quinta-feira, 25 de julho de 2019

Foi preciso o épico entrar na prova para reconhecerem que ela é difícil


Alunos que se submeteram a exame na 2.ª fase confessaram-se surpreendidos por estâncias do poema épico de Camões que nunca viram e questão de Matemática “sem resposta”.
Trata-se, num caso, da prova de exame de Português do 12.º ano, código 639, na 2.ª fase em que foram surpreendidos por um excerto de canto dos Lusíadas que não tinha sido lecionado e, no outro caso, da prova de MACS (Matemática Aplicada às Ciências Sociais), código 835, que tinha uma questão que supostamente não tinha resposta.
Foi alegadamente, pela primeira vez, pedido aos alunos, num exame nacional de Português do 12.º ano, que interpretassem um excerto da obra Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, que não tinha sido lecionado durante as aulas. O Público noticiou que foi uma professora que alertou o IAVE, IP (Instituto de Avaliação Educativa, Instituto Público), que justificou essa decisão com a necessidade de avaliar a capacidade dos alunos de demonstração de capacidades de interpretação em vez da mera reprodução de conhecimentos. O que não fica explicado é o facto de só neste exame, de 2.ª fase, é que se tomou essa decisão, já que nos anos anteriores e, também, no exame da 1.ª fase os alunos foram desafiados com a análise de estâncias d’Os Lusíadas que tinham sido analisadas em aula. Ora, esta última parte da informação não está correta, pois na 1.ª fase, em 2019, o enunciado não contém nem manda fazer qualquer abordagem a esta epopeia.
Além do caso de Português, o Público acrescenta que há, também, um problema com o exame MACS, disciplina curricular de alunos de Línguas e Humanidades. Com efeito, uma das questões continha um “erro grave”, segundo um professor que detetou o caso e garante que a questão, na forma como foi formulada, “não tem resposta”.
Na verdade, o presidente da SPM (Sociedade Portuguesa de Matemática), Filipe Oliveira, alertou o IAVE para um “problema” nesta pergunta. E a dirigente da APM (Associação de Professores de Matemática), Teresa Moreira, considera que “existe uma imprecisão na formulação da questão referida, que pode gerar respostas diferentes e que devem ser consideradas corretas”.
No caso de MACS, o IAVE, depois de garantir ao professor que a tal pergunta tinha sido “caucionada por peritos”, respondeu ao Público que existe uma “fragilidade” na formulação da pergunta, mas garantiu que esta não terá, “previsivelmente, qualquer impacto na resolução nem terá na sua classificação”.
No caso do exame do Português, em que os alunos ficaram surpreendidos com as estâncias 26 a 29 do Canto VI d’Os Lusíadas, a professora que detetou a situação, também é classificadora de exames, manifestou “perplexidade e indignação” por, em sua opinião, ser “absolutamente inacreditável que os alunos tenham de ler e compreender quatro estâncias de Os Lusíadas que não correspondem a nenhuma das indicadas nos programas de Português”, mesmo tendo sido sempre dito que as provas podem “incluir suportes textuais diferentes dos indicados”.
A professora defende que “as estâncias analisadas em aula já são suficientemente difíceis” e considera que “não era preciso aumentar o grau de dificuldade”, sobretudo tendo em conta que “esta obra é particularmente complexa e que os alunos têm grande dificuldade” no seu estudo.
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Não me pronuncio sobre o caso de MACS, a não ser no sentido de uns falarem em erro e outros falarem em formulação ambígua com possibilidade de várias respostas que devem ser consideradas corretas. Há uma diferença significativa entre uma denúncia e outra. Se se verifica a primeira, a questão deve ser anulada e as cotações no grupo devem ser redistribuídas; a verificar-se a segunda, é só afinar os critérios e os corretores validarem as respostas que forem certas. Vir o IAVE, sem o explicar, que esta não terá, “previsivelmente, qualquer impacto na resolução nem terá na sua classificação” é muito pouco.
Quanto ao exame de Português, há que desmentir que a 1.ª fase tenha qualquer texto d’Os Lusíadas ou qualquer tarefa sobre a mesma obra, quer sobre textos dados em aula quer sobre outros, porquanto o Grupo I suscita a leitura, na Parte A, de um texto poético de Pessoa ortónimo, do programa, mas que muito bem pode não ter sido dado em aula (os programas mandam escolher poemas do ortónimo, obviamente não todos) e a resposta a 3 perguntas sobre o mesmo; na Parte B, leitura de um excerto do Sermão de Santo António, do Padre António Vieira, e a resposta a 3 questões sobre o mesmo; e, na Parte C, a escrita de uma breve exposição orientada sobre o diálogo de José Saramago com o ‘passado’, de que “emerge, em romances como Memorial do Convento e O Ano da Morte de Ricardo Reis, uma visão crítica sobre o tempo histórico representado e sobre a sociedade desse tempo”. No Grupo II consta um texto de Alberto Manguel, Uma História da Curiosidade, em que se solicita a resposta a 5 questões de resposta fechada de escolha múltipla e duas de resposta direta e curta. E o Grupo III concita a realização de um texto de opinião que defenda uma perspetiva pessoal sobre o seguinte tema:
Se algumas pessoas consideram que o acesso rápido e livre à informação é uma mais-valia na sociedade atual, outras defendem que esta facilidade pode ter um impacto negativo, tanto em termos pessoais como sociais”.
