Celebrou-se, a 12 e 13 de maio, a Peregrinação Aniversária Internacional ao
Santuário de Fátima – já
sem as restrições da pandemia, e com a participação de 114 grupos oriundos de
23 países – sob a presidência do
Arcebispo Dom Edgar Peña Parra, Substituto da Secretaria de Estado do
Vaticano, que pediu a intercessão de
Nossa Senhora para “desatar os nós” e “as noites escuras da vida e do mundo”
e lamentou que, “no banquete da humanidade”, falte o “vinho da fraternidade e
da paz”, ou seja, “o vinho da alegria e da partilha, da esperança e do amor”.
A partir da
liturgia da noite do dia 12, que relata o episódio das Bodas de Caná, o prelado,
ante a esplanada repleta de peregrinos, num mar de velas que não era visto na
Cova da Iria desde outubro de 2019, alertou para a necessidade de “um olhar de
conjunto sobre a nossa vida e sobre o mundo” para aferir quando falta “o vinho
da fé”, se soma “fracasso e cansaço”, “os sonhos se despedaçam” e “as relações
se rompem e nos assalta a amargura dos conflitos ou da solidão”. E apontou que,
no mundo atual, “os egoísmos e os rancores explodem com frequência, como, neste
(…) tempo, na violência atroz e bárbara da guerra, onde não há, nem vencedores,
nem vencidos, mas apenas lágrimas”. Pura verdade! E, citando o Papa Francisco, afirmou:
“Em
cima da mesa do nosso mundo, no banquete da humanidade, falta o vinho da
fraternidade e da paz, enquanto os egoísmos e os rancores explodem com
frequência, como, neste nosso tempo, na violência atroz e bárbara da guerra,
onde não há, nem vencedores, nem vencidos, mas apenas lágrimas como as da Mãe
de Deus. (…) São também sinal do pranto de Deus pelas vítimas da guerra que destrói
não apenas a Ucrânia; (...) destrói todos os povos envolvidos na guerra. Todos!
Pois a guerra não destrói só o povo derrotado, não, destrói também o vencedor;
destrói inclusive os que a observam, com notícias superficiais, para ver quem é
o vencedor, quem é o vencido.”.
Discorrendo
sobre a peregrinação, lembrou que “esta noite caminhamos sob o olhar amoroso da
Bem-Aventurada Virgem Maria para encontrarmos paz e nova luz nos nossos
corações”.
Vindos de
diversos lugares e trazendo cada um no coração o pedido da graça que deseja
apresentar à Mãe do Senhor e de que desfaça alguns nós na sua vida, os peregrinos
ouviram o presidente da Peregrinação Internacional, a assinalar a primeira
Aparição da Virgem e o 5.º aniversário da canonização de Francisco Marto e
Jacinta Marto – “peregrinação que simboliza as noites da nossa vida e do mundo”,
das escuridões que “nos surpreendem” e com que somos chamados a lutar, na
esperança de que a estrela do alto nos indique o rumo, peregrinação que é “sinal
da profunda e renovada confiança em Maria”.
E Peña Parra
exortou que, na intimidade a noite, se pedisse à Senhora de Fátima o dom da paz
na Ucrânia e no mundo inteiro e que, velando pela vida de cada sacerdote e
consagrado, jovem e adolescente, ancião e doente, cada família e cada um, “sob
o seu manto e guarde as nossas vidas”. E assentiu que, olhando para Maria,
Rainha da paz e da vida, nos confiamos a Ela, para que se faça porta-voz do
grito dos nossos corações junto do Seu Filho e escutamos a sua voz terna que
nos convida a fazer o que Jesus nos pede. Enfim, a mensagem de Fátima atinge a
todos.
***
Na manhã do
dia 13, na Missa Internacional em que participaram dois cardeais, 28 bispos e
318 sacerdotes e ante mais de 200 mil peregrinos, Dom Edgar Peña Parra desafiou
os participantes a transformar a “escuta acolhedora de Maria” em “caridade” na
família, no trabalho e na vida quotidiana para ultrapassar as “sendas estreitas
da história contemporânea”, marcada por tantos conflitos, que “só o diálogo”
permite ultrapassar.
O prelado, diplomata
de carreira, alertando para a necessidade de um diálogo construtivo
assente na escuta, como forma de ultrapassar conflitos, frisou:
“Dizemos e amplificamos muitas palavras,
movidos pela pressa de dizer ou fazer sempre qualquer coisa, esquecendo-nos de
nos dessedentarmos com calma na fonte da vida e da paz. (...) Mesmo a nível
internacional, pensemos como seria importante escutar as razões do outro e dar
prioridade ao diálogo e à negociação, os únicos caminhos para uma paz estável e
duradoura, em vez de empreender ações inspiradas pela busca gananciosa e apressada
dos próprios interesses.”.
