Zelensky solicitou apoios a diversos Parlamentos,
incluindo o português, em que explicitava a necessidade do urgente envio de
armas para a Ucrânia, para que esta pudesse suster com êxito a agressão russa. No
Parlamento português vimos o Presidente da República, que também perorou, e os
deputados, com exceção do grupo parlamentar do velho PCP, de dúbia postura, que
se afastou do hemiciclo, a bater palmas ao discurso do Presidente ucraniano – o
que o Governo, invocando o protocolo e a separação de poderes, se absteve de fazer.
Se já era controverso o facto de um Chefe de Estado
estrangeiro se dirigir a Parlamentos fora do ato de Visita de Estado, o pedido
expresso de armas equivale a declaração de guerra e a solicitar alianças, o que
ultrapassa as marcas da diplomacia, que se pauta pela discrição, secretismo e
hipocrisia. Recentemente, vários países, incluindo a Alemanha, prometeram Urbi et Orbi enviar armas para a Ucrânia
para que a guerra seja travada e a Rússia não leve a melhor.
Entretanto, aproxima-se a festa de 9 de maio, que
a Rússia quer celebrar em grande como é usual, embora com algumas limitações,
como se verá mais adiante. E resta saber o que Putin quereria festejar este
ano, o que festejará e se anunciará alguma novidade excecional. Com efeito,
este ano, a celebração russa do Dia da Vitória – que assinala a derrota do
regime nazi na II Guerra Mundial – assume peculiar simbolismo, com vistosa parada
militar a demonstrar o poderio bélico russo.
O Dia da Vitória comemora a vitória dos Aliados sobre o
regime da Alemanha nazi a 8 de maio 1945. Nos países sob influência da antiga
União Soviética, a partir de 1967, a efeméride começou a ser comemorada a 9 de
maio, referindo-se ao dia da capitulação das forças nazis perante as tropas
soviéticas, e passou a ser considerado dia feriado. Na maior parte dos países
europeus ocidentais, continuou a celebrar-se o Dia da Vitória a 8 de maio.
A maioria das repúblicas que pertenceram à União Soviética,
bem como vários países que estiveram sob a sua influência, ainda hoje celebram
a efeméride, com diferentes designações e modelos. Alguns preservam o dia de
feriado, outros recordam-no com pequenas festividades. Este ano, por causa da
guerra na Ucrânia, vários países estão a planear celebrações mais modestas e
discretas. E, na autoproclamada república separatista da Transnístria, na
Moldova, a parada militar de 9 de maio foi cancelada após uma série de ataques
terroristas que indiciaram a possibilidade de a intervenção militar russa se
poder alargar para este território.
Recentemente, os serviços de informações ocidentais passaram
a mensagem de que o Kremlin gostaria de celebrar este ano a efeméride com retumbante
vitória na guerra na Ucrânia. Porém, nos últimos dias, as autoridades russas
abandonado as expectativas sobre qualquer sucesso militar até esse dia, embora
não abdiquem de celebrar a data com a pompa e circunstância de outros anos, com
a organização duma impressionante parada militar na Praça Vermelha, em Moscovo,
para expor o seu poderio de armamento. Com efeito, nem nos anos da pandemia de
covid-19, em 2020 e 2021, a Rússia deixou de celebrar o Dia da Vitória, apenas
concedendo o adiamento dos festejos.
Em plena invasão da Ucrânia – que Vladímir Putin apelidou de
“operação militar especial” – o Kremlin prometeu uma parada militar com mais de
10.000 soldados, 62 aviões de combate e 15 helicópteros de guerra. E está
programado que, durante as cerimónias, 8 aviões de caça Mig-29 escreverão no
céu a letra Z, símbolo adotado pelos apoiantes da invasão russa da Ucrânia.
Durante os preparativos para a celebração deste ano na
Rússia, no final de abril, as ruas do centro de Moscovo foram encerradas para
deixar passar dezenas de veículos militares que ensaiavam a parada do 9 de
maio. E, à cabeça da bem longa fila de veículos militares, sobressaíam os que
transportavam mísseis de longo alcance, capazes de transportar ogivas de armas
nucleares.
O Kremlin justificou a ausência de convites a personalidades
de outros países para assistirem à parada militar em Moscovo com o facto de não
se tratar de uma “data redonda”.
Com efeito, em 1995, a quando da celebração dos 50 anos da
predita vitória, muitos líderes mundiais convergiram em Moscovo, no que era o
primeiro grande evento estatal após a queda do Muro de Berlim. Em 2015, na
comemoração dos 70 anos, estiveram presentes os presidentes de países como a
Índia e a China, mas a maioria dos líderes ocidentais boicotou a cerimónia,
mercê da anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014. E, em 2020, as celebrações
dos 75 anos do Dia da Vitória foram adiadas por causa da pandemia de covid-19.
Vários analistas são concordes que o Presidente Vladímir Putin
aposta nas manifestações de 9 de maio com a demonstração do poderio militar
russo, ao mesmo tempo que procurará aproveitar a ocasião para modelar a sua
narrativa de líder que foi obrigado a envolver-se numa guerra na Ucrânia para
proteger os interesses da população russófona.
