sábado, 21 de maio de 2022

Apresentaram a Marcelo bandeira portuguesa escondida 48 anos

 

O Presidente da República de Portugal completou, a 21 de maio, a sua primeira visita oficial a Timor-Leste, iniciada no passado dia 19, tendo-lhe sido reservado papel de destaque.

Com efeito, nesse dia, condecorou o Presidente cessante Francisco Guterres Lú Olo com o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique e foi condecorado por ele com o Grande-Colar da Ordem de Timor-Leste. Assistiu à cerimónia de tomada de posse do Presidente José Ramos-Horta e participou no jantar protocolar.

No dia 20, participou nas cerimónias do 20.º aniversário da restauração da independência e da entrada em funções do Presidente empossado. Depois, em sessão solene plenária no Parlamento Nacional, em Díli, que assinalou o 20.º aniversário da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, que entrou em vigor a 20 de maio de 2002, elogiou a democracia timorense,

Num discurso de cerca de 20 minutos, agradeceu o “honrosíssimo convite” para intervir no Parlamento, dirigiu-se “com profunda emoção” aos deputados timorenses, recordou Jorge Sampaio para indicar a independência de Timor-Leste como “a maior causa de Portugal vivida em democracia” e elogiou o “caminho excecional” de Timor-Leste “para a paz universal, com respeito pela diferença de ideias, pensamentos, religiões, maneiras de ser e de estar no mundo”, nestas duas décadas como Estado soberano, sem deixar de mencionar o papa, dizendo:

“Nas inesquecíveis palavras do papa Francisco: Timor-Leste, o céu resgatou-te, para que te abras ao céu. O mundo aprendeu com o povo timorense como pode e deve a vontade coletiva de uma nação ter uma expressão política no quadro do respeito pelo direito internacional e das regras de convivência pacífica entre os Estados.”.

Ao mesmo tempo, frisou que “o mundo aprendeu com o povo timorense a sarar as feridas e a virar a página da História em nome de um ideal de paz, solidariedade, coesão, diálogo, fraternidade, compromisso e crença num futuro merecido por todos”.

O Chefe de Estado de Portugal assinalou que a sua intervenção perante o Parlamento timorense coincide com o início do mandato de José Ramos-Horta como Presidente da República Democrática de Timor-Leste, funções que o antigo porta-voz da resistência timorense, premiado com o Nobel da Paz em 1996, desempenha pela segunda vez. E assegurou que Ramos-Horta, “pelo seu passado, aos olhos da comunidade internacional já está na História, mas quis o povo timorense que voltasse a fazer História, e essa é uma situação singular e particularmente complexa”. Assim, “estar na História e ser chamado novamente a intervir na História, com tudo o que significa de sujeição, submissão democrática ao escrutínio popular” merce um duplo cumprimento de Marcelo.

O Presidente português defendeu também que as relações entre Portugal e Timor-Leste devem dar “um salto enorme em frente” com “cimeiras bilaterais mais regulares”. E, referindo-se às relações luso-timorenses, Marcelo afirmou que, “se estes 20 anos têm entrelaçado Portugal e Timor-Leste num caminho entre irmãos tão, tão, tão próximos, os 20 anos que se seguem devem conduzir-nos a um salto enorme em frente na ambição”.

Ainda no dia 20, Marcelo condecorou, na Escola Amigos de Jesus em Díli, o padre Jesuíta João Felgueiras, com a Grã-Cruz da Ordem de Camões, pelo seu papel na difusão da língua e cultura portuguesa em Timor-Leste, e inaugurou a Chancelaria da Embaixada de Portugal em Díli.

A inauguração da Chancelaria iniciou-se com o descerrar de placa comemorativa, seguido da visita a duas exposições no Centro Cultural da Embaixada, a primeira sobre Ruy Cinatti e a segunda sobre o trabalho desenvolvido pela Associação de Mulheres Empresárias timorenses.

No dia 21, o Chefe de Estado português visitou a Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), em Díli, tendo, após a tradicional cerimónia de boas-vindas timorense, dialogado com alunos da UNTL, no Centro de Língua Portuguesa da Universidade. Aos jovens timorenses pediu que valorizem “a sorte de nascer num país que tem a quinta língua mais falada do mundo”; e à Universidade sugeriu o intercâmbio entre a UNTL e as universidades portuguesas.

Também visitou o Museu da Resistência Timorense, acompanhado pelo Diretor do Museu, Hamar Alves, tendo percorrido os vários períodos históricos da resistência timorense e contado com a presença de vários resistentes da época – um percurso iniciado com a chegada dos portugueses ao país, há mais de 500 anos, e que se estende à história da resistência timorense à ocupação indonésia.

