O Presidente
da República de Portugal completou, a 21 de maio, a sua primeira visita oficial
a Timor-Leste, iniciada no passado dia 19, tendo-lhe sido reservado papel de
destaque.
Com efeito, nesse
dia, condecorou o Presidente cessante Francisco Guterres Lú Olo com o Grande-Colar
da Ordem do Infante D. Henrique e foi condecorado por ele com o Grande-Colar da
Ordem de Timor-Leste. Assistiu à
cerimónia de tomada de posse do Presidente José Ramos-Horta e participou no
jantar protocolar.
No dia 20,
participou nas cerimónias do 20.º aniversário da restauração da independência e
da entrada em funções do Presidente empossado. Depois, em sessão solene
plenária no Parlamento Nacional, em Díli, que assinalou o 20.º aniversário da Constituição
da República Democrática de Timor-Leste, que entrou em vigor a 20 de maio de
2002, elogiou a democracia timorense,
Num discurso
de cerca de 20 minutos, agradeceu o “honrosíssimo convite” para intervir
no Parlamento, dirigiu-se “com profunda emoção” aos deputados timorenses, recordou
Jorge Sampaio para indicar a independência de Timor-Leste como “a maior causa
de Portugal vivida em democracia” e elogiou o “caminho excecional” de
Timor-Leste “para a paz universal, com respeito pela diferença de ideias,
pensamentos, religiões, maneiras de ser e de estar no mundo”, nestas duas
décadas como Estado soberano, sem deixar de mencionar o papa, dizendo:
“Nas
inesquecíveis palavras do papa Francisco: Timor-Leste, o céu resgatou-te, para
que te abras ao céu. O mundo aprendeu com o povo timorense como pode e deve a
vontade coletiva de uma nação ter uma expressão política no quadro do respeito
pelo direito internacional e das regras de convivência pacífica entre os
Estados.”.
Ao mesmo tempo, frisou que “o mundo aprendeu com o povo
timorense a sarar as feridas e a virar a página da História em nome de um ideal
de paz, solidariedade, coesão, diálogo, fraternidade, compromisso e crença num
futuro merecido por todos”.
O Chefe de Estado de Portugal assinalou que a sua
intervenção perante o Parlamento timorense coincide com o início do mandato de
José Ramos-Horta como Presidente da República Democrática de Timor-Leste,
funções que o antigo porta-voz da resistência timorense, premiado com o Nobel
da Paz em 1996, desempenha pela segunda vez. E assegurou que Ramos-Horta, “pelo
seu passado, aos olhos da comunidade internacional já está na História, mas
quis o povo timorense que voltasse a fazer História, e essa é uma situação singular
e particularmente complexa”. Assim, “estar na História e ser chamado novamente
a intervir na História, com tudo o que significa de sujeição, submissão democrática
ao escrutínio popular” merce um duplo cumprimento de Marcelo.
O Presidente português defendeu também que as relações
entre Portugal e Timor-Leste devem dar “um salto enorme em frente” com “cimeiras
bilaterais mais regulares”. E, referindo-se às relações luso-timorenses, Marcelo
afirmou que, “se estes 20 anos têm entrelaçado Portugal e Timor-Leste num
caminho entre irmãos tão, tão, tão próximos, os 20 anos que se seguem devem
conduzir-nos a um salto enorme em frente na ambição”.
Ainda no dia
20, Marcelo condecorou, na Escola Amigos de Jesus em Díli, o padre
Jesuíta João Felgueiras, com a Grã-Cruz da Ordem de Camões, pelo seu papel na
difusão da língua e cultura portuguesa em Timor-Leste, e inaugurou a Chancelaria da
Embaixada de Portugal em Díli.
A inauguração
da Chancelaria iniciou-se com o descerrar de placa comemorativa, seguido da
visita a duas exposições no Centro Cultural da Embaixada, a primeira sobre Ruy
Cinatti e a segunda sobre o trabalho desenvolvido pela Associação de Mulheres
Empresárias timorenses.
No dia 21, o
Chefe de Estado português visitou
a Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL), em Díli, tendo, após a
tradicional cerimónia de boas-vindas timorense, dialogado com alunos da UNTL,
no Centro de Língua Portuguesa da Universidade. Aos jovens timorenses pediu que valorizem “a sorte de nascer num país
que tem a quinta língua mais falada do mundo”; e à Universidade sugeriu o intercâmbio
entre a UNTL e as universidades portuguesas.
Também visitou o Museu da Resistência
Timorense, acompanhado pelo Diretor do Museu, Hamar Alves, tendo percorrido os
vários períodos históricos da resistência timorense e contado com a presença de
vários resistentes da época – um percurso iniciado com a chegada dos portugueses ao país, há mais de
500 anos, e que se estende à história da resistência timorense à ocupação
indonésia.
