quarta-feira, 31 de julho de 2019

A socialista Ana Gomes não descansa na denúncia dos desmandos


Como escreveu Graça Henriques no DN, a 29 de Julho, “a ex-eurodeputada costuma estar antes de a polémica nascer” e, assim, “denuncia com estrondo”.
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Sustenta, através de Carlos César, uma polémica com o PS, cuja génese está na transferência de João Félix do Sport Lisboa Benfica para o Atlético de Madrid por 126 milhões de euros, a mais cara em Portugal, tendo a também ex-embaixadora questionado “se não se trataria de um negócio de lavandaria”, o que levou o presidente benfiquista a pedir uma posição ao partido e a anunciar um processo contra Ana Gomes.
Incomodado, Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, escreveu a Carlos César, presidente do PS e líder do grupo parlamentar do partido a perguntar se a posição de Ana Gomes reflete a do partido ou se as declarações da socialista não merecem rejeição e repúdio do Partido Socialista.
Por seu turno, César distanciou-se respondendo que as opiniões de ex-eurodeputada refletem apenas uma posição própria e pessoal, que não vincula o PS, deixando o líder benfiquista satisfeito, que disse na RTP que PS diz que declarações de Ana Gomes não vinculam o partido socialista. Porém, a ex-eurodeputada retorquiu a César no passado dia 26:
Agradeço ao presidente Carlos César o afã de esclarecer o óbvio: não represento o PS e o que digo e escrevo só me vincula. Sendo socialista, e não apparatchick, não abdico de usar a minha cabeça... Já César usa o que pode face a Vieira: a César, o que é de César. E viva o Partido Socialista.”.
E, no dia 28, voltou à carga acusando Carlos César de fechar os olhos aos crimes financeiros do futebol. E este, no dia 29, em declarações ao DN, disse que a socialista tem “o hábito de insultar quem não lhe faz a corte”. Este dito, além de insolente, é de mau tom, Senhor.
César considera necessário “aclarar que ela podia falar em nome do PS quando era assalariada do aparelho do partido, mas agora não”. Mais outro disparate. Não parece curial que César fale em assalariados do aparelho. Não é o partido que paga aos embaixadores, deputados, autarcas e eurodeputados. Se César se considera assalariado do aparelho partidário, tem um problema grave para resolver e que liberte o partido desse encargo.  
O Benfica, supondo que a declaração de Ana Gomes “não configura um caso de mero exercício de liberdade de expressão”, mas o propósito “denegrir o nome” do clube, diz ir processá-la.  
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Também no âmbito do futebol, em meados deste mês, Ana Gomes disse que hacker Rui Pinto, colaborador do Football Leaks, fez denúncias anónimas através duma plataforma do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) que não foram investigadas pela Justiça.
Fez esta revelação após uma visita ao estabelecimento prisional da PJ (Polícia Judiciária), em Lisboa, onde o jovem está em prisão preventiva desde março, e garantiu que muitas dessas denúncias, realizadas entre 2017 e 2018, diziam respeito a eventuais casos de corrupção.
A diplomata encontrou-se nesse dia com a Ministra da Justiça Francisca Van Dunem e criticou a falta de ação da justiça, em comparação com o já foi feito noutros 9 países que abriram investigações depois de denúncias do hacker português. Contou Ana Gomes:
Rui Pinto disse-nos que, entre os anos 2017 e 2018, tinha feito submissões através da plataforma de denúncias anónimas do DCIAP e verificou que nenhuma delas foi investigada. Muitas diziam respeito a eventuais casos de corrupção de elementos ligados a forças da autoridade.”.
E, na conferência “O novo Regime da Proteção de Denunciantes” (Whistleblowers), promovida pela agência Lusa em Lisboa, em maio, disse:
Rui Pinto está a ser tratado como um vulgar criminoso, enquanto as autoridades judiciais [portuguesas] atuam a pedido de um fundo de investimento, a Doyen, que nem sequer paga impostos em Portugal. Não há nenhuma razão de proteção de interesse público que explique porque é que as autoridades portuguesas não pediram a colaboração de Rui Pinto. Isto, independentemente de os crimes pelos quais ele é alegadamente acusado serem julgados.”.
