quarta-feira, 31 de julho de 2019

Arresto de obras não põe em causa Museu Coleção Berardo


O Jornal Económico avançou hoje, dia 31 de julho, pelas 12,30 horas, que estavam a decorrer no Museu Coleção Berardo, situado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, “diligências com vista ao arresto dos quadros e outras obras de arte de Berardo, decidido pelo tribunal, como garantia das dívidas” do empresário José Berardo, mais conhecido por Joe Berardo.
A presença dos agentes de execução hoje no local foi confirmada à Lusa por fontes ligadas ao processo, sem especificarem se se trata de ação de arresto ou de levantamento/inventariação das obras de arte.
Contactado pela Lusa, o assessor de José Berardo reiterou que o empresário “não foi notificado de nenhum dos arrestos, a não ser pela comunicação social”.
Já no dia 29, o jornal Público avançava que foi decretado o arresto da coleção Berardo, na sequência de providência cautelar interposta pela Caixa Geral de Depósitos (CGD), o BCP e o Novo Banco, credores da coleção de arte moderna de José Berardo.
Entretanto, o Ministério da Cultura confirmou à Lusa a veracidade da notícia do Público, ou seja, a existência de decisão judicial nesse sentido.
E, já no dia 5 de julho, foi noticiado que os títulos da Associação Coleção Berardo (ACB), dados como garantia aos bancos credores de entidades ligadas a José Berardo, foram penhorados por ordem judicial. De acordo com o Jornal Económico desse dia, a ACB considerou que não foram arrestados 100% dos títulos de participação, devido à alteração dos estatutos e ao aumento de capital que aconteceram após os títulos terem sido dados como penhora aos bancos credores.
Segundo o Público, no dia 29, decretado o arresto, os bancos confiam ao Estado a salvaguarda das obras de arte, propriedade da ACB, e que desde 2006 compõem o acervo do Museu Coleção Berardo.
A solução encontrada para resolver a dívida de quase mil milhões de euros aos três bancos e garantir a permanência da coleção no CCB, nas mãos do Estado, foi encontrada, segundo o Público, por negociação entre as instituições financeiras e os ministérios das Finanças, da Cultura, da Economia e da Justiça. E, no final do Conselho de Ministros do passado dia 16 de maio, a Ministra da Cultura, Graça Fonseca, garantiu que o Governo usaria “as necessárias e adequadas medidas legais” para garantir que a coleção Berardo de arte moderna continuasse inteira e acessível ao público.
Graça Fonseca afirmou então que Justiça, Finanças, Economia e Cultura, estavam articuladas para defender a “imperiosa necessidade de garantir a integridade, a não alienação e a fruição pública” das obras expostas no museu instalado num dos módulos do CCB.
Questionada sobre que medidas estavam em cima da mesa, a governante afirmou que o Governo não iria dar a José Berardo “a satisfação de as antecipar”, frisando que as hipóteses ao dispor do executivo são suficientes para garantir a integridade da coleção.
Graça Fonseca falava aos jornalistas menos de uma semana depois da audição de Berardo no Parlamento e das suas declarações, perante os deputados, na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, que considerou “indecorosas e inadmissíveis”.
Na audição no Parlamento, em 10 de maio, o empresário disse que a garantia que os bancos têm é dos títulos de participação da ACB, e não das obras em si. Na mesma audição Berardo revelou que houve um aumento de capital na ACB, numa reunião que não contou com a presença dos bancos credores, que diluiu os títulos detidos pelos bancos como garantia. E disse, então, que não tinha de ter convocado os credores e remeteu para uma ordem do tribunal de Lisboa.
No decurso da audição, José Berardo riu-se da hipótese dizendo que, se os bancos executassem a garantia, deixaria de ser ele a mandar na ACB.
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Entretanto, hoje a Ministra da Cultura garantiu que o arresto decretado das obras de arte do empresário José Berardo não põe em causa a existência do Museu Coleção Berardo.
Questionada pela Lusa, à margem de um almoço debate sobre Cultura e Economia, em Lisboa, Graça Fonseca escusou-se a comentar a presença de agentes de execução hoje no Museu Coleção Berardo, situado no Centro Cultural de Belém. Disse a governante:
Para que a decisão do tribunal seja verdadeiramente eficaz, há um conjunto de iniciativas que o tribunal tem de fazer. [...] Nesta fase qualquer palavra a mais pode estragar tudo.”.
As obras de arte que desde 2006 compõem o acervo do Museu Coleção Berardo são propriedade da Associação Coleção Berardo e, segundo fonte ligada ao processo, só estas estão abrangidas pelo arresto decretado na sequência de uma providência cautelar interposta pela CGD, pelo BCP e pelo Novo Banco, credores de Joe Berardo.
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Todavia, não é bem assim, pois, além das obras de arte, há mais casos de arresto de bens que são propriedade ou, pelo menos, tutela de Berardo: parte da Quinta Monte Palace Tropical Garden, duas casas em Lisboa e uma propriedade de 70.000m2.
O arresto de parte da Quinta Monte Palace Tropical Garden, em razão de providência cautelar movida pela CGD, e de duas casas em Lisboa, também propriedade do empresário, são os outros dois arrestos, noticiados pela comunicação social, a que a assessoria de Berardo se refere.
O arresto de parte da Quinta Monte Palace Tropical Garden, na semana passada, foi decretado pelo Juízo Central Civil do Funchal, na sequência de uma providência cautelar movida pela CGD, como confirmou à Lusa fonte ligada ao processo. O arresto incide sobre um edifício que é a residência fiscal de Joe Berardo e onde funcionou um escritório da Fundação Berardo, como explicou a mesma fonte.
No dia 26, o jornal Eco tinha noticiado que a operação conduzida pela sociedade Abreu Advogados tinha conseguido arrestar a propriedade de 70 mil metros quadrados que havia sido doada pelo empresário à Fundação com o seu nome, em 1988 – uma propriedade que valerá várias dezenas de milhões de euros. Anteriormente, já tinha sido noticiado o arresto de duas casas em Lisboa, também propriedade do empresário.
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A arrogância, o gozo e a palhaçada do embuste Berardo caíram – assim os tribunais sejam consequentes com os ora iniciados processos de arresto. Para alguns foi invocada a figura jurídica da “desconsideração da personalidade jurídica”, que não encontra ente nós consagração legal expressa. Assim, gera controvérsia e discussão em seu torno e dá azo a uma maior reflexão permitindo que os mais entendidos continuem a contribuir para a sua construção concetual.
Neste âmbito, é de enaltecer a dissertação de mestrado em Direito e Gestão de André Tavares Moreira, em 2015, UCP-Porto sob o título “A Desconsideração da Personalidade Jurídica em Portugal e nos Estados Unidos – Breve análise doutrinal e jurisprudencial”. Obviamente só me fixo no ponto 3.1. Enquadramento jurídico (pgs 10-25).
