António
Manuel Almeida Costa
é candidato único a juiz-conselheiro
do Tribunal Constitucional, que terá ou não de o cooptar para suprir uma vaga
que surgiu no tribunal no universo dos juízes que o integram por cooptação. Efetivamente,
nos termos do n.º 1 do artigo 222.º da Constituição, “o Tribunal Constitucional
é composto por treze juízes, sendo dez designados pela Assembleia da República e
três cooptados por estes”. E o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que “seis de
entre os juízes designados pela Assembleia da República ou cooptados são obrigatoriamente
escolhidos de entre juízes dos outros tribunais e os demais de entre juristas”.
Do ponto de vista
formal, o candidato é imbatível, como demonstra o seu currículo.
Licenciou-se
a 17 de fevereiro de 1979 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(FDUC), com a classificação de Muito Bom
com Distinção e Louvor. Foi assistente na FDUC, bem como na Faculdade de
Direito da Universidade do Porto.
Em 2010,
integrou o grupo de especialistas dos projetos de alteração do regime do crime
de corrupção e de introdução do delito de enriquecimento ilegítimo, para a “Comissão
eventual para o acompanhamento político do fenómeno da corrupção e para a
análise integrada de soluções com vista ao seu combate” do Parlamento,
presidida por Vera Jardim. E, a 12 de dezembro de 2019, o Parlamento elegeu-o Membro
do Conselho Superior do Ministério Público. Desde 2021, integra o Conselho
Geral do Centro de Estudos Judiciários (CEJ).
Antes, em
1980 e 1982, foi membro das Comissões de Revisão do Código Penal, presididas
por Eduardo Correia, de cujos trabalhos resultou o Código Penal de 1982. Em
1984, concluiu o Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais na FDUC. Em
1990, colaborou com a Comissão Ministerial, presidida por Jorge de Figueiredo
Dias, encarregada da revisão do Código Penal de 1982 e de que viria a resultar
a Reforma de 1995. Desde 1997, está-lhe entregue a regência das disciplinas de
Direito Penal I e II na Faculdade de Direito do Porto, que acumulou, a partir
de 2009, com a das cadeiras de Questões Fundamentais de Direito e Processo
Penal I e II do Mestrado em Criminologia e, desde 2016, com a das unidades
curriculares de Direito Penal e de Metodologias de Investigação e Prática do
Mestrado em Direito. Cerca de sete anos foi o jurista da Comissão de Ética dos
Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). Participou anualmente, durante mais
de vinte anos (até 2018 e 2016, respetivamente) nas pós-graduações do Instituto
de Direito Penal Económico e Europeu (IDPEE) e do Instituto de Direito
Bancário, da Bolsa e dos Seguros (BBS), ambos da FDUC.
São livros
seus: “A burla no código Penal Português”, “O Funcionalismo Sistémico de
NLuhmann e os seus reflexos no Universo Jurídico”, “ilícito Pessoal, imputação
objetiva e comparticipação em Direito Penal”, “A falsificação de moeda, títulos
equiparados e cartão de crédito”.
Assim, não
colhe, a meu ver, a asserção de Luís Marques Mendes de que não basta a grande
competência em matéria jurídica, o que bastaria para outros tribunais. Bem creio
que, em todos os tribunais, além da competência jurídica, se requer, dos
operadores da justiça, bom senso, equilíbrio, olhar ético, sentido da realidade
e visão política, no sentido melhor da expressão. Aliás, nos termos do n.º 2 do
artigo 222.º da Constituição, pelo menos, sete dos trezes juízes do Tribunal Constitucional
provêm dos outros tribunais e os demais das demais áreas do direito.
Ora, a contestação
de que está a ser objeto prende-se com os predicados exigíveis a um professor
de Direito, a um membro da instituição que forma juízes e procuradores e a um
elemento do Conselho Superior do Ministério Público. E pasmo como só agora,
face a artigos que escreveu em tempos e que, recentemente, veio a confirmar,
bem como a atoardas que lançou na primeira comissão (Comissão dos Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), só agora surge a contestação
e o alarido.
Almeida
Costa, que defendeu a penalização da interrupção voluntária da gravidez, mesmo
em casos de violação, malformação do feto e perigo de morte ou para a saúde
física e psíquica da mulher – está no seu direito (pois há contradição, pelo menos
aparente, entre a legitimação do aborto e a inviolabilidade do direito à vida humana),
mas não pode considerar inconstitucional a lei que a permite em certas condições
(nem tem poderes para isso) – meteu-se, nesse âmbito, a tecer prosa
inconsistente, ao sustentar que dificilmente a mulher engravida por causa da violação,
a não que ser que haja algum consentimento e cooperação, pois, alegadamente, a violação
altera o ciclo da mulher. Bem gostava eu de saber em que ciência se estriba (fala
de experiências da Alemanha nazi), a menos que seja um daqueles juristas que
sabem tudo de tudo. Ou pretenderá, estribado na Bíblia e outros dados culturais,
a exemplo de alguns juízes desembargadores, culpar a mulher pela violência a
que é sujeita, mercê de seu eventual comportamento censurável? Ora, a violência
é crime e a violação deveria sê-lo inequivocamente. Embora haja algum excesso
de argumentos, têm razão as mulheres juristas e os grupos feministas na
contestação que apresentam junto do Parlamento e/ou do Tribunal Constitucional à
eventual cooptação do candidato.