Esta polémica foi outra em que o Benfica anunciou processá-la após ela ter defendido o hacker e dito em entrevista ao Record que o líder do clube tinha “um passado de delinquência”. Eis o que ali vem escrito:
Extraordinariamente, a SAD, o clube e o seu dirigente máximo não são acusados [no âmbito do processo e-toupeira]. Sabemos que o dirigente máximo do clube está referenciado em várias listas de grandes devedores do país por vários empréstimos não pagos. Há todo um passado de delinquência ligado a essa pessoa. Há inúmeros elementos que apontam para o facto de o Benfica poder ter especial interesse em que alguém que tem um acervo considerável de documentos de vários clubes não só possa ser posto sob controlo, mas inclusivamente o seu arquivo também o seja.”.
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As polémicas em que se mete Ana Gomes já vêm de longe. Em 2007, iniciou a grande batalha que viria a ficar conhecida como os voos da CIA. A então eurodeputada socialista entregou extenso dossiê na PGR (Procuradoria-Geral da República) a denunciar a utilização do nosso território pelos voos secretos dos espiões americanos. O processo, que além de Ana Gomes tinha como assistente o jornalista Rui Costa Pinto, foi arquivado ao fim de 2 anos e meio por não terem sido recolhidos indícios que levassem a uma acusação. E um dos seus alvos nesta questão foi Durão Barroso, ao tempo presidente da Comissão Europeia e que tinha sido Primeiro-Ministro entre março de 2002 e agosto de 2004. A eurodeputada disse, numa entrevista ao jornal I, em 2016:
Foi responsável por todo o processo de colaboração das autoridades portuguesas com os chamados voos de tortura da CIA”.
Nessa entrevista, atacou Barroso por ter sido anfitrião da cimeira das Lajes (com Tony Brair, do Reino Unido, George W. Bush, dos EUA, e Jose Maria Aznar, da Espanha) prévia à guerra do Iraque:
Durão Barroso é uma pessoa que teve responsabilidades políticas claras na invasão Iraque, como anfitrião da cimeira das Lajes. Sabia perfeitamente que estava atuar na base de informações que eram mentirosas. Sei bem o que foi dito em reuniões que mantive com ele enquanto responsável do PS pelas relações internacionais. Ele tinha a perfeita noção de que não só estava a violar o direito internacional, como a atuar na base de informações que eram mentirosas. Não teve escrúpulos em fazer o que fez politicamente.”.
Durão Barroso negou ter dado qualquer autorização ou ter conhecimento de voos ilegais da CIA enquanto esteve no Governo.
Ora, Ana Gomes que integrou a comissão de inquérito do Parlamento Europeu que se debruçou, entre 2005 e 2007, sobre a utilização do território europeu e a cumplicidade de alguns Estados-membros no programa de rendições extraordinárias de suspeitos de terrorismo montado pela CIA após os atentados de 11 de Setembro, denunciou, sobre Portugal, a presença na base das Lajes, nos Açores, de suspeitos de terrorismo detidos ilegalmente por agentes da CIA e militares norte-americanos (Os aviões passavam pelo espaço aéreo dos Açores rumo a Guantánamo, em Cuba; e alguns voos fizeram escalas de vários dias em aeroportos portugueses, como o do Porto e o de Ponta Delgada).
Aquando da denúncia, considerou o processo imparável. E dava como exemplo o facto de “muitas vítimas de abusos, prisões, sequestros e torturas” estarem “a ser libertadas por parte dos americanos de Guantánamo, porque chegaram à conclusão de que a maior parte destas pessoas” estavam, “de facto, ilibadas de suspeitas”. Mas, para a PGR, a única hipótese de o inquérito ser reaberto era surgirem “factos novos”.
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A questão dos submarinos e o pedido de investigação do património de Portas foi outro cavalo de batalha da aguerrida socialista. O processo foi arquivado em 2014, mas a ativista viria a insistir na reabertura do caso com base nas revelações dos Panama Papers – que suscitou uma comissão no Parlamento Europeu da qual foi vice-presidente. A socialista, que foi assistente no processo em Portugal, defendeu que a PGR deveria reabrir “o caso de corrupção de alto nível” que envolveu Portugal e Alemanha, quando Paulo Portas era Ministro da Defesa Nacional, pois tinha de se apurar quem beneficiou de luvas de 10 milhões de euros pagas pelos fornecedores.