Embora não consagrado expressamente na lei portuguesa, diz Brito Correia que, em termos de fundamentação,
Pode fundamentar-se no artigo 334.º do Código Civil, sobre o abuso de direito, entendendo que a generalidade das pessoas têm direito de constituir pessoas coletivas e de exercer atividades por intermédio delas, mas que esse direito tem limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Na verdade, o mencionado artigo estabelece, sobre o abuso do direito:
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Portanto, o fundamento da desconsideração da personalidade jurídica reconduzir-se-á “aos ditames da boa-fé”. Com efeito, “a tutela da boa-fé e da confiança alicerçam o sancionamento de condutas abusivas de direitos”, direitos que, “aparentemente, o sujeito possui, mas o modo como exerce o direito ultrapassa ostensivamente os limites que, quer a boa-fé, quer os bons costumes, quer o fim social e económico desse mesmo direito impõem”. Não se quer eliminar em definitivo a distinção entre personalidades e a separação das mesmas, mas apenas ultrapassar a personalidade jurídica da sociedade para chegar à dos sócios, visando-se “um afastamento temporário do princípio da autonomia patrimonial”.
Este “mecanismo jurídico, doutrinal e jurisprudencialmente construído”, por inspiração anglo-americana e germânica, foi invocado pela primeira vez, em Portugal, em 1945, por Ferrer Correia no estudo das sociedades unipessoais de responsabilidade limitada. E, na ausência de disposição legal explícita que defina o conteúdo, têm a doutrina e jurisprudência avançado definições e “formas de interpretação e aplicação deste instituto”.  
Para M. Fátima Ribeiro, é “operação pela qual a personalidade jurídica de uma pessoa coletiva é afastada, retirada”; para Coutinho de Abreu, pode ser definida como a “derrogação ou não observância da autonomia jurídico-subjetiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respetivos sócios”; e, segundo Pedro Cordeiro, é “o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa coletiva e os seus membros ou, dito de outro modo, ‘desconsiderar’ significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa coletiva e aqueles que por detrás dela atuam”.
Catarina Serra entende que a desconsideração encontra o seu campo de aplicação quando “o sócio ou sócios convertem a sociedade e o seu alter-ego num corporate dummy a despeito do princípio da separação”, ou seja, como diz Tavares Moreira, quando “o sócio ou sócios tratam e dispõem da sociedade e do património social como se fosse “coisa própria” (e vice-versa).
A autonomia de personalidades está disponível porque foi criada para satisfazer necessidades e interesses da pessoa humana (sócios). Porém, como diz Castro Mendes, “a personificação pode ser (…) instrumento de abuso”, devendo proceder-se a uma ponderação, neste caso, de “quais os verdadeiros interesses humanos em causa”. Portanto, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica pretende eliminar a instrumentalização da personalidade jurídica da sociedade comercial a favor de interesses que ultrapassem a finalidade da separação entre a personalidade jurídica dos sócios e a personalidade jurídica da sociedade, e, consequentemente, a autonomia patrimonial. Assim, desconsiderando a separação entre a personalidade jurídica dos sócios e a da sociedade, é possível imputar responsabilidade e consequências aos autores dos comportamentos. Esta será a sua fundamentação e subsunção fáctica, pois foram os abusos que motivaram o seu aparecimento e são eles que merecem, na prática, a sua aplicação.
Já Menezes Cordeiro, na linha de Brito Correia, vê a desconsideração, no quadro da tutela da boa-fé e da recuperação da confiança jurídica, como “instituto de enquadramento” que delimita negativa e temporariamente a personalidade da sociedade (a personalidade coletiva) “por exigência do sistema”, aquando da verificação de condutas abusivas.
Os tribunais nacionais acolheram lenta e tardiamente a figura da desconsideração da personalidade jurídica e, embora analisem o tema, “raras vezes” a aplicam ao caso concreto. Diz Coutinho de Abreu que o primeiro acórdão a abordar o tema terá sido apenas em 1993. Contudo, há quem defenda que a receção, pela nossa jurisprudência, desta doutrina ocorreu em 1976, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-01-1976 (relator Oliveira Carvalho).
Nos últimos anos, assistimos a uma crescente invocação deste instituto perante os tribunais portugueses, mas são poucos os casos em que de facto se verifica a sua aplicação pelo Tribunal à situação concreta: ou porque as partes se limitam a invocá-la e não providenciam elementos de prova necessários, ou porque não se faz prova da existência de fraude à lei ou abuso de direito.
Seja como for, este instituto jurídico está cada vez mais em cima da mesa e seria bom que, por via legislativa, se clarificasse o seu alcance e os termos da sua aplicação. Com efeito, esta figura jurídica pretende, como finalidade última, acabar com os “embustes” que se verificam na constituição de determinadas sociedades, sendo que estas não passam, tantas vezes, de manobras para evitar o cumprimento da obrigação de responsabilidade dos sócios que, de forma legal (ou melhor, discuto: nunca é legal a fraude ou o embuste. E, se o são na lei civil não o são na lei penal), encontram no tipo societário um meio de se eximirem da sua responsabilidade. Nesses casos, está justificado o levantamento da personalidade jurídica autónoma da sociedade. Cede o princípio da separação entre a sociedade e os sócios, para que seja reposta a tutela da boa-fé e da confiança (valores que devem pautar o tráfego jurídico), que ficara manchada por atuação abusiva.
Como explica Francisco Granjeia,
[a] ‘personalidade jurídica da sociedade representa um instrumento jurídico-formal para a prossecução de interesses e fins aceites e valorizados pela ordem jurídica’, pelo que a constituição de uma sociedade é um meio legal e legítimo de prossecução de uma atividade comercial e de limitação da responsabilidade dos sócios. Todavia, ‘quando o princípio da separação dos bens da sociedade e dos seus sócios e o princípio da limitação da responsabilidade proporcionado pela sociedade são utilizados de forma abusiva pelos sócios para a prossecução de fins ilícitos, verifica-se nesse caso um desvio à função para que foi criada a sociedade que urge ser corrigido’.”.
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Será que Berardo e os que atuam como ele serão vencidos pela boa aplicação da justiça? Ou, por serem os últimos a rir, serão quem mais e melhor rirá? De facto, os interesses instalados têm muita força, muito poder!
2019.07.31 – Louro de Carvalho

A socialista Ana Gomes não descansa na denúncia dos desmandos


Como escreveu Graça Henriques no DN, a 29 de Julho, “a ex-eurodeputada costuma estar antes de a polémica nascer” e, assim, “denuncia com estrondo”.
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Sustenta, através de Carlos César, uma polémica com o PS, cuja génese está na transferência de João Félix do Sport Lisboa Benfica para o Atlético de Madrid por 126 milhões de euros, a mais cara em Portugal, tendo a também ex-embaixadora questionado “se não se trataria de um negócio de lavandaria”, o que levou o presidente benfiquista a pedir uma posição ao partido e a anunciar um processo contra Ana Gomes.
Incomodado, Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, escreveu a Carlos César, presidente do PS e líder do grupo parlamentar do partido a perguntar se a posição de Ana Gomes reflete a do partido ou se as declarações da socialista não merecem rejeição e repúdio do Partido Socialista.
Por seu turno, César distanciou-se respondendo que as opiniões de ex-eurodeputada refletem apenas uma posição própria e pessoal, que não vincula o PS, deixando o líder benfiquista satisfeito, que disse na RTP que PS diz que declarações de Ana Gomes não vinculam o partido socialista. Porém, a ex-eurodeputada retorquiu a César no passado dia 26:
Agradeço ao presidente Carlos César o afã de esclarecer o óbvio: não represento o PS e o que digo e escrevo só me vincula. Sendo socialista, e não apparatchick, não abdico de usar a minha cabeça... Já César usa o que pode face a Vieira: a César, o que é de César. E viva o Partido Socialista.”.
E, no dia 28, voltou à carga acusando Carlos César de fechar os olhos aos crimes financeiros do futebol. E este, no dia 29, em declarações ao DN, disse que a socialista tem “o hábito de insultar quem não lhe faz a corte”. Este dito, além de insolente, é de mau tom, Senhor.
César considera necessário “aclarar que ela podia falar em nome do PS quando era assalariada do aparelho do partido, mas agora não”. Mais outro disparate. Não parece curial que César fale em assalariados do aparelho. Não é o partido que paga aos embaixadores, deputados, autarcas e eurodeputados. Se César se considera assalariado do aparelho partidário, tem um problema grave para resolver e que liberte o partido desse encargo.  
O Benfica, supondo que a declaração de Ana Gomes “não configura um caso de mero exercício de liberdade de expressão”, mas o propósito “denegrir o nome” do clube, diz ir processá-la.  
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Também no âmbito do futebol, em meados deste mês, Ana Gomes disse que hacker Rui Pinto, colaborador do Football Leaks, fez denúncias anónimas através duma plataforma do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) que não foram investigadas pela Justiça.
Fez esta revelação após uma visita ao estabelecimento prisional da PJ (Polícia Judiciária), em Lisboa, onde o jovem está em prisão preventiva desde março, e garantiu que muitas dessas denúncias, realizadas entre 2017 e 2018, diziam respeito a eventuais casos de corrupção.
A diplomata encontrou-se nesse dia com a Ministra da Justiça Francisca Van Dunem e criticou a falta de ação da justiça, em comparação com o já foi feito noutros 9 países que abriram investigações depois de denúncias do hacker português. Contou Ana Gomes:
Rui Pinto disse-nos que, entre os anos 2017 e 2018, tinha feito submissões através da plataforma de denúncias anónimas do DCIAP e verificou que nenhuma delas foi investigada. Muitas diziam respeito a eventuais casos de corrupção de elementos ligados a forças da autoridade.”.
E, na conferência “O novo Regime da Proteção de Denunciantes” (Whistleblowers), promovida pela agência Lusa em Lisboa, em maio, disse:
Rui Pinto está a ser tratado como um vulgar criminoso, enquanto as autoridades judiciais [portuguesas] atuam a pedido de um fundo de investimento, a Doyen, que nem sequer paga impostos em Portugal. Não há nenhuma razão de proteção de interesse público que explique porque é que as autoridades portuguesas não pediram a colaboração de Rui Pinto. Isto, independentemente de os crimes pelos quais ele é alegadamente acusado serem julgados.”.
Esta polémica foi outra em que o Benfica anunciou processá-la após ela ter defendido o hacker e dito em entrevista ao Record que o líder do clube tinha “um passado de delinquência”. Eis o que ali vem escrito:
Extraordinariamente, a SAD, o clube e o seu dirigente máximo não são acusados [no âmbito do processo e-toupeira]. Sabemos que o dirigente máximo do clube está referenciado em várias listas de grandes devedores do país por vários empréstimos não pagos. Há todo um passado de delinquência ligado a essa pessoa. Há inúmeros elementos que apontam para o facto de o Benfica poder ter especial interesse em que alguém que tem um acervo considerável de documentos de vários clubes não só possa ser posto sob controlo, mas inclusivamente o seu arquivo também o seja.”.
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As polémicas em que se mete Ana Gomes já vêm de longe. Em 2007, iniciou a grande batalha que viria a ficar conhecida como os voos da CIA. A então eurodeputada socialista entregou extenso dossiê na PGR (Procuradoria-Geral da República) a denunciar a utilização do nosso território pelos voos secretos dos espiões americanos. O processo, que além de Ana Gomes tinha como assistente o jornalista Rui Costa Pinto, foi arquivado ao fim de 2 anos e meio por não terem sido recolhidos indícios que levassem a uma acusação. E um dos seus alvos nesta questão foi Durão Barroso, ao tempo presidente da Comissão Europeia e que tinha sido Primeiro-Ministro entre março de 2002 e agosto de 2004. A eurodeputada disse, numa entrevista ao jornal I, em 2016:
Foi responsável por todo o processo de colaboração das autoridades portuguesas com os chamados voos de tortura da CIA”.
Nessa entrevista, atacou Barroso por ter sido anfitrião da cimeira das Lajes (com Tony Brair, do Reino Unido, George W. Bush, dos EUA, e Jose Maria Aznar, da Espanha) prévia à guerra do Iraque:
Durão Barroso é uma pessoa que teve responsabilidades políticas claras na invasão Iraque, como anfitrião da cimeira das Lajes. Sabia perfeitamente que estava atuar na base de informações que eram mentirosas. Sei bem o que foi dito em reuniões que mantive com ele enquanto responsável do PS pelas relações internacionais. Ele tinha a perfeita noção de que não só estava a violar o direito internacional, como a atuar na base de informações que eram mentirosas. Não teve escrúpulos em fazer o que fez politicamente.”.
Durão Barroso negou ter dado qualquer autorização ou ter conhecimento de voos ilegais da CIA enquanto esteve no Governo.
Ora, Ana Gomes que integrou a comissão de inquérito do Parlamento Europeu que se debruçou, entre 2005 e 2007, sobre a utilização do território europeu e a cumplicidade de alguns Estados-membros no programa de rendições extraordinárias de suspeitos de terrorismo montado pela CIA após os atentados de 11 de Setembro, denunciou, sobre Portugal, a presença na base das Lajes, nos Açores, de suspeitos de terrorismo detidos ilegalmente por agentes da CIA e militares norte-americanos (Os aviões passavam pelo espaço aéreo dos Açores rumo a Guantánamo, em Cuba; e alguns voos fizeram escalas de vários dias em aeroportos portugueses, como o do Porto e o de Ponta Delgada).
Aquando da denúncia, considerou o processo imparável. E dava como exemplo o facto de “muitas vítimas de abusos, prisões, sequestros e torturas” estarem “a ser libertadas por parte dos americanos de Guantánamo, porque chegaram à conclusão de que a maior parte destas pessoas” estavam, “de facto, ilibadas de suspeitas”. Mas, para a PGR, a única hipótese de o inquérito ser reaberto era surgirem “factos novos”.
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A questão dos submarinos e o pedido de investigação do património de Portas foi outro cavalo de batalha da aguerrida socialista. O processo foi arquivado em 2014, mas a ativista viria a insistir na reabertura do caso com base nas revelações dos Panama Papers – que suscitou uma comissão no Parlamento Europeu da qual foi vice-presidente. A socialista, que foi assistente no processo em Portugal, defendeu que a PGR deveria reabrir “o caso de corrupção de alto nível” que envolveu Portugal e Alemanha, quando Paulo Portas era Ministro da Defesa Nacional, pois tinha de se apurar quem beneficiou de luvas de 10 milhões de euros pagas pelos fornecedores.
E, há quatro anos, quando anunciou ter requerido a abertura do processo, defendeu “haver elementos” que justificavam uma investigação ao património de Portas, devendo também ser investigado Barroso. Mais: segundo Ana Gomes, Portas teve um papel “relevante”, senão mesmo determinante na forma como foram negociados os contratos de compra dos submarinos e as contrapartidas. Refere um documento apresentado pela socialista:
É inconsistente com o rumo da investigação que um dos principais intervenientes no negócio e principal decisor político não tenha sido nunca considerado formalmente suspeito dos crimes de corrupção passiva e/ou de prevaricação e que essa hipótese nunca tenha sido realmente assumida e investigada”.
processo foi arquivado em definitivo por, em novembro de 2015, o TRL (Tribunal da Relação de Lisboa) considerou que alguns factos tinham prescrito e não havia outros novos que pudessem redundar em acusação.