Porém, em
termos dos princípios constitucionais, é aberrante encontrar a resolução dos
casos de violação de segredo de justiça punindo os jornalistas. E o candidato a
juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, que recentemente se pronunciara sobre
os projetos de alteração do crime de corrupção e enriquecimento ilegítimo, foi ouvido
a 27 de abril, na primeira comissão parlamentar, onde defendeu tal ideia
abstrusa, chegando a acusar os políticos de falta de coragem para castigar quem
divulga casos sujeitos a segredo de justiça.
Na verdade, questionado
por Alexandra Leitão sobre quais as orientações a seguir para melhorar e
resolver as violações do segredo de justiça, sugeriu que os jornalistas devem
ser castigados, pois, como referiu, “as violações do segredo de justiça como
todos os crimes com dificuldade de prova é uma guerra perdida”, mas “existe uma
medida que podia ser tomada e reduziria isso, e já há exemplos lá fora, só que
duvido que haja (vão-me perdoar) coragem política para o fazer que é punir quem
divulga”. E, ante os deputados e o presidente da comissão, Fernando Negrão, disse:
“porque é fácil chegar ao escrivão do tribunal que ganha uma miséria, dá-se
três mil euros, isso no espaço de antena dá uns milhões e, portanto, é uma
guerra perdida se continuarmos assim”. E, tendo a resposta gerado um burburinho
na sala, o declarante continuou:
“Isto mexe
também com crimes contra a honra. O que é que causa maior mal ao bom nome e
dignidade da pessoa, é meia dúzia de pessoas que ouve, ou uma notícia mandada
pelas televisões para milhões de pessoas? Só que, claro, depois diz-se: “E a
liberdade de imprensa? E a liberdade de opinião? Tudo tem de ser pesado, tem
que haver limites, mas tem de se ir também por aqui, caso contrário não se para.
Depois, a comunicação social pode refugiar-se também a proteger as fontes.”
António
Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), diz que o juiz
“está com certeza a olhar para o espelho”, pois, “se ele acha que há corrupção
entre os Oficiais de Justiça, ele deve ser o maior corrupto que aí está para
fazer uma afirmação dessas!”. E observa que, se Almeida Costa, que “não
dá só uma má imagem dos juízes, dá uma má imagem dos órgãos judiciais
portugueses”, for nomeado, “Portugal não terá legitimidade para criticar países
como a Hungria ou a Polónia por incumprirem o Estado de Direito Europeu”.
Limitar
a liberdade de informação/expressão para esconder os efetivos responsáveis pela
fuga de informação dos processos judiciais, incluindo a violação do segredo de justiça
equivale a penalizar o polícia em vez do ladrão. É certo que a “sagrada liberdade
de expressão” deve articular-se equilibradamente com o direito do outro ao bom
nome e à imagem, numa linha liberal, bem como ao princípio da subordinação do
interesse particular ao geral, na ótica do bem comum, no quadro da salvação da república
como lei suprema (salus Reipublicae lex
suprema esto).
Por
fim, o Tribunal Constitucional, a quem incumbe proceder, a nível interno, à cooptação,
contribuiu para a combustão viva da questão, ao deixar transparecer para o
exterior o sentido de voto de grande parte dos juízes-conselheiros. Bem poderia
ter ouvido os reparos públicos dos deputados e outras aflorações da opinião
pública e decidir ponderadamente.
Quanto
ao mais, face a um acórdão do Tribunal Constitucional, que impede que uma lei
por este julgada inconstitucional, no todo ou em algumas das suas normas, o
Parlamento bem poderá, em vez de a expurgar de tais normas, confirmá-la por
maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria
absoluta dos deputados em efetividade de funções, a teor do n.º 2 do artigo
279.º da Constituição. Assim, o Parlamento tem a faca e o queijo na mão. E pode
provocar a revisão da Constituição cinco anos após a última lei de revisão ordinária
ou, em qualquer momento, por iniciativa de quatro quintos dos deputados em efetividade
de funções (cf. artigo 284.º da Constituição), podendo alterar a composição do
tribunal, por exemplo, com a exigência de eleição parlamentar de todos os seus juízes
(preferiria que houvesse alguns juízes designados pelo Chefe de Estado, por ser
um órgão de soberania também eleito por escrutínio universal).
2022.05.30 – Louro de Carvalho
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