E, há quatro anos, quando anunciou ter requerido a abertura do processo, defendeu “haver elementos” que justificavam uma investigação ao património de Portas, devendo também ser investigado Barroso. Mais: segundo Ana Gomes, Portas teve um papel “relevante”, senão mesmo determinante na forma como foram negociados os contratos de compra dos submarinos e as contrapartidas. Refere um documento apresentado pela socialista:
É inconsistente com o rumo da investigação que um dos principais intervenientes no negócio e principal decisor político não tenha sido nunca considerado formalmente suspeito dos crimes de corrupção passiva e/ou de prevaricação e que essa hipótese nunca tenha sido realmente assumida e investigada”.
processo foi arquivado em definitivo por, em novembro de 2015, o TRL (Tribunal da Relação de Lisboa) considerou que alguns factos tinham prescrito e não havia outros novos que pudessem redundar em acusação.
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Quando, em 2017, se soube que José Júlio Pereira Gomes seria o novo chefe das secretas, Ana Gomes, escandalizada, fez ouvir a sua voz a afirmar, em declarações ao DN, que ficou “muito surpreendida e apreensiva”. Embora dissesse não estar em causa o seu percurso profissional, afirmava que lhe faltava “perfil psicológico”. Conhecem-se desde o tempo da luta pelo referendo que daria na independência de Timor-Leste: ela era embaixadora de Portugal em Jacarta, ele chefiava no território uma missão portuguesa de observação. Dizia Ana Gomes:
Tenho dúvidas de que o embaixador Pereira Gomes tenha capacidade para aguentar situações de grande pressão. Não inspira confiança e autoridade junto dos seus subordinados nos serviços de informações.”.
A sua “apreensão” tem a ver com factos ocorridos em 1999 e que foram notícia em Portugal, enviados pelos jornalistas portugueses que aí ficaram, iniciada a onda de violência com que os anti-independência responderam à vitória do “sim” à consulta de 30 de agosto.
Ana Gomes disse que a missão portuguesa abandonou o território a 9 de setembro por insistência de Pereira Gomes, contrariando diretivas diretas do Governo português e pedidos da própria embaixadora. A saída ocorreu na véspera da chegada ao território duma importante missão de observação do Conselho de Segurança da ONU. E a ex-embaixadora denunciou que Pereira Gomes se mostrou indiferente ao destino dos timorenses que trabalhavam para os observadores portugueses. Ao invés, em e-mail para o DN, Pereira Gomes afirmava:
Hoje, volvidos 18 anos, não tenho nada a acrescentar ou a corrigir ao que deixei então registado [num livro de memórias sobre a sua experiência timorense]. (…) A evacuação de Timor-Leste dos últimos observadores, onde me incluía, resultou de ordem expressa do Governo Português; todos os timorenses – e seus familiares – que tinham trabalhado com a nossa Missão de Observação e connosco se tinham refugiado nas instalações da UNAMET, foram evacuados connosco e em virtude da nossa intervenção.”.
Em menos de um mês, o embaixador comunicava ao Primeiro-Ministro, António Costa, a sua indisponibilidade para aceitar o cargo de secretário-geral do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa), alegando que importava salvaguardar a dignidade do cargo de polémicas.
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A subconcessão dos ENVC (Estaleiros Navais de Viana do Castelo) ao grupo naval Ria/Martifer Energy foi outro assunto que Ana Gomes levou à PGR em 2013. Na fundamentação lia-se:
Na atribuição da subconcessão, por parte do Estado Português, dos terrenos e infraestruturas da empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) ao agrupamento empresarial Navalria/Martifer Energy, anunciada pela administração dos ENVC em 18 de outubro de 2013, terá havido violação de normas que, nos termos do Código Penal, punem a corrupção, o tráfico de influência, o abuso de poder, o favorecimento de interesses privados”.
A queixa-crime incidia sobre 58 pontos, todos considerados como prova de violação de normas previstas e punidas no Código Penal, desde o desinvestimento estatal nos ENVC e respetivas contrapartidas para os ENVC, ao período que vai da anunciada privatização ao processo de subconcessão, passando pela investigação em curso na Comissão Europeia (Ana Gomes também ali entregou uma participação) por ajudas de Estado “entre 2006 e 2012”, às cláusulas do Caderno de Encargos, bem como do Programa de Procedimento do Concurso Público.