Os
participantes na celebração rezaram “pela paz no mundo, em especial pelas
vítimas do conflito na Ucrânia, para que o Senhor abra os corações dos
decisores políticos e os leve ao discernimento de que só na paz é possível sermos
todos irmãos”. E sabem que “a escuta, feita de silêncio que abre o coração,
ajuda a acalmar ressentimentos e rancores e [a] reencontrar o caminho da paz”.
“A isto nos
convida Fátima”, afirmou Dom Peña Parra, vincando que estar em Fátima significa
“responder a um chamamento à oração, a depositar no Imaculado Coração o mundo
ferido e dilacerado pela falta de paz”, em vez de tentarmos “gerir tudo,
incluindo a fé, segundo as emoções instáveis do momento”, pois “Maria
mostra-nos que é preciso concretização e perseverança”.
O prelado
alertou para o perigo do “ativismo estéril, que não deixa o primado a Deus, à
oração, à contemplação”, e evocou o exemplo de Maria, que “deu o primeiro lugar
à escuta da Palavra” e “veio a Fátima recordar-nos o essencial, convidando-nos
à conversão, a colocar Deus acima do nosso eu”.
Estar em Fátima
no treze de maio significa, para o prelado de origem venezuelana, desejar que a
mensagem de Fátima não seja meramente algo relevante do ponto de vista
religioso e histórico, mas que “se traduza na prática, pessoalmente, na nossa
vida quotidiana”. Na verdade, “Nossa Senhora procura filhos que rezem, amem e
se ofereçam pelos pecadores, pela paz e pela conversão, nossa e de muitos dos
nossos irmãos e irmãs que não creem, não adoram, não esperam nem amam”; Ela “procura
a conversão pessoal, procura quem se sacrifique e reze pelos outros”; e, lembrando
a responsabilidade dos crentes, “ajuda-nos a descobrir a maravilha duma fé que
renasce da escuta e cresce na perseverança, na caridade operosa, na oferta
jubilosa da vida, na concretização do anúncio”.
Do silêncio
que se respira em Fátima, que aponta para a “bem-aventurança da fé”, o orador homilético
disse que “é o silêncio da escuta, porta da fé: amá-lo e salvaguardá-lo dia a
dia é uma graça que devemos pedir a Nossa Senhora”, a quem devemos imitar para
sentirmos próximas de nós, como nos sendo confiadas pela Providência, “todas as
pessoas que ainda não experimentaram o encontro vivo com Jesus Cristo”.
Dom Edgar
Peña Parra convidou os peregrinos a “não terem medo de tomar a peito as suas
vidas e testemunhar, com proximidade e ternura, a beleza do rosto de Deus”. Na verdade,
como explanou, “pelo Batismo, cada um de nós é chamado a ser anunciador,
missionário onde vive e trabalha” e, “pela medida com que difundimos a alegria
do Senhor, podemos medir a temperatura da nossa fé, o primor da nossa escuta, a
fidelidade em levar à prática a Palavra”.
O prelado,
referindo-se à Jornada Mundial da Juventude a realizar em Portugal no próximo
ano, com o tema “Maria levantou-Se e partiu apressadamente” (Lc 1,39), exortou:
“Levantemo-nos e partamos apressadamente ao
encontro de quantos nos rodeiam: sonhemos com eles e, com a ajuda de Deus, não
nos cansemos de construir uma Igreja com rosto jovem e belo, que brilha quando
é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor”.
O Arcebispo agradeceu
o convite para presidir à peregrinação e deixou a saudação e a bênção do Papa,
em especial à Diocese de Leiria-Fátima e à cidade de Fátima, que rejubilam agora,
“após dois anos de limitações, impostas pela pandemia”. Dirigiu uma palavra
especial aos Pastores e às populações de Língua Portuguesa espalhadas pelo
mundo: que a Virgem “continue a proteger Portugal, conserve o Brasil, abençoe
Angola, sustente Moçambique, acompanhe o caminho do Timor-Leste, da
Guiné-Bissau, de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe”. Poderia ter referido a
Guiné Equatorial, os lusófonos de Macau e de Goa e as comunidades portuguesas
da diáspora.
