terça-feira, 9 de julho de 2019

Vice-presidente demitido, vice-presidente posto

Soube-se a 7 de julho, que Manuel Castro Almeida abandonou a direção do PSD, de que era um dos vice-presidentes, em desacordo com Rui Rio e, logo a seguir, se conhece que foi sucedido por José Manuel Bolieiro, cujo nome já está inserido nos respetivos lugares do site do partido.
O até há pouco vice-presidente do PSD é licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e concluiu uma pós-graduação pelo Instituto Internacional de Administração Pública de Paris. Iniciou a vida profissional aos 16 anos como auxiliar administrativo da Câmara Municipal de São João da Madeira. Em 1982, foi técnico superior, chefe da Divisão Jurídica da Direção de Serviços de Apoio às Autarquias Locais e, mais tarde, administrador da CCDR (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte). Em 1991, foi eleito deputado à Assembleia da Republica, onde coordenou os deputados do PSD nas Comissões Parlamentares de Economia, Finanças e Plano, Educação, Ciência e Cultura e Obras Publicas, Transportes e Comunicações, tendo sido também vice-presidente do Grupo Parlamentar. Foi Secretário de Estado da Educação e do Desporto no 3.º Governo de Cavaco Silva (sendo Manuela Ferreira Leite Ministra da Educação) e Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional no Governo de Passos Coelho, de 22 de abril de 2013 a 30 de outubro de 2015 (sendo Poiares Maduro Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional); foi eleito, por três vezes consecutivas, Presidente da Câmara Municipal de São João da Madeira, cargo que deixou para integrar o Governo de Passos Coelho. Enquanto autarca, foi vice-presidente da Junta Metropolitana do Porto e presidente da Associação de Municípios das Terras de Santa Maria.
Desempenhou uma série de cargos a nível partidário, no PSD, como Secretário-Geral Adjunto, Vice-Presidente do PSD e Conselheiro Nacional do PSD. E, a 1 de fevereiro de 2016, tornou-se sócio e presidente do Conselho de Administração da Mistura Singular – Capital.
Com a chegada de Rui Rio à presidência do Partido Social Democrata, foi escolhido para ser um dos seis vice-presidentes do partido.
Desiludido com forma como partido é gerido por Rui Rio, sem ouvir os outros membros da direção para tomar decisões, Castro Almeida saiu da direção. Continuam por explicar os exatos motivos da sua decisão.
De acordo com o Público, na origem da decisão estará o descontentamento com a maneira “centralista” como Rio lidera o PSD sem ouvir os outros membros da direção do partido antes de tomar grandes decisões. Castro Almeida explicou, entretanto, que formalizou a “demissão no passado dia 19 em conversa com Presidente e, no dia 20, apresentou a renúncia por escrito”.  
A decisão de Rio de deixar grandes nomes do partido fora das listas para as eleições legislativas – optando sobretudo por jovens, alguns deles desconhecidos da generalidade do público – terá mesmo irritado muitos no círculo mais próximo de Rui Rio, sendo um deles Castro Almeida.
Antigo Secretário de Estado, deputado em três legislaturas e ex-presidente de câmara, Castro Almeida era agora um dos seis vice-presidentes de Rui Rio no PSD. Já, há tempos, tinha vindo a demonstrar algum descontentamento com o funcionamento interno do partido. Em entrevista ao Público e à Rádio Renascença no ano passado, admitia a existência de “ruído interno”, que dificultava a “perceção pública das propostas do PSD”. E, em fevereiro deste ano, numa entrevista à Antena 1 e ao Jornal de Negócios, afirmava que, “se o PSD não ganhar as eleições é por culpa própria”. E desenvolvia:
O cenário em que trabalho é o cenário em que o PSD vai vencer. Está ao nosso alcance. (…) Depende de nós. Se não o fizermos é porque somos incompetentes. Se o PSD não ganhar as eleições é por culpa própria, porque o Governo está a fazer o necessário para as perder. O Governo enganou-se no ciclo político (…) e está em ciclo descendente.”.
Segundo o Expresso, informou Rio da decisão num encontro na sede do PSD após as eleições europeias – em que os sociais-democratas tiveram o pior resultado de sempre (embora mantenha a mesma representação que antes) –, que foi a última reunião do partido em que participou. Citando uma fonte próxima de Castro Almeida, o site do Expresso refere que ele sentiu uma “desilusão brutal” com o funcionamento do partido, cuja comissão permanente se transformou em “órgão unipessoal” em que os braços-direitos do presidente conhecem as decisões “pela imprensa”.
Entretanto, o ex-líder do PSD Luís Marques Mendes, no seu comentário dominical, na SIC, disse não conhecer “as verdadeiras razões” da saída do socialdemocrata de quem é próximo, afirmando ter sabido da notícia pela comunicação social. Não obstante, Mendes considera que devem ter sido “razões muito fortes”, já que existe uma relação “muito longa pessoal e política” do antigo autarca com Rui Rio e Castro Almeida é, por natureza, homem de conciliação, não de ruturas. Ainda assim, classificou esta atitude como “um ato de coragem” – dizendo ser precisa mais coragem para sair do que para ficar, quando se discorda – e repetiu que devem ter sido “razões muito fortes”, apontando a predita relação “muito longa pessoal e política”, mas afastando a ligação com as escolhas, por a decisão ser anterior ao anúncio das mesmas (esquece o comentador que as decisões de Rio não são repentinas e o partido não está imune às fugas de informação).
