quinta-feira, 5 de maio de 2022

Poderá estar iminente uma declaração formal de guerra?

 

Zelensky solicitou apoios a diversos Parlamentos, incluindo o português, em que explicitava a necessidade do urgente envio de armas para a Ucrânia, para que esta pudesse suster com êxito a agressão russa. No Parlamento português vimos o Presidente da República, que também perorou, e os deputados, com exceção do grupo parlamentar do velho PCP, de dúbia postura, que se afastou do hemiciclo, a bater palmas ao discurso do Presidente ucraniano – o que o Governo, invocando o protocolo e a separação de poderes, se absteve de fazer.

Se já era controverso o facto de um Chefe de Estado estrangeiro se dirigir a Parlamentos fora do ato de Visita de Estado, o pedido expresso de armas equivale a declaração de guerra e a solicitar alianças, o que ultrapassa as marcas da diplomacia, que se pauta pela discrição, secretismo e hipocrisia. Recentemente, vários países, incluindo a Alemanha, prometeram Urbi et Orbi enviar armas para a Ucrânia para que a guerra seja travada e a Rússia não leve a melhor.  

Entretanto, aproxima-se a festa de 9 de maio, que a Rússia quer celebrar em grande como é usual, embora com algumas limitações, como se verá mais adiante. E resta saber o que Putin quereria festejar este ano, o que festejará e se anunciará alguma novidade excecional. Com efeito, este ano, a celebração russa do Dia da Vitória – que assinala a derrota do regime nazi na II Guerra Mundial – assume peculiar simbolismo, com vistosa parada militar a demonstrar o poderio bélico russo.

O Dia da Vitória comemora a vitória dos Aliados sobre o regime da Alemanha nazi a 8 de maio 1945. Nos países sob influência da antiga União Soviética, a partir de 1967, a efeméride começou a ser comemorada a 9 de maio, referindo-se ao dia da capitulação das forças nazis perante as tropas soviéticas, e passou a ser considerado dia feriado. Na maior parte dos países europeus ocidentais, continuou a celebrar-se o Dia da Vitória a 8 de maio.

A maioria das repúblicas que pertenceram à União Soviética, bem como vários países que estiveram sob a sua influência, ainda hoje celebram a efeméride, com diferentes designações e modelos. Alguns preservam o dia de feriado, outros recordam-no com pequenas festividades. Este ano, por causa da guerra na Ucrânia, vários países estão a planear celebrações mais modestas e discretas. E, na autoproclamada república separatista da Transnístria, na Moldova, a parada militar de 9 de maio foi cancelada após uma série de ataques terroristas que indiciaram a possibilidade de a intervenção militar russa se poder alargar para este território.

Recentemente, os serviços de informações ocidentais passaram a mensagem de que o Kremlin gostaria de celebrar este ano a efeméride com retumbante vitória na guerra na Ucrânia. Porém, nos últimos dias, as autoridades russas abandonado as expectativas sobre qualquer sucesso militar até esse dia, embora não abdiquem de celebrar a data com a pompa e circunstância de outros anos, com a organização duma impressionante parada militar na Praça Vermelha, em Moscovo, para expor o seu poderio de armamento. Com efeito, nem nos anos da pandemia de covid-19, em 2020 e 2021, a Rússia deixou de celebrar o Dia da Vitória, apenas concedendo o adiamento dos festejos.

Em plena invasão da Ucrânia – que Vladímir Putin apelidou de “operação militar especial” – o Kremlin prometeu uma parada militar com mais de 10.000 soldados, 62 aviões de combate e 15 helicópteros de guerra. E está programado que, durante as cerimónias, 8 aviões de caça Mig-29 escreverão no céu a letra Z, símbolo adotado pelos apoiantes da invasão russa da Ucrânia.

Durante os preparativos para a celebração deste ano na Rússia, no final de abril, as ruas do centro de Moscovo foram encerradas para deixar passar dezenas de veículos militares que ensaiavam a parada do 9 de maio. E, à cabeça da bem longa fila de veículos militares, sobressaíam os que transportavam mísseis de longo alcance, capazes de transportar ogivas de armas nucleares.

O Kremlin justificou a ausência de convites a personalidades de outros países para assistirem à parada militar em Moscovo com o facto de não se tratar de uma “data redonda”.

Com efeito, em 1995, a quando da celebração dos 50 anos da predita vitória, muitos líderes mundiais convergiram em Moscovo, no que era o primeiro grande evento estatal após a queda do Muro de Berlim. Em 2015, na comemoração dos 70 anos, estiveram presentes os presidentes de países como a Índia e a China, mas a maioria dos líderes ocidentais boicotou a cerimónia, mercê da anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014. E, em 2020, as celebrações dos 75 anos do Dia da Vitória foram adiadas por causa da pandemia de covid-19.

Vários analistas são concordes que o Presidente Vladímir Putin aposta nas manifestações de 9 de maio com a demonstração do poderio militar russo, ao mesmo tempo que procurará aproveitar a ocasião para modelar a sua narrativa de líder que foi obrigado a envolver-se numa guerra na Ucrânia para proteger os interesses da população russófona.