Teve
um encontro com o Presidente da República Democrática de Timor-Leste, José
Ramos Horta, no Palácio Presidencial em Díli, tendo sido este o primeiro
encontro bilateral do Presidente timorense com um homólogo, depois da sua
recente eleição, encontro em que esteve presente o antigo Presidente da
República Democrática de Timor-Leste, Xanana Gusmão. E Ramos-Horta pediu a Marcelo para pensar nas oportunidades que
virão com a futura próxima adesão de Timor à ASEAN (Associação de Nações do
Sudeste Asiático), dizendo do gosto de vir a ter aqui investidores portugueses
e pensando nesse grande mercado de 700 milhões de pessoas, quatro triliões de
dólares – uma grande oportunidade para Timor e para os
empresários portugueses.
Por
fim, encontrou-se com cerca de mil portugueses e luso-timorenses, no Hotel
Timor em Díli, tendo-se iniciado a receção com a execução dos dois hinos
nacionais, a que se seguiram as intervenções do Presidente Marcelo Rebelo de
Sousa e do Presidente José Ramos-Horta.
***
O inesperado
e insólito momento aconteceu à entrada da Escola Amigos de Jesus, projeto
de vida do padre jesuíta João Felgueiras, que em junho cumprirá 101
anos e a quem o Presidente Marcelo conferiu a segunda condecoração do Estado
português, a segunda porque, há vinte anos, Jorge Sampaio o agraciou com o
Colar de Oficial da Ordem da Liberdade.
Antes do
momento que marcou o encontro com o padre Felgueiras e a visita de Marcelo
Rebelo de Sousa à Escola, um grupo de pessoas do bairro juntou-se ao portão e
abriu duas bandeiras, uma visivelmente mais desgastada. A várias vozes, o grupo
foi contando a história de uma bandeira guardada desde 1975 por José Pinto Baptista
– funcionário da administração portuguesa e pai de 11 filhos – e que está agora
à guarda do filho, que a quis mostrar ao Presidente português. E Eregina Pinto
Baptista, de 48 anos, disse que o pai “sempre amou Portugal” e contou:
“Esta
bandeira é de 75. Era do pai do meu marido que a guardou toda a vida. O pai já
morreu e agora é o meu marido que a guarda. Esteve sempre escondida no tempo
indonésio, com muitos documentos e cassetes. (…) Não sei a história, porque ele
a guardou quando nós éramos pequeninos. E agora aproveitámos que o Presidente
vem, para a mostrar ao Presidente, uma lembrança para nós. Amamos muito
Portugal.”.
Segundo a
timorense, o seu pai dizia que “bandeira é Lulik”, numa referência ao papel
sagrado que a bandeira portuguesa ainda tem para muitos timorenses.
Cumpriu-se
assim uma já quase tradição aquando da visita de chefes de Estado portugueses –
vistos em Timor-Leste quase como liurais, os chefes tradicionais – com a
bandeira portuguesa, algumas com décadas, a serem apresentadas ou entregues,
muitas vezes por anónimos.
Referindo-se
ao padre Felgueiras e à escola, construída
com apoio do Governo timorense e com doações de cidadãos privados e empresas, o
Presidente Marcelo referiu:
“É alguém
que, há 51 anos, se dedica a fazer a ponte entre Timor e Portugal. Esteve por
detrás da ajuda permanente das ligações entre Portugal e Timor. Fez esta obra,
e agora são mil e tal alunos. Excecional. (…) Condecorei o padre Felgueiras com
uma ordem que foi criada há muito pouco tempo, a Ordem de Camões, com a Grã-Cruz.
Esta ordem agradece a projeção da Língua Portuguesa e da Cultura Portuguesa em
todo o mundo.”.
Foi algo que
o jesuíta “fez e está a fazer (…) há mais de meio século, que o fez em
condições muito difíceis durante aqueles 25 anos em que abria portas que mais
ninguém abria”, recordou.
O Presidente
frisou a importância que tem tido a promoção da Língua Portuguesa no país (o
estudo da Língua Portuguesa aumentou de 12% para 35% de falantes), vincando que as autoridades timorenses querem um
reforço neste que é o setor principal da cooperação de Portugal. Depois,
perante aplausos e vidas de centenas de crianças, ouviram-se os hinos de
Timor-Leste e Portugal e, a pedido do próprio padre, um poema de Fernando
Pessoa e a canção “Ai Timor”, de Luis Represas, a favorita de João Felgueiras.
***
Enfim, uma visita preenchida visita de três dias, em que
se pôs a tónica no aprofundamento da cooperação entre os dois países, potenciada
pela língua comum, tendo o Presidente expressado a vontade política de alargar
o projeto Centro de Aprendizagem e Formação Escolar (CAFE), com mais professores
e mais escolas. Oxalá que o salto para a frente seja a grande realidade!
2022.05.21 –
Louro de Carvalho
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