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Quando, em 2017, se soube que José Júlio Pereira Gomes seria o novo chefe das secretas, Ana Gomes, escandalizada, fez ouvir a sua voz a afirmar, em declarações ao DN, que ficou “muito surpreendida e apreensiva”. Embora dissesse não estar em causa o seu percurso profissional, afirmava que lhe faltava “perfil psicológico”. Conhecem-se desde o tempo da luta pelo referendo que daria na independência de Timor-Leste: ela era embaixadora de Portugal em Jacarta, ele chefiava no território uma missão portuguesa de observação. Dizia Ana Gomes:
Tenho dúvidas de que o embaixador Pereira Gomes tenha capacidade para aguentar situações de grande pressão. Não inspira confiança e autoridade junto dos seus subordinados nos serviços de informações.”.
A sua “apreensão” tem a ver com factos ocorridos em 1999 e que foram notícia em Portugal, enviados pelos jornalistas portugueses que aí ficaram, iniciada a onda de violência com que os anti-independência responderam à vitória do “sim” à consulta de 30 de agosto.
Ana Gomes disse que a missão portuguesa abandonou o território a 9 de setembro por insistência de Pereira Gomes, contrariando diretivas diretas do Governo português e pedidos da própria embaixadora. A saída ocorreu na véspera da chegada ao território duma importante missão de observação do Conselho de Segurança da ONU. E a ex-embaixadora denunciou que Pereira Gomes se mostrou indiferente ao destino dos timorenses que trabalhavam para os observadores portugueses. Ao invés, em e-mail para o DN, Pereira Gomes afirmava:
Hoje, volvidos 18 anos, não tenho nada a acrescentar ou a corrigir ao que deixei então registado [num livro de memórias sobre a sua experiência timorense]. (…) A evacuação de Timor-Leste dos últimos observadores, onde me incluía, resultou de ordem expressa do Governo Português; todos os timorenses – e seus familiares – que tinham trabalhado com a nossa Missão de Observação e connosco se tinham refugiado nas instalações da UNAMET, foram evacuados connosco e em virtude da nossa intervenção.”.
Em menos de um mês, o embaixador comunicava ao Primeiro-Ministro, António Costa, a sua indisponibilidade para aceitar o cargo de secretário-geral do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa), alegando que importava salvaguardar a dignidade do cargo de polémicas.
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A subconcessão dos ENVC (Estaleiros Navais de Viana do Castelo) ao grupo naval Ria/Martifer Energy foi outro assunto que Ana Gomes levou à PGR em 2013. Na fundamentação lia-se:
Na atribuição da subconcessão, por parte do Estado Português, dos terrenos e infraestruturas da empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) ao agrupamento empresarial Navalria/Martifer Energy, anunciada pela administração dos ENVC em 18 de outubro de 2013, terá havido violação de normas que, nos termos do Código Penal, punem a corrupção, o tráfico de influência, o abuso de poder, o favorecimento de interesses privados”.
A queixa-crime incidia sobre 58 pontos, todos considerados como prova de violação de normas previstas e punidas no Código Penal, desde o desinvestimento estatal nos ENVC e respetivas contrapartidas para os ENVC, ao período que vai da anunciada privatização ao processo de subconcessão, passando pela investigação em curso na Comissão Europeia (Ana Gomes também ali entregou uma participação) por ajudas de Estado “entre 2006 e 2012”, às cláusulas do Caderno de Encargos, bem como do Programa de Procedimento do Concurso Público.
Em 2015, a eurodeputada voltava aos estaleiros e enviava cartas à Comissão Europeia, à PGR e ao Tribunal de Contas, onde se queixava de ajudas de Estado na encomenda, por ajuste direto, no valor de 77 milhões de euros, de dois navios-patrulha oceânicos à West Sea, empresa do grupo Martifer, que ficou com a subconcessão dos ENVC. E, em 2007, ainda sobre os ENVC, aponta Mário Ferreira, dono da Douro Azul. O que levou o empresário a pedir a Estrasburgo o levantamento da imunidade parlamentar da eurodeputada, acusando-a de caluniar as suas empresas por ter classificado o processo de compra e venda do navio Atlântida de ser “um negócio que tresandava a corrupção”
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Face aos incómodos que estava a causar ao PS por causa da “Operação Marquês”, Sócrates escreveu, em maio de 2018, uma carta à direção do partido a pedir a desfiliação para alegadamente acabar “com o embaraço mútuo”, pois o ex-primeiro ministro estava acusado de 31 crimes (3 de corrupção passiva, 16 de branqueamento de capitais, 9 de falsificação de documento e 3 de fraude fiscal qualificada). A isto Ana Gomes disse o que pensava:
Obviamente que essa carta de Sócrates serve a estratégia de vitimização que ele tem escolhido para fazer face às acusações graves que contra ele pendem, portanto, não é nada de estranho. (…) Só espero é que esta atitude de Sócrates facilite e estimule o PS a fazer o exercício de introspeção que é imperativo e que não pode mais ser adiado face ao que se sabe já e ao que ainda não se sabe sobre a teia de corrupção que tinha em Sócrates um ponto central.”.
E deixou recado ao PS, para que faça tudo para que não haja mais este tipo de comportamentos, e que adote “mecanismos externos e internos para combater a corrupção”.
Dois anos antes, a socialista acusara a direção do PS de deixar José Sócrates  de manipular e “sequestrar” o partido. Falava do facto de Sócrates aparecer em iniciativas socialistas, nomeadamente num almoço em que foi homenageado no Parque das Nações e numa iniciativa promovida pela FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa).
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E, no atinente ao branqueamento de capitais, Ana Gomes tem sido crítica do funcionamento da ZFM (Zona Franca da Madeira), considerando que o sistema de taxação serve para branqueamento de capitais. A questão levou-a a escrever aos comissários europeus Pierre Moscovici (Assuntos Económicos e Financeiros), Margrethe Vestager (Concorrência) e Vera Jourová (Justiça, Consumidores e Igualdade de Género), com conhecimento a Costa, Centeno e António Mendonça Mendes, referindo que uma petrolífera italiana, sem atividade na Madeira, é a entidade que obteve mais benefícios fiscais. Isto levou Paulo Prada (presidente da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira) a responder que a empresa está na Madeira desde 1994 e no CINM (Centro Internacional de Negócios da Madeira) há 25 anos, tem instalações na ZFI (Zona Franca Industrial), onde investiu 3 milhões de euros, emprega cento e poucos trabalhadores (98% dos quais são portugueses, altamente bem remunerados) que fazem a gestão das frotas, do pessoal e da manutenção dos petroleiros e das plataformas petrolíferas, tem um navio registado no Registo Internacional de Navios.
Outra questão que a ex-eurodeputada colocou na carta prende-se com o facto de a Autoridade Tributária nacional abdicar do exercício de competências essenciais de controlo fiscal na Região Autónoma da Madeira e na Zona Franca em especial. E diz Prada que é “outra mentira”, pois as grandes empresas, a petrolífera, são fiscalizadas pela UGC (Unidade de Grandes Contribuintes).
