É
da tradição eclesial e popular o mês de maio – mês da mãe e do trabalho – ser dedicado
a Nossa Senhora, que o poeta sábio Afonso X, rei
de Castela e de Leão, em Cantigas de Santa Maria, denomina de “flor das flores” e “rosa das
rosas”.
As
manifestações litúrgicas e devocionais a Maria, neste mês, são muitas,
sobressaindo a Peregrinação Internacional Aniversária a Fátima nos dias 12 e 13
(assinalando a primeira Aparição), várias peregrinações e festas locais e
regionais, a oração junto de imagens da Virgem em ruas e praças e o culto do
Mês de Maria em paróquias, santuários, capelanias e casas religiosas.
É
de referir que, no último dia de maio, se celebra a festa litúrgica da Visitação
da Virgem Santa Maria, em que a Mãe de Deus foi
ao encontro da sua parenta Isabel, que tinha concebido um filho em idade
provecta, apesar de ser considerada estéril, e a saudou. No feliz encontro das
duas futuras mães, o Redentor que vinha ao mundo santificou o precursor ainda
no seio da sua mãe; e Maria, respondendo à saudação de Isabel e exultando na
alegria do Espírito Santo, deu glória ao Senhor com um cântico de louvor, o
“Magnificat” (em Grego, “Megalýnei”), reconhecendo a grandeza e a misericórdia
do Senhor e prevendo que todas as gerações A proclamarão “Bem-aventurada”.
Entretanto,
apraz-me trazer à colação o livreto Mês de
maio com Maria, elaborado pela equipa do Regional NE2-CNBB, em ordem ao
exercício de uma das formas de preparação orante do XVIII Congresso Eucarístico
Nacional, a realizar no próximo mês de novembro, no Recife.
Frisa
a susodita equipa que este subsídio mariano “foi preparado para auxiliar na
celebração do mês de maio” e animar a devoção à Virgem Maria, Mãe de Deus e da
Igreja, “tão cara ao nosso povo”, servindo como instrumento de promoção da
comunhão pastoral entre as nossas Igrejas particulares”, comunhão amorosa
efetiva que é a marca dos discípulos.
Celebrando
em conjunto o Mês de Maria, a partir dum referencial comum, quer a equipa a
renovação e o fortalecimento do desejo e do compromisso de “construir e
testemunhar a unidade, como dom e tarefa”, que se evidencia na beleza do “mosaico
multiforme” das Igrejas particulares.
Além
disso, este contributo instrumental insere-se na rota de preparação para a celebração
do referido congresso, “evento que une toda a Igreja do Brasil em torno da
Eucaristia, centro e ápice da vida e da missão eclesial”. Por isso, neste mês
de Maria, os crentes brasileiros foram instados a contemplar e a celebrar a
presença da Virgem Maria nas comunidades de fé como “Mulher Eucarística, modelo
da Igreja que vive da Eucaristia” (cf São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia 1 e 53). Com efeito, o Papa polaco afirmava
que “Maria é mulher eucarística na totalidade da sua vida”, pelo que “a Igreja,
vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-La também na sua relação com
este mistério santíssimo” (EE 53).
Toda a vida de Maria é prospetada na linha do mistério pascal e, portanto, direcionada
à Eucaristia, que é a atualização sacramental da Páscoa do Senhor. O lema “Fazei
o que Ele vos disser” (Jo 2,5) é a exortação
da Virgem aos servos nas bodas de Caná, conselho amoroso que redunda em convite
à confiança e incitamento à obediência ao Senhor. É a atitude exigida à Igreja,
chamada a perpetuar as palavras e os gestos do Redentor, no mistério da
Eucaristia e no campo da vida.
Com
efeito, na última ceia, os Apóstolos recebem de Jesus o mandato: “Fazei isto em
minha memória” (Lc 22,19). E nós, ao ouvirmos a Mãe que nos diz “Fazei o que
Ele vos disser”, volvemos o coração para o Mistério Eucarístico, acolhemos a
palavra de Jesus que nos doa a Eucaristia e, fazendo o que Ele nos diz, proclamamos
que a Igreja vive da Eucaristia, como verdade essencial e síntese do seu
próprio mistério (cf EE 1). Na verdade,
com a sua maternal e protetora diligência de Mãe da Igreja, como em Caná, Ela
apela a que não hesitemos, antes confiemos na palavra do seu Filho, pois, se
Ele pôde mudar a água em vinho, pode fazer do pão e do vinho o seu corpo e o
seu sangue, entregando aos crentes o mistério do memorial vivo da sua Páscoa e
tornando-se no pão de vida e no vinho da salvação, Corpo e Sangue de Cristo.
À
luz o tema “Maria, Mulher Eucarística, modelo da Igreja que vive da Eucaristia”,
um congresso eucarístico pode despertar nos crentes uma autêntica piedade
eucarística para viverem na sua integridade o Mistério do Sacramento, quer na
celebração, quer no testemunho de vida. E, com o mesmo espírito de Maria, a Mulher
Eucarística, experimentarão a tensão do Reino anunciado por Jesus, conscientes
de que, “sempre que o Filho de Deus Se torna presente entre nós na ‘pobreza’
dos sinais sacramentais do pão e do vinho, se lança no mundo o germe a história
nova que verá os poderosos “derrubados dos seus tronos” e “exaltados os humildes”
(cf Lc 1,52; EE 58). E, experienciando a força transformadora da Eucaristia, os
crentes serão sinais deste mundo transformado, com “pão em todas as mesas” e
sem haver quaisquer necessitados nas comunidades cristãs, que pretendem
fermentar o mundo de Evangelho.
Em
relação ao último dia do Mês de Maria e à festa da Visitação, é referido que,
se o “Magnificat” exprime a espiritualidade de Maria, nada melhor do que esta
espiritualidade, que interliga Maria, Eucaristia e Igreja (é de relembrar que o
povo português invoca, não raro, Maria como Nossa Senhora do Santíssimo
Sacramento) para nos ajudar a viver o mistério eucarístico e a tomar consciência
da grandeza e profundidade do dom da Eucaristia que recebemos, para que a nossa
vida, à semelhança da de Maria, seja toda ela um Magnificat” (EE 58).
Assim,
tendo percorrido este mês de maio, com a união da piedade mariana ao Mistério
da Páscoa de Jesus Cristo, devemos correr apressadamente, como a Mãe de Deus, para
vivermos no concreto, à luz do Evangelho da visitação da partilha de vida, a
solidariedade com os irmãos e irmãs que não têm o pão nas suas mesas.
Agora,
somos convidados a glorificar a Serva do Senhor que nos ensina que o Senhor
“sacia de bens os famintos”. O encontro exultante dos dois filhos (João Batista
e Jesus de Nazaré), levados no ventre materno das duas mães, revela a alegria
da salvação que chegou no mundo. É Maria a Mãe, a cristófora, que leva como num
relicário-ostensório vivo, o Filho de Deus, para que a humanidade reencontre a
beleza da criação com a sua presença. É Ela, que entoa o “Magnificat”, hino de
beleza singular que nos mostra o rumo que devemos tomar. O Senhor faz maravilhas
em nós, como fez em Maria, faz com que a Igreja seja defensora dos mais
necessitados, faz com que a nossa vida seja vida eucarística e faz-nos coroar
com a nossa devoção a mãe discípula e missionária. E a melhor coroa que mais
Lhe quadra como o mais belo ornamento é a coroa da nossa gratidão, que nos leva
a fazer tudo o que Jesus nos disser, comprometendo-nos com a Palavra,
compromisso que se concretiza na perceção das necessidades das pessoas que
sofrem (“Eles não têm vinho!” Jo 2,2) e na colocação das nossas pessoas na rota
da solidariedade.
Isto
postula a introdução, na espiritualidade mariana, da docilidade ao Espírito
Santo, seja para cantarmos com Maria os louvores de Deus, juntamente com todas
as suas criaturas, seja para percorrermos os caminhos dos irmãos e das irmãs
que precisam da nossa solidariedade, mesmo que não a apreciem. É a opção preferencial
pelos pobres que está em causa na Igreja, simultaneamente com a radical aposta
em Deus.
Não
será de esquecer comentário que o Cardeal-Patriarca de lisboa fez, na homilia
da solenidade da Ascensão do Senhor, na capela de Nossa Senhora da Conceição da
Rocha, assinalando o II Centenário do aparecimento da pequenina imagem da Virgem
numa gruta rochosa do vale do rio Jamor. Considerando que a Ascensão do Senhor
constitui a nossa esperança – pois, “tendo-nos precedido como nossa Cabeça na
glória, para aí nos chama como membros do seu Corpo” (oração coleta) –,
observou que a Virgem, imaculadamente concebida por assim convir ao seu
estatuto de Mãe do Senhor, replica, a seu modo, a Ascensão de Cristo na sua Assunção
ao Céu. Se a Ascensão de Jesus completa o seu percurso pascal (paixão, morte, descida
à mansão dos mortos, ressurreição, transformação do discipulado em fraternidade
e apostolado missionário e ascensão), a Assunção de Maria é o coroamento da participação
da Mãe no mistério pascal do Senhor. É a forma eloquente com que nos aponta o
caminho da nossa participação na Páscoa, caminho que Ela seguiu e nos ensina a
percorrer de olhos postos no Alto (Ela é do Céu), a que nos afeiçoamos e donde
recebemos uma força adjuvante para crescimento no ser e na missão, e pés
assentes na Terra, em que peregrinamos, na atenção àqueles e àquelas que não
têm o vinho do bem-estar terreno e da salvação e no propósito firme de fazer o
que Ele manda.
É
bem verdade o que o povo crente diz e sente, quando proclama: “Por Maria Jesus”
(Per Mariam ad Iesum).
2022.05.31 – Louro de Carvalho