Falamos de Elise Friederick Hensler, com quem o rei
Dom Fernando II, levado por estremado amor, casou após ter enviuvado, em 1853,
da rainha D. Maria II, a quem o ligara grande afeição.
De origem suíço-alemã, filha de Friederich Conrad
Hensler e da esposa, Louise Hensler, nasceu a 22 de maio de 1836 em La
Chaux-de-Fonds, no Jura, perto de Neuchâtel. Aos 12 anos de idade, emigrou com
os pais para Boston, na América do Norte. Recebeu peculiar cuidado na educação,
não faltando o cultivo das Artes e das Letras e vindo os seus estudos,
orientados para o belo canto, a ser completados na Europa, principalmente em
Paris.
Acompanhada da mãe e integrada na Companhia de Ópera
de Laneuville, chegaria a Portugal a 2 de fevereiro de 1860, estreando-se no
Teatro S. João, no Porto. Seria depois escriturada para o Real Teatro de S.
Carlos, em Lisboa, para cantar no “Propheta” e no “Roberto do Diabo”, nos papéis
de Bertha e Elisabeth, respetivamente, pelo que se estreou em Lisboa a 12 de outubro.
Melómano de refinado gosto, Fernando II não
perdeu nenhuma atuação de “o luminoso meteoro” nos dois grandes teatros portugueses.
Daí nasceu o amor que iluminaria a atuação de duas vidas fadadas à união eterna
pelos laços da arte, para o que deu grande contributo a mediação da infanta D.
Isabel Maria, tia de D. Maria II. Assim, a 10 de Junho de 1869, já com D. Luís I no trono, celebrou-se o real consórcio no Palácio Devisme, em
Benfica, tendo dias antes o Príncipe Ernesto de Saxe-Coburgo Gotha agraciado
Elise Hensler com o título de Condessa de Edla, já que o Bispo de Viseu, Dom
António Alves Martins, Par do Reino, se escusou a encaminhar o pedido do rei
viúvo no sentido de ser concedido a Elise um condado em Portugal.
Ao invés de muitas figuras públicas, a imprensa coeva
considerava a Condessa de Edla fadada para esposa de homem “tão protetor das
artes e dos artistas e ao mesmo tempo tão ilustrado”, pois era dotada de educação
muito esmerada, conhecendo a fundo e falando fluentemente sete dos principais
idiomas da Europa, e cultivava as artes com ardor, amava o retiro, vivia sem ostentação
e aliava um coração benfazejo ao génio artístico. Para lá de cantora e atriz, era
música, escultora, ceramista, pintora, arquiteta, floricultora e, provavelmente,
ocultista.
Deste casamento nasceria uma filha, Alice (que alguns dizem
não ser filha do primeiro casamento da condessa, antes de vir para Portugal),
que viria a casar com Manuel de Azevedo Gomes, pai do cronista Mário de Azevedo
Gomes. Em todo o caso, é de frisar a dedicação de vida da condessa ao rei, como
a sua companheira inseparável e como continuando numa via de ausência, honrando
a memória do marido até ao seu falecimento em 1929, aos 93 anos de idade.
Depressa Elise se interessou pelos trabalhos do
Palácio da Pena, em Sintra, iniciados por impulso de D. Fernando em 1839 e que
terminariam com a sua morte, em 1885. As plantações do Parque, importantes
entre 1840 e 1850, intensificaram-se a partir de 1869, como por exemplo as das
“Feteiras da Condessa”. É à condessa que se deve, nessa altura, a introdução de
certas espécies arbóreas da América do Norte, onde passara quase toda a sua
juventude.
Merecia melhor trato e respeito esta “Druidesa” da
Serra de Sintra a quem tanto amou, cultivou e protegeu, que o recebido de
muitos letrados e políticos, maledicentes, que acabam envenenados pelo seu
próprio veneno. Na verdade, na vida e na morte, foi maltratada por muitos a
quem só fez bem. Acabou quase só. E, aos 93 anos, na madrugada do dia 21 de maio
de 1929, à uma hora e cinco minutos, a Condessa morria de uremia no Palacete de
Santa Marta em Lisboa. Apenas assistiram aos seus últimos momentos a filha
Alice Hensler e seus filhos, além dum amigo de grande confiança da Condessa,
Augusto Sequeira Cília.
Porém, depois de morta vieram despedir-se dela os dois
grandes artistas que lhe ficaram devendo muito do seu sucesso profissional com
as pensões que obtiveram para viver na Alemanha e Paris, mestre Columbano
Bordalo Pinheiro e o pianista Viana da Mota.