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Entretanto, em artigo deste dia 5 no “Expresso online”, o historiador Lourenço Pereira Coutinho sustenta que Putin equaciona declarar guerra.

Diz o historiador colunista que Putin, enquanto antigo agente do KGB, está formatado para comunicar em estilo dissimulado, pelo que, à míngua de informação transparente, devem ser analisados atentamente todos os sinais vindos do Kremlin. Assim, durante a recente visita de Guterres a Moscovo, houve um conjunto de atitudes russas que parecem denotar a falta de consideração de Putin para com o secretário-geral da ONU. Por outro lado, há que descodificar a terminologia utilizada pelo Kremlin. Por exemplo, qualificar a invasão da Ucrânia como “operação militar especial”, e não como “guerra”, parece um dado irrelevante. Mas não é por obra do acaso que o Presidente Putin empregou a primeira expressão quando fez entrar as suas tropas e todo o material de guerra na Ucrânia e agora equaciona coloca a hipótese de utilizar a segunda.

Ora, se declarar guerra, Putin implicitamente admitirá, em conformidade com a sua muito peculiar mundivisão, que a Ucrânia é um Estado equiparado ao russo, o que significa, per se, que o Kremlin se encontra presentemente numa situação de derrota que é preciso reverter.

Atente-se em que expressão conceptual de “operação militar especial” não é nova para o Kremlin. Com efeito, em dezembro de 1979, entrou no Afeganistão um contingente de soldados soviéticos, que incluiu agentes do KGB, dissimulado pelos uniformes do exército do país agredido. Os intervenientes ocuparam zonas estratégicas na capital e mataram o Primeiro-Ministro Hafizullah Amin. O escopo não era a conquista de território nem a permanência ali, mas a mudança na cúpula política do país, o que parece explicar a expressão “operação militar especial” aplicada àquele ato militar, que sabemos como evoluiu.

Nos dez anos subsequentes, a URSS travou uma guerra infindável contra os mujahidin, que desgastou o regime soviético e contribuiu para o seu colapso a par de outros fatores.

Agora, Putin diz inspirar-se na História da Rússia imperial e tem em conta o que viu praticar e praticou na União Soviética. Portanto, devia saber que uma “operação militar especial” de feição episódica pode transformar-se numa guerra infinda e dar azo ao colapso do regime que lidera.

Para lá da repulsa encapotada, porque proibida, da maioria dos russos pelo termo “guerra”, Putin tem outros motivos para a evitar nominalmente. Com efeito, a declaração formal de guerra significa o fracasso da “operação militar especial” que, na sua ótica, seria executada em curto espaço temporal, no que se enganou ou os estrategas o levaram ao engano. Por outro lado, a expressão “operação militar especial” denota que o Kremlin não considera a Ucrânia como um Estado igual, já que uma operação destas se desencadeia contra uma região rebelde que se quer punir. Ora, não fazendo sentido que um Estado invada outro e afirme que se trata de uma “operação militar especial”, a “invasão” de um Estado por outro só pode significar que estes estão em guerra, sendo que o invasor deve ser tido como o agressor e o invadido como o agredido

A terminologia de Putin confirma que este encara a Ucrânia como parte integrante do mundo russo, o que nem constitui novidade. Além disso, numa “operação militar especial” não cabem negociações de paz Estado a Estado, pelo que a mediação ou é inexistente ou não passa dum esforço sem conteúdo. Em termos formais, não haverá paz se não tiver havido guerra.

Ao declarar guerra, Putin implicitamente admite que a Ucrânia é um Estado equiparado ao russo, o que significa derrota da estratégia russa. Ora, após mais de 2 meses de conflito, e sem que se veja luz ao fundo do túnel, correm rumores que Putin declarará formalmente guerra à Ucrânia a 9 de maio, data que assinala a vitória russa na “grande guerra patriótica” contra o nazismo alemão.

Com a declaração de guerra, pode mobilizar cerca de 2 milhões de reservistas, mas só algumas dezenas de milhar estão aptas para entrar imediatamente em combate. E uma declaração formal de guerra torna insustentável o argumento russo de que não houve invasão. Se o Kremlin já dificilmente escaparia ao juízo dos tribunais internacionais, com a declaração de guerra isso torna-se irreversivelmente impossível. Putin não tem interesse em declarar guerra. Se equaciona tal declaração é porque sabe que está a perder e quer, em ato de força ou desespero, vencer.

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Entretanto, as rampas da ruína, destruição, morte e mobilidade forçada de milhões de cidadãos continuam em marcha; as sanções económicas arrasam o modo de vida de pobres e remediados. Isto, só porque se meteu a paz na gaveta. Os diversos sinais são de que ninguém quer acabar a guerra e todos aceitam destruir o mundo, pois a solução não pode ser militar: tem se ser política.

2022.05.05 – Louro de Carvalho

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