Em 2015, a eurodeputada voltava aos estaleiros e enviava cartas à Comissão Europeia, à PGR e ao Tribunal de Contas, onde se queixava de ajudas de Estado na encomenda, por ajuste direto, no valor de 77 milhões de euros, de dois navios-patrulha oceânicos à West Sea, empresa do grupo Martifer, que ficou com a subconcessão dos ENVC. E, em 2007, ainda sobre os ENVC, aponta Mário Ferreira, dono da Douro Azul. O que levou o empresário a pedir a Estrasburgo o levantamento da imunidade parlamentar da eurodeputada, acusando-a de caluniar as suas empresas por ter classificado o processo de compra e venda do navio Atlântida de ser “um negócio que tresandava a corrupção”
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Face aos incómodos que estava a causar ao PS por causa da “Operação Marquês”, Sócrates escreveu, em maio de 2018, uma carta à direção do partido a pedir a desfiliação para alegadamente acabar “com o embaraço mútuo”, pois o ex-primeiro ministro estava acusado de 31 crimes (3 de corrupção passiva, 16 de branqueamento de capitais, 9 de falsificação de documento e 3 de fraude fiscal qualificada). A isto Ana Gomes disse o que pensava:
Obviamente que essa carta de Sócrates serve a estratégia de vitimização que ele tem escolhido para fazer face às acusações graves que contra ele pendem, portanto, não é nada de estranho. (…) Só espero é que esta atitude de Sócrates facilite e estimule o PS a fazer o exercício de introspeção que é imperativo e que não pode mais ser adiado face ao que se sabe já e ao que ainda não se sabe sobre a teia de corrupção que tinha em Sócrates um ponto central.”.
E deixou recado ao PS, para que faça tudo para que não haja mais este tipo de comportamentos, e que adote “mecanismos externos e internos para combater a corrupção”.
Dois anos antes, a socialista acusara a direção do PS de deixar José Sócrates  de manipular e “sequestrar” o partido. Falava do facto de Sócrates aparecer em iniciativas socialistas, nomeadamente num almoço em que foi homenageado no Parque das Nações e numa iniciativa promovida pela FAUL (Federação da Área Urbana de Lisboa).
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E, no atinente ao branqueamento de capitais, Ana Gomes tem sido crítica do funcionamento da ZFM (Zona Franca da Madeira), considerando que o sistema de taxação serve para branqueamento de capitais. A questão levou-a a escrever aos comissários europeus Pierre Moscovici (Assuntos Económicos e Financeiros), Margrethe Vestager (Concorrência) e Vera Jourová (Justiça, Consumidores e Igualdade de Género), com conhecimento a Costa, Centeno e António Mendonça Mendes, referindo que uma petrolífera italiana, sem atividade na Madeira, é a entidade que obteve mais benefícios fiscais. Isto levou Paulo Prada (presidente da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira) a responder que a empresa está na Madeira desde 1994 e no CINM (Centro Internacional de Negócios da Madeira) há 25 anos, tem instalações na ZFI (Zona Franca Industrial), onde investiu 3 milhões de euros, emprega cento e poucos trabalhadores (98% dos quais são portugueses, altamente bem remunerados) que fazem a gestão das frotas, do pessoal e da manutenção dos petroleiros e das plataformas petrolíferas, tem um navio registado no Registo Internacional de Navios.
Outra questão que a ex-eurodeputada colocou na carta prende-se com o facto de a Autoridade Tributária nacional abdicar do exercício de competências essenciais de controlo fiscal na Região Autónoma da Madeira e na Zona Franca em especial. E diz Prada que é “outra mentira”, pois as grandes empresas, a petrolífera, são fiscalizadas pela UGC (Unidade de Grandes Contribuintes).
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Pode Ana Gomes não ter razão em tudo quanto afirma, mas que as investigações não se façam ou parem depois das denúncias é inacreditável. É isto e coisas parecidas com isto que fazem suspeitar que, se há peixe graúdo, a investigação não surte, a não ser em casos excecionais que o público já vê estarem a cair de podres e que parecem valer apenas pela exemplaridade com eficácia discutível ou muito parcelar. De resto, que há corrupção e grande (ou crimes afins), há-a seja no futebol, seja na política, seja nos grandes grupos empresariais. E quiçá no aparelho judiciário, que nem parece aproveitar os potenciais colaboradores…
A justiça, a política, a economia, o desporto, o povo merecem mais e muto melhor! E é bom que Ana Gomes continue a se a consciência crítica do PS e haja um interlocutor credível dentro do partido que não tenha telhados de vidro!
2019.07.30 – Louro de Carvalho    

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