terça-feira, 31 de maio de 2022

No termo do mês de maio de 2022, sempre Mês de Maria

 

É da tradição eclesial e popular o mês de maio – mês da mãe e do trabalho – ser dedicado a Nossa Senhora, que o poeta sábio Afonso X, rei de Castela e de Leão, em Cantigas de Santa Maria, denomina de “flor das flores” e “rosa das rosas”.

As manifestações litúrgicas e devocionais a Maria, neste mês, são muitas, sobressaindo a Peregrinação Internacional Aniversária a Fátima nos dias 12 e 13 (assinalando a primeira Aparição), várias peregrinações e festas locais e regionais, a oração junto de imagens da Virgem em ruas e praças e o culto do Mês de Maria em paróquias, santuários, capelanias e casas religiosas.

É de referir que, no último dia de maio, se celebra a festa litúrgica da Visitação da Virgem Santa Maria, em que a Mãe de Deus foi ao encontro da sua parenta Isabel, que tinha concebido um filho em idade provecta, apesar de ser considerada estéril, e a saudou. No feliz encontro das duas futuras mães, o Redentor que vinha ao mundo santificou o precursor ainda no seio da sua mãe; e Maria, respondendo à saudação de Isabel e exultando na alegria do Espírito Santo, deu glória ao Senhor com um cântico de louvor, o “Magnificat” (em Grego, “Megalýnei”), reconhecendo a grandeza e a misericórdia do Senhor e prevendo que todas as gerações A proclamarão “Bem-aventurada”.

Entretanto, apraz-me trazer à colação o livreto Mês de maio com Maria, elaborado pela equipa do Regional NE2-CNBB, em ordem ao exercício de uma das formas de preparação orante do XVIII Congresso Eucarístico Nacional, a realizar no próximo mês de novembro, no Recife.

Frisa a susodita equipa que este subsídio mariano “foi preparado para auxiliar na celebração do mês de maio” e animar a devoção à Virgem Maria, Mãe de Deus e da Igreja, “tão cara ao nosso povo”, servindo como instrumento de promoção da comunhão pastoral entre as nossas Igrejas particulares”, comunhão amorosa efetiva que é a marca dos discípulos.

Celebrando em conjunto o Mês de Maria, a partir dum referencial comum, quer a equipa a renovação e o fortalecimento do desejo e do compromisso de “construir e testemunhar a unidade, como dom e tarefa”, que se evidencia na beleza do “mosaico multiforme” das Igrejas particulares.

Além disso, este contributo instrumental insere-se na rota de preparação para a celebração do referido congresso, “evento que une toda a Igreja do Brasil em torno da Eucaristia, centro e ápice da vida e da missão eclesial”. Por isso, neste mês de Maria, os crentes brasileiros foram instados a contemplar e a celebrar a presença da Virgem Maria nas comunidades de fé como “Mulher Eucarística, modelo da Igreja que vive da Eucaristia” (cf São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia 1 e 53). Com efeito, o Papa polaco afirmava que “Maria é mulher eucarística na totalidade da sua vida”, pelo que “a Igreja, vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-La também na sua relação com este mistério santíssimo” (EE 53). Toda a vida de Maria é prospetada na linha do mistério pascal e, portanto, direcionada à Eucaristia, que é a atualização sacramental da Páscoa do Senhor. O lema “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,5) é a exortação da Virgem aos servos nas bodas de Caná, conselho amoroso que redunda em convite à confiança e incitamento à obediência ao Senhor. É a atitude exigida à Igreja, chamada a perpetuar as palavras e os gestos do Redentor, no mistério da Eucaristia e no campo da vida.

Com efeito, na última ceia, os Apóstolos recebem de Jesus o mandato: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19). E nós, ao ouvirmos a Mãe que nos diz “Fazei o que Ele vos disser”, volvemos o coração para o Mistério Eucarístico, acolhemos a palavra de Jesus que nos doa a Eucaristia e, fazendo o que Ele nos diz, proclamamos que a Igreja vive da Eucaristia, como verdade essencial e síntese do seu próprio mistério (cf EE 1). Na verdade, com a sua maternal e protetora diligência de Mãe da Igreja, como em Caná, Ela apela a que não hesitemos, antes confiemos na palavra do seu Filho, pois, se Ele pôde mudar a água em vinho, pode fazer do pão e do vinho o seu corpo e o seu sangue, entregando aos crentes o mistério do memorial vivo da sua Páscoa e tornando-se no pão de vida e no vinho da salvação, Corpo e Sangue de Cristo.

À luz o tema “Maria, Mulher Eucarística, modelo da Igreja que vive da Eucaristia”, um congresso eucarístico pode despertar nos crentes uma autêntica piedade eucarística para viverem na sua integridade o Mistério do Sacramento, quer na celebração, quer no testemunho de vida. E, com o mesmo espírito de Maria, a Mulher Eucarística, experimentarão a tensão do Reino anunciado por Jesus, conscientes de que, “sempre que o Filho de Deus Se torna presente entre nós na ‘pobreza’ dos sinais sacramentais do pão e do vinho, se lança no mundo o germe a história nova que verá os poderosos “derrubados dos seus tronos” e “exaltados os humildes” (cf Lc 1,52; EE 58). E, experienciando a força transformadora da Eucaristia, os crentes serão sinais deste mundo transformado, com “pão em todas as mesas” e sem haver quaisquer necessitados nas comunidades cristãs, que pretendem fermentar o mundo de Evangelho.

Em relação ao último dia do Mês de Maria e à festa da Visitação, é referido que, se o “Magnificat” exprime a espiritualidade de Maria, nada melhor do que esta espiritualidade, que interliga Maria, Eucaristia e Igreja (é de relembrar que o povo português invoca, não raro, Maria como Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento) para nos ajudar a viver o mistério eucarístico e a tomar consciência da grandeza e profundidade do dom da Eucaristia que recebemos, para que a nossa vida, à semelhança da de Maria, seja toda ela um Magnificat” (EE 58).

Assim, tendo percorrido este mês de maio, com a união da piedade mariana ao Mistério da Páscoa de Jesus Cristo, devemos correr apressadamente, como a Mãe de Deus, para vivermos no concreto, à luz do Evangelho da visitação da partilha de vida, a solidariedade com os irmãos e irmãs que não têm o pão nas suas mesas.

Agora, somos convidados a glorificar a Serva do Senhor que nos ensina que o Senhor “sacia de bens os famintos”. O encontro exultante dos dois filhos (João Batista e Jesus de Nazaré), levados no ventre materno das duas mães, revela a alegria da salvação que chegou no mundo. É Maria a Mãe, a cristófora, que leva como num relicário-ostensório vivo, o Filho de Deus, para que a humanidade reencontre a beleza da criação com a sua presença. É Ela, que entoa o “Magnificat”, hino de beleza singular que nos mostra o rumo que devemos tomar. O Senhor faz maravilhas em nós, como fez em Maria, faz com que a Igreja seja defensora dos mais necessitados, faz com que a nossa vida seja vida eucarística e faz-nos coroar com a nossa devoção a mãe discípula e missionária. E a melhor coroa que mais Lhe quadra como o mais belo ornamento é a coroa da nossa gratidão, que nos leva a fazer tudo o que Jesus nos disser, comprometendo-nos com a Palavra, compromisso que se concretiza na perceção das necessidades das pessoas que sofrem (“Eles não têm vinho!” Jo 2,2) e na colocação das nossas pessoas na rota da solidariedade.

Isto postula a introdução, na espiritualidade mariana, da docilidade ao Espírito Santo, seja para cantarmos com Maria os louvores de Deus, juntamente com todas as suas criaturas, seja para percorrermos os caminhos dos irmãos e das irmãs que precisam da nossa solidariedade, mesmo que não a apreciem. É a opção preferencial pelos pobres que está em causa na Igreja, simultaneamente com a radical aposta em Deus.