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Pode Ana Gomes não ter razão em tudo quanto afirma, mas que as investigações não se façam ou parem depois das denúncias é inacreditável. É isto e coisas parecidas com isto que fazem suspeitar que, se há peixe graúdo, a investigação não surte, a não ser em casos excecionais que o público já vê estarem a cair de podres e que parecem valer apenas pela exemplaridade com eficácia discutível ou muito parcelar. De resto, que há corrupção e grande (ou crimes afins), há-a seja no futebol, seja na política, seja nos grandes grupos empresariais. E quiçá no aparelho judiciário, que nem parece aproveitar os potenciais colaboradores…
A justiça, a política, a economia, o desporto, o povo merecem mais e muto melhor! E é bom que Ana Gomes continue a se a consciência crítica do PS e haja um interlocutor credível dentro do partido que não tenha telhados de vidro!
2019.07.30 – Louro de Carvalho    

terça-feira, 30 de julho de 2019

Um gesto de misericórdia e um dever grave


No prefácio que assina para o livro “Mulheres crucificadas. A vergonha do tráfico relatada desde a rua” (Editora Rubbettino), divulgado na Itália, no dia 29, o Papa Francisco denunciou a escravatura a que são sujeitas mulheres de todo o mundo, vítimas de tráfico e exploração sexual.
Nesse texto, recorda o encontro que teve, em 2016, com algumas das vítimas de tráfico e exploração sexual. Com efeito, uma Sexta-feira da Misericórdia do mês de agosto daquele ano, viu o Papa Francisco deslocar-se a um condomínio na periferia da cidade de Roma, onde encontrou algumas mulheres jovens que participam no projeto de recuperação da Comunidade Papa João XXIII, fundada pelo Padre Benzi.
A visita papal constituiu uma verdadeira surpresa para as 20 jovens que, ao abrir a porta do apartamento privado, esperavam tudo menos ver o Santo Padre. Francisco deteve-se por mais de uma hora com grande afabilidade a escutar as tristes experiências destas jovens e encorajou-as a olhar para a frente com muita confiança.
No encontro estavam presentes o responsável nacional da Comunidade João XXIII, Giovanni Paolo Ramonda, o assistente espiritual, Padre Aldo Bonaiuto, e algumas pessoas que trabalham no caminho da Comunidade. Foi um ato de cortesia particular por parte do Papa a este grupo representativo de jovens mulheres, com uma idade média de 30 anos e provenientes da Roménia, da Nigéria, da Tunísia, da Ucrânia, da Albânia e da Itália.
Em tempo de férias, em que ganha maior peso o significado da descontração e do divertimento, não raro sem ter em conta quaisquer regras, o sinal do Papa Francisco teve em vista o reconhecimento e a pretensão de restituir a plena dignidade a estas mulheres que sofreram não apenas atos isolados de fortes violências, estupros, e intimidações, mas tudo isso em regime de continuação e intensificação por obra das redes de tráfico da prostituição.
Com este sinal de cortesia, o Papa pretendeu reiterar que a Misericórdia não é uma palavra abstrata, mas uma ação concreta de desvelo a modo do desvelo do Pai misericordioso e do Filho, imagem do Pai e caminho para Ele, mediante a qual nos comprometemos também no campo social, para restituir a dignidade a pessoas submetidas a novas formas de escravidão.
Na verdade, a prostituição organizada e objeto de tráfico, além de pecado, configura uma forma de escravidão em que as pessoas se submetem aos interesses caprichosos do dinheiro, do prazer e do mando, através da subjugação, e uma forma de comercialização do corpo em que o lucro reverte, não tanto em prol de quem satisfaz o vício de outrem, mas de quem detém o poder na rede. É uma forma de exploração da pessoa humana, sendo que muitos dos clientes e dos donos da rede têm a lata hipócrita de se dizerem cristãos e comparecer engravatados às cerimónias religiosas de impacto público em que a imagem lhes dá jeito.
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Agora, na denúncia a que Francisco põe mãos assinando o prefácio do livro suprarreferido, feito púlpito ambulante, preconiza que “libertar estas pobres escravas é um gesto de misericórdia e um dever para todos os seres humanos de boa vontade” e que “o seu grito de dor não pode deixar indiferente nem os indivíduos nem as instituições”.
Este duplo pregão assume o apelo à misericórdia de modo a que pessoas singulares e pessoas coletivas com um pingo de sentido evangélico e humanitário se confranjam perante esta situação de seres humanos atirados para a valeta da estrada da sociedade hedónica e consumista, se aproximem, olhem bem para eles, tratem deles, peguem neles, os levem para sítio seguro e cuidem deles mobilizando outros para que participem ativamente nesse cuidado (cf Lc 10,29-37). Por outro, lado chama a atenção para o dever de cuidar dos irmãos na linha da interrogação de Deus “Onde está o teu irmão?” (cf Gn 4,9), na linha do decálogo (vd Ex 22,20-23; Dt 11,32) e na linha paulina “Carregai as cargas uns dos outros e assim cumprireis plenamente a lei de Cristo” (Gl 6,2). É um problema humanitário na linha terenciana: “Homo sum: et humani nihil a me alienum puto” (Sou homem: e nada do que é humano julgo que me seja alheio). E é um problema humano e cristão na linha do Concilio Vaticano II:
Gaudium et spes, luctus et angor hominum huius temporis, pauperum praesertim et quorumvis afflictorum, gaudium sunt et spes, luctus et angor etiam Christi discipulorum, nihilque vere humanum invenitur, quod in corde eorum non resonet” (As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração). (GS,1)
O livro em referência é da autoria do Padre Aldo Buonaiuto, da Comunidade Papa João XXIII, fundada por Oreste Benzi, suprarreferida. Foi esta a comunidade que o Papa visitou numa das ‘Sextas-feiras da Misericórdia’, durante o último Jubileu, a 12 de agosto de 2016.
Francisco não deixa de chamar os bois pelos seus nomes ao escrever:
Qualquer forma de prostituição é uma redução à escravatura, um ato criminoso, um vício repugnante que confunde o fazer do amor com o descarregar os próprios instintos, torturando uma mulher indefesa”.
E, de forma um pouco mais desenvolvida, vinca:
É uma ferida na consciência coletiva, um desvio ao imaginário corrente. É patológica a mentalidade segundo a qual uma mulher é explorada como se fosse uma mercadoria, que se usa e depois se deita fora. É uma doença da humanidade, uma maneira errada de pensar da sociedade.”.
Todavia, não é lícito aproveitar o adjetivo patológico aplicado à mentalidade da exploração da mulher como se de mercadoria se tratasse para enveredar pela via da complacência e inimputabilidade de angariadores e clientes: uns buscam o lucro a qualquer preço e outros satisfazem o instinto à custa de seres humilhados que a sociedade se prepara para descartar.
Evocando a passagem pela casa de acolhimento da Comunidade Papa João XXIII, na região metropolitana de Roma, Francisco confessa: “Não pensei que lá dentro iria encontrar mulheres tão humilhadas, debilitadas, exaustas. Realmente mulheres crucificadas.”.
