segunda-feira, 30 de maio de 2022

Contestado candidato ao Tribunal Constitucional por cooptação

 

António Manuel Almeida Costa é candidato único a juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, que terá ou não de o cooptar para suprir uma vaga que surgiu no tribunal no universo dos juízes que o integram por cooptação. Efetivamente, nos termos do n.º 1 do artigo 222.º da Constituição, “o Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, sendo dez designados pela Assembleia da República e três cooptados por estes”. E o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que “seis de entre os juízes designados pela Assembleia da República ou cooptados são obrigatoriamente escolhidos de entre juízes dos outros tribunais e os demais de entre juristas”.   

Do ponto de vista formal, o candidato é imbatível, como demonstra o seu currículo.  

Licenciou-se a 17 de fevereiro de 1979 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), com a classificação de Muito Bom com Distinção e Louvor. Foi assistente na FDUC, bem como na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

Em 2010, integrou o grupo de especialistas dos projetos de alteração do regime do crime de corrupção e de introdução do delito de enriquecimento ilegítimo, para a “Comissão eventual para o acompanhamento político do fenómeno da corrupção e para a análise integrada de soluções com vista ao seu combate” do Parlamento, presidida por Vera Jardim. E, a 12 de dezembro de 2019, o Parlamento elegeu-o Membro do Conselho Superior do Ministério Público. Desde 2021, integra o Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários (CEJ).

Antes, em 1980 e 1982, foi membro das Comissões de Revisão do Código Penal, presididas por Eduardo Correia, de cujos trabalhos resultou o Código Penal de 1982. Em 1984, concluiu o Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais na FDUC. Em 1990, colaborou com a Comissão Ministerial, presidida por Jorge de Figueiredo Dias, encarregada da revisão do Código Penal de 1982 e de que viria a resultar a Reforma de 1995. Desde 1997, está-lhe entregue a regência das disciplinas de Direito Penal I e II na Faculdade de Direito do Porto, que acumulou, a partir de 2009, com a das cadeiras de Questões Fundamentais de Direito e Processo Penal I e II do Mestrado em Criminologia e, desde 2016, com a das unidades curriculares de Direito Penal e de Metodologias de Investigação e Prática do Mestrado em Direito. Cerca de sete anos foi o jurista da Comissão de Ética dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). Participou anualmente, durante mais de vinte anos (até 2018 e 2016, respetivamente) nas pós-graduações do Instituto de Direito Penal Económico e Europeu (IDPEE) e do Instituto de Direito Bancário, da Bolsa e dos Seguros (BBS), ambos da FDUC.

São livros seus: “A burla no código Penal Português”, “O Funcionalismo Sistémico de NLuhmann e os seus reflexos no Universo Jurídico”, “ilícito Pessoal, imputação objetiva e comparticipação em Direito Penal”, “A falsificação de moeda, títulos equiparados e cartão de crédito”.

Assim, não colhe, a meu ver, a asserção de Luís Marques Mendes de que não basta a grande competência em matéria jurídica, o que bastaria para outros tribunais. Bem creio que, em todos os tribunais, além da competência jurídica, se requer, dos operadores da justiça, bom senso, equilíbrio, olhar ético, sentido da realidade e visão política, no sentido melhor da expressão. Aliás, nos termos do n.º 2 do artigo 222.º da Constituição, pelo menos, sete dos trezes juízes do Tribunal Constitucional provêm dos outros tribunais e os demais das demais áreas do direito.  

Ora, a contestação de que está a ser objeto prende-se com os predicados exigíveis a um professor de Direito, a um membro da instituição que forma juízes e procuradores e a um elemento do Conselho Superior do Ministério Público. E pasmo como só agora, face a artigos que escreveu em tempos e que, recentemente, veio a confirmar, bem como a atoardas que lançou na primeira comissão (Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), só agora surge a contestação e o alarido.     

Almeida Costa, que defendeu a penalização da interrupção voluntária da gravidez, mesmo em casos de violação, malformação do feto e perigo de morte ou para a saúde física e psíquica da mulher – está no seu direito (pois há contradição, pelo menos aparente, entre a legitimação do aborto e a inviolabilidade do direito à vida humana), mas não pode considerar inconstitucional a lei que a permite em certas condições (nem tem poderes para isso) – meteu-se, nesse âmbito, a tecer prosa inconsistente, ao sustentar que dificilmente a mulher engravida por causa da violação, a não que ser que haja algum consentimento e cooperação, pois, alegadamente, a violação altera o ciclo da mulher. Bem gostava eu de saber em que ciência se estriba (fala de experiências da Alemanha nazi), a menos que seja um daqueles juristas que sabem tudo de tudo. Ou pretenderá, estribado na Bíblia e outros dados culturais, a exemplo de alguns juízes desembargadores, culpar a mulher pela violência a que é sujeita, mercê de seu eventual comportamento censurável? Ora, a violência é crime e a violação deveria sê-lo inequivocamente. Embora haja algum excesso de argumentos, têm razão as mulheres juristas e os grupos feministas na contestação que apresentam junto do Parlamento e/ou do Tribunal Constitucional à eventual cooptação do candidato.     

Porém, em termos dos princípios constitucionais, é aberrante encontrar a resolução dos casos de violação de segredo de justiça punindo os jornalistas. E o candidato a juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, que recentemente se pronunciara sobre os projetos de alteração do crime de corrupção e enriquecimento ilegítimo, foi ouvido a 27 de abril, na primeira comissão parlamentar, onde defendeu tal ideia abstrusa, chegando a acusar os políticos de falta de coragem para castigar quem divulga casos sujeitos a segredo de justiça.

Na verdade, questionado por Alexandra Leitão sobre quais as orientações a seguir para melhorar e resolver as violações do segredo de justiça, sugeriu que os jornalistas devem ser castigados, pois, como referiu, “as violações do segredo de justiça como todos os crimes com dificuldade de prova é uma guerra perdida”, mas “existe uma medida que podia ser tomada e reduziria isso, e já há exemplos lá fora, só que duvido que haja (vão-me perdoar) coragem política para o fazer que é punir quem divulga”. E, ante os deputados e o presidente da comissão, Fernando Negrão, disse: “porque é fácil chegar ao escrivão do tribunal que ganha uma miséria, dá-se três mil euros, isso no espaço de antena dá uns milhões e, portanto, é uma guerra perdida se continuarmos assim”. E, tendo a resposta gerado um burburinho na sala, o declarante continuou:

“Isto mexe também com crimes contra a honra. O que é que causa maior mal ao bom nome e dignidade da pessoa, é meia dúzia de pessoas que ouve, ou uma notícia mandada pelas televisões para milhões de pessoas? Só que, claro, depois diz-se: “E a liberdade de imprensa? E a liberdade de opinião? Tudo tem de ser pesado, tem que haver limites, mas tem de se ir também por aqui, caso contrário não se para. Depois, a comunicação social pode refugiar-se também a proteger as fontes.”

António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), diz que o juiz “está com certeza a olhar para o espelho”, pois, “se ele acha que há corrupção entre os Oficiais de Justiça, ele deve ser o maior corrupto que aí está para fazer uma afirmação dessas!”. E observa que, se Almeida Costa, que “não dá só uma má imagem dos juízes, dá uma má imagem dos órgãos judiciais portugueses”, for nomeado, “Portugal não terá legitimidade para criticar países como a Hungria ou a Polónia por incumprirem o Estado de Direito Europeu”.

Limitar a liberdade de informação/expressão para esconder os efetivos responsáveis pela fuga de informação dos processos judiciais, incluindo a violação do segredo de justiça equivale a penalizar o polícia em vez do ladrão. É certo que a “sagrada liberdade de expressão” deve articular-se equilibradamente com o direito do outro ao bom nome e à imagem, numa linha liberal, bem como ao princípio da subordinação do interesse particular ao geral, na ótica do bem comum, no quadro da salvação da república como lei suprema (salus Reipublicae lex suprema esto).

Por fim, o Tribunal Constitucional, a quem incumbe proceder, a nível interno, à cooptação, contribuiu para a combustão viva da questão, ao deixar transparecer para o exterior o sentido de voto de grande parte dos juízes-conselheiros. Bem poderia ter ouvido os reparos públicos dos deputados e outras aflorações da opinião pública e decidir ponderadamente.

Quanto ao mais, face a um acórdão do Tribunal Constitucional, que impede que uma lei por este julgada inconstitucional, no todo ou em algumas das suas normas, o Parlamento bem poderá, em vez de a expurgar de tais normas, confirmá-la por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, a teor do n.º 2 do artigo 279.º da Constituição. Assim, o Parlamento tem a faca e o queijo na mão. E pode provocar a revisão da Constituição cinco anos após a última lei de revisão ordinária ou, em qualquer momento, por iniciativa de quatro quintos dos deputados em efetividade de funções (cf. artigo 284.º da Constituição), podendo alterar a composição do tribunal, por exemplo, com a exigência de eleição parlamentar de todos os seus juízes (preferiria que houvesse alguns juízes designados pelo Chefe de Estado, por ser um órgão de soberania também eleito por escrutínio universal).

2022.05.30 – Louro de Carvalho

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