Não será de esquecer comentário que o Cardeal-Patriarca de lisboa fez, na homilia da solenidade da Ascensão do Senhor, na capela de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, assinalando o II Centenário do aparecimento da pequenina imagem da Virgem numa gruta rochosa do vale do rio Jamor. Considerando que a Ascensão do Senhor constitui a nossa esperança – pois, “tendo-nos precedido como nossa Cabeça na glória, para aí nos chama como membros do seu Corpo” (oração coleta) –, observou que a Virgem, imaculadamente concebida por assim convir ao seu estatuto de Mãe do Senhor, replica, a seu modo, a Ascensão de Cristo na sua Assunção ao Céu. Se a Ascensão de Jesus completa o seu percurso pascal (paixão, morte, descida à mansão dos mortos, ressurreição, transformação do discipulado em fraternidade e apostolado missionário e ascensão), a Assunção de Maria é o coroamento da participação da Mãe no mistério pascal do Senhor. É a forma eloquente com que nos aponta o caminho da nossa participação na Páscoa, caminho que Ela seguiu e nos ensina a percorrer de olhos postos no Alto (Ela é do Céu), a que nos afeiçoamos e donde recebemos uma força adjuvante para crescimento no ser e na missão, e pés assentes na Terra, em que peregrinamos, na atenção àqueles e àquelas que não têm o vinho do bem-estar terreno e da salvação e no propósito firme de fazer o que Ele manda.

É bem verdade o que o povo crente diz e sente, quando proclama: “Por Maria Jesus” (Per Mariam ad Iesum).

2022.05.31 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Contestado candidato ao Tribunal Constitucional por cooptação

 

António Manuel Almeida Costa é candidato único a juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, que terá ou não de o cooptar para suprir uma vaga que surgiu no tribunal no universo dos juízes que o integram por cooptação. Efetivamente, nos termos do n.º 1 do artigo 222.º da Constituição, “o Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, sendo dez designados pela Assembleia da República e três cooptados por estes”. E o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que “seis de entre os juízes designados pela Assembleia da República ou cooptados são obrigatoriamente escolhidos de entre juízes dos outros tribunais e os demais de entre juristas”.   

Do ponto de vista formal, o candidato é imbatível, como demonstra o seu currículo.  

Licenciou-se a 17 de fevereiro de 1979 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), com a classificação de Muito Bom com Distinção e Louvor. Foi assistente na FDUC, bem como na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

Em 2010, integrou o grupo de especialistas dos projetos de alteração do regime do crime de corrupção e de introdução do delito de enriquecimento ilegítimo, para a “Comissão eventual para o acompanhamento político do fenómeno da corrupção e para a análise integrada de soluções com vista ao seu combate” do Parlamento, presidida por Vera Jardim. E, a 12 de dezembro de 2019, o Parlamento elegeu-o Membro do Conselho Superior do Ministério Público. Desde 2021, integra o Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários (CEJ).

Antes, em 1980 e 1982, foi membro das Comissões de Revisão do Código Penal, presididas por Eduardo Correia, de cujos trabalhos resultou o Código Penal de 1982. Em 1984, concluiu o Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais na FDUC. Em 1990, colaborou com a Comissão Ministerial, presidida por Jorge de Figueiredo Dias, encarregada da revisão do Código Penal de 1982 e de que viria a resultar a Reforma de 1995. Desde 1997, está-lhe entregue a regência das disciplinas de Direito Penal I e II na Faculdade de Direito do Porto, que acumulou, a partir de 2009, com a das cadeiras de Questões Fundamentais de Direito e Processo Penal I e II do Mestrado em Criminologia e, desde 2016, com a das unidades curriculares de Direito Penal e de Metodologias de Investigação e Prática do Mestrado em Direito. Cerca de sete anos foi o jurista da Comissão de Ética dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). Participou anualmente, durante mais de vinte anos (até 2018 e 2016, respetivamente) nas pós-graduações do Instituto de Direito Penal Económico e Europeu (IDPEE) e do Instituto de Direito Bancário, da Bolsa e dos Seguros (BBS), ambos da FDUC.

São livros seus: “A burla no código Penal Português”, “O Funcionalismo Sistémico de NLuhmann e os seus reflexos no Universo Jurídico”, “ilícito Pessoal, imputação objetiva e comparticipação em Direito Penal”, “A falsificação de moeda, títulos equiparados e cartão de crédito”.

Assim, não colhe, a meu ver, a asserção de Luís Marques Mendes de que não basta a grande competência em matéria jurídica, o que bastaria para outros tribunais. Bem creio que, em todos os tribunais, além da competência jurídica, se requer, dos operadores da justiça, bom senso, equilíbrio, olhar ético, sentido da realidade e visão política, no sentido melhor da expressão. Aliás, nos termos do n.º 2 do artigo 222.º da Constituição, pelo menos, sete dos trezes juízes do Tribunal Constitucional provêm dos outros tribunais e os demais das demais áreas do direito.  

Ora, a contestação de que está a ser objeto prende-se com os predicados exigíveis a um professor de Direito, a um membro da instituição que forma juízes e procuradores e a um elemento do Conselho Superior do Ministério Público. E pasmo como só agora, face a artigos que escreveu em tempos e que, recentemente, veio a confirmar, bem como a atoardas que lançou na primeira comissão (Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), só agora surge a contestação e o alarido.     

Almeida Costa, que defendeu a penalização da interrupção voluntária da gravidez, mesmo em casos de violação, malformação do feto e perigo de morte ou para a saúde física e psíquica da mulher – está no seu direito (pois há contradição, pelo menos aparente, entre a legitimação do aborto e a inviolabilidade do direito à vida humana), mas não pode considerar inconstitucional a lei que a permite em certas condições (nem tem poderes para isso) – meteu-se, nesse âmbito, a tecer prosa inconsistente, ao sustentar que dificilmente a mulher engravida por causa da violação, a não que ser que haja algum consentimento e cooperação, pois, alegadamente, a violação altera o ciclo da mulher. Bem gostava eu de saber em que ciência se estriba (fala de experiências da Alemanha nazi), a menos que seja um daqueles juristas que sabem tudo de tudo. Ou pretenderá, estribado na Bíblia e outros dados culturais, a exemplo de alguns juízes desembargadores, culpar a mulher pela violência a que é sujeita, mercê de seu eventual comportamento censurável? Ora, a violência é crime e a violação deveria sê-lo inequivocamente. Embora haja algum excesso de argumentos, têm razão as mulheres juristas e os grupos feministas na contestação que apresentam junto do Parlamento e/ou do Tribunal Constitucional à eventual cooptação do candidato.     

Porém, em termos dos princípios constitucionais, é aberrante encontrar a resolução dos casos de violação de segredo de justiça punindo os jornalistas. E o candidato a juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, que recentemente se pronunciara sobre os projetos de alteração do crime de corrupção e enriquecimento ilegítimo, foi ouvido a 27 de abril, na primeira comissão parlamentar, onde defendeu tal ideia abstrusa, chegando a acusar os políticos de falta de coragem para castigar quem divulga casos sujeitos a segredo de justiça.

Na verdade, questionado por Alexandra Leitão sobre quais as orientações a seguir para melhorar e resolver as violações do segredo de justiça, sugeriu que os jornalistas devem ser castigados, pois, como referiu, “as violações do segredo de justiça como todos os crimes com dificuldade de prova é uma guerra perdida”, mas “existe uma medida que podia ser tomada e reduziria isso, e já há exemplos lá fora, só que duvido que haja (vão-me perdoar) coragem política para o fazer que é punir quem divulga”. E, ante os deputados e o presidente da comissão, Fernando Negrão, disse: “porque é fácil chegar ao escrivão do tribunal que ganha uma miséria, dá-se três mil euros, isso no espaço de antena dá uns milhões e, portanto, é uma guerra perdida se continuarmos assim”. E, tendo a resposta gerado um burburinho na sala, o declarante continuou:

“Isto mexe também com crimes contra a honra. O que é que causa maior mal ao bom nome e dignidade da pessoa, é meia dúzia de pessoas que ouve, ou uma notícia mandada pelas televisões para milhões de pessoas? Só que, claro, depois diz-se: “E a liberdade de imprensa? E a liberdade de opinião? Tudo tem de ser pesado, tem que haver limites, mas tem de se ir também por aqui, caso contrário não se para. Depois, a comunicação social pode refugiar-se também a proteger as fontes.”