E, a propósito daquelas jovens libertadas do tráfico da prostituição, oriundas da Roménia, Albânia, Nigéria, Tunísia, Itália ou Ucrânia, que estiveram com o Papa, Francisco escreve:
Quando numa das sextas-feiras da Misericórdia durante o Ano Santo Extraordinário entrei na casa de acolhimento da Comunidade Papa João XXIII, não pensei que lá encontraria mulheres tão humilhadas, tristes e provadas. Realmente mulheres crucificadas. Na sala em que encontrei as mulheres libertadas do tráfico da prostituição forçada, respirei toda a dor, a injustiça e o efeito da subjugação. Uma oportunidade para reviver as feridas de Cristo. Depois de ter escutado as narrações comoventes e tão humanas destas pobres mulheres, algumas delas com o filho nos braços, senti um forte desejo, quase exigência, de lhes pedir perdão pelas autênticas torturas que tiveram de suportar por causa dos clientes, muitos dos quais se definiam cristãos.”.
Enfim, Mario Beergoglio leva até às últimas consequências aquele grito terenciano acima mencionado e a primeira frase da Gaudium et Spes (GS), bem como o capítulo de Mateus em que ficam estatelados os critérios do juízo final, ou seja as obras de misericórdia para com os irmãos em primeira necessidade porque neles se serve a Cristo ou neles se deixa de O servir.  Por isso e porque alguns dos prevaricadores se dizem cristãos arrastando com ele a credibilidade e a eficácia do cristianismo, o Papa como que sente a obrigação de pedir perdão.  
E o Sumo Pontífice, convidando todos ao acolhimento das vítimas do tráfico da prostituição forçada e da violência e recordando o trabalho de quem ajuda as vítimas, sujeitos “aos perigos e às retaliações da criminalidade, que fez destas jovens uma inesgotável fonte de lucros ilícitos e vergonhosos” fala da urgência de libertar estas mulheres jovens e sustenta: “Uma pessoa nunca pode ser posta à venda”. Depois, conclui:
Libertar estas pobres escravas é um gesto de misericórdia e um dever para todos os seres humanos de boa vontade. O seu grito de dor não pode deixar indiferente: nem os indivíduos nem as instituições. Ninguém pode voltar as costas ou lavar as mãos do sangue inocente que é derramado nas estradas do mundo.”.
Sobre a Comunidade Papa João XXIII, o Santo Padre não se poupa a elogioso comentário vertido em escrita eminentemente pessoal:
Estou feliz por conhecer o trabalho precioso e corajoso de assistência e reabilitação que o Padre Aldo Buonaiuto realiza há vários anos, seguindo o carisma de Oreste Benzi. Isso requer também a disponibilidade de se expor aos perigos e retaliações da criminalidade que fez dessas mulheres uma fonte inexaurível de ganhos ilícitos e vergonhosos.”.
Quanto ao livro, deixa o seguinte voto:
Gostaria que este livro fosse acolhido no contexto mais amplo possível a fim de que, conhecendo as histórias que estão por trás do número chocante do tráfico, se possa entender que, sem deter essa alta demanda de clientes, não será possível combater de maneira eficaz a exploração e a humilhação de vidas inocentes”.
Na verdade, como diz e muito bem, é preciso combater o flagelo da prostituição organizada e escravizante em todas as frentes: acolhendo as mulheres em situação de fragilidade que as exponha à tentação da devassa por parte da rede e dos clientes, apostando na recuperação das que se sentem amarradas pelo sistema e ou ‘não querem’ (?) ou não podem sair, agindo sobre os angariadores e lucradores da rede e desmotivando e travando a demanda de clientes
Isto é uma forma abjeta de corrupção e a corrupção é uma “doença” pública que não se detém sozinha. É necessária a “tomada de consciência individual e coletiva, e também eclesial”, diz o Sumo Pontífice, “para ajudar realmente essas nossas desventuradas irmãs e para impedir que a iniquidade do mundo caia sobre as criaturas mais frágeis e indefesas”. Com efeito, “toda a forma de prostituição” – repete-se – é escravidão, ato criminoso, vício péssimo que confunde a relação de amor com “o desafogo dos próprios instintos, torturando uma mulher indefesa.
É, pois, urgente combater esta ferida na consciência coletiva, esta doença da humanidade. Neste combate ninguém pode ficar indiferente. É a misericórdia benevolente que deve prevalecer ao lado do dever a impelir-nos à conformação com a vontade divina de recuperar todos os seres humanos para a dignidade que lhes é consubstancial e inerente e para o caminho da salvação.
De facto, “libertar essas pobres escravas é um gesto de misericórdia e um dever para todos os homens de boa vontade”, que não podem ficar insensíveis ao seu grito de dor ou lavar as mãos, como Pôncio Pilatos, “do sangue inocente que é derramado nas estradas do mundo”. O contrário será a negação do serviço a Cristo com esclarece o discurso do fim dos tempos (vd Mt 25,31,46).
E Cristo (e as pessoas em quem Ele se revê) merece tudo o que nós possamos fazer!
2019.07.30 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Estudo de impacte ambiental favorável ao novo aeroporto no Montijo


Novo aeroporto no Montijo será realidade ou não, consoante houver ou não vontade política e capacidade de contornar as objeções. O documento de impacte ambiental está em consulta pública desde hoje, dia 29 de julho.
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A ANA – Aeroportos de Portugal e o Estado assinaram, a 8 de janeiro passado, o acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, com um investimento de 1,15 mil milhões de euros até 2028 para aumentar o atual aeroporto Humberto Delgado (Lisboa) e transformar a base aérea do Montijo no novo aeroporto, mantendo operacional o aeroporto Humberto Delgado.
O projeto do Aeroporto do Montijo e respetivas acessibilidades, além da construção de um novo aeroporto na região de Lisboa, inclui a construção de um novo acesso rodoviário, que permitirá estabelecer a ligação do futuro aeroporto à A12.
O futuro aeroporto do Montijo deverá ser implantado dentro dos limites da BA6 (Base Aérea n.º 6), na margem esquerda do Tejo, a 25 quilómetros de Lisboa, na sua quase totalidade no concelho do Montijo, na União de Freguesias de Montijo e Afonsoeiro. Uma pequena área da BA6, a nordeste, que fica integrada no concelho de Alcochete, na freguesia do Samouco, não será afetada pela construção do Aeroporto.
Quem tem contestado a realização do EIA (estudo de impacte ambiental) é a associação ambientalista Zero, que interpôs, em março passado, uma ação judicial contra a APA (Agência Portuguesa de Ambiente) para que seja efetuada ao novo aeroporto uma Avaliação Ambiental Estratégica, um instrumento mais detalhado, que seria, no entender desta associação, a forma mais eficaz de avaliar verdadeiramente os efeitos do novo aeroporto nas questões do ordenamento do território, do ruído e da interferência com as espécies animais. Quer ainda a Zero que a avaliação ambiental estratégica evidencie todas as alternativas, incluindo a não construção do aeroporto.
O EIA ao aeroporto do Montijo entrou hoje, dia 29, em consulta pública, que se prolongará até 19 de setembro, podendo os interessados participar para que os contributos sejam considerados no parecer da APA.
No dia 27, a ANA recebeu da APA a declaração de conformidade do EIA ao aeroporto do Montijo e respetivas acessibilidades e o arranque do processo de consulta pública. Nesta fase, o objetivo é recolher contributos, opiniões, críticas de interessados, sejam cidadãos ou entidades, sejam organizações não governamentais do ambiente.
A informação recolhida na consulta pública ajudará à tomada de decisão sobre a avaliação de impacte ambiental, um instrumento que ausculta as preocupações e prováveis consequências ambientais do novo aeroporto. A APA emitirá então a Declaração de Impacte Ambiental, um parecer que levará à aprovação ou ao chumbo do projeto.
A 4 de janeiro, Pedro Marques, então ministro do Planeamento e das Infraestruturas, assegurou que serão integralmente cumpridas eventuais medidas de mitigação definidas no EIA e o Primeiro-Ministro, António Costa, disse que aguardava o EIA para a escolha da localização do novo aeroporto ser “irreversível” e Humberto Delgado que “não há plano B” para a construção dum novo aeroporto complementar de Lisboa caso o EIA chumbe a localização no Montijo.
A 13 de julho, a ANA adiantou que tinha enviado à APA informação adicional solicitada por esta no âmbito do EIA. Após a consulta pública, a APA fará a análise da informação que lhe chegará e poderá pedir mais elementos até à emissão da decisão de instar à aprovação ou ao chumbo do projeto. E disse  no dia 27  que a consulta pública será suportada no ‘site’ da APA, mas que irá lançar um ‘site’ com informação sobre o projeto, desde logo com a referência à parceria com as câmaras municipais dos concelhos envolvidos no novo aeroporto.
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Do lado do EIA apresentado pela ANA, aponta-se a viabilidade da construção do futuro aeroporto do Montijo nos terrenos da atual BA6 (Base Aérea n.º 6), apesar de alguns impactes negativos no ambiente e na população.
O estudo elenca diversas ameaças para a avifauna e efeitos negativos na saúde da população por causa do ruído. Só após a consulta pública é que haverá lugar a uma decisão definitiva com a emissão de declaração de impacte ambiental por parte da APA, onde serão determinadas medidas mitigadoras dos efeitos negativos sinalizados.
Do conjunto da documentação disponibilizada no ‘site’ da APA consta um aditamento entregue este mês em que se reconhece um impacte “muito significativo” para uma espécie de ave, a fuselo – Limosa lapponica, “moderadamente significativo” para nove espécies e “pouco significativo” para 18 outras. Porém, do ponto de vista do impacto global previsto para a avifauna, os responsáveis consideram que “é, em geral, pouco significativo a moderado para a comunidade estudada, e não ‘muito significativo’, como mencionado no parecer dantes fornecido ao EIA”. É mesmo de referir que o impacte global é muito significativo apenas para uma espécie, o que representa apenas cerca de 4% do elenco em causa”.
A caraterização efetuada para a fauna permitiu elencar 260 espécies para a área abrangida pelo estudo. E, das espécies identificadas, 45 aves apresentam estatuto de proteção.
Os impactes mais importantes na fase de exploração são para as aves decorrendo da circulação de aeronaves sobre o estuário do Tejo, em especial para norte, e “que irá causar uma elevada perturbação ao nível do ruído nos habitats de alimentação e refúgio para este grupo”. Os autores do documento assentam em que “estes impactes são mesmo considerados como os mais significativos do projeto”, dizendo, no entanto, que, por estar em causa a afetação de habitats de refúgio/alimentação de várias espécies importantes, “é proposto um conjunto de medidas de compensação/mitigação que visa a beneficiação de habitats” e permite “reduzir a significância do impacte identificado”. E, sobre os impactes atinentes à mortalidade de aves por colisão com aeronaves (bird strike), concluem que “para o elenco estudado, nenhuma das espécies terá as suas populações afetadas de forma importante”.
Outro dos impactes negativos esperado para a fase de exploração do futuro aeroporto está associado à perturbação pelo ruído decorrente do atravessamento de aeronaves numa parte do território do Barreiro e da Moita, “que poderá condicionar a expansão urbanística prevista para este território”, prevendo-se que o concelho da Moita seja o mais afetado. Contudo, “com a aplicação de medidas ambientais adequadas e indicadas para o Ambiente Sonoro”, o impacte pode ser, de certa forma, “minimizado”.
Todos os dados do impacte ambiental já estão presentes, ainda que em menor escala atualmente. Com efeito, a população avifauna e humana desta zona “está maioritariamente exposta ao ruído do tráfego rodoviário e, em menor escala, do tráfego da linha ferroviária do Sado, de movimentação de pessoas em zona de lazer e outras, do tráfego fluvial, de atividades agrícolas e industriais, e das operações aéreas militares da BA6 (Base Aérea n.º 6). Assim, estima-se que, dados os níveis sonoros atuais a que a população se encontra exposta, já ocorrem efeitos negativos na saúde das pessoas. Com efeito, de acordo com o EIA, dos cerca de 94.000 adultos residentes na área em causa, estima-se que “cerca de 11 a 12% possam sofrer de elevada incomodidade, 17% de incomodidade e cerca de 3% de elevadas perturbações do sono”. Entende-se por ‘incomodidade’ “um conjunto de reações negativas como irritação, insatisfação, raiva, ansiedade, agitação ou distração, que ocorre quando o ruído perturba as atividades diárias de um dado indivíduo”. E as perturbações do sono abrangem o “adormecer, despertar, duração reduzida do sono, alterações das fases e profundidade do sono e aumento do número de movimentos corporais durante o sono”.
Prevê-se que, na fase da construção, haja impactes negativos na população da zona envolvente do lado da “elevada incomodidade” e do das elevadas perturbações do sono. E, na fase de exploração, devido ao aumento dos níveis sonoros nas aterragens e descolagens, prevê-se “um aumento da população afetada no respeitante ao parâmetro ‘elevadas perturbações do sono’ e a potencial afetação de 6.555 (no ano de 2022) a 7.744 adultos (no ano de 2042), e ao parâmetro ‘elevada incomodidade’”, com “uma potencial afetação de 12.455 (no ano de 2062) a 13.723 adultos” (no ano de 2022).
Esclarecem os peritos que os impactes que decorrem desta afetação resultam em pouco significativos a significativos, sendo os concelhos mais afetados a Moita e o Barreiro”.
Ainda na fase de exploração, devido à acessibilidade de passageiros ao aeroporto por via rodoviária e à presença e funcionamento dos novos acessos, “estima-se que exista um aumento da população afetada no concernente ao parâmetro ‘elevadas perturbações do sono’, entre 1.200 a 1.400 adultos (no ano de 2022 e no de 2042, respetivamente), que se traduz num impacte negativo pouco significativo a muito significativo”. E, no que diz respeito ao parâmetro ‘elevada incomodidade’, prevê-se “a potencial afetação de cerca de 3.300 a 4.200 adultos (no ano de 2022 e no de 2042, respetivamente), que se traduz num impacte negativo pouco significativo a significativo nos concelhos do Montijo e Alcochete”.
Apesar destes impactes negativos na saúde da população, o EIA diz que “as medidas ambientais propostas para o Ambiente Sonoro servirão também para minimizar os impactes identificados na Saúde Humana devido aos efeitos do ruído”. 
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Se avançar, como se espera, o novo aeroporto trará mais ruído para as populações. Mais de 7.700 arriscam perturbações de sono daqui a 3 anos. Mas a região terá mais emprego.
