O JN publicou, a 24 de julho, a carta de
um leitor, supostamente professor, a que foi aposto o título “Uma liçãozinha sobre a avaliação dos
professores”. Chamo-lhe uma certa prosápia, porque, apesar de poder
contribuir para o esclarecimento da matéria, além de não o fazer cabalmente, dá
algumas informações erradas.
Concordo
com o leitor que é tão normal haver maus professores como maus profissionais
noutras áreas, sem ter de as especificar, pois, como diz o povo, em bom pano
cai a nódoa. Também é verdade que nenhuma classe profissional terá sido tão mal
tratada como a dos professores nas últimas duas décadas. E isto sucede porque
muitos profissionais, hoje bem colocados no mercado de trabalho, passaram pela
escola a dar aulas, sem que se lhes exigisse mais nada a não ser transmitir
alguns conhecimentos que a necessidade de responder às lacunas do sistema lhes
pedia, obrigando-os tantas vezes a estudar a matéria primeiro que os alunos.
Agora, olham para a escola do alto da burra pensando que ela é como no seu
tempo, sem preocupações pedagógicas e sociais, pedindo-se-lhe tudo e mais
alguma coisa. Esses esquecem que hoje toda a escola é universal e inclusiva e
aposta na abertura para a aprendizagem ao longo da vida. Aprofundaram-se as
ciências, ampliou-se o painel das técnicas e das tecnologias e a pedagogia
evoluiu para uma exigente antropagogia. Por isso, quando alguns chegam a posto
onde podem tomar decisões sobre a escola e os seus servidores, a tentação é sobrecarregá-la
com tarefas burocráticas, muitas delas inúteis, no que são secundados
eficazmente por uma plêiade de comentadores em regra hostis aos professores,
mas com a lata de desferirem a declaração de que não estão contra a classe, que
muito respeitam. Depois, como a escola nas atuais condições e com as hodiernas
exigências se torna um investimento caro, que muitos consideram desperdício,
vem a tentação dos cortes das Finanças. E os gestores de topo da escola
passaram a ser Teixeira dos Santos, Vítor Gaspar, Maria Luís e Centeno. Resta
saber quem é a senhora ou o senhor que se segue, sendo a ideia-força conseguir
mais com os mesmos ou com ainda menos recursos. E temos os professores doentes,
cansados ou empenhados em sobreviver.
No
quadro das acusações feitas aos professores, esteve no top a pretensa recusa da
avaliação de desempenho face ao monstruoso programa delineado por Maria de
Lurdes Rodrigues, mas que remexeu e que Isabel Alçada e Nuno Crato remexeram e
reformularam até que se tornou pacífico. E, no tempo de Nuno Crato, a
turbulência emergiu em torno da PACC (prova de avaliação de
conhecimentos e capacidades),
bem diferente da ADD (avaliação do desempenho docente).
É de
referir que a PACC foi criada por Maria de Lurdes Rodrigues, mantida por Isabel
Alçada e aplicada por Nuno Crato. Era uma prova destinada a avaliar alguns candidatos
à carreira de professor (que não reunissem um conjunto de
condições de experiência docente),
que já tinham saído das instituições de ensino superior com habilitação
profissional para a docência (dantes, não era comum as instituições
de ensino superior conferirem
habilitação profissional juntamente com a académica) e que, depois de entrarem na
carreira, iriam ser sujeitos a um período probatório de acompanhamento e
avaliação por parte doutro professor. Muitos já tinham lecionado como contratados
e sido sujeitos a ADD. Enfim, parecia haver desconfiança em relação à formação
inicial a cargo das instituições de ensino superior, mas sem a coragem para
intervir junto das mesmas.
É de
recordar que a formação inicial de professores advinha, no caso de educadores
de infância e de professores do ensino primário (ora 1.º Ciclo do
Ensino Básico) era
feita nas escolas normais de educadores de infância e nas escolas do magistério
primário, respetivamente, adquirindo ao longo da formação a experiência letiva
através do estágio (integrado), o que na década de 80 do século XX passou para as
escolas superiores de educação, delas saindo bacharéis e, mais tarde,
licenciados. O recrutamento de professores do ensino secundário (e
2.º Ciclo e 3.º do Ensino Básico)
era feito entre bacharéis e licenciados, que, para adquirirem habilitação profissional
para a docência, se sujeitavam posteriormente a estágio de dois anos, depois do
exame de admissão e concluído com o exame de estado. O estágio passou a ter uma
avaliação integrada e, mais tarde, passou a ser de um ano. Entretanto, algumas
faculdades ligadas à vertente das ciências começaram a formar bacharéis e,
posteriormente, licenciados do ramo educacional, em que à formação académica
específica se seguia a formação didático-pedagógica e o estágio. Depois, vieram
as universidades novas a fornecer a habilitação profissional para a docência com
o estágio integrado, o que as antigas universidades também começaram a fazer.
Em
simultâneo, o estágio pós-académico deu lugar à profissionalização em exercício
(2
anos na escola com o acompanhamento do delegado à profissionalização e a
supervisão da equipa de zona pedagógica e do conselho pedagógico da escola), que cedeu à formação em
serviço (2
anos num CIFOP/centro integrado de formação de professores ou numa ESE/escola superior
de educação, sendo que a escola de lecionação só servia para aferir a pratica
letiva). Por fim,
veio a profissionalização em serviço de um ano em universidade ou ESE para quem
contasse 6 ou mais anos de serviço docente com habilitação própria no respetivo
grupo de recrutamento, sendo que aqueles que não tivessem os ditos 6 anos de
serviço teriam de fazer mais um ano, sendo este de lecionação acompanhada pela
secção de formação da escola e por um supervisor da instituição do ensino
superior respetiva. Tempo houve em que professores com habilitação própria com
15 anos de serviço docente estando a lecionar no respetivo grupo de recrutamento
ficaram dispensados da profissionalização efetivaram. A partir de 2006, os
docentes (de todos os ciclos e níveis de educação e de ensino
não superior) são
formados em universidades ou em ESE’s, que lhes conferem o mestrado ou
equivalente e habitação profissional para a docência. E eram alguns destes docentes
que teriam de se sujeitar à PACC.
É óbvio
que, entretanto, alegadamente para suprir necessidades não permanentes do
sistema (ou
para este ficar mais barato),
houve regentes escolares, que foram reconvertidos em professores após um ano
letivo de formação, como houve milhares de professores provisórios com ou sem
habilitação própria e professores dos antigos cursos comerciais e industriais
que efetivaram e frequentaram cursos de aperfeiçoamento. Mas a regra para
professores efetivos era a habilitação profissional para a docência e para a
gestão.
Se
calhar, dizer que muitos dos que tinham de se sujeitar à PACC têm mais formação
que os efetivos, como aponta o aludido leitor é tão temerário e injusto como
dizer o contrário, porque hoje há de tudo como dantes, embora as formações
sejam diferentes. Quem está na escola hoje trabalha com professores muito bons
entre os mais antigos e os menos antigos. Quanto à PACC, ainda bem que o
Tribunal Constitucional chumbou o processo que a operacionalizava.
E, por
falar em muito bons professores, o aludido leitor ou não conhece o mecanismo da
avaliação de desempenho docente ou a abordagem não lhe correu muito bem.
Com efeito,
o desempenho dos professores é avaliado segundo os princípios gerais do modelo
criado para a função pública, mas observando os princípios, finalidades e
parâmetros em consonância com o estatuto da carreira docente e segundo o
Decreto Regulamentar n.º 26/2012, de 21 de fevereiro, que sucedeu a outros vários
decretos regulamentares (3 do tempo de Maria de Lurdes Rodrigues,
um de Isabel Alçada e um de Nuno Crato).
A avaliação é condição essencial para a mudança de escalão de vencimentos,
exigindo-se, além de módulos de tempo de serviço, 50 horas de formação contínua
(25
horas para aceder ao 5.º escalão),
observação de aulas por avaliador externo para a progressão ao 3.º escalão e ao
5.º, bem como obtenção de vaga para a progressão ao 5.º escalão e ao 7.º. A
menção de Muito Bom e a de Excelente no 4.º escalão e no 6.º permite
a progressão ao escalão seguinte sem a observância do requisito da obtenção de
vaga.
Os candidatos
à menção de Excelente necessitam de
ter aulas observadas por avaliador externo.
A atribuição
das menções de Excelente e de Muito Bom depende do cumprimento efetivamente
verificado de 95% da componente letiva distribuída no decurso do respetivo
ciclo de avaliação.
A menção
de Excelente ou de Muito Bom num ciclo avaliativo determina
a bonificação de um ano ou seis meses, respetivamente, na progressão na
carreira a usufruir no escalão seguinte. Mas a atribuição destas menções não constitui
bonificação no concurso de professores.
A atribuição
da menção qualitativa de Bom ou
superior (Excelente ou Muito Bom) determina que seja considerado
o período de tempo do respetivo ciclo avaliativo para efeitos de progressão na
carreira docente e o termo, com sucesso, do período probatório. A de Regular determina que o período de tempo
a que respeita só seja considerado para efeitos de progressão na carreira após
a conclusão, com sucesso, dum plano de formação com a duração de um ano. A de Insuficiente implica: a não contagem do
tempo de serviço daquele ciclo avaliativo para efeitos de progressão na
carreira e o reinício do ciclo de avaliação; a obrigatoriedade de conclusão,
com sucesso, de um plano de formação com a duração de um ano que integre a
observação de aulas; a cessação da nomeação provisória do docente em período
probatório, no termo do referido período; e a impossibilidade de nova
candidatura, a qualquer título, à docência, no mesmo ano ou no ano escolar
imediatamente subsequente àquele em que realizou o período probatório. E a
atribuição aos docentes integrados na carreira de duas menções consecutivas de Insuficiente determina a instauração de
um processo de averiguações; e aos contratados a termo, a impossibilidade de candidatura
a concurso docente nos 3 anos escolares subsequentes.
Assim,
desmente-se que os professores sejam classificados de medíocre, como diz o
aludido leitor, mas com as seguintes menções: Excelente, se, cumulativamente, a classificação for igual ao
percentil 95, não for igual inferior a 9 (portanto, de 9 a 10) e o docente tiver tido aulas
observadas; Muito Bom, se, cumulativamente,
a classificação for igual ao percentil 75, não for igual ou inferior a 8 (portanto,
de 8 a 8,9) Bom, se, cumulativamente, a classificação
for igual ou superior a 6,5 (portanto, de 6,5 a 7,9) e não tiver sido atribuída a menção
de Excelente ou de Muito Bom; Regular, se a classificação for igual ou superior a 5 e inferior a
6,5 (portanto,
de 5 a 6,4); e Insuficiente, se a classificação for inferior
a 5 (portanto,
de 1 a 4,9). Por outro
lado, não é verdade que só um professor em cada escola possa atingir a menção
de Excelente. O que se passa é: só 5%
de um determinado universo de professores pode ter a menção de Excelente; e só 20% desse universo pode
ter a menção de Muito Bom, se 5% tiver
tido a menção de Excelente, podendo (em
alternativa) haver
25% com a menção de Muito Bom. O dito
universo é estabelecido por despacho dos competentes membros do Governo podendo
ser acrescido por despacho dos mesmos, tendo por referência as menções obtidas
pelo agrupamento (ou escola não agrupada) na avaliação externa.
***
Esta será
também prosápia minha na avaliação de docentes, mas será mais correta e
completa.
2019.07.26 –
Louro de Carvalho
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