António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), diz que o juiz “está com certeza a olhar para o espelho”, pois, “se ele acha que há corrupção entre os Oficiais de Justiça, ele deve ser o maior corrupto que aí está para fazer uma afirmação dessas!”. E observa que, se Almeida Costa, que “não dá só uma má imagem dos juízes, dá uma má imagem dos órgãos judiciais portugueses”, for nomeado, “Portugal não terá legitimidade para criticar países como a Hungria ou a Polónia por incumprirem o Estado de Direito Europeu”.

Limitar a liberdade de informação/expressão para esconder os efetivos responsáveis pela fuga de informação dos processos judiciais, incluindo a violação do segredo de justiça equivale a penalizar o polícia em vez do ladrão. É certo que a “sagrada liberdade de expressão” deve articular-se equilibradamente com o direito do outro ao bom nome e à imagem, numa linha liberal, bem como ao princípio da subordinação do interesse particular ao geral, na ótica do bem comum, no quadro da salvação da república como lei suprema (salus Reipublicae lex suprema esto).

Por fim, o Tribunal Constitucional, a quem incumbe proceder, a nível interno, à cooptação, contribuiu para a combustão viva da questão, ao deixar transparecer para o exterior o sentido de voto de grande parte dos juízes-conselheiros. Bem poderia ter ouvido os reparos públicos dos deputados e outras aflorações da opinião pública e decidir ponderadamente.

Quanto ao mais, face a um acórdão do Tribunal Constitucional, que impede que uma lei por este julgada inconstitucional, no todo ou em algumas das suas normas, o Parlamento bem poderá, em vez de a expurgar de tais normas, confirmá-la por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, a teor do n.º 2 do artigo 279.º da Constituição. Assim, o Parlamento tem a faca e o queijo na mão. E pode provocar a revisão da Constituição cinco anos após a última lei de revisão ordinária ou, em qualquer momento, por iniciativa de quatro quintos dos deputados em efetividade de funções (cf. artigo 284.º da Constituição), podendo alterar a composição do tribunal, por exemplo, com a exigência de eleição parlamentar de todos os seus juízes (preferiria que houvesse alguns juízes designados pelo Chefe de Estado, por ser um órgão de soberania também eleito por escrutínio universal).

2022.05.30 – Louro de Carvalho

Descoberto o original da Clavis Prophetarum, do padre António Vieira

 

A jornalista Christiana Martins refere, na edição do Expresso de 27 de maio, que o original do texto profético-apocalíptico Clavis Prophetarum (três livros), do padre António Vieira, foi descoberto na Biblioteca Gregoriana, em Roma, por dois investigadores portugueses, vindo a ser apresentado, no dia 30 deste mesmo mês, numa emissão em direto a unir Portugal e Itália.

O manuscrito original da Clavis Prophetarum (Chave dos Profetas) de Vieira fora dado como perdido há cerca três séculos, havendo até quem dissesse que nem existia tal conjunto de textos.

Feitos os devido testes e verificações, encarregaram-se do anúncio da descoberta surpreendente, embora não estranha – dada a estreita relação dos jesuítas com Roma –, Ana Travassos Valdez, especialista em literatura apocalíptica e investigadora principal do Centro de História da Universidade de Lisboa, e Arnaldo do Espírito Santo, professor emérito da Faculdade de Letras.

Na predita emissão em direto realizada em conjunto pela Universidade Gregoriana e pela faculdade de Letras da Universidade de Letras de Lisboa ficaram desvendadas imagens do manuscrito. E esse encontro virtual contou, além das técnicas italianas que têm trabalhado no restauro do volume, com as comunicações do reitor da universidade italiana, do diretor da biblioteca onde o manuscrito foi encontrado, do reitor da Universidade de Lisboa, da presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia e dos referidos especialistas portugueses.

Foram enviados alertas do evento a um universo total de milhares de pessoas, incluindo todos os ex-alunos da faculdade de Letras e há um site, em italiano, português e em inglês, em que é disponibilizada a informação fundamental sobre o manuscrito, de pendor exegeta, político, utópico e otimista.

O texto em referência, que versa a necessidade do fim do mundo para que surja outro novo, mais próximo do original da criação divina, é o resultado de décadas de trabalho daquele que é considerado “o imperador da língua portuguesa”, depois que Fernando Pessoa, o poeta de Mensagem assim o denominou. Escrito em latim, em 324 folhas desiguais, o manuscrito traz várias novidades para os especialistas que se debruçam sobre a obra de Vieira.

Refere a Infopédia, da Porto Editora, que esta foi a obra “tão cansada e suada” da velhice de António Vieira, considerada por este como a sua obra capital.

O padre Bonucci, que assistia Vieira para conclusão deste tratado, escreveu, poucos dias antes da morte do autor, que poderia, com a ajuda de Deus, ficar pronto no ano seguinte. E, após o falecimento do orador-escritor, ficou encarregado de acabar a obra, mas, tendo adiado o trabalho que se lhe afigurava agora mais difícil e coligindo outros escritos dispersos do mestre, acabou por não o fazer. Em 1700, foi enviada uma cópia da obra para Roma, que se perdeu, apesar de ter já sido transcrita algumas vezes. Em 1714, o autógrafo chegou a Lisboa, onde foi ordenado pelo padre Carlos António Casnedi, que tentou estruturar os cadernos e resumir o seu conteúdo em Latim, munindo-o de algumas notas pessoais. Vieira defendia, nesta obra, algumas teses que, segundo o padre Casnedi, poderiam chocar algumas consciências. Considerava que os ameríndios viviam na “ignorância invencível” de Deus e do direito natural, o que os livrava do inferno. E julgava que a Terra Santa devia ser restituída aos judeus e permitida a reconstrução do Templo de Jerusalém, para se oferecerem os sacrifícios e praticarem os ritos prescritos pela lei mosaica, apesar da sua conversão ao catolicismo. E cria, na probabilidade, dentro de maior ou menor espaço de tempo, da segunda vinda do Senhor: “Não vos pertence conhecer o tempo nem o momento que o Pai estabeleceu em seu poder” (Atos dos Apóstolos 1,7).

***

António Vieira nasceu em Lisboa, em 1608, e partiu, ainda criança (aos 6 anos de idade), com a família para o Brasil. O pai, que era da baixa nobreza, deslocou-se ao outro lado do Atlântico para assumir o cargo de secretário da Governação. E o filho estudou no colégio jesuíta de São Salvador da Baía. Depois, em 1623, entrou para a Companhia de Jesus, mas regressou a Portugal como noviço e recebeu a ordenação presbiteral em 1634, apenas com 26 anos de idade.

O padre, especialista na retórica, falava de uma forma distinta, sabendo adaptar o discurso ao seu auditório. Sendo um homem de muitos talentos, era inegável que possuía o dom da oratória, uma capacidade que fazia com que desse nas vistas, desempenhando um papel importante a persuadir e a espalhar a mensagem. Tanto assim era que, em1640, perante a ameaça de um ataque holandês na Baía, Vieira pregou um sermão aguerrido: “Pela vitória das nossas armas!”.

Especialista na arte da comunicação, foi sendo reconhecido, ao longo da vida, pelo seu intelecto e pelo seu talento. E, em 1641, o jesuíta chegou a integrar uma delegação que veio a Portugal manifestar a D. João IV o apoio do Brasil à Restauração.

Os seus sermões em Lisboa revelaram-se um total êxito, apresentando um conteúdo rico, servido de uma linguagem clara e enriquecido com metáforas pertinentes que permitiam ilustrar o que pretendia comunicar. E comoveram tanto o rei, que este o nomeou pregador da capela real.

Era um homem de causas. Não se ficava pelo discurso polido. Antes, foi um acérrimo defensor dos judeus e dos índios. Foi missionário, entregando-se a causas que o apaixonavam. E, além de escritor genial, revelou o seu talento como “agente secreto”. D. João IV percebeu que Vieira tinha uma habilidade incomum. Por isso, recorreu à influência que ele tinha a partir do púlpito de forma que o padre transmitisse determinadas mensagens que favoreciam o reino. Todavia, a “agenda política” do Rei era passada de forma despercebida, o que permitia ao padre assumir missões secretas no estrangeiro que, sendo delicadas, eram importantes.

Assim, Vieira realizou viagens diplomáticas pela Europa, nos anos de 1646 e 1647. Esteve em França, na Holanda e em Roma. Nesta cidade, a sua missão oficial seria fomentar junto do papa as condições para o surgimento de uma reconciliação luso-espanhola. No entanto, a intenção seria suscitar em Nápoles o desejo de revolta contra a coroa de Madrid. As suas manobras não conheceram o sucesso pretendido, mas não foram viagens desperdiçadas, pois contactou, através com as comunidades de judeus portugueses presentes em Rouen (França) e em Amesterdão (Holanda). E, após o regresso a Portugal, convenceu o rei a terminar com a pena de confisco dos bens por delito de judaísmo, medida que a Inquisição aplicava, por sistema, aos cristãos-novos, ou seja, aos judeus convertidos ao cristianismo, mas que eram suspeitos de práticas judaicas na clandestinidade. Os inquisidores não gostaram desta intervenção e nunca mais lhe perdoaram, acabando por, em 1668, o virem a acusar de herege.

O padre também se tornou o principal impulsionador da Companha Geral do Comércio do Brasil, destinada a captar investimentos dos judeus portugueses no estrangeiro. Mas, em 1649, publicou a História do Futuro e esteve à beira de ser expulso da Companhia de Jesus, por ter manifestado apoio ao rei num litígio com os jesuítas. E, para evitar a expulsão, regressou ao Brasil. No Maranhão, convivendo com os índios. Envolveu-se apaixonadamente nas suas causas, colocando-se ao lado deles em disputas com os colonos que os escravizavam. É dessa altura o Sermão de Santo António aos Peixes, pregado no Maranhão, a 13 de junho de 1654, dia da festa do santo.

Ficou para a história a alegoria que Vieira usou contra a desumanidade com que os colonos portugueses tratavam os índios. Aí, teve a coragem de dizer: “Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros (…) e os grandes comem os pequenos.” Os colonos pressionaram e o padre teve de regressar a Lisboa, em 1661. Mas o seu regresso não foi o mais feliz, pois D. João IV, que era seu protetor, tinha morrido em 1657. E o conde de Castelo Melhor, ministro D. Afonso VI, o novo rei, desterrou o sacerdote, quando soube que ele conspirava contra o rei a favor de D. Pedro.

A Inquisição abriu um processo a Vieira, em 1662, acusando-o de ter opiniões heréticas. O livro Quinto Império do Mundo, Esperanças de Portugal foi o pretexto, pois anunciava a ressurreição de D. João IV. E Vieira acabou por ser proibido de pregar e condenado a reclusão numa das casas dos jesuítas. Em 1667, foi salvo na sequência do golpe de Estado de D. Pedro, que destronou o irmão. E partiu para Roma, onde sabia que seria bem recebido, visto que os seus sermões tinham encantado o papa. Já em Itália, tratou de estreitar relações com os judeus. O padre, não esquecendo os seus valores e convicções, escreveu contra a Inquisição. E, antes de regressar a Portugal, obteve um salvo-conduto de Clemente X que impedia os inquisidores de o incomodarem. Tinha 67 anos quando regressou a Lisboa em 1675. Até então, a proteção papal revelou-se de valor inestimável. Depois, o Santo Ofício usufruía dos favores do regente (futuro D. Pedro II). E o padre, magoado, tratou da publicação dos sermões e regressou, em 1681, ao país que o acolheu do outro lado do Atlântico. Por lá, Vieira ainda se deixou envolver na política local, tendo defendido a abolição da escravatura dos Índios com a sua sagacidade natural. Até ao momento da morte, concentrou-se na escrita profética, tendo falecido aos 89 anos, a 17 de junho de 1697, na Baía.

Eminentemente barroco (exímio utilizador do concetismo) deixou cerca de 200 sermões, sete centenas de cartas, História do Futuro, Apologia das Coisas Profetizadas, Defesa Perante a Inquisição, Autos do Processo da Inquisição e outros, dispersos por arquivos em Portugal, Brasil, Itália, Espanha, França, México e Inglaterra, e o original da Clavis Prophetarum.

2022.05.30 – Louro de Carvalho

A varíola do macaco alastra pela Europa e pelo mundo

 

 

Trata-se de uma doença rara, causada pelo vírus da varíola símia, que é estruturalmente conexo com o vírus da varíola e causa doença semelhante, mas, regra geral, mais leve.

Em razão da vacinação mundial, não ocorreu nenhum caso de varíola no mundo desde 1977, pelo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou, em 1980, a descontinuação da vacinação rotineira contra varíola, a qual já tinha cessado nos EUA, em 1972. E, como os seres humanos são os únicos hospedeiros naturais do vírus de varíola e este não pode sobreviver, no meio ambiente, mais que dois dias, a OMS declarou erradicada a infeção natural.

Há, pelo menos, duas cepas do vírus da varíola: a varíola major (varíola clássica), a mais virulenta; e a varíola minor (alastrim), a menos virulenta.

A varíola, altamente contagiosa, é transmitida de pessoa para pessoa, sobretudo, por inalação de gotículas respiratórias ou, de forma menos eficiente, por contato direto. E também podem transmitir a infeção vestuários ou roupas de cama contaminados. A infeção é muito contagiosa nos primeiros 7 a 10 dias após o aparecimento do exantema. Assim que se formam crostas nas lesões de pele, a contagiosidade declina. A taxa de ataque é tão alta que 85% em pessoas não vacinadas e casos secundários podem atingir de 4 a 10 pessoas para cada caso primário. Entretanto, a infeção tende a disseminar-se de forma lenta e, principalmente, entre contactos íntimos. O vírus invade a mucosa orofaríngea ou respiratória e multiplica-se nos linfonodos regionais, causando subsequente viremia. Localiza-se eventualmente em pequenos vasos sanguíneos da derme e na mucosa orofaríngea. Porém, outros órgãos estão clinicamente envolvidos, de forma rara, exceto ocasionalmente o sistema nervoso central, com encefalite. Podem ocorrer infeções secundárias da pele, pulmões e ossos.

Agora, está a alastrar pela Europa e pelo mundo a varíola do macaco ou varíola símia, que pertence, aliás como a varíola, ao grupo dos ortopoxvírus. Contudo, apesar da designação, os primatas não humanos não são reservatórios destes vírus. E, embora o reservatório seja desconhecido, os principais candidatos são pequenos roedores das florestas tropicais da África, nomeadamente da África Ocidental e da África Central.

Esta doença ocorre em humanos esporadicamente na África e em epidemias ocasionais. A maioria dos casos foi notificada na República Democrática do Congo. Em 2003, ocorreu, nos EUA, uma epidemia desta varíola, quando roedores infestados, importados da África como animais de estimação, disseminaram o vírus para cães de estimação que infetaram pessoas no Meio Oeste, dando origem a uma epidemia que teve 35 casos confirmados, 13 prováveis e 22 suspeitos em 6 estados, mas sem haver mortes. Desde 2016, foram notificados casos confirmados na Serra Leoa, na Libéria, na República Centro-Africana, na República do Congo e na Nigéria, tendo esta sofrido o maior surto recente. Crê-se que o aumento recente de 20 vezes na incidência decorra da interrupção da vacinação contra a varíola em 1980; as pessoas que receberam a vacina contra a varíola, mesmo mais de 25 anos antes, têm menor risco de varíola símia. Na África também estão a aumentar os casos pelo facto de as pessoas estarem a invadir cada vez mais os habitats dos animais que portadores do vírus. Entre os seus sintomas, contam-se as erupções cutâneas, a febre alta, as dores musculares e as glândulas inchadas.

É transmitida por contacto próximo, mas não necessariamente através de relações sexuais: é, provavelmente, transmitida de animais através de secreções fisiológicas, como gotículas de saliva ou respiratórias ou contacto com exsudato de feridas. A transmissão de um indivíduo para outro parece ocorrer principalmente por meio de grandes gotículas respiratórias via contacto direto e pessoal prolongado. A taxa geral de ataque secundário depois do contacto com uma fonte humana conhecida é de 3%; foram relatadas taxas de ataque de até 50% em pessoas que vivem com uma pessoa infetada pela varíola símia; e foi documentada transmissão em ambientes hospitalares.

A maioria dos pacientes são crianças. Na África, a taxa de casos fatais varia entre 4 e 22%.

Clinicamente, a varíola símia é semelhante à varíola, mas as lesões cutâneas ocorrem com mais frequência em surtos e a linfadenopatia ocorre na varíola símia, não na varíola humana. E pode ocorrer infeção bacteriana secundária da pele e dos pulmões. Pode não será fácil diferenciar clinicamente varíola do macaco, varíola e varicela (herpesvírus, não vírus pox). O diagnóstico da varíola símia é por cultura, PCR (polymerase chainreaction), exame imuno-histoquímico ou microscopia eletrónica, consoante os tipos de testes disponíveis.

Não há tratamento seguro e comprovado para infeção por vírus da varíola símia. O tratamento é de suporte. E os fármacos potencialmente úteis incluem o fármaco antiviral tecovirimat, aprovado pela US Food and Drug Administration (FDA), para o tratamento da varíola, e o fármaco antiviral cidofovir ou brincidofovir (CMX001). Todos esses fármacos têm atividade contra a varíola símia in vitro e em modelos experimentais. Mas nenhum deles foi estudado ou utilizado em áreas endémicas para tratar a varíola do macaco.

Porém, foi autorizada pela FDA, em 2019, a nova vacina contra varíola JYNNEOS, para a prevenção tanto da varíola símia como da varíola, com base em dados sobre imunogenicidade e eficácia obtidos de estudos com animais. O Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP) está a avaliar a JYNNEOS, que não está disponível ao público, para a proteção daqueles que estão em risco de exposição ocupacional ao ortopoxvírus.

Dados prévios da África sugerem que tal vacina tem, pelo menos, 85% de eficácia na prevenção da varíola símia, pois o vírus desta doença está intimamente relacionado com o vírus que a causa.

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Subiu para cerca de uma centena o número de casos de infeção humana por vírus Monkeypox em Portugal, como indicou a Direção-Geral da Saúde (DGS) no dia 27 de maio, sendo Portugal o país que regista mais casos por milhão de residentes. A maioria das infeções foram reportadas, até ao momento, em Lisboa e Vale do Tejo, mas também há registo de casos nas regiões Norte e no Algarve. “Todas as infeções confirmadas são em homens entre os 23 e os 61 anos, tendo a maioria menos de 40 anos”, lê-se no comunicado da DGS, indicando que os novos casos foram confirmados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). E os britânicos aconselham infetados com monkeypox a evitar o contacto com animais de estimação. Não obstante, os epidemiologistas pensam que é cedo, para se falar de epidemia e creem poder parar a transmissão fora dos países endémicos. E a OMS aponta que a varíola símia pode ser a “ponta do icebergue”.

A DGS refere que “os casos identificados se mantêm em acompanhamento clínico, encontrando-se estáveis” e que a “informação recolhida através dos inquéritos epidemiológicos está a ser analisada para contribuir para a avaliação do surto a nível nacional e internacional”. Por outro lado, estuda a necessidade de administrar a vacina a contactos de casos confirmados e a profissionais de saúde e recomenda que as pessoas com “erupção cutânea, lesões ulcerativas, gânglios palpáveis, eventualmente acompanhados de febre, arrepios, dores de cabeça, dores musculares e cansaço, devem procurar aconselhamento clínico”. Assim, “ao dirigirem-se a uma unidade de saúde, deverão cobrir as lesões cutâneas”. Perante os sintomas de suspeitas, devem ser reforçadas as medidas a implementar, como evitar o “contacto físico direto com outras pessoas e a partilha de vestuário, toalhas, lençóis e objetos pessoais, enquanto estiverem presentes as lesões cutâneas, em qualquer estádio, ou outros sintomas. No seu relatório de 26 de maio, a DGS fez saber que que Portugal está a diligenciar no sentido de “construir uma reserva nacional de vacinas, através do mecanismo europeu”. E adiantou que, no contexto deste surto “está a ser estudada”, por especialistas da Comissão Técnica de Vacinação da DGS, “a eventual necessidade de administrar a vacina a contactos de casos confirmados e a profissionais de saúde”.

Como foi dito, a varíola dos macacos espalha-se pelo mundo. E, em França, a ministra da Saúde reuniu-se de emergência com cientistas de uma unidade de investigação biológica no Instituto Pasteur para discutir os sete casos confirmados no país. Porém, a governante gaulesa considera:

Esta doença é, maioritariamente, benigna, e que as pessoas estão isoladas em casa, para prevenção. (...) Por isso, é recomendado, de facto, que se fique em isolamento quando se está afetado, mas é uma doença que em duas ou três semanas se desvanece.”.

E a OMS avisou que é impossível “parar” a transmissão da doença entre as pessoas. No entanto, serenou os ânimos, afirmando que esta doença é uma prima menos perigosa da varíola que foi erradicada há cerca de 40 anos, e é endémica em 11 países da África Ocidental e Central.

(Além de vários órgãos da comunicação social, foi tido em conta o teor do Manual MSD, Versão para Profissionais de Saúde, e Manual MSD, Versão Saúde para a Família).

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Enfim, SARS-CoV-2, gripe A, guerra na Europa, varíola símia! Não há mal que venha só.

2022.05.30 – Louro de Carvalho

domingo, 29 de maio de 2022

Escutar com o ouvido do coração

 

É o tema da mensagem pontifícia para o LVI Dia Mundial das Comunicações Sociais, que se assinala no VII domingo da Páscoa e, em Portugal, também Solenidade da Ascensão do Senhor.

A mensagem do Papa foi, como é habitual, publicada no dia 24 de janeiro, dia litúrgico de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas. Na sequência do tema do ano passado, “ir e ver”, para descobrir a realidade e a narrar “a partir da experiência dos acontecimentos e do encontro com as pessoas”, Francisco fixa-se no verbo “escutar”, “decisivo na gramática da comunicação e condição para o autêntico diálogo”, que é, agora portador dum repto a todos os profissionais da comunicação, nomeadamente jornalistas, políticos e, por certo, homens e mulheres que, na Igreja, detêm o múnus e o ónus do serviço à palavra e pela palavra. 

Aponta o Pontífice a tendência hodierna para a perda da capacidade de ouvir a pessoa que está à nossa frente, quer no quadro das relações quotidianas, quer no debate dos assuntos mais prementes da convivência civil. A tentação é pensar, de imediato, em responder ao que o outro está a dizer. Paralelamente, a escuta experimenta importante desenvolvimento no campo comunicativo e informativo, com as várias ofertas de podcast e chat audio, confirmando a essencialidade da escuta para a comunicação humana.

A propósito, Francisco recorda que um médico ilustre, a quem foi perguntado qual era a maior necessidade do ser humano, respondera que era o desejo ilimitado de ser ouvido. Por isso, apesar de frequentemente oculto, é desejo que interpela o educador, o formador ou quem desempenhe, de algum modo, o papel de comunicador: os pais e os professores, os pastores e os agentes pastorais, os operadores da informação e quantos prestam um serviço social ou político.

Não surpreende que um papa se ancore nas páginas bíblicas para indicar o caminho para a aprendizagem da escuta, escuta que não se reduz à perceção acústica, mas que é a marca da relação dialogal entre os homens, como o é da relação dialogal entre Deus e a humanidade. De facto, “o shema’ Israel – escuta, Israel” (Dt 6,4), do Decálogo – é continuamente lembrado na Bíblia, a ponto de Paulo afirmar que “a fé vem da escuta” (Rm 10,17). De facto, entre os cinco sentidos, Deus privilegia o ouvido, quiçá por ser menos invasivo e mais discreto que a vista, deixando mais livre o interlocutor.

É a escuta que leva Deus revelar-Se como Aquele que, falando, cria o homem à sua imagem e, ouvindo-o, o reconhece como interlocutor. Porque ama o homem, dirige-lhe a Palavra e “inclina o ouvido” para o escutar. Ao invés, o homem foge da relação e fecha o ouvido para não ter de executar. E esta atitude de recusa pode redundar em agressividade sobre o outro, como sucedeu com os ouvintes de Estêvão que, tapando os ouvidos, se atiraram todos contra ele (cf At 7,57).

Deus chama explicitamente o homem a uma aliança de amor, para que possa tornar-se plenamente o que é: imagem e semelhança de Deus na capacidade de ouvir, de acolher, de dar espaço ao outro, pois, “a escuta é uma dimensão do amor”. Por conseguinte, Jesus convida os discípulos a verificarem a qualidade da sua escuta. “Vede, pois, como ouvis” (Lc 8, 8) é a advertência que lhes faz depois de ter contado a parábola do semeador, sugerindo que não basta ouvir, mas que é preciso fazê-lo bem. Na verdade, só prestando atenção a quem ouvimos, àquilo que ouvimos e ao modo como ouvimos, poderemos crescer na arte de comunicar.

Todos temos dois ouvidos, mas, não raro, mesmo que tenhamos “um ouvido perfeito, é-nos difícil escutar o outro, por causa da surdez interior, bem pior que a surdez física. É que a escuta não tem a ver só com o sentido do ouvido, mas com a pessoa toda, sendo o coração a verdadeira sede da escuta. Salomão, apesar de muito jovem, pediu ao Senhor “um coração que escuta”. E Santo Agostinho convidava à escuta com o coração, ao acolhimento das palavras, não exteriormente nos ouvidos, mas no coração.

Assim, a primeira escuta, quando se procura uma comunicação verdadeira, é a escuta de si mesmo, relevando o que nos torna únicos na criação: o desejo de estar em relação com os outros e com o Outro, pois não fomos feitos para viver como átomos, mas juntos.

O Papa adverte para o uso do ouvido que não é de verdadeira escuta, mas atitude de espia. É a tentação de sempre, mas que, agora, em tempo da social web, “está mais assanhada”, servindo até para instrumentalizar os outros em torno dos nossos interesses. Ao invés, o que torna boa e humana a comunicação é a escuta do outro que, do está à nossa frente, abeirando-nos dele com abertura leal, confiante e honesta.

A falta de escuta, que experimentamos na vida quotidiana, é real também na vida pública, onde com frequência, em vez de escutar, “se fala pelos cotovelos”, se procura mais o consenso que a verdade e o bem e se presta mais atenção à audience que à escuta. Ora, a boa comunicação não procura prender a atenção do público com a piada fútil e ridicularizante, mas presta atenção às razões do outro e procura fazer compreender a complexidade da realidade.

Esta visão papal leva à aposta na prevalência duma ética da comunicação que ultrapasse o pragmatismo da conquista de público, de leitores ou de audiências, seja por que meio for.

Há, efetivamente, muitos pretensos diálogos em que não comunicamos, pois apenas esperamos que o outro acabe de falar para impormos o nosso ponto de vista. Nestas situações, segundo Abraham Kaplan, o diálogo não passa de duólogo, ou seja, monólogo a duas vozes. Ao invés, na verdadeira comunicação, o ‘eu’ e o ‘tu’ encontram-se ambos “em saída”, a tender um para o outro.

Nestes termos, a escuta é o primeiro e indispensável ingrediente da boa comunicação. Não se comunica, se primeiro não se escutou, nem se faz bom jornalismo sem a capacidade de escutar. Para uma informação sólida, equilibrada e completa, é preciso ter escutado. Para narrar um facto ou descrever uma realidade numa reportagem, é essencial ter sabido escutar, prontos mesmo a mudar de ideia, a modificar as próprias hipóteses com que partíramos para o terreno. É preciso ouvir, mesmo que as pessoas não saibam ou não consigam falar, sem as expor demasiado, sem as ridicularizar ou humilhar, mas intuindo as suas alegrias, esperanças, aspirações, desilusões e dores. Na verdade, só ultrapassando o monólogo, se pode chegar à concordância de vozes que é garantia da verdadeira comunicação. Ouvir várias fontes, “não parar na primeira locanda” garante credibilidade e seriedade à informação que transmitimos. Escutar várias vozes – inclusive na Igreja – entre irmãos e irmãs, permite exercitar a arte do discernimento, que se apresenta sempre como a capacidade de se orientar numa sinfonia de vozes.

Francisco menciona o cardeal Agostinho Casaroli, que falava do martírio da paciência, necessário para escutar e fazer-se escutar nas negociações com os interlocutores mais difíceis a fim de se obter o maior bem possível em condições de liberdade limitada. Ao mesmo tempo, o Pontífice, partindo da curiosidade da criança que “olha para o mundo em redor com os olhos arregalados”, quer que se escute com este estado de espírito, pois “haverá sempre qualquer coisa, por mínima que seja”, que poderemos aprender do outro e fazer frutificar nas nossas vidas.

E o Papa aponta dois contextos adversos à dinâmica da boa comunicação: a pandemia, que originou um ambiente de grande desconfiança que anteriormente se foi acumulando relativamente à “informação oficial”, causando mesmo uma espécie de “infodemia”, que tornou menos credível e transparente o mundo da informação (verborreia e contradição); e a crescente realidade das migrações, para a qual ninguém tem receita pronta, estável e adequada. São contextos em que se agudizou a necessidade de ser ouvido e a que falta, muitas vezes, a capacidade de escuta.

O Pontífice sublinha que, na Igreja, há grande necessidade de escutar e de nos escutarmos. Porém, os cristãos esquecem que o serviço da escuta lhes foi confiado por Aquele que é o ouvinte por excelência e em cuja obra somos chamados a participar. E cita o teólogo Dietrich Bonhöffer, para afirmar que o primeiro serviço na comunhão que devemos aos outros é prestar-lhes ouvidos, pois “quem não sabe escutar o irmão, depressa deixará de ser capaz de escutar o próprio Deus”. Assim, na ação pastoral, a obra mais importante é o “apostolado do ouvido”: escutar, antes de falar; e oferecer um pouco do próprio tempo para escutar as pessoas é o grande gesto de caridade.

Por fim, o Papa fala do processo sinodal em curso como “grande ocasião de escuta recíproca”. E frisa que a comunhão não é o resultado de estratégias e programas, mas se edifica na escuta mútua entre irmãos e irmãs, não na uniformidade, mas a pluralidade e variedade das vozes: a polifonia. Por isso, exorta: “Cientes de participar numa comunhão que nos precede e inclui, possamos descobrir uma Igreja sinfónica, na qual cada um é capaz de cantar com a própria voz, acolhendo como dom as dos outros, para manifestar a harmonia do conjunto que o Espírito Santo compõe”.

2022.05.29 – Louro de Carvalho

sábado, 28 de maio de 2022

Morreu o cardeal que revelou a terceira parte do segredo de Fátima

 

De acordo com a agência de notícias italiana ANSA, citada pela Renascença, o cardeal Angelo Sodano, decano emérito do Colégio Cardinalício, que foi secretário de Estado de São João Paulo II e de Bento XVI, morreu, em Roma, aos 94 anos, no dia 27 de maio, vítima de complicações provocadas pela covid-19. Nos últimos dias, a sua condição de saúde agravou-se, fruto da infeção pelo novo coronavírus, associada a várias outras doenças de que sofria.

Na noite de 9 de maio, o purpurado havia sido hospitalizado devido a uma pneumonia no Hospital Columbus-Gemelli após testar positivo para covid.

A morte de Sodano suscita na alma do Papa “sentimentos de gratidão ao Senhor pelo dom deste estimado homem de Igreja, que viveu com generosidade o seu sacerdócio, inicialmente, na Diocese de Asti e, depois, no restante de sua longa existência, ao serviço da Santa Sé”.

Com estas palavras, Francisco iniciou sua mensagem de pesar pela morte do cardeal Sodano, que desempenhou o cargo de Secretário de Estado do Vaticano de 1991 a 2006, sucedendo ao cardeal Agostino Casaroli, e foi decano do Colégio dos Cardeais de 2005 a 2019.

“Lembro-me do seu solerte trabalho ao lado de muitos dos meus predecessores, que lhe confiaram importantes responsabilidades na diplomacia vaticana, até ao delicado ofício de secretário de Estado” – disse o Santo Padre, recordando que, nas representações pontifícias do Equador, Uruguai e Chile, Sodano se dedicou “com zelo ao bem dessas populações, promovendo o diálogo e a reconciliação”, e exerceu, na Cúria Romana, a sua missão “com dedicação exemplar”.

E o Papa reconhece que também foi beneficiado, de algum modo, pelas suas capacidades mentais e de coração, sobretudo enquanto exerceu a função de decano do Colégio Cardinalício. Com efeito, “em cada encargo, demonstrou ser um homem eclesialmente disciplinado, amável pastor, animado pelo desejo de divulgar em todos os lugares o fermento do Evangelho”.

Por fim, o Santo Padre eleva a Deus Pai misericordioso orações de sufrágio pelo purpurado, com toda uma vida dedicada à Igreja, para que seja acolhido na alegria eterna, ao mesmo tempo que expressa a sua proximidade aos seus familiares e à comunidade de Asti, onde nasceu, e concede a sua bênção “a todos quantos compartilham a dor pela sua partida, com um pensamento particular e agradecido às Irmãs de Santa Marta e a todos os que amorosamente o assistiram”.

Com o falecimento cardeal Angelo Sodano, o Colégio Cardinalício fica composto por 208 cardeais, dos quais 117 eleitores e 91 não eleitores.

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Angelo Raffaele Sodano nasceu em Isola, a 23 de novembro de 1927. Os seus pais, Giovanni e Delfina Sodano, eram de família rural piemontesa, que contribuiu, de modo especial, para a vida da Igreja e do Estado. Foi diplomata e cardeal. E era atualmente o cardeal protetor da Pontifícia Academia Eclesiástica e Decano emérito do Sacro Colégio.

Estudou no Seminário de Asti, na Pontifícia Universidade Gregoriana, onde se doutorou em Teologia, e na Pontifícia Universidade Lateranense, onde se doutorou em Direito Canónico, e, a convite do cardeal Angelo dell’Acqua, na Pontifícia Academia Eclesiástica, onde se qualificou para a diplomacia. Ordenado sacerdote, a 23 de setembro de 1950, na Catedral de Asti, em cuja diocese trabalhou pastoralmente (sobretudo com jovens), foi membro da faculdade do seu seminário, de 1950 a 1959, onde ensinou Teologia Dogmática. De 1959 a 1968, continuou os estudos em Roma. Foi secretário das nunciaturas no Equador, do Uruguai e do Chile. Foi nomeado camareiro secreto supernumerário, a 15 de junho de 1961, e capelão de Sua Santidade, a 21 de junho de 1963. E foi Oficial no Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja, de 1968 a 1977.

Nomeado, a 30 de novembro de 1977, pelo Papa São Paulo VI, arcebispo-titular de Nova Caesaris e núncio apostólico no Chile (cujas dioceses visitou mediando no conflito Chile-Argentina), foi ordenado bispo, a 15 de janeiro de 1978, em Asti, pelo cardeal Antonio Samorè. Foi nomeado secretário do Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja, a 23 de maio de 1988; e, depois da reorganização da Cúria Romana, passou a secretário da secção para as relações com os Estados, na Secretaria de Estado, a 1 de março de 1989. Foi presidente da Pontifícia Comissão para a Rússia e representante da Santa Sé nas reuniões de ministros de assuntos exteriores da Conferência Europeia de Segurança e Cooperação, em Viena, Copenhaga, Nova Iorque e Paris. Nomeado pró-secretário de Estado, a 1 de dezembro de 1990, devido à aposentação do cardeal Agostino Casaroli, tendo sido nessa condição que acompanhou a segunda visita de São João Paulo II a Portugal, em maio de 1991. Como membro das Missões da Santa Sé, visitou a Roménia, Hungria e Alemanha Oriental. Em suas altas funções, acompanhou 54 viagens de João Paulo II.

Em 1991, criado cardeal-presbítero, a 28 de junho, recebe o barrete cardinalício e o título da Igreja de Santa Maria Nuova; é nomeado Secretário de Estado, a 29 de junho; e assiste à I Assembleia Especial para a Europa do Sínodo dos Bispos, no Vaticano, de 28 de novembro a 14 de dezembro.

Em 1992, foi legado pontifício à celebração dos 75 anos das Aparições de Nossa Senhora de Fátima, Portugal, a 12 e 13 de maio; foi enviado especial do Papa ao Dia da Santa Sé na Exposição Universal de Sevilha 1992, em Sevilha, Espanha, a 29 de junho; foi enviado papal ao funeral do cardeal Frantisek, arcebispo emérito de Praga, na então Checoslováquia, a 12 de agosto; e assistiu à IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Santo Domingo, República Dominicana, de 12 a 28 de outubro, tendo sido um dos três presidentes delegados.

Em 1994, foi promovido à ordem dos cardeais-bispos com o título da sé suburbicária de Albano, retendo in comendam o título de Santa Maria Nuova, a 10 de janeiro; assistiu à Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a África, no Vaticano, de 10 de abril a 8 de maio, e à IX Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, também no Vaticano, de 2 a 29 de outubro.  

Em 1995, foi legado pontifício no encerramento das celebrações pelo VIII Centenário do Nascimento de Santo António, em Pádua, Itália, a 8 de dezembro, bem como no encerramento das celebrações pelo VII Centenário do Santuário de Loreto, Itália, a 10 de dezembro.

Em 1997, foi legado pontifício ao XLVI Congresso Eucarístico Internacional, de Wroclaw, Polónia, de 24 e maio a 1 de junho e enviado especial do Papa ao funeral de Madre Teresa de Calcutá, Índia, a 13 de setembro; e assistiu à Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América, no Vaticano, de 16 de novembro a 12 de dezembro.   

Em 1998, foi legado pontifício ao Dia Mundial dos Enfermos, em Loreto, Itália, a 11 de fevereiro; assistiu à Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Ásia, no Vaticano, de 19 de abril a 18 de maio; foi legado pontifício às celebrações pelos 750 anos do Domo de Colónia, Alemanha, a 15 de agosto, às cerimónias de clausura do Encontro Continental da Juventude, em Santiago, Chile, a 10 e 11 de outubro, e às celebrações comemorativas dos 350 anos da Paz de Vestfália, em Osnabrrück e em Münster, Alemanha, a 24 de outubro; e assistiu à Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Oceânia, no Vaticano, de 22 de novembro a 12 de dezembro.  

Em 1999, foi legado pontifício no encerramento da celebração do Encontro Europeu da Juventude, em Santiago de Compostela, Espanha, de 4 a 8 de agosto; assistiu a II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, no Vaticano, de 1 a 23 de outubro. Foi legado pontifício à cerimónia de reabertura ao culto da Basílica Superior de São Francisco de Assis e da consagração do novo altar papal, em Assis, Itália, a 28 de novembro, e à dedicação da Igreja da Imaculada Conceição de Maria, em Moscovo, Rússia, a 12 de dezembro.

Em 2000, foi legado pontifício às celebrações pelo milénio da arquidiocese de Gniezno, Polónia, celebradas naquela cidade polaca, a 12 de março, às celebrações do V centenário da Evangelização do Brasil, Porto Seguro, Brasil, a 26 de abril, às celebrações pelo milénio de Santo Estêvão da Hungria, em Budapeste, Hungria, a 20 de agosto.

A 30 de novembro de 2001, foi eleito vice-decano do Colégio Cardinalício. E, a 30 de abril de 2005, o recém-eleito Papa Bento XVI confirmou-o no cargo de secretário de Estado da Santa Sé e aprovou a sua eleição a decano do Colégio Cardinalício, sendo elevado no título cardinalício da Sé Suburbicária de Ostia. E, a 15 de setembro de 2006, entregou o cargo de secretário de Estado da Santa Sé. Porém, veio como enviado especial de Bento XVI à abertura das comemorações dos 90 anos das Aparições de Nossa Senhora de Fátima, Portugal, a 12 e 13 de outubro a cujo encerramento presidiu o cardeal Tarcísio Bertone, secretário de Estado, a 12 e 13 de maio de 2007, tendo procedido também à dedicação da igreja da Santíssima Trindade, agora basílica. 

A 18 de setembro de 2012, foi nomeado por Bento XVI como Padre Sinodal da 13.ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos realizada no Vaticano, de 7 a 28 de outubro de 2012.

Participou como vice-decano do Colégio dos Cardeais no conclave para a eleição de Bento XVI, em 2005; já não participou no conclave, em 2013, para a eleição de Francisco, pois era o decano do Colégio de Cardeais, mas não era eleitor.

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Muito bela e diversificada folha de serviço de um purpurado devotado às causas da Igreja e frequente visitador de Fátima, que revelou ao mundo, a 13 de maio de 2000 – a pedido do Papa polaco e na sua presença –, a terceira parte do Segredo de Fátima.

2022.05.28 – Louro de Carvalho

Discutido a alto nível o papel da tomada de decisão dos leigos na Igreja

 

Enquanto a Igreja Católica continua mobilizada para a reflexão sobre a sinodalidade através de um processo de escuta e diálogo, um painel de seis teólogos e canonistas notáveis (alguns deles são cardeais), debateu a natureza da consulta e a tomada de decisões numa Igreja sinodal.

A discussão ocorreu a 20 de maio, no Palazzo Pio do Vaticano, no quadro da apresentação de um novo livro lançado pela editora vaticana sob o título Sinodalidade com ‘Responsabilidade Limitada’ ou de Consultiva a Deliberativa?, da autoria do cardeal Francesco Coccopalmerio, presidente aposentado do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, órgão que interpreta o Direito Canónico e elabora os projetos dos de atos legislativos que se afigurem necessários.  

Coccopalmerio propõe que a sinodalidade seja vista como a comunhão de sacerdotes e fiéis que se esforçam para procurar e discernir juntos o bem da Igreja, de modo que possam ser tomadas as decisões aptas a alcançar esse bem. Preconiza maior discussão sobre a participação dos fiéis leigos, quer processo consultivo na vida da Igreja, quer na fase de tomada de decisões.

Os conferencistas concordam que havia uma diferença entre o processo de tomada de decisão como um exercício conjunto de discernimento, consulta e cooperação, e a autoridade de tomada de decisão, que é da competência do bispo, nos termos do documento aprovado pelo Santo Padre e publicado pela Comissão Teológica Internacional, em 2018, sobre “Sinodalidade na Vida e Missão da Igreja”. Porém, o cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo dos Bispos, disse que a reflexão do cardeal Coccopalmerio “não repudia ou ameaça a autoridade”, seja do bispo, seja dos outros membros do clero, seja de qualquer líder da Igreja. Ao invés, pede-se que a autoridade esteja sempre envolvida no processo de expressar, sem falta, a própria opinião e que preste muita atenção para que haja um discernimento autêntico.

Assim, no processo progressivo de tomada de decisão, nunca se trata de ir contra a pessoa de autoridade, nem de suprir a sua ausência ou de a utilizar, mas de pensar e agir sempre juntamente com tal pessoa e com o seu consentimento, disse Grech, explicitando a reflexão do autor.

Este processo de “discernimento comunitário”, em que o clero e os fiéis “estão unidos na escuta comum do Espírito Santo”, não é fácil, disse o cardeal Grech, mas há exemplos análogos, como o de como o Colégio dos Bispos é chamado a exercer sempre a autoridade em conjunto e com o Papa. É, como vincou, um “processo espiritual” que não coloca clérigos e leigos uns contra os outros, mas induz cada pessoa a estar “com” os outros na Igreja com o desejo partilhado de ouvir, deliberar e determinar. É uma Igreja que não funciona como uma monarquia ou um parlamento, mas é uma igreja de leigos e clérigos, unidos na sua identidade batismal comum e que reúne os seus diferentes ministérios e carismas para discernir e planear, acentuou Grech.

Já Mons. Severino Dianich, teólogo e especialista em Eclesiologia, sustentou que é fundamental este género de reflexão. Em Itália e talvez noutras partes do mundo, como frisou, “há um notável sentimento de frustração que deve ser reconhecido” em como os conselhos estão realmente a funcionar, quer os diocesanos quer os paroquiais. Há uma sensação de que “caminhar juntos” significa uma jornada que acontece apenas pela metade, porque, chegada a hora de tomar uma decisão, pode parecer que o bispo ou o padre continua o resto dessa jornada sozinho.

É uma preocupação que teólogos e canonistas devem discutir, disse, especialmente ao abordarem objeções a um maior envolvimento dos leigos, tal como os temores de que isso se transforme “numa luta por posições de poder”. Vendo que é exatamente o oposto, Dianich sublinhou que todos os cristãos são “ricos em carismas”, que são diferentes para clérigos e para leigos, de modo que, quando “um padre decide sozinho, ele é de facto empobrecido”. Ora, o processo deliberativo da comunidade eclesial “nada mais é do que enriquecer o ministério hierárquico” com dons e carismas que podem servir a cada bispo ou sacerdote individualmente.

Adiantando que o Papa Bento XVI reconheceu isso num discurso de 2011 em que discutia a encíclica do Papa São João XXIII Mater et Magistra, o sacerdote citou o texto do Papa emérito, dizendo que os fiéis leigos “não podem ser apenas os seus fruidores e executores passivos, mas constituem os protagonistas da mesma, no momento vital da sua realização, bem como preciosos colaboradores dos Pastores na sua formulação, graças à experiência adquirida no campo e às próprias competências específicas”.

Uma razão pela qual há maior consciência e desejo de que a Igreja seja mais sinodal – disse Mons. Dianich – é a Igreja estar a redescobrir o seu “propósito original fundamental”, que é existir, não para si mesma, mas para evangelizar.

Assim, tornou-se evidente que os evangelizadores mais importantes – além do Papa, dos bispos e dos sacerdotes – são as pessoas “nas periferias e parte da vida quotidiana”. Os fiéis leigos são aqueles que “estão rodeados de pessoas” e encontram diária e diretamente aqueles que ainda não encontraram Jesus e que podem testemunhar imediatamente o Evangelho em ação.

Por fim, o cardeal Coccopalmerio disse que as suas propostas são muito rudimentares e devem ser discutidas para determinar a sua validade com a orientação do Espírito Santo. E, se as ideias não chegarem a lugar algum, “pelo menos terá existido a tentativa de aprender mais sobre a natureza da Igreja”.

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Já em 2016, o porta-voz dos cardeais que assessoram Francisco na reforma da burocracia central da Igreja – e que utilizaram a sua última reunião do ano para se focarem nos papéis dos dicastérios vaticanos que interagem com os governos estrangeiros, supervisionam a Igreja em territórios missionários e consideram quais padres são nomeados bispos e que trabalham com as Igrejas Orientais – salientou que o cardeal Kevin Farrell, do dicastério dedicado a leigos, família e a vida, enfatizou a importância do papel do laicado na Igreja e fez aos cardeais um “convite para relerem” a carta de abril que o Papa endereçou ao cardeal Marc Ouellet no seu papel de presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina. Nela, o Sumo Pontífice reafirmou o direito de os leigos tomarem decisões nas suas vidas, dizendo que os padres devem confiar que o Espírito Santo vem trabalhando neles e que o Espírito “não é só ‘propriedade’ da hierarquia eclesial”.

É importante considerar o contexto. E, a este respeito, é de referir que Greg Burke, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, disse que o Conselho de Cardeais esteve particularmente focado nas funções da Secretaria de Estado, da Congregação para a Evangelização dos Povos, da Congregação para os Bispos e nas da Congregação para as Igrejas Orientais, mas que surgiriam, na reunião, dois grandes temas como linhas-mestras: o zelo missionário e a sinodalidade.

Por outro lado, segundo Burke, o Conselho dos Cardeais não falou da carta polémica de novembro emitida por quatro cardeais a desafiar a exortação apostólica Amoris laetitia do Papa Francisco sobre a família. Na verdade, como sublinhou o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, “o Papa foi claro em que o Sínodo se pronunciou, que o Espírito se pronunciou”. Referia-se às assembleias sinodais de 2014 e 2015, que levaram o Sumo Pontífice a escrever o mencionado documento.

Burke revelou também que, durante os encontros, os cardeais receberam atualizações dos dois novos dicastérios vaticanos que Francisco criou a partir da sugestão do grupo: o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, e o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral.

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Na verdade, sendo a Igreja o novo Povo de Deus, há que ter em linha de conta que o maior volume de integrantes deste novo povo é constituído pelos leigos, os quais estão, pelo Batismo, habilitados para o exercício da tríplice ação da Igreja: a profecia, a santificação e a caminhada solidária com os irmãos. Por isso, não podem ser assistentes passivos do devir eclesial, nem apenas lugar de consulta: têm, sim, de participar nas decisões relevantes. Para tanto, têm de fazer a sua parte, cuidar da sua formação e capacitação em prol do Reino de Deus, que avança, cresce e se difunde no serviço ao próximo, sem esperar recompensa. Aliás, o Espírito sopra donde e onde quer.

2022.05.28 – Louro de Carvalho