sexta-feira, 13 de maio de 2022

Pedir a intercessão de Maria para as noites escuras da vida e do mundo

 

Celebrou-se, a 12 e 13 de maio, a Peregrinação Aniversária Internacional ao Santuário de Fátima – já sem as restrições da pandemia, e com a participação de 114 grupos oriundos de 23 países – sob a presidência do Arcebispo Dom Edgar Peña Parra, Substituto da Secretaria de Estado do Vaticano, que pediu a intercessão de Nossa Senhora para “desatar os nós” e “as noites escuras da vida e do mundo” e lamentou que, “no banquete da humanidade”, falte o “vinho da fraternidade e da paz”, ou seja, “o vinho da alegria e da partilha, da esperança e do amor”.

A partir da liturgia da noite do dia 12, que relata o episódio das Bodas de Caná, o prelado, ante a esplanada repleta de peregrinos, num mar de velas que não era visto na Cova da Iria desde outubro de 2019, alertou para a necessidade de “um olhar de conjunto sobre a nossa vida e sobre o mundo” para aferir quando falta “o vinho da fé”, se soma “fracasso e cansaço”, “os sonhos se despedaçam” e “as relações se rompem e nos assalta a amargura dos conflitos ou da solidão”. E apontou que, no mundo atual, “os egoísmos e os rancores explodem com frequência, como, neste (…) tempo, na violência atroz e bárbara da guerra, onde não há, nem vencedores, nem vencidos, mas apenas lágrimas”. Pura verdade! E, citando o Papa Francisco, afirmou:

Em cima da mesa do nosso mundo, no banquete da humanidade, falta o vinho da fraternidade e da paz, enquanto os egoísmos e os rancores explodem com frequência, como, neste nosso tempo, na violência atroz e bárbara da guerra, onde não há, nem vencedores, nem vencidos, mas apenas lágrimas como as da Mãe de Deus. (…) São também sinal do pranto de Deus pelas vítimas da guerra que destrói não apenas a Ucrânia; (...) destrói todos os povos envolvidos na guerra. Todos! Pois a guerra não destrói só o povo derrotado, não, destrói também o vencedor; destrói inclusive os que a observam, com notícias superficiais, para ver quem é o vencedor, quem é o vencido.”.

Discorrendo sobre a peregrinação, lembrou que “esta noite caminhamos sob o olhar amoroso da Bem-Aventurada Virgem Maria para encontrarmos paz e nova luz nos nossos corações”.

Vindos de diversos lugares e trazendo cada um no coração o pedido da graça que deseja apresentar à Mãe do Senhor e de que desfaça alguns nós na sua vida, os peregrinos ouviram o presidente da Peregrinação Internacional, a assinalar a primeira Aparição da Virgem e o 5.º aniversário da canonização de Francisco Marto e Jacinta Marto – “peregrinação que simboliza as noites da nossa vida e do mundo”, das escuridões que “nos surpreendem” e com que somos chamados a lutar, na esperança de que a estrela do alto nos indique o rumo, peregrinação que é “sinal da profunda e renovada confiança em Maria”.

E Peña Parra exortou que, na intimidade a noite, se pedisse à Senhora de Fátima o dom da paz na Ucrânia e no mundo inteiro e que, velando pela vida de cada sacerdote e consagrado, jovem e adolescente, ancião e doente, cada família e cada um, “sob o seu manto e guarde as nossas vidas”. E assentiu que, olhando para Maria, Rainha da paz e da vida, nos confiamos a Ela, para que se faça porta-voz do grito dos nossos corações junto do Seu Filho e escutamos a sua voz terna que nos convida a fazer o que Jesus nos pede. Enfim, a mensagem de Fátima atinge a todos.

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Na manhã do dia 13, na Missa Internacional em que participaram dois cardeais, 28 bispos e 318 sacerdotes e ante mais de 200 mil peregrinos, Dom Edgar Peña Parra desafiou os participantes a transformar a “escuta acolhedora de Maria” em “caridade” na família, no trabalho e na vida quotidiana para ultrapassar as “sendas estreitas da história contemporânea”, marcada por tantos conflitos, que “só o diálogo” permite ultrapassar.

O prelado, diplomata de carreira, alertando para a necessidade de um diálogo construtivo assente na escuta, como forma de ultrapassar conflitos, frisou:

Dizemos e amplificamos muitas palavras, movidos pela pressa de dizer ou fazer sempre qualquer coisa, esquecendo-nos de nos dessedentarmos com calma na fonte da vida e da paz. (...) Mesmo a nível internacional, pensemos como seria importante escutar as razões do outro e dar prioridade ao diálogo e à negociação, os únicos caminhos para uma paz estável e duradoura, em vez de empreender ações inspiradas pela busca gananciosa e apressada dos próprios interesses.”.