No Facebook, durante a tarde do dia 7, Lina Lopes, presidente das Mulheres Sociais-Democratas, tinha classificado a demissão de Castro Almeida como “um frete ao arauto dominical das desgraças do PSD”. Escreveu Lina Lopes, numa referência implícita a Marques Mendes, verbalizando uma crítica repetida à Lusa por outros dirigentes sociais-democratas que não quiseram ser identificados:
Esta demissão é a salvação de última hora para o comentador que, de outra forma, não poderia deixar de se limitar a elogiar o rasgo e a coragem demonstradas por Rui Rio nas nomeações para cabeças de lista do PSD”.
A notícia da demissão foi conhecida no final da semana em que Rui Rio anunciou os primeiros dez cabeças de lista do PSD às legislativas – nomes inéditos para os círculos de Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Coimbra, Leiria, Beja, Castelo Branco, Setúbal e Santarém – e revelou o cenário macroeconómico que enquadra o programa eleitoral do partido, que prevê uma redução de 3,7 mil milhões de euros na carga fiscal na próxima legislatura, através da descida do IRC para 17% (está em 21%), da descida do IVA no gás e na eletricidade para 6%, redução do IRS para o escalão dos possuidores de rendimento entre 1000 e 2000 euros mensais e anulação do IMI Mortágua.
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No mesmo dia 7, em que foi tornada pública a demissão de Castro Almeida, soube-se que José Manuel Bolieiro, presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, é o novo vice-presidente do PSD, sucedendo no cargo a Manuel Castro Almeida.
Em comunicado enviado às redações, o PSD fez saber que “Bolieiro passa assim a integrar a direção de Rui Rio como vice-presidente, juntando-se a Nuno Morais Sarmento, David Justino, Salvador Malheiro, Elina Fraga e Isabel Meirelles”.
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, José Manuel Cabral Dias Bolieiro é Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada e Presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Ponta Delgada, desde agosto de 2012 e foi Presidente da Assembleia Municipal de Povoação, 2002-2009. Começou por ser Adjunto do Gabinete do Subsecretário Regional da Comunicação Social, 1989-1992 e 1993-1995, e passou a Assessor do Presidente do Governo Regional, 1996; foi membro da assembleia intermunicipal da AMRAA (Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores), 2009, membro do conselho diretivo da ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses), 2013, e presidente do conselho de administração da Associação de Municípios da Ilha de São Miguel, 2018.
Foi deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (1998-2009) exercendo as funções de presidente do grupo parlamentar do PSD e de presidente da Comissão Permanente de Política Geral. Foi secretário-geral do PSD/Açores entre 1997 e 2005 e vice-presidente do PSD/Açores, 2005-2006 e 2008-2009, Vice-Presidente da Comissão Política de Ilha de São Miguel do PSD/Açores, 2006, Diretor do Gabinete de Estudos do PSD/Açores, 2007 e Presidente do Congresso Regional do PSD/Açores, 2013.
O novo nome da direção foi anunciado depois de Manuel Castro Almeida se ter demitido por descontentamento com o “centralismo” do PSD de Rui Rio.
O nome de Bolieiro terá de ser votado na próxima reunião do Conselho Nacional, que se deverá realizar até final de julho. De acordo com os estatutos do PSD, compete ao Conselho Nacional:
Eleger o substituto de qualquer dos titulares da Mesa do Congresso e da Comissão Política Nacional, com exceção do seu Presidente, no caso de vacatura do cargo ou de impedimento prolongado, sob proposta do respetivo órgão”.
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É difícil acreditar num corte fiscal no IRS, IRC, IVA e IMI em vésperas de eleições e com projeções a indicar o arrefecimento da economia. Soa a desespero de líder em apuros. E não vale a pena dizer com Marques Mendes que Rio marcou a agenda antecipando-se ao Governo.
Concorde-se ou não com as propostas de choque fiscal que Rio apresentou no fim da tarde de 6.ª feira da primeira semana de julho, há que assentar em que todas elas configuram um PSD preocupado com duas questões centrais da sua identidade: o crescimento económico sustentado e promovido pelas empresas; e os contribuintes de classe média. Porém, dificilmente se garante a sustentabilidade da promessa. Querer cortar 3,7 mil milhões de receitas fiscais, garantindo não haver problemas orçamentais porque o crescimento económico será mais robusto, contrariando todas as projeções do BdP (Banco de Portugal), CE (Comissão Europeia) e FMI (Fundo Monetário Internacional) é desejo irrealista e inacreditável. Na verdade, a nossa economia será diretamente afetada pela desaceleração da economia mundial. Com efeito, após o crescimento de 2,8% do PIB em 2017, a economia baixou para 2,1% em 2018 (contra a projeção do Governo de 2,3%) e ficará este ano nos 1,7%, no mesmo valor em 2020 e em 1,6% em 2021. Só em 2023, o poderá subir para os 2,7% (e o PSD sabe-o), se houver forte aposta nos estímulos ao investimento e no investimento público.
Por outro lado, o PSD (e o PS e o CDS) tem um passado de promessas de baixas de impostos, que passam rapidamente a promessas não cumpridas e, ao invés, a subidas de impostos aquando da obtenção do poder e do confronto com o embate na realidade. Assim o fizeram Durão Barroso e Passos. O primeiro prometeu o choque fiscal com o apadrinhamento de José Maria Aznar, o que redundou em subida; o segundo, depois de ter pedido desculpa aos portugueses por ter alinhado com Sócrates num PEC que implicava aumento fiscal, prometeu não aumentar os impostos além do previsto no memorando da troika, mas escolheu para Ministro das Finanças Vítor Gaspar, que impôs o maior e mais brutal “aumento de impostos”.
Além disso, Rio surge no melhor das suas contradições estratégicas. Prometeu um banho de ética e foi o que se viu e vê; diz-se a favor da regionalização, mas é, por natureza, um líder centralista, uma das causas da demissão de Castro Almeida; lidera o partido que supostamente congrega historicamente o eleitorado do centro-direita, mas revela publicamente que só não entrou para o PS por causa de Francisco Sá Carneiro, como diz que votou em Soares nas presidenciais de 1986, no quadro da luta mais renhida entre esquerda e direita – coisas que escusava de lembrar agora.
Estas são apenas algumas das muitas contradições e erros estratégicos que culminaram nas últimas eleições europeias com a dita maior derrota de sempre do PSD. E Rui Rio entra por julho adentro, a três meses das legislativas, como um líder desgastado e com graves problemas de imagem que denotam a sensação de perda. Só um volte-face radical poderá ser antídoto.
Sobre a rutura geracional, Rio optou pela moda da predileção por jovens a cabeça de lista: por exemplo, escolheu Filipa Roseta (vereadora do PSD na Câmara de Cascais) para Lisboa e Hugo Carvalho (líder do Conselho Nacional da Juventude) para o Porto, Margarida Balseiro Lopes (líder da JSD que se apresentará em Leiria) ou a advogada Ana Miguel Santos (para Aveiro) e o que mais por aí virá. Escolhas interessantes, mas sem peso político consolidado. Nada contra os jovens (e muitos) em lugares elegíveis e de algum destaque, mas os cabeças de lista têm de ser mobilizadores e com créditos firmados. Os cabeças de lista enfrentarão problemas de notoriedade. Os eleitores não os reconhecem (o reconhecimento é fator essencial em política) e o aparelho aderirá com dificuldade às escolhas pessoais de Rio. Porém, a rutura geracional de risco servirá de escudo a Rio na noite eleitoral. Não sendo cabeça-de-lista, poderá argumentar que a rejeição não foi dirigida a si.
Enquanto Filipa Roseta falava no combate à corrupção em entrevista à Rádio Observador, David Justino tentava agradar a Rio e a Mónica Quintela na TSF/Diário Notícias, criticando o facto de as investigações de corrupção serem abertas com base em denúncias anónimas. Justino é a favor do combater contra a corrupção, mas só se as pessoas assumirem as denúncias, porque, segundo ele, as denúncias anónimas só são feitas por pessoas com interesses políticos.
Ora, Justino nunca se questionou como é que o Presidente da Câmara de Oeiras fazia uma vida faustosa apenas com o salário de autarca. Como muitos que acompanharam Isaltino nos anos 90, pensava que a fortuna se explicava com apostas de sucesso na bolsa e heranças fantasiosas, como a narrativa de Sócrates sobre a mãe herdeira do volfrâmio até o próprio Sócrates admitir que vivia do dinheiro emprestado por Carlos Santos Silva. No entanto, as contas bancárias que Isaltino abriu em seu nome na Suíça (às escondidas do Fisco e do Tribunal Constitucional) só foram descobertas pela Justiça depois duma denúncia anónima. Se assim não fosse, Isaltino não tinha sido acusado, julgado e condenado a pena de prisão de 2 anos por fraude fiscal. Já o crime de corrupção prescreveu, apesar da condenação em 1.ª instância.
Também eu não gosto das denúncias anónimas, mas são uma inevitabilidade, pois as polícias e o Ministério Público deveriam proteger as suas fontes, ao menos como os jornalistas. E sabemos como são recorrentes as fugas de informação…
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Enfim, com contradições palmares e erros estratégicos, o líder pode muito egoística e centralissimamente descartar as culpas por iminente desaire eleitoral. Mas quem perde é a geração nova que lhe serve de esteira, o partido e a democracia (que vive da dialética permanente). E não é lícito imolar ao interesse pessoal gente tão promissora que ainda não tem a visibilidade requerível. E os colaboradores deviam ter esta noção e avisar o líder, cuja primeira obrigação é ouvir para tomar decisões mais sustentáveis e garantir a corresponsabilidade.
2019.07.08 – Louro de Carvalho

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