Assim, a APA aprovou o EIA para o desenvolvimento do aeroporto depois de ter exigido resposta ou informação adicional em 123 itens que incluem impactos na avifauna, no bem-estar da população (sobretudo em termos de ruído) e na capacidade de resposta dos acessos à nova infraestrutura. O estudo elaborado pela Profico Ambiente e Ordenamento para a ANA, entre 2016 e 2019, aponta para efeitos positivos, mas também para riscos durante a fase de construção e sobretudo durante a de exploração. Para os efeitos negativos, o estudo propõe medidas de mitigação que serão agora avaliadas em fase de consulta pública. Só depois de concluída esta fase, em setembro, é que a APA decidirá se a nova infraestrutura é compatível com o ambiente. Da leitura do resumo técnico e das conclusões do estudo de impacte ambiental, o dossiê que foi colocado em consulta pública, tem cerca de 50 anexos distribuídos por milhares de páginas e fotografias, o Observador sinaliza como os impactes apontados como mais negativos as aves e as perturbações de sono, que quase triplicam.
Durante a fase de construção, é nos trabalhos de extensão da pista que surgem os impactes mais relevantes ao nível dos recursos hídricos superficiais e ecologia aquática no estuário do rio Tejo. Entre estes contam-se o aumento da turvação da massa de água e a eventual alteração da sua qualidade. Apesar de significativo, este impacto é classifico como localizado. Já na ecologia aquática, são afetadas comunidades e alguma vegetação, prevendo-se taxa de mortalidade elevada durante a execução da obra, mas há medidas de minimização previstas.
Mas é na fase de exploração que surgem mais efeitos negativos sobretudo a nível do ambiente (fauna e flora aquáticas) e da qualidade de vida das populações com aumento do tráfego rodoviário e do ruído, podendo estes efeitos ser reduzidos com medidas ambientais previstas, mas que prevalecendo, ainda assim. As principais “vítimas” do novo aeroporto serão as aves, sobre as quais se “farão sentir os maiores impactos decorrentes do aumento de pessoas, veículos e aeronaves na área do aeroporto, e da perturbação devido ao sobrevoo de aeronaves sobre os habitats de alimentação e refúgio das aves”, algumas das quais têm estatuto de proteção na lei, como o flamingo, maçarico-galego ou perna-vermelha-escuro.
Não obstante, o estudo concluiu que nenhuma das espécies terá as “suas populações afetadas de forma importante pela mortalidade imposta pelo bird strike (expressão usada para descrever aves atingidas por aviões), pois haverá medidas de compensação e mitigação.
Já o principal impacto negativo para os habitantes locais é o aumento do ruído que resulta das descolagens e aterragens das aeronaves na pista. As populações mais afetadas são as que vivem nos concelhos do Barreiro e da Moita, sobretudo na Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, mas haverá medidas de diminuição do nível de isolamento das fachadas dos recetores mais sensíveis.
Entre os efeitos negativos associados ao aumento do nível de sono está a subida da população afetada por elevadas perturbações do sono e elevada incomodidade (parâmetro de saúde), medido em pontos sensíveis como escolas, creches, lares e unidades de saúde, mas estão previstas medidas de mitigação.
O EIA apresenta e compara dois cenários: o número de pessoas que atualmente já são afetadas pelo ruído (tráfego rodoviário, linha ferroviária do Sado ou atividades agrícolas e industriais) e a população que será afetada com a exploração em pleno do aeroporto. E as diferenças são significativas.
Na área abrangida pelo estudo residem cerca de 94 mil pessoas, das quais se estima que “cerca de 11 a 12% possam sofrer de elevada incomodidade (…) e cerca de 3% de elevadas perturbações de sono”. São, pois, 10.300 a 11.280 pessoas, sem o aeroporto, a sofrer de “elevada incomodidade” e cerca de 2.820 pessoas com “elevadas perturbações de sono”. E, com a nova estrutura aeroportuária (e acessibilidades), o número de pessoas com “elevadas perturbações de sono” quase triplica em 2.022: para 7.755 pessoas (6.555 por causa das descolagens/aterragens e 1.200 devido ao aumento do tráfego rodoviário). O número de pessoas com “elevada incomodidade” também aumenta: 17.000 pessoas em 2022 (das quais 3.300 por causa do tráfego rodoviário adicional).
Os impactes positivos são ao nível do emprego e dos transportes. Na verdade, o EIA identifica também aspetos positivos que resultarão da entrada em funcionamento do novo aeroporto, sobretudo a nível económico e social. Antecipa-se uma dinamização da economia local com efeitos positivos no emprego. O aeroporto deverá gerar cerca de 4.577 postos na 1.ª fase, a partir de 2022, e 10.228 no final da 2.ª fase. Está também assinalado um crescimento do turismo local.
Em síntese, um reforço da competitividade da economia local que, por seu turno  se traduzirá na “melhoria da qualidade de vida das populações residentes”. E o EIA aponta ainda para efeitos positivos na rede de transportes e na mobilidade das populações locais que beneficiarão dos novos acessos rodoviários, designadamente da ligação direta entre a base área e a A12 e o acesso à Ponte Vasco da Gama com a criação dum novo nó.
Está ainda prevista a melhoria da oferta de transportes públicos, em particular com a quase duplicação da oferta no serviço fluvial para Lisboa com uma nova ligação entre o Cais do Funchalinho e o Cais do Sodré. A nova oferta beneficiará a população local, mesmo que a construção dos acessos rodoviários e o aumento do tráfego associados também resultem em impactos negativos “significativos” a nível sonoro e de paisagem, ainda que minimizáveis. São igualmente assinaladas melhorias na rede de transportes que serve os municípios mais próximos a nível de acessos rodoviários e de oferta de transportes públicos rodoviários.
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Nestes estudos sobressaem os efeitos negativos que parecem ser muito maiores que os positivos. E tal sucede sempre se pretende fazer uma obra de interesse para a comunidade: há sempre uma onda de críticas sustentada em razões ambientais, económicas, sociais e de saúde pública sem que se tenham na devida conta os benefícios que advenientes da obra. E dificilmente se faz uma apreciação lúcida do peso do custo e do benefício.
Só me pergunto duas coisas: relevam-se sempre os efeitos impactantes de ordem ambiental, social e de saúde já existentes ou apenas se faz isso para certas obras? Os grandes empreendimentos que dão lugar à especulação imobiliária também são sujeitos a um EIA? Já se pensou nos impactes na saúde e na comodidade das pessoas que moram em Lisboa e arredores causados pelo aeroporto da Portela, que agrega Figo Maduro?
Por motivos então badalados não há barragem no Coa nem no Sabor, mas fez-se a do Tua como se tinha feito a do Alqueva. Íamos deixando de fazer uma autoestrada por causa dos vestígios de dinossauros em Carenque. Entretanto, o país está cheio de mamarrachos sem apelo nem agravo, mas precisa de água armazenada para rega, consumo doméstico e industrial e produção elétrica.
É preciso fazer novo aeroporto porque a Portela não dá vazão. Tem de fazer-se seja no Montijo, seja em Rio Frio, Alcochete ou Ota. Que interesses instalados há para forçar ou travar um aeroporto? Há sempre razões para se quer ou não querer uma obra! Obviamente que o aeroporto internacional de Lisboa não vai construir-se em Alvite ou na Serra de Leomil, no planalto da Serra da Lapa, na Serra da Estrela ou em Fátima… Tem é de haver vontade política e sentido de estratégia para o país inserido na Europa e aberto ao mundo.
2019.07.29 – Louro de Carvalho