Naquele cenário, o ritual confundia-se com o teatro da
vida, e os artigos publicados sobre a sua morte alargavam-se em comentários
extensivos sobre a sua vida ao lado do rei D. Fernando II e em rasgados elogios
à sua faceta de mulher generosa. Para desconforto dos muitos que a tinham
descriminado vilipendiado, recebia agora o tratamento e as honras de figura de
Estado; a Rainha D. Amélia e o Rei deposto, D. Manuel II, fizeram-se
representar-se pelo Visconde d’Asseca.
Após a celebração litúrgica das exéquias, sob a
presidência do padre Ernesto Sena de Oliveira, prior do Coração de Jesus e
futuro Arcebispo de Mitilene e, sucessivamente, Bispo de Lamego e de Coimbra, o
féretro seguiu, por volta das dezasseis horas, para o Cemitério dos Prazeres, em
Lisboa. E o cadáver foi colocado provisoriamente no jazigo de família de Alice
Hensler Azevedo Gomes, enquanto se edificava a sua campa num jazigo próprio da
autoria de Raul Lino (que seguiu as indicações de modéstia da condessa), em forma
de arca de pedra com uma cruz, réplica da Cruz Alta de Sintra, que apresenta o epitáfio:
“Aqui jaz Elisa Hensler, viúva de sua Majestade El-Rei D. Fernando II de
Portugal, nascida em 1836 e falecida em 1929”.
Sabe-se que a Condessa d’Edla, não podendo ir morrer a
Sintra, mandou trazer a vegetação e as pedras de Sintra para Lisboa, para que a
cobrissem por todo o sempre e a marcassem como filha dileta do Pico do Graal.
No livro “A Condessa de Edla” (Alêtheia Editores), Teresa
Rebelo refere que a generosidade exaltada em vida da condessa pela proteção aos
artistas e pobres se manifestou no seu testamento por vários legados a amigos,
familiares e instituições de caridade e beneficência.
Além dos familiares e amigos, como amante e dama da
música, legou ao Conservatório Nacional de Música as partituras existentes nas
suas casas de Lisboa e Parede. E, quanto às instituições, deixou ao Asilo de
Cegos Branco Rodrigues quinhentos escudos; à Associação do Mealheiro das Viúvas
e Órfãos dos Operários Mortos de Desastre no Trabalho, igual quantia; à Sociedade
Protetora dos Animais, duzentos escudos; ao Pavilhão para Tuberculosos do
Lumiar, mil escudos; vinte esmolas de dez escudos para vinte viúvas pobres da
freguesia do Coração de Jesus; duzentos escudos para os pobres de Sintra;
quinhentos escudos para o Hospital de Sintra; e, através da Condessa de Moçâmedes,
mil escudos para instituições de beneficência.
Despojada de quanto licitamente lhe pertencia – logo
que morreu, correram os abutres aos seus haveres, leiloados em hasta pública e
motivo de notícia nos jornais durante vários dias – ficou o chalé do Parque da
Pena votado ao abandono, a crescente ruína que um incêndio ceifou em hora
cruel. Todavia, acabou por ser reconstruído o edifício, como adiante se dirá.
***
O casal utilizava, como seu refúgio, Sintra, mais
concretamente o Parque e o Palácio da Pena, propriedade de D. Fernando II.
Ambos apaixonados pela botânica, intensificaram as plantações no parque,
incluindo espécies provenientes de várias partes do mundo. E, num dos recantos
do parque, começou a construção de um chalé que a condessa desenhou e projetou.
Tanto o chalé como o jardim em seu redor são de grande sensibilidade
romântica e privacidade. Situado a poente do Palácio da Pena, o edifício é
inspirado nos chalés alpinos, num estilo então muito em voga na Europa. Apresenta
uma envolvente cenográfica, que reflete as facetas artísticas do casal. De gosto
singular, a fachada e os interiores são inigualáveis. No exterior, o jardim que
envolve o chalé exibe uma paisagem exótica em que se destacam a Feteira da
Condessa, o Jardim da Joina, o Caramanchão e o labirinto de Pedras do Chalé.
Por sua morte em 1885, D. Fernando deixou em testamento à
Condessa d’Edla todos os seus bens, incluindo o Castelo dos Mouros e o Palácio
da Pena. Após um processo judicial que visava que o património passasse para a
Coroa portuguesa, Elise vendeu ao Estado o Parque e Palácio da Pena e o Castelo
dos Mouros, ficando com usufruto do chalé e do jardim até 1904.
Em 1999, o chalé foi consumido por um incêndio, mas reabriu
ao público em 2011, após quatro anos de obras de recuperação, visto que a
Parques de Sintra levou a cabo a reconstrução deste edifício de grande valor
cultural, histórico e artístico. O projeto foi distinguido em 2013 com o Prémio
União Europeia para o Património Cultural – Europa Nostra, na categoria de
Conservação.
2022.05.16 – Louro
de Carvalho
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