sexta-feira, 26 de julho de 2019

Uma certa prosápia em torno da avaliação de docentes



O JN publicou, a 24 de julho, a carta de um leitor, supostamente professor, a que foi aposto o título “Uma liçãozinha sobre a avaliação dos professores”. Chamo-lhe uma certa prosápia, porque, apesar de poder contribuir para o esclarecimento da matéria, além de não o fazer cabalmente, dá algumas informações erradas.
Concordo com o leitor que é tão normal haver maus professores como maus profissionais noutras áreas, sem ter de as especificar, pois, como diz o povo, em bom pano cai a nódoa. Também é verdade que nenhuma classe profissional terá sido tão mal tratada como a dos professores nas últimas duas décadas. E isto sucede porque muitos profissionais, hoje bem colocados no mercado de trabalho, passaram pela escola a dar aulas, sem que se lhes exigisse mais nada a não ser transmitir alguns conhecimentos que a necessidade de responder às lacunas do sistema lhes pedia, obrigando-os tantas vezes a estudar a matéria primeiro que os alunos. Agora, olham para a escola do alto da burra pensando que ela é como no seu tempo, sem preocupações pedagógicas e sociais, pedindo-se-lhe tudo e mais alguma coisa. Esses esquecem que hoje toda a escola é universal e inclusiva e aposta na abertura para a aprendizagem ao longo da vida. Aprofundaram-se as ciências, ampliou-se o painel das técnicas e das tecnologias e a pedagogia evoluiu para uma exigente antropagogia. Por isso, quando alguns chegam a posto onde podem tomar decisões sobre a escola e os seus servidores, a tentação é sobrecarregá-la com tarefas burocráticas, muitas delas inúteis, no que são secundados eficazmente por uma plêiade de comentadores em regra hostis aos professores, mas com a lata de desferirem a declaração de que não estão contra a classe, que muito respeitam. Depois, como a escola nas atuais condições e com as hodiernas exigências se torna um investimento caro, que muitos consideram desperdício, vem a tentação dos cortes das Finanças. E os gestores de topo da escola passaram a ser Teixeira dos Santos, Vítor Gaspar, Maria Luís e Centeno. Resta saber quem é a senhora ou o senhor que se segue, sendo a ideia-força conseguir mais com os mesmos ou com ainda menos recursos. E temos os professores doentes, cansados ou empenhados em sobreviver.
No quadro das acusações feitas aos professores, esteve no top a pretensa recusa da avaliação de desempenho face ao monstruoso programa delineado por Maria de Lurdes Rodrigues, mas que remexeu e que Isabel Alçada e Nuno Crato remexeram e reformularam até que se tornou pacífico. E, no tempo de Nuno Crato, a turbulência emergiu em torno da PACC (prova de avaliação de conhecimentos e capacidades), bem diferente da ADD (avaliação do desempenho docente).
É de referir que a PACC foi criada por Maria de Lurdes Rodrigues, mantida por Isabel Alçada e aplicada por Nuno Crato. Era uma prova destinada a avaliar alguns candidatos à carreira de professor (que não reunissem um conjunto de condições de experiência docente), que já tinham saído das instituições de ensino superior com habilitação profissional para a docência (dantes, não era comum as instituições de ensino superior conferirem habilitação profissional juntamente com a académica) e que, depois de entrarem na carreira, iriam ser sujeitos a um período probatório de acompanhamento e avaliação por parte doutro professor. Muitos já tinham lecionado como contratados e sido sujeitos a ADD. Enfim, parecia haver desconfiança em relação à formação inicial a cargo das instituições de ensino superior, mas sem a coragem para intervir junto das mesmas.
É de recordar que a formação inicial de professores advinha, no caso de educadores de infância e de professores do ensino primário (ora 1.º Ciclo do Ensino Básico) era feita nas escolas normais de educadores de infância e nas escolas do magistério primário, respetivamente, adquirindo ao longo da formação a experiência letiva através do estágio (integrado), o que na década de 80 do século XX passou para as escolas superiores de educação, delas saindo bacharéis e, mais tarde, licenciados. O recrutamento de professores do ensino secundário (e 2.º Ciclo e 3.º do Ensino Básico) era feito entre bacharéis e licenciados, que, para adquirirem habilitação profissional para a docência, se sujeitavam posteriormente a estágio de dois anos, depois do exame de admissão e concluído com o exame de estado. O estágio passou a ter uma avaliação integrada e, mais tarde, passou a ser de um ano. Entretanto, algumas faculdades ligadas à vertente das ciências começaram a formar bacharéis e, posteriormente, licenciados do ramo educacional, em que à formação académica específica se seguia a formação didático-pedagógica e o estágio. Depois, vieram as universidades novas a fornecer a habilitação profissional para a docência com o estágio integrado, o que as antigas universidades também começaram a fazer.  
Em simultâneo, o estágio pós-académico deu lugar à profissionalização em exercício (2 anos na escola com o acompanhamento do delegado à profissionalização e a supervisão da equipa de zona pedagógica e do conselho pedagógico da escola), que cedeu à formação em serviço (2 anos num CIFOP/centro integrado de formação de professores ou numa ESE/escola superior de educação, sendo que a escola de lecionação só servia para aferir a pratica letiva). Por fim, veio a profissionalização em serviço de um ano em universidade ou ESE para quem contasse 6 ou mais anos de serviço docente com habilitação própria no respetivo grupo de recrutamento, sendo que aqueles que não tivessem os ditos 6 anos de serviço teriam de fazer mais um ano, sendo este de lecionação acompanhada pela secção de formação da escola e por um supervisor da instituição do ensino superior respetiva. Tempo houve em que professores com habilitação própria com 15 anos de serviço docente estando a lecionar no respetivo grupo de recrutamento ficaram dispensados da profissionalização efetivaram. A partir de 2006, os docentes (de todos os ciclos e níveis de educação e de ensino não superior) são formados em universidades ou em ESE’s, que lhes conferem o mestrado ou equivalente e habitação profissional para a docência. E eram alguns destes docentes que teriam de se sujeitar à PACC.
É óbvio que, entretanto, alegadamente para suprir necessidades não permanentes do sistema (ou para este ficar mais barato), houve regentes escolares, que foram reconvertidos em professores após um ano letivo de formação, como houve milhares de professores provisórios com ou sem habilitação própria e professores dos antigos cursos comerciais e industriais que efetivaram e frequentaram cursos de aperfeiçoamento. Mas a regra para professores efetivos era a habilitação profissional para a docência e para a gestão.
Se calhar, dizer que muitos dos que tinham de se sujeitar à PACC têm mais formação que os efetivos, como aponta o aludido leitor é tão temerário e injusto como dizer o contrário, porque hoje há de tudo como dantes, embora as formações sejam diferentes. Quem está na escola hoje trabalha com professores muito bons entre os mais antigos e os menos antigos. Quanto à PACC, ainda bem que o Tribunal Constitucional chumbou o processo que a operacionalizava.  
E, por falar em muito bons professores, o aludido leitor ou não conhece o mecanismo da avaliação de desempenho docente ou a abordagem não lhe correu muito bem.
Com efeito, o desempenho dos professores é avaliado segundo os princípios gerais do modelo criado para a função pública, mas observando os princípios, finalidades e parâmetros em consonância com o estatuto da carreira docente e segundo o Decreto Regulamentar n.º 26/2012, de 21 de fevereiro, que sucedeu a outros vários decretos regulamentares (3 do tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, um de Isabel Alçada e um de Nuno Crato). A avaliação é condição essencial para a mudança de escalão de vencimentos, exigindo-se, além de módulos de tempo de serviço, 50 horas de formação contínua (25 horas para aceder ao 5.º escalão), observação de aulas por avaliador externo para a progressão ao 3.º escalão e ao 5.º, bem como obtenção de vaga para a progressão ao 5.º escalão e ao 7.º. A menção de Muito Bom e a de Excelente no 4.º escalão e no 6.º permite a progressão ao escalão seguinte sem a observância do requisito da obtenção de vaga.
Os candidatos à menção de Excelente necessitam de ter aulas observadas por avaliador externo.
A atribuição das menções de Excelente e de Muito Bom depende do cumprimento efetivamente verificado de 95% da componente letiva distribuída no decurso do respetivo ciclo de avaliação.
A menção de Excelente ou de Muito Bom num ciclo avaliativo determina a bonificação de um ano ou seis meses, respetivamente, na progressão na carreira a usufruir no escalão seguinte. Mas a atribuição destas menções não constitui bonificação no concurso de professores.
A atribuição da menção qualitativa de Bom ou superior (Excelente ou Muito Bom) determina que seja considerado o período de tempo do respetivo ciclo avaliativo para efeitos de progressão na carreira docente e o termo, com sucesso, do período probatório. A de Regular determina que o período de tempo a que respeita só seja considerado para efeitos de progressão na carreira após a conclusão, com sucesso, dum plano de formação com a duração de um ano. A de Insuficiente implica: a não contagem do tempo de serviço daquele ciclo avaliativo para efeitos de progressão na carreira e o reinício do ciclo de avaliação; a obrigatoriedade de conclusão, com sucesso, de um plano de formação com a duração de um ano que integre a observação de aulas; a cessação da nomeação provisória do docente em período probatório, no termo do referido período; e a impossibilidade de nova candidatura, a qualquer título, à docência, no mesmo ano ou no ano escolar imediatamente subsequente àquele em que realizou o período probatório. E a atribuição aos docentes integrados na carreira de duas menções consecutivas de Insuficiente determina a instauração de um processo de averiguações; e aos contratados a termo, a impossibilidade de candidatura a concurso docente nos 3 anos escolares subsequentes.
Assim, desmente-se que os professores sejam classificados de medíocre, como diz o aludido leitor, mas com as seguintes menções: Excelente, se, cumulativamente, a classificação for igual ao percentil 95, não for igual inferior a 9 (portanto, de 9 a 10) e o docente tiver tido aulas observadas; Muito Bom, se, cumulativamente, a classificação for igual ao percentil 75, não for igual ou inferior a 8 (portanto, de 8 a 8,9) Bom, se, cumulativamente, a classificação for igual ou superior a 6,5 (portanto, de 6,5 a 7,9) e não tiver sido atribuída a menção de Excelente ou de Muito Bom; Regular, se a classificação for igual ou superior a 5 e inferior a 6,5 (portanto, de 5 a 6,4); e Insuficiente, se a classificação for inferior a 5 (portanto, de 1 a 4,9). Por outro lado, não é verdade que só um professor em cada escola possa atingir a menção de Excelente. O que se passa é: só 5% de um determinado universo de professores pode ter a menção de Excelente; e só 20% desse universo pode ter a menção de Muito Bom, se 5% tiver tido a menção de Excelente, podendo (em alternativa) haver 25% com a menção de Muito Bom. O dito universo é estabelecido por despacho dos competentes membros do Governo podendo ser acrescido por despacho dos mesmos, tendo por referência as menções obtidas pelo agrupamento (ou escola não agrupada) na avaliação externa.
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Esta será também prosápia minha na avaliação de docentes, mas será mais correta e completa.
2019.07.26 – Louro de Carvalho

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