***
Entretanto, em artigo deste dia 5 no “Expresso online”, o historiador Lourenço
Pereira Coutinho sustenta que Putin equaciona declarar guerra.
Diz o historiador colunista que Putin, enquanto antigo agente do KGB, está formatado
para comunicar em estilo dissimulado, pelo que, à míngua de informação
transparente, devem ser analisados atentamente todos os sinais vindos do
Kremlin. Assim, durante a recente visita de Guterres a Moscovo, houve um
conjunto de atitudes russas que parecem denotar a falta de consideração de
Putin para com o secretário-geral da ONU. Por outro lado, há que descodificar a
terminologia utilizada pelo Kremlin. Por exemplo, qualificar a invasão da
Ucrânia como “operação militar especial”, e não como “guerra”, parece um dado
irrelevante. Mas não é por obra do acaso que o Presidente Putin empregou a
primeira expressão quando fez entrar as suas tropas e todo o material de guerra
na Ucrânia e agora equaciona coloca a hipótese de utilizar a segunda.
Ora, se
declarar guerra, Putin implicitamente admitirá, em conformidade com a sua muito
peculiar mundivisão, que a Ucrânia é um Estado equiparado ao russo, o que
significa, per se, que o Kremlin se encontra presentemente numa situação de derrota
que é preciso reverter.
Atente-se em que expressão conceptual de “operação militar
especial” não é nova para o Kremlin. Com efeito, em dezembro de 1979, entrou no
Afeganistão um contingente de soldados soviéticos, que incluiu agentes do KGB, dissimulado
pelos uniformes do exército do país agredido. Os intervenientes ocuparam zonas
estratégicas na capital e mataram o Primeiro-Ministro Hafizullah Amin. O escopo
não era a conquista de território nem a permanência ali, mas a mudança na
cúpula política do país, o que parece explicar a expressão “operação militar especial”
aplicada àquele ato militar, que sabemos como evoluiu.
Nos dez anos subsequentes, a URSS travou uma guerra infindável
contra os mujahidin, que desgastou o regime soviético e contribuiu para o seu
colapso a par de outros fatores.
Agora, Putin diz inspirar-se na História da Rússia
imperial e tem em conta o que viu praticar e praticou na União Soviética. Portanto,
devia saber que uma “operação militar especial” de feição episódica pode transformar-se
numa guerra infinda e dar azo ao colapso do regime que lidera.
Para lá da repulsa encapotada, porque proibida, da maioria
dos russos pelo termo “guerra”, Putin tem outros motivos para a evitar
nominalmente. Com efeito, a declaração formal de guerra significa o fracasso da
“operação militar especial” que, na sua ótica, seria executada em curto espaço
temporal, no que se enganou ou os estrategas o levaram ao engano. Por outro
lado, a expressão “operação militar especial” denota que o Kremlin não considera
a Ucrânia como um Estado igual, já que uma operação destas se desencadeia contra
uma região rebelde que se quer punir. Ora, não fazendo sentido que um Estado
invada outro e afirme que se trata de uma “operação militar especial”, a “invasão”
de um Estado por outro só pode significar que estes estão em guerra, sendo que
o invasor deve ser tido como o agressor e o invadido como o agredido
A terminologia de Putin confirma que este encara a
Ucrânia como parte integrante do mundo russo, o que nem constitui novidade. Além
disso, numa “operação militar especial” não cabem negociações de paz Estado a
Estado, pelo que a mediação ou é inexistente ou não passa dum esforço sem
conteúdo. Em termos formais, não haverá paz se não tiver havido guerra.
Ao declarar guerra, Putin implicitamente admite que a
Ucrânia é um Estado equiparado ao russo, o que significa derrota da estratégia russa. Ora, após mais de 2 meses de
conflito, e sem que se veja luz ao fundo do túnel, correm rumores que Putin declarará
formalmente guerra à Ucrânia a 9 de maio, data que assinala a vitória russa na
“grande guerra patriótica” contra o nazismo alemão.
Com a declaração de guerra, pode mobilizar cerca de 2
milhões de reservistas, mas só algumas dezenas de milhar estão aptas para
entrar imediatamente em combate. E uma declaração formal de guerra torna
insustentável o argumento russo de que não houve invasão. Se o Kremlin já dificilmente
escaparia ao juízo dos tribunais internacionais, com a declaração de guerra
isso torna-se irreversivelmente impossível. Putin não tem interesse em declarar
guerra. Se equaciona tal declaração é porque sabe que está a perder e quer, em
ato de força ou desespero, vencer.
***
Entretanto, as rampas da ruína, destruição, morte e mobilidade
forçada de milhões de cidadãos continuam em marcha; as sanções económicas arrasam
o modo de vida de pobres e remediados. Isto, só porque se meteu a paz na gaveta.
Os diversos sinais são de que ninguém quer acabar a guerra e todos aceitam
destruir o mundo, pois a solução não pode ser militar: tem se ser política.
2022.05.05 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário