Como escreveu Graça Henriques no DN, a 29 de Julho, “a ex-eurodeputada costuma estar antes de a polémica
nascer” e, assim, “denuncia com estrondo”.
***
Sustenta,
através de Carlos César, uma polémica com o PS, cuja génese está na transferência
de João Félix do Sport Lisboa Benfica para o Atlético de Madrid por 126
milhões de euros, a mais cara em Portugal, tendo a também ex-embaixadora
questionado “se não se trataria de um negócio de lavandaria”, o que levou o
presidente benfiquista a pedir uma posição ao partido e a anunciar um processo
contra Ana Gomes.
Incomodado,
Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, escreveu a Carlos César, presidente
do PS e líder do grupo parlamentar do partido a perguntar se a posição de Ana Gomes reflete a do
partido ou se as declarações da socialista não merecem rejeição e
repúdio do Partido Socialista.
Por seu
turno, César distanciou-se respondendo que as opiniões de ex-eurodeputada refletem apenas uma posição própria e
pessoal, que não vincula o PS, deixando o líder benfiquista satisfeito, que disse
na RTP que PS diz que declarações de Ana Gomes não vinculam o partido
socialista. Porém, a ex-eurodeputada retorquiu a César no passado dia 26:
“Agradeço ao presidente Carlos César o afã
de esclarecer o óbvio: não
represento o PS e o que digo e escrevo só me vincula. Sendo socialista, e
não apparatchick, não abdico de usar a minha cabeça... Já
César usa o que pode face a Vieira: a César, o que é de César. E viva o Partido
Socialista.”.
E, no dia
28, voltou à carga acusando Carlos César de fechar os olhos aos crimes
financeiros do futebol. E este, no dia 29, em declarações ao DN, disse que a socialista tem “o hábito de insultar quem não lhe faz a
corte”. Este dito, além de insolente, é de mau tom, Senhor.
César
considera necessário “aclarar que ela podia falar em nome do PS quando era
assalariada do aparelho do partido, mas agora não”. Mais outro disparate. Não
parece curial que César fale em assalariados do aparelho. Não é o partido que
paga aos embaixadores, deputados, autarcas e eurodeputados. Se César se
considera assalariado do aparelho partidário, tem um problema grave para
resolver e que liberte o partido desse encargo.
O Benfica,
supondo que a declaração de Ana Gomes “não
configura um caso de mero exercício de liberdade de expressão”, mas o propósito
“denegrir o nome” do clube, diz ir processá-la.
***
Também no âmbito do futebol, em meados deste mês, Ana Gomes disse que o hacker Rui Pinto, colaborador do Football Leaks, fez denúncias anónimas através duma plataforma do DCIAP
(Departamento
Central de Investigação e Ação Penal) que não
foram investigadas pela Justiça.
Fez esta
revelação após uma visita ao estabelecimento prisional da PJ (Polícia
Judiciária), em Lisboa, onde o jovem está em
prisão preventiva desde março, e garantiu que muitas dessas denúncias, realizadas entre 2017 e 2018, diziam respeito a
eventuais casos de corrupção.
A diplomata
encontrou-se nesse dia com a Ministra da Justiça Francisca Van Dunem e criticou a falta de ação da justiça, em
comparação com o já foi feito noutros 9 países que abriram investigações depois
de denúncias do hacker português. Contou Ana Gomes:
“Rui Pinto disse-nos que, entre os anos 2017 e 2018, tinha feito submissões
através da plataforma de denúncias anónimas do DCIAP e verificou que nenhuma
delas foi investigada. Muitas
diziam respeito a eventuais casos de corrupção de elementos ligados a forças da
autoridade.”.
E, na conferência “O novo Regime da Proteção de Denunciantes” (Whistleblowers), promovida pela agência Lusa em Lisboa, em maio, disse:
“Rui Pinto está a ser tratado como um vulgar criminoso, enquanto as
autoridades judiciais [portuguesas] atuam a pedido de um fundo de investimento,
a Doyen, que nem sequer paga impostos em Portugal. Não há nenhuma razão de
proteção de interesse público que explique porque é que as autoridades
portuguesas não pediram a colaboração de Rui Pinto. Isto, independentemente de
os crimes pelos quais ele é alegadamente acusado serem julgados.”.
Esta
polémica foi outra em que o Benfica anunciou processá-la após ela ter defendido
o hacker e dito em entrevista
ao Record que o líder do clube tinha “um passado de delinquência”. Eis o que ali
vem escrito:
“Extraordinariamente, a SAD, o clube e o seu dirigente máximo não são
acusados [no âmbito do processo e-toupeira]. Sabemos que o dirigente máximo do
clube está referenciado em várias listas de grandes devedores do país por
vários empréstimos não pagos. Há todo um passado de delinquência ligado a essa
pessoa. Há inúmeros elementos que apontam para o facto de o Benfica poder ter
especial interesse em que alguém que tem um acervo considerável de documentos
de vários clubes não só possa ser posto sob controlo, mas inclusivamente o seu
arquivo também o seja.”.
***
As polémicas
em que se mete Ana Gomes já vêm de longe. Em 2007, iniciou a grande batalha que viria a
ficar conhecida como os voos da CIA. A então eurodeputada socialista
entregou extenso dossiê na PGR (Procuradoria-Geral da República) a denunciar
a utilização do nosso território pelos voos secretos dos espiões americanos.
O processo, que além de Ana Gomes tinha como assistente o jornalista Rui Costa
Pinto, foi arquivado ao fim de 2 anos e
meio por não terem sido recolhidos indícios que levassem a uma acusação.
E um dos seus alvos nesta questão foi Durão Barroso, ao tempo presidente da
Comissão Europeia e que tinha sido Primeiro-Ministro entre março de 2002 e
agosto de 2004. A eurodeputada disse, numa entrevista ao jornal I, em 2016:
“Foi responsável por todo o processo de colaboração das autoridades
portuguesas com os chamados voos de tortura da CIA”.
Nessa entrevista,
atacou Barroso por ter sido anfitrião da cimeira das Lajes (com Tony
Brair, do Reino Unido, George W. Bush, dos EUA, e Jose Maria Aznar, da Espanha) prévia à guerra do Iraque:
“Durão Barroso é uma pessoa
que teve responsabilidades políticas claras na invasão Iraque, como
anfitrião da cimeira das Lajes. Sabia perfeitamente que estava atuar na base de
informações que eram mentirosas. Sei bem o que foi dito em reuniões que mantive
com ele enquanto responsável do PS pelas relações internacionais. Ele tinha a perfeita noção de que não só
estava a violar o direito internacional, como a atuar na base de informações
que eram mentirosas. Não teve escrúpulos em fazer o que fez politicamente.”.
Durão
Barroso negou ter dado qualquer
autorização ou ter conhecimento de voos ilegais da CIA enquanto
esteve no Governo.
Ora, Ana
Gomes que integrou a comissão de
inquérito do Parlamento Europeu que se debruçou, entre 2005 e 2007, sobre a
utilização do território europeu e a cumplicidade de alguns Estados-membros no
programa de rendições extraordinárias de suspeitos de terrorismo montado
pela CIA após os atentados de 11 de Setembro, denunciou, sobre Portugal, a
presença na base das Lajes, nos Açores, de suspeitos de terrorismo detidos
ilegalmente por agentes da CIA e militares norte-americanos (Os aviões
passavam pelo espaço aéreo dos Açores rumo a Guantánamo, em Cuba; e alguns voos fizeram escalas de vários dias em
aeroportos portugueses, como o do Porto e o de Ponta Delgada).
Aquando da denúncia,
considerou o processo imparável. E dava como exemplo o facto de “muitas vítimas
de abusos, prisões, sequestros e torturas” estarem “a ser libertadas por parte
dos americanos de Guantánamo, porque chegaram à conclusão de que a maior parte
destas pessoas” estavam, “de facto, ilibadas de suspeitas”. Mas, para a
PGR, a única hipótese de o inquérito ser reaberto era surgirem “factos novos”.
***
A questão dos submarinos e o
pedido de investigação do património de Portas foi outro cavalo
de batalha da aguerrida socialista. O processo foi arquivado em 2014, mas a
ativista viria a insistir na reabertura do caso com base nas revelações dos Panama Papers – que suscitou uma
comissão no Parlamento Europeu da qual foi vice-presidente. A socialista,
que foi assistente no processo em Portugal, defendeu que a PGR deveria reabrir
“o caso de corrupção de alto nível” que envolveu Portugal e Alemanha, quando
Paulo Portas era Ministro da Defesa Nacional, pois tinha de se apurar quem
beneficiou de luvas de 10 milhões de euros pagas pelos fornecedores.
E, há quatro
anos, quando anunciou ter requerido a abertura do processo, defendeu “haver elementos” que justificavam
uma investigação ao património de Portas, devendo também ser investigado
Barroso. Mais: segundo Ana
Gomes, Portas teve um papel “relevante”,
senão mesmo determinante na forma como foram negociados os contratos de compra
dos submarinos e as contrapartidas. Refere um documento apresentado pela
socialista:
“É inconsistente com o rumo
da investigação que um dos principais intervenientes no negócio e principal
decisor político não tenha sido nunca considerado formalmente suspeito dos
crimes de corrupção passiva e/ou de prevaricação e que essa hipótese
nunca tenha sido realmente assumida e investigada”.
O processo foi arquivado em definitivo por, em
novembro de 2015, o TRL (Tribunal da Relação de
Lisboa)
considerou que alguns factos tinham prescrito e não havia outros novos que pudessem redundar em acusação.
***
Quando, em
2017, se soube que José Júlio Pereira Gomes seria o novo chefe das secretas, Ana
Gomes, escandalizada, fez ouvir a sua voz a afirmar, em declarações ao DN, que ficou “muito surpreendida e apreensiva”. Embora dissesse não estar
em causa o seu percurso profissional,
afirmava que lhe faltava “perfil psicológico”. Conhecem-se desde o tempo
da luta pelo referendo que daria na independência de Timor-Leste: ela era embaixadora de Portugal em Jacarta,
ele chefiava no território uma missão portuguesa de observação. Dizia
Ana Gomes:
“Tenho
dúvidas de que o embaixador Pereira Gomes tenha capacidade para aguentar
situações de grande pressão. Não inspira confiança e autoridade junto dos seus
subordinados nos serviços de informações.”.
A sua “apreensão”
tem a ver com factos ocorridos em 1999 e que foram notícia em Portugal,
enviados pelos jornalistas portugueses que aí ficaram, iniciada a onda de
violência com que os anti-independência responderam à vitória do “sim” à
consulta de 30 de agosto.
Ana Gomes
disse que a missão portuguesa
abandonou o território a 9 de setembro por insistência de Pereira Gomes, contrariando
diretivas diretas do Governo português e pedidos da própria embaixadora.
A saída ocorreu na véspera da chegada ao território duma importante missão de
observação do Conselho de Segurança da ONU. E a ex-embaixadora denunciou que Pereira
Gomes se mostrou indiferente ao destino dos timorenses que trabalhavam para os
observadores portugueses. Ao invés, em e-mail para o DN, Pereira Gomes afirmava:
“Hoje, volvidos 18 anos, não tenho nada a acrescentar ou a corrigir ao
que deixei então registado [num livro de memórias sobre a sua experiência
timorense]. (…) A evacuação de Timor-Leste dos últimos observadores, onde me
incluía, resultou de ordem expressa do Governo Português; todos os timorenses –
e seus familiares – que tinham trabalhado com a nossa Missão de Observação e
connosco se tinham refugiado nas instalações da UNAMET, foram evacuados
connosco e em virtude da nossa intervenção.”.
Em menos de
um mês, o embaixador comunicava ao Primeiro-Ministro, António Costa, a sua
indisponibilidade para aceitar o cargo de secretário-geral do SIRP (Sistema de
Informações da República Portuguesa), alegando
que importava salvaguardar a dignidade do cargo de polémicas.
***
A subconcessão
dos ENVC (Estaleiros
Navais de Viana do Castelo) ao grupo naval Ria/Martifer Energy foi outro assunto
que Ana Gomes levou à PGR em 2013. Na fundamentação lia-se:
“Na atribuição da subconcessão, por parte do Estado Português, dos
terrenos e infraestruturas da empresa pública Estaleiros Navais de Viana do
Castelo (ENVC) ao agrupamento empresarial Navalria/Martifer Energy, anunciada
pela administração dos ENVC em 18 de outubro de 2013, terá havido violação de normas que, nos termos do Código Penal,
punem a corrupção, o tráfico de influência, o abuso de poder, o favorecimento
de interesses privados”.
A queixa-crime incidia sobre 58 pontos, todos
considerados como prova de violação de normas previstas e punidas no Código
Penal, desde o desinvestimento estatal nos ENVC e respetivas
contrapartidas para os ENVC, ao período que vai da anunciada privatização ao
processo de subconcessão, passando pela investigação em curso na Comissão
Europeia (Ana Gomes também ali entregou uma participação) por ajudas de Estado “entre 2006 e 2012”, às
cláusulas do Caderno de Encargos, bem como do Programa de Procedimento do
Concurso Público.
Em 2015, a
eurodeputada voltava aos estaleiros e enviava cartas à Comissão Europeia, à PGR
e ao Tribunal de Contas, onde se queixava de ajudas de Estado na encomenda, por
ajuste direto, no valor de 77 milhões de euros, de dois navios-patrulha
oceânicos à West Sea, empresa do grupo Martifer, que ficou com a subconcessão
dos ENVC. E, em 2007, ainda sobre os ENVC, aponta Mário Ferreira, dono da Douro Azul. O
que levou o empresário a pedir a
Estrasburgo o levantamento da imunidade parlamentar da eurodeputada, acusando-a
de caluniar as suas empresas por ter classificado o processo de compra e venda
do navio Atlântida de ser “um negócio que tresandava a corrupção”
***
Face aos incómodos
que estava a causar ao PS por causa da “Operação Marquês”, Sócrates
escreveu, em maio de 2018, uma carta à direção do partido a pedir a desfiliação
para alegadamente acabar “com o
embaraço mútuo”, pois o ex-primeiro ministro estava acusado de 31 crimes
(3 de
corrupção passiva, 16 de branqueamento de capitais, 9 de falsificação de
documento e 3 de fraude fiscal qualificada). A isto
Ana Gomes disse o que pensava:
“Obviamente que essa carta de Sócrates serve a estratégia de vitimização que ele tem escolhido para fazer
face às acusações graves que contra ele pendem, portanto, não é nada de
estranho. (…) Só
espero é que esta atitude de Sócrates facilite e estimule o PS a fazer o
exercício de introspeção que é imperativo e que não pode mais ser adiado face
ao que se sabe já e ao que ainda não se sabe sobre a teia de corrupção que
tinha em Sócrates um ponto central.”.
E deixou
recado ao PS, para que faça tudo para que não haja mais este tipo de
comportamentos, e que adote “mecanismos
externos e internos para combater a corrupção”.
Dois anos
antes, a socialista acusara a direção do PS de deixar José Sócrates de manipular
e “sequestrar” o partido. Falava do facto de Sócrates aparecer em iniciativas
socialistas, nomeadamente num almoço em que foi homenageado no Parque das
Nações e numa iniciativa promovida pela FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa).
***
E, no atinente ao branqueamento de capitais, Ana Gomes
tem sido crítica do funcionamento da ZFM (Zona Franca da Madeira),
considerando que o sistema de
taxação serve para branqueamento de capitais. A questão levou-a a escrever aos comissários
europeus Pierre Moscovici (Assuntos Económicos e Financeiros), Margrethe Vestager (Concorrência) e Vera Jourová (Justiça, Consumidores e Igualdade de
Género), com conhecimento a Costa, Centeno
e António Mendonça Mendes, referindo que uma petrolífera italiana, sem atividade
na Madeira, é a entidade que obteve mais benefícios fiscais. Isto levou Paulo
Prada (presidente
da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira) a
responder que a empresa está na Madeira desde 1994 e no CINM (Centro
Internacional de Negócios da Madeira) há 25
anos, tem instalações na ZFI (Zona Franca Industrial), onde investiu 3 milhões de
euros, emprega cento e poucos trabalhadores (98% dos
quais são portugueses, altamente bem remunerados) que fazem a gestão das frotas, do pessoal e da manutenção dos petroleiros
e das plataformas petrolíferas, tem um navio registado no Registo Internacional
de Navios.
Outra
questão que a ex-eurodeputada colocou na carta prende-se com o facto de a
Autoridade Tributária nacional abdicar do exercício de competências essenciais
de controlo fiscal na Região Autónoma da Madeira e na Zona Franca em especial. E
diz Prada que é “outra mentira”, pois as grandes empresas, a petrolífera, são
fiscalizadas pela UGC (Unidade de Grandes Contribuintes).
***
Pode Ana
Gomes não ter razão em tudo quanto afirma, mas que as investigações não se
façam ou parem depois das denúncias é inacreditável. É isto e coisas parecidas
com isto que fazem suspeitar que, se há peixe graúdo, a investigação não surte,
a não ser em casos excecionais que o público já vê estarem a cair de podres e
que parecem valer apenas pela exemplaridade com eficácia discutível ou muito parcelar.
De resto, que há corrupção e grande (ou crimes afins), há-a seja no futebol, seja na política, seja nos
grandes grupos empresariais. E quiçá no aparelho judiciário, que nem parece
aproveitar os potenciais colaboradores…
A justiça, a
política, a economia, o desporto, o povo merecem mais e muto melhor! E é bom
que Ana Gomes continue a se a consciência crítica do PS e haja um interlocutor credível
dentro do partido que não tenha telhados de vidro!
2019.07.30 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário