Conforme notícia
inicialmente avançada pela TVI e
pelo Observador e veiculada posteriormente
pela generalidade da comunicação social, o ex-Ministro da Defesa Nacional Azeredo
Lopes foi, no dia 4 de julho, constituído arguido no processo do furto do material
de guerra de Tancos e suposto encobrimento da reposição do material pelo
alegado crime de denegação de justiça e prevaricação, ou seja, pela suspeita de
que terá interferido no natural curso do processo de investigação ou de que não
terá avisado o MP (Ministério Público) da encenação da entrega de material furtado. Por isso, o antigo governante foi presente ao juiz de instrução criminal na
qualidade de arguido não detido.
O próprio
Azeredo Lopes confirmou a constituição como arguido em comunicado, em que
refere que, embora lhe dê mais garantias processuais, esta situação é
“socialmente destruidora”, mas que está “convicto” de que será ilibado.
Os
investigadores suspeitam que o agora arguido estaria a par da operação do
alegado encobrimento do furto de armas dos paióis de Tancos, através
de negociações entre o líder do grupo de assaltantes e investigadores da PJM (Polícia
Judiciária Militar). Essas
negociações terão alegadamente sido transmitidas ao então Ministro da Defesa
Nacional pelo coronel Luís Vieira, ex-diretor da PJM, e pelo
major Vasco Brazão, líder da investigação da PJM ao assalto a Tancos.
E o facto de o ex-titular da pasta da Defesa nada ter transmitido ao MP estará
na origem da imputação dos crimes de denegação de justiça e de prevaricação.
Como foi
referido, o ex-ministro foi presente ao juiz na qualidade de arguido não
detido. E, além da prestação de TIR (termo de identidade e residência), Azeredo Lopes ficou ainda com uma segunda medida de
coação: proibição de contactos com o coronel Luís Vieira, o major Vasco Brazão,
com diversos elementos da GNR de Loulé que também estão envolvidos no caso de
“achamento” das armas e
também com o seu antigo chefe de gabinete, general Martins Pereira, com o ex-CEME
(ex-chefe
de Estado Maior do Exército)
general Rovisco Duarte e ainda com o ex-chefe de gabinete do CEME.
Azeredo
Lopes anunciou hoje, dia 5, depois da notícia da TVI, que foi constituído
arguido no processo sobre o furto de Tancos, considerando que esta condição,
apesar de lhe garantir mais direitos processuais, é “socialmente destruidora”. Lamentando
ter sido constituído arguido no processo, considerando que este facto vai ter
implicações, confessou-se “um empenhado defensor do Estado de Direito”, pelo
que não tecerá “quaisquer considerações sobre o processo enquanto estiver em
segredo de justiça, como é o caso”, ainda que tenha apontado que a condição de arguido
é absolutamente inexplicável tendo em conta os factos relativos ao seu
envolvimento do processo, que “foi apenas de tutela política”.
Assegurou confiar
na Justiça, prometeu colaborar com ela por dever de cidadania e mostrou-se convicto
de que, por nada ter feito de “ilegal ou incorreto”, que será “completa e
absolutamente ilibado de quaisquer responsabilidades neste processo”.
Entretanto, o gabinete
de imprensa da Procuradoria-Geral da República confirmou que, no âmbito de
inquérito dirigido pelo DCIAP, com investigação delegada e realizada pela UNCT (Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo) da PJ (Polícia
Judiciária), tendo por objeto o furto aos
paióis de Tancos e o achamento do material furtado, foram, no dia 4, “constituídos
e submetidos a interrogatório judicial dois arguidos”.
E o TIC (Tribunal
de Instrução Criminal)
decidiu aceitar a proposta do MP neste dia 5.
O segundo
arguido referido é, como como confirmou o Público
junto de fonte ligada ao processo, um técnico do Laboratório de Polícia
Técnica e Científica da Polícia Judiciária Militar que foi presente
ao juiz de instrução, para aplicação de medidas de coação. Para lá do TIR,
“foram-lhe aplicadas as medidas de suspensão de funções e proibição de
contactos”, diz a PGR no email enviado ao Público. Também este arguido é
indiciado de coautoria dos crimes de denegação de justiça e de prevaricação, falsificação
de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por
funcionário e abuso de poder.
Recorde-se
que Azeredo Lopes, agora o 23.º arguido do caso de Tancos, se demitiu do cargo
de Ministro da Defesa Nacional a 12 de outubro de 2018, depois de o então
diretor da PJM ter garantido que o ex-governante tinha sido por ele informado
sobre a encenação do aparecimento das armas, o que o ex-ministro sempre negou.
O
processo-crime sobre Tancos tem na base suspeitas de associação criminosa,
tráfico de armas e terrorismo no furto do armamento, tendo a PJ detido, a 25 de
setembro de 2018, nove pessoas, das quais oito militares do exército e da GNR.
O furto de
material de guerra foi divulgado pelo Exército a 29 de Junho de 2017, um dia
depois do desaparecimento. Quatro meses depois, a PJM revelou o aparecimento do
material furtado, na zona da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, em
colaboração com elementos do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé. Entre
o material furtado,
algum dele já recuperado então, estavam
granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e grande quantidade de
munições. E o processo de recuperação do material militar levou a uma
investigação judicial em que foram detidos vários responsáveis, entre eles o
agora ex-diretor da PJM Luís Vieira
e o ex-porta-voz da PJM Vasco Brasão. São ao
todo 23 arguidos.
Em relação
ao antigo titular da pasta da Defesa, estará em causa, segundo o DN, o memorando entregue a Azeredo Lopes
após a recuperação das armas furtadas do Tancos. Este memorando, que chegou ao
chefe de gabinete de Azeredo pelas mãos do Coronel Luís Vieira, ex-diretor da
PJM e do então coordenador da investigação, major Vasco Brazão, dois dias
depois do achamento, tinha informações que indicavam que a operação da PJM
decorrera à margem da lei.
O
entendimento do MP será o de que Azeredo, tendo em conta que há matéria que
pode sustentar a prática de um crime de denegação de justiça, deveria ter
participado às autoridades.
Juntamente
com o ex-governante foi também constituído arguido o responsável do laboratório
técnico da PJM, pelos mesmos crimes dos outros militares já arguidos.
O
processo tem agora um total de 23 arguidos, entre os suspeitos do assalto
propriamente dito, e militares da PJM e da GNR envolvidos no acordo com os
suspeitos do assalto, à margem da lei, para recuperar às armas.
O
ex-ministro da Defesa foi ouvido mais do que uma vez na CPI (comissão
parlamentar de inquérito)
ao caso de Tancos. Principalmente o PSD e o CDS pressionaram bastante o
ex-governante para explicar porque não tinha informado o MP logo que soube,
através do memorando, que a operação da PJM tinha contornos ilegais.
Azeredo
explicou que a ex-Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, o
contactou no dia 18 de outubro de 2017 – quando o material “apareceu” na
Chamusca – para o informar da ilegalidade da operação, tendo em conta que a
investigação estava a cargo da PJ civil e esta nem sequer tinha sido informada,
nem tão pouco o DCIAP, titular do inquérito. E, questionado sobre que medidas
tinha tomado, Azeredo Lopes afirmou que, quando Marques Vidal lhe disse o que
se passara, não tivera “dúvidas nenhumas” de que “tinha havido uma violação de
deveres funcionais por parte da PJM” e de que “era inevitável um procedimento
disciplinar”. Contudo, como sublinhou, “a
Procuradora-Geral teve um entendimento diferente, pedindo para não dar
seguimento a esse processo, pois iria ser aberto um inquérito-crime, com base
numa denúncia anónima sobre as reais circunstâncias da recuperação do material”.
No
relatório final da CPI, elaborado por um relator do PS, que dividiu
completamente os partidos, excluía-se qualquer responsabilização direta de
Azeredo Lopes e de António Costa, referindo-se a que “não ficou provado” ter
havido interferência política na ação do Exército ou na atividade da PJM. Entretanto,
o relator do PS fez uma alteração para a versão final em que admite que Azeredo
Lopes “secundarizou” o conhecimento que teve de “alguns elementos” do memorando
da PJM sobre a recuperação do material furtado.
As
propostas alternativas, na maioria do CDS, que apontavam, por exemplo, para o
conhecimento, por parte do ex-ministro da Defesa, do memorando feito por
elementos da PJM, que apontava para uma encenação na recuperação do material, 4
meses após o furto, foram chumbadas com os votos do PS, PCP e BE. É certo que CDS
e PSD votaram a favor, mas os votos foram insuficientes para tais propostas
vingarem.
***
O teor do comunicado do ex-Ministro da Defesa Nacional, hoje divulgado, é
o seguinte:
1. Comunico que fui ontem constituído arguido no
processo relativo ao chamado ‘caso Tancos’;
2. Esta condição, se é verdade que me garante mais
direitos processuais, é absolutamente inexplicável tendo em conta os factos
relativos ao meu envolvimento do processo, que foi apenas de tutela política;
3. Confio na Justiça, com ela colaborarei, como é meu
dever, e estou convicto, porque nada fiz de ilegal ou incorreto, que serei
completa e absolutamente ilibado de quaisquer responsabilidades neste processo;
4. Mas não escondo que esta situação me desgosta e
constrange, pois a condição de arguido, sendo juridicamente garantística dos
meus direitos, é socialmente destruidora;
5. Sou um empenhado defensor do Estado de Direito,
pelo que não tecerei quaisquer considerações sobre o processo enquanto estiver
em segredo de justiça, como é o caso.
***
É natural
que o ex-governante se sinta penalizado socialmente na condição de arguido,
como é normal que “um empenhado defensor do Estado de Direito” diga confiar na
Justiça e não teça comentários “sobre o processo enquanto estiver em segredo de justiça”. Fica-lhe bem a manifestação desse
desgosto e a contenção verbal sobre o processo. Porém, o seu envolvimento
apenas de tutela política não o ilibaria de responsabilidades políticas, se as houvesse,
que teriam consequências, como, por exemplo, a demissão ou a exoneração. E ele,
no âmbito da tutela política interveio no caso do Colégio Militar. Portanto, não
é convincente a alegação da mera tutela política.
Já é trivial
o porfiar que nada fez de ilegal ou incorreto – todos dizem isso, nomeadamente
políticos quando se abatem sobre si acusações sobre desempenho de cargo público.
Não conheço o
perfil pessoal do ex-ministro e não morro de amores pelo seu desempenho político.
Porém, devo dizer que me parece injusto e inoportuno o MP vir com a sua
constituição de arguido, por motivos de teor e de circunstância.
Injusto,
porque dificilmente o detentor de cargo governativo interferiria num processo de
operações militares ou paramilitares (o caso do Colégio Militar não o
levou a interferir em operações, mas em orientação de cidadania – concorde-se
ou discorde-se) e porque, mesmo
a haver matéria suspeita de ilícito criminal, partir do momento em que a
Procuradora-Geral da República o dissuadiu da promoção de processo disciplinar
porque iria ser instaurado inquérito-crime, não fazia sentido a denúncia
ministerial ao MP. Quando muito, este deveria solicitar ao governante a informação
de que eventualmente dispusesse.
E é
francamente inoportuna esta intervenção do MP e do JIC, porquanto foi tomada dois
dias após a votação no plenário parlamentar do relatório da CPI sobre o caso de
Tancos, que maioritariamente julga que o Governo, e em especial Azeredo Lopes, não
tem responsabilidades no caso. Mesmo a predita secundarização do conhecimento
de alguns elementos não dará para a constituição de arguido.
Mais grave,
do meu ponto de vista, é o facto de o seu chefe de gabinete ter estado um ano
sem fazer a apresentação do predito memorando ao MP.
Como não acredito
na casualidade das coincidências, dá-me a entender que o MP, escudado na sua
autonomia e os tribunais – neste caso os TIC – ancorados na sua independência,
parecem ter uma agenda que, no mínimo, compete bem com a dos outros órgãos de soberania.
António José Seguro perguntaria: “Qual é
a pressa”? E é pior o facto de parecer que o MP e o JIC tomam posição em
linha com uma fação derrotada no Parlamento, o que não ilustra a autonomia e a independência,
respetivamente.
Por fim, o
MP deveria explicar de que forma um técnico do Laboratório de Polícia Técnica
e Científica da Polícia Judiciária Militar é responsabilizado num
típico processo operacional (Não se vislumbra, nos dados publicados, qualquer análise
de material, verdadeira ou forjada…). A falta
de explicação de conteúdo e oportunidade permite inferir que se trata de pretexto
para engrossar o caso, dar-lhe complexidade e pendor espetacular e, quiçá,
conduzir à extinção da PJM. Como diria o povo, o técnico de laboratório fica
ali como a viola num enterro.
2019.07.05 – Louro de Carvalho
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