***
Nesta Peregrinação
Aniversária de 2022, revestiu-se de significado especial a mensagem aos doentes,
visto que, após dois anos de pandemia, os enfermos puderam voltar a participar nas
celebrações a partir da Colunata. E o padre Ronaldo Araújo proferiu a alocução
aos “irmãos fragilizados pelas enfermidades”, a quem desafiou à entrega a Deus dos
“fardos dos sofrimentos, as fadigas e impaciência”, pois, embora a doença faça
parte das suas vida e possa durar tempo longo como que uma ‘eternidade’, ou
como ‘noite escura’ que não chega à aurora, é importante não desanimar, porque “o
doente é sempre mais importante do que sua doença”.
Sabe o
cristão que o sofrimento não é eliminado, mas pode adquirir um sentido:
tornar-se ato de amor, entrega nas mãos de Deus que não nos abandona e ser uma
etapa de crescimento na fé e no amor. Por isso, o capelão do Santuário referiu
que o enfermo, “contemplando a união de Cristo com o Pai, mesmo no momento de
maior sofrimento na cruz”, pode ter a “fé gigante” que Jacinta Marto mostrou,
na sua doença, como caminho para “oferecer e dar sentido às dores”.
A partir da
experiência na doença da vidente, o padre Araújo centrou-se a tristeza gerada
pela solidão que experimenta quem padece duma enfermidade, ao garantir a
presença materna da Virgem, nos momentos de particular fragilidade. E encorajou
os irmãos doentes, dizendo que têm perto “Maria, Saúde dos enfermos,
Consoladora dos aflitos” e recomendou que se consagrassem a Ela neste dia e Lhe
entregassem a súplica e a confiança, sem desânimo, pois ela diz: “O meu
Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus”.
Na prece
final, o padre Araújo pediu o olhar e o “conforto e sustento do amor”
misericordioso de Jesus Cristo sob os que “necessitam ser curados no corpo e no
espírito”, para que a dor não lhes “roube o sentido da vida” e para que sejam
renovados em “ânimo e esperança” na superação de todos os seus males. E implorou
a bênção do Senhor para os cuidadores e profissionais de saúde.
***
No final da
celebração, depois de benzer a Imagem da Virgem de Fátima, idêntica à da Virgem
Peregrina n.º 13, que é doada pelo Santuário ao Arcebispado Metropolita de Lviv,
na Ucrânia, coube a palavra a Dom José Ornelas, Bispo de Leiria-Fátima, que
agradeceu a Deus a “mensagem motivadora de conversão, de vida e de paz, à
Igreja e ao mundo” oferecida por esta Peregrinação e pediu a intercessão de
Maria pela paz no mundo, “neste momento difícil” em que estamos “a braços com
uma pandemia que condiciona toda a humanidade e uma guerra que atinge com
trágica e destrutiva ferocidade a Ucrânia”. Em seguida, exortou a que a
mensagem de paz que Maria nos trouxe a Fátima “seja acolhida no coração dos que
alimentam esta guerra, a fim de que se pare a barbárie e se possa construir o
mundo novo, com justiça, solidariedade e paz”.
Pela primeira
vez nas funções como Bispo de Leiria-Fátima numa Peregrinação Aniversária, o presidente
da Conferência Episcopal Portuguesa dirigiu uma palavra de reconhecimento aos
bispos eméritos presentes: o antecessor, o cardeal Dom António Marto, de quem
lembrou “a voz de acolhimento que trouxe à Diocese, nos últimos 16 anos”, e Dom
Serafim Ferreira da Silva. Ao episcopado, que esteve na Cova da Iria, saudou,
apontando Maria como modelo da “atitude de escuta da voz que Deus dirige hoje à
sua Igreja”. Agradeceu ao reitor do Santuário e a todos os colaboradores, e
reconheceu o “inestimável serviço das forças de segurança, autoridades e tantas
instituições que, antes, durante e após a peregrinação prestam auxílio aos
peregrinos”. Ao presidente da Peregrinação agradeceu a presença e pediu que, na
qualidade de Substituto da Secretaria de Estado da Santa Sé, fizesse chegar ao
Papa a “estima e comunhão com o seu ministério” e a “promessa da oração” pelo
Sucessor de Pedro. Por fim, dirigiu-se aos peregrinos:
“Desejo saudar, acima de tudo, a vós,
todos peregrinos e peregrinas que, de todo o país e de tantas partes do mundo,
acorrestes a Fátima. Que Maria, a mãe de Jesus e Mãe da Igreja nos revele
sempre o Coração misericordioso do seu Filho Jesus, nos reúna em Igreja e nos
torne solidários e misericordiosos com quem precisa, para estarmos presentes e
ativos na construção de um mundo de justiça e de Paz.”.
E aos peregrinos
pequenitos o prelado fatimita desafiou a “responderem com amor igual” ao dos
Pastorinhos, “para sentirem a presença carinhosa do Pai do Céu”.
2022.05.13 – Louro de Carvalho
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