em 2015.

Já o secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos precisou que, só neste ano, foram transferidos 2,6 mil milhões de euros para o FEFSS, sendo dois mil milhões relativos a transferências de saldos e 600 milhões de euros relativos, por exemplo, à transferência do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), de parte da receita do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e da contribuição adicional sobre o setor bancário.

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É óbvio que o aumento das pensões mais baixas devia, em crises como a atual, superar o estabelecido na lei, porquanto, um aumento de 6,2%, para pensões de 500 euros ou menos – ou até de 8% como esperava, a 5 de outubro, Maria do Rosário Gama, presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (APRe!) – não tira ninguém da situação de pobreza.

Por outro lado, a APRe! está contra a descida da Taxa Social Única (TSU), como querem as entidades patronais, porque tal prejudicaria os atuais e os  futuros pensionistas.

Além disso, as reivindicações da APRe! prendem-se com a dedução específica no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS). Até 2011, foi de seis mil euros. A partir de 2011, passou para 4.104 euros. Ora, como o IAS, que está na base do cálculo da dedução específica, tem vindo a aumentar, entende-se que é altura de a atualizar, para 14 vezes o IAS, ou seja, cerca de 6.700 euros. E outra das reivindicações tem que ver com o CSI, cujo valor é inferior ao que deveria ser pago, porque não atinge o limiar da pobreza. Foi aumentado no ano passado, mas devia voltar a ser mais reforçado, para que todos os pensionistas ultrapassem o limiar da pobreza.

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Não há dúvida de que o OE2024 constitui um esforço do governo para aliviar o mal-estar dos cidadãos de menores recursos. Porém, a insuficiência na atenção à classe média baixa deixa pairar o sabor do benefício amargo, agravado pelo aumento dos impostos indiretos, que atingem a todos (por exemplo, 0,02€ por cada saquinho para frutas e legumes). É a obsessão das contas certas – bandeira da direita já capturada pelo governo dito de esquerda – útil, mas não a qualquer preço!

2023.10.11 – Louro de Carvalho

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