Teve um encontro com o Presidente da República Democrática de Timor-Leste, José Ramos Horta, no Palácio Presidencial em Díli, tendo sido este o primeiro encontro bilateral do Presidente timorense com um homólogo, depois da sua recente eleição, encontro em que esteve presente o antigo Presidente da República Democrática de Timor-Leste, Xanana Gusmão. E Ramos-Horta pediu a Marcelo para pensar nas oportunidades que virão com a futura próxima adesão de Timor à ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), dizendo do gosto de vir a ter aqui investidores portugueses e pensando nesse grande mercado de 700 milhões de pessoas, quatro triliões de dólares – uma grande oportunidade para Timor e para os empresários portugueses.

Por fim, encontrou-se com cerca de mil portugueses e luso-timorenses, no Hotel Timor em Díli, tendo-se iniciado a receção com a execução dos dois hinos nacionais, a que se seguiram as intervenções do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e do Presidente José Ramos-Horta.

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O inesperado e insólito momento aconteceu à entrada da Escola Amigos de Jesus, projeto de vida do padre jesuíta João Felgueiras, que em junho cumprirá 101 anos e a quem o Presidente Marcelo conferiu a segunda condecoração do Estado português, a segunda porque, há vinte anos, Jorge Sampaio o agraciou com o Colar de Oficial da Ordem da Liberdade.

Antes do momento que marcou o encontro com o padre Felgueiras e a visita de Marcelo Rebelo de Sousa à Escola, um grupo de pessoas do bairro juntou-se ao portão e abriu duas bandeiras, uma visivelmente mais desgastada. A várias vozes, o grupo foi contando a história de uma bandeira guardada desde 1975 por José Pinto Baptista – funcionário da administração portuguesa e pai de 11 filhos – e que está agora à guarda do filho, que a quis mostrar ao Presidente português. E Eregina Pinto Baptista, de 48 anos, disse que o pai “sempre amou Portugal” e contou:

“Esta bandeira é de 75. Era do pai do meu marido que a guardou toda a vida. O pai já morreu e agora é o meu marido que a guarda. Esteve sempre escondida no tempo indonésio, com muitos documentos e cassetes. (…) Não sei a história, porque ele a guardou quando nós éramos pequeninos. E agora aproveitámos que o Presidente vem, para a mostrar ao Presidente, uma lembrança para nós. Amamos muito Portugal.”.

Segundo a timorense, o seu pai dizia que “bandeira é Lulik”, numa referência ao papel sagrado que a bandeira portuguesa ainda tem para muitos timorenses.

Cumpriu-se assim uma já quase tradição aquando da visita de chefes de Estado portugueses – vistos em Timor-Leste quase como liurais, os chefes tradicionais – com a bandeira portuguesa, algumas com décadas, a serem apresentadas ou entregues, muitas vezes por anónimos.

Referindo-se ao padre Felgueiras e à escola, construída com apoio do Governo timorense e com doações de cidadãos privados e empresas, o Presidente Marcelo referiu:

“É alguém que, há 51 anos, se dedica a fazer a ponte entre Timor e Portugal. Esteve por detrás da ajuda permanente das ligações entre Portugal e Timor. Fez esta obra, e agora são mil e tal alunos. Excecional. (…) Condecorei o padre Felgueiras com uma ordem que foi criada há muito pouco tempo, a Ordem de Camões, com a Grã-Cruz. Esta ordem agradece a projeção da Língua Portuguesa e da Cultura Portuguesa em todo o mundo.”.

Foi algo que o jesuíta “fez e está a fazer (…) há mais de meio século, que o fez em condições muito difíceis durante aqueles 25 anos em que abria portas que mais ninguém abria”, recordou.

O Presidente frisou a importância que tem tido a promoção da Língua Portuguesa no país (o estudo da Língua Portuguesa aumentou de 12% para 35% de falantes), vincando que as autoridades timorenses querem um reforço neste que é o setor principal da cooperação de Portugal. Depois, perante aplausos e vidas de centenas de crianças, ouviram-se os hinos de Timor-Leste e Portugal e, a pedido do próprio padre, um poema de Fernando Pessoa e a canção “Ai Timor”, de Luis Represas, a favorita de João Felgueiras.

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Enfim, uma visita preenchida visita de três dias, em que se pôs a tónica no aprofundamento da cooperação entre os dois países, potenciada pela língua comum, tendo o Presidente expressado a vontade política de alargar o projeto Centro de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE), com mais professores e mais escolas. Oxalá que o salto para a frente seja a grande realidade!

2022.05.21 – Louro de Carvalho

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