Os participantes na celebração rezaram “pela paz no mundo, em especial pelas vítimas do conflito na Ucrânia, para que o Senhor abra os corações dos decisores políticos e os leve ao discernimento de que só na paz é possível sermos todos irmãos”. E sabem que “a escuta, feita de silêncio que abre o coração, ajuda a acalmar ressentimentos e rancores e [a] reencontrar o caminho da paz”.

“A isto nos convida Fátima”, afirmou Dom Peña Parra, vincando que estar em Fátima significa “responder a um chamamento à oração, a depositar no Imaculado Coração o mundo ferido e dilacerado pela falta de paz”, em vez de tentarmos “gerir tudo, incluindo a fé, segundo as emoções instáveis do momento”, pois “Maria mostra-nos que é preciso concretização e perseverança”.

O prelado alertou para o perigo do “ativismo estéril, que não deixa o primado a Deus, à oração, à contemplação”, e evocou o exemplo de Maria, que “deu o primeiro lugar à escuta da Palavra” e “veio a Fátima recordar-nos o essencial, convidando-nos à conversão, a colocar Deus acima do nosso eu”.

Estar em Fátima no treze de maio significa, para o prelado de origem venezuelana, desejar que a mensagem de Fátima não seja meramente algo relevante do ponto de vista religioso e histórico, mas que “se traduza na prática, pessoalmente, na nossa vida quotidiana”. Na verdade, “Nossa Senhora procura filhos que rezem, amem e se ofereçam pelos pecadores, pela paz e pela conversão, nossa e de muitos dos nossos irmãos e irmãs que não creem, não adoram, não esperam nem amam”; Ela “procura a conversão pessoal, procura quem se sacrifique e reze pelos outros”; e, lembrando a responsabilidade dos crentes, “ajuda-nos a descobrir a maravilha duma fé que renasce da escuta e cresce na perseverança, na caridade operosa, na oferta jubilosa da vida, na concretização do anúncio”.

Do silêncio que se respira em Fátima, que aponta para a “bem-aventurança da fé”, o orador homilético disse que “é o silêncio da escuta, porta da fé: amá-lo e salvaguardá-lo dia a dia é uma graça que devemos pedir a Nossa Senhora”, a quem devemos imitar para sentirmos próximas de nós, como nos sendo confiadas pela Providência, “todas as pessoas que ainda não experimentaram o encontro vivo com Jesus Cristo”.

Dom Edgar Peña Parra convidou os peregrinos a “não terem medo de tomar a peito as suas vidas e testemunhar, com proximidade e ternura, a beleza do rosto de Deus”. Na verdade, como explanou, “pelo Batismo, cada um de nós é chamado a ser anunciador, missionário onde vive e trabalha” e, “pela medida com que difundimos a alegria do Senhor, podemos medir a temperatura da nossa fé, o primor da nossa escuta, a fidelidade em levar à prática a Palavra”.

O prelado, referindo-se à Jornada Mundial da Juventude a realizar em Portugal no próximo ano, com o tema “Maria levantou-Se e partiu apressadamente” (Lc 1,39), exortou:

Levantemo-nos e partamos apressadamente ao encontro de quantos nos rodeiam: sonhemos com eles e, com a ajuda de Deus, não nos cansemos de construir uma Igreja com rosto jovem e belo, que brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor”.

O Arcebispo agradeceu o convite para presidir à peregrinação e deixou a saudação e a bênção do Papa, em especial à Diocese de Leiria-Fátima e à cidade de Fátima, que rejubilam agora, “após dois anos de limitações, impostas pela pandemia”. Dirigiu uma palavra especial aos Pastores e às populações de Língua Portuguesa espalhadas pelo mundo: que a Virgem “continue a proteger Portugal, conserve o Brasil, abençoe Angola, sustente Moçambique, acompanhe o caminho do Timor-Leste, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe”. Poderia ter referido a Guiné Equatorial, os lusófonos de Macau e de Goa e as comunidades portuguesas da diáspora.

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Nesta Peregrinação Aniversária de 2022, revestiu-se de significado especial a mensagem aos doentes, visto que, após dois anos de pandemia, os enfermos puderam voltar a participar nas celebrações a partir da Colunata. E o padre Ronaldo Araújo proferiu a alocução aos “irmãos fragilizados pelas enfermidades”, a quem desafiou à entrega a Deus dos “fardos dos sofrimentos, as fadigas e impaciência”, pois, embora a doença faça parte das suas vida e possa durar tempo longo como que uma ‘eternidade’, ou como ‘noite escura’ que não chega à aurora, é importante não desanimar, porque “o doente é sempre mais importante do que sua doença”.

Sabe o cristão que o sofrimento não é eliminado, mas pode adquirir um sentido: tornar-se ato de amor, entrega nas mãos de Deus que não nos abandona e ser uma etapa de crescimento na fé e no amor. Por isso, o capelão do Santuário referiu que o enfermo, “contemplando a união de Cristo com o Pai, mesmo no momento de maior sofrimento na cruz”, pode ter a “fé gigante” que Jacinta Marto mostrou, na sua doença, como caminho para “oferecer e dar sentido às dores”.

A partir da experiência na doença da vidente, o padre Araújo centrou-se a tristeza gerada pela solidão que experimenta quem padece duma enfermidade, ao garantir a presença materna da Virgem, nos momentos de particular fragilidade. E encorajou os irmãos doentes, dizendo que têm perto “Maria, Saúde dos enfermos, Consoladora dos aflitos” e recomendou que se consagrassem a Ela neste dia e Lhe entregassem a súplica e a confiança, sem desânimo, pois ela diz: “O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus”.

Na prece final, o padre Araújo pediu o olhar e o “conforto e sustento do amor” misericordioso de Jesus Cristo sob os que “necessitam ser curados no corpo e no espírito”, para que a dor não lhes “roube o sentido da vida” e para que sejam renovados em “ânimo e esperança” na superação de todos os seus males. E implorou a bênção do Senhor para os cuidadores e profissionais de saúde.

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No final da celebração, depois de benzer a Imagem da Virgem de Fátima, idêntica à da Virgem Peregrina n.º 13, que é doada pelo Santuário ao Arcebispado Metropolita de Lviv, na Ucrânia, coube a palavra a Dom José Ornelas, Bispo de Leiria-Fátima, que agradeceu a Deus a “mensagem motivadora de conversão, de vida e de paz, à Igreja e ao mundo” oferecida por esta Peregrinação e pediu a intercessão de Maria pela paz no mundo, “neste momento difícil” em que estamos “a braços com uma pandemia que condiciona toda a humanidade e uma guerra que atinge com trágica e destrutiva ferocidade a Ucrânia”. Em seguida, exortou a que a mensagem de paz que Maria nos trouxe a Fátima “seja acolhida no coração dos que alimentam esta guerra, a fim de que se pare a barbárie e se possa construir o mundo novo, com justiça, solidariedade e paz”.

Pela primeira vez nas funções como Bispo de Leiria-Fátima numa Peregrinação Aniversária, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa dirigiu uma palavra de reconhecimento aos bispos eméritos presentes: o antecessor, o cardeal Dom António Marto, de quem lembrou “a voz de acolhimento que trouxe à Diocese, nos últimos 16 anos”, e Dom Serafim Ferreira da Silva. Ao episcopado, que esteve na Cova da Iria, saudou, apontando Maria como modelo da “atitude de escuta da voz que Deus dirige hoje à sua Igreja”. Agradeceu ao reitor do Santuário e a todos os colaboradores, e reconheceu o “inestimável serviço das forças de segurança, autoridades e tantas instituições que, antes, durante e após a peregrinação prestam auxílio aos peregrinos”. Ao presidente da Peregrinação agradeceu a presença e pediu que, na qualidade de Substituto da Secretaria de Estado da Santa Sé, fizesse chegar ao Papa a “estima e comunhão com o seu ministério” e a “promessa da oração” pelo Sucessor de Pedro. Por fim, dirigiu-se aos peregrinos:

Desejo saudar, acima de tudo, a vós, todos peregrinos e peregrinas que, de todo o país e de tantas partes do mundo, acorrestes a Fátima. Que Maria, a mãe de Jesus e Mãe da Igreja nos revele sempre o Coração misericordioso do seu Filho Jesus, nos reúna em Igreja e nos torne solidários e misericordiosos com quem precisa, para estarmos presentes e ativos na construção de um mundo de justiça e de Paz.”.

E aos peregrinos pequenitos o prelado fatimita desafiou a “responderem com amor igual” ao dos Pastorinhos, “para sentirem a presença carinhosa do Pai do Céu”.

2022.05.13 – Louro de Carvalho

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