A informação do IAVE, atempadamente distribuída pelas escolas, no âmbito do objeto de avaliação, referia que “a prova tem por referência o Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Secundário, privilegiando-se, em todos os domínios, os conteúdos comuns ao Programa supracitado e aos Programas de Português de 10.º, 11.º e 12.º anos de escolaridade, homologados em 2001 e 2002, independentemente do ano de lecionação desses conteúdos em cada um dos referidos referenciais”. Por outro lado, “a prova permite avaliar a aprendizagem passível de avaliação numa prova escrita de duração limitada, incidindo sobre os domínios da Leitura, da Escrita, da Educação Literária e da Gramática”.
Repare-se que, no domínio da leitura, o programa de Português do 10.º ano contém referência ao relato de viagem, que também pode ser abordado através do texto literário, como é o caso das estâncias d’Os Lusíadas nas estâncias do Canto VI em causa.
No que diz respeito ao domínio da Educação Literária – refere a predita informação do IAVE –“sempre que, no Programa, se apresenta uma lista de autores ou de textos em alternativa, a prova pode incluir suportes textuais diferentes dos indicados (outros textos do mesmo autor, outros excertos da mesma obra ou textos de outros autores, mas pertencentes ao mesmo género textual), privilegiando-se, nestes casos, a interpretação do texto apresentado na prova.
Ora, não percebo como se alega que o referido Canto VI não foi dado em aula por supostamente não ser do programa e se esquece que o texto de Manuel Alegre, “A grande subversão”, in O Homem do País Azul (6.ª ed., Alfragide, Publicações Dom Quixote, 2008, pp. 51-53) também não o é. Manuel Alegre consta no Programa do 12.º ano no quadro dos “poetas do século XX” (escolher de 3 autores 4 poemas). O texto que integra a Parte A do Grupo I da prova é o 3.º conto de um conjunto de 10 sob o título O Homem do País Azul. No mesmo ano, no âmbito dos contos, devia escolher-se 2 ou de Manuel da Fonseca, “Sempre é uma companhia” ou de Maria Judite de Carvalho, “George” ou de Mário de Carvalho, “Famílias desavindas”. Mas Camões não está cá para reivindicar os seus direitos! Mas, pensando melhor, vejo que Manuel da Fonseca e Maria Judite de Carvalho também não estão por cá! Que se passa, professora de Português?
Não me digam que, através das estâncias referenciadas do Canto VI, não se consegue avaliar se o aluno conhece a índole e a força do texto argumentativo que faz parte do programa do 12.º ano, nos domínios da compreensão do oral e da expressão oral. Veja-se o teor da primeira questão formulada sobre o texto:
Explicite as estratégias argumentativas utilizadas por Baco (estâncias 27 e 28) para convencer Neptuno, Oceano e os outros deuses marinhos a serem seus aliados”.    
Por outro lado, as preditas estâncias respondem bem a tópicos de conteúdos conexos com Os Lusíadas e as estâncias expressamente mencionadas no programa do 10.º ano:
Imaginário épico: matéria épica; feitos históricos e viagem; sublimidade do canto; mitificação do herói. Reflexões do poeta; Linguagem, estilo e estrutura. A epopeia: natureza e estrutura da obra; o conteúdo de cada canto. Os quatro planos: viagem, mitologia, História de Portugal e reflexões do poeta. Sua interdependência. Estrofe e métrica. Recursos expressivos: a anáfora, a anástrofe, a apóstrofe, a comparação, a enumeração, a hipérbole, a interrogação retórica, a metáfora, a metonímia e a personificação.
Atente-se na segunda questão formulada sobre o texto, para o caso da mitificação do herói:
Apresente dois aspetos distintos que, na estância 29, evidenciem a mitificação do herói, fundamentando cada um deles com uma transcrição pertinente”.
E veja-se se na terceira questão não se tem em conta o quadro dos recursos estilísticos:
Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando da tabela a opção adequada a cada espaço. Na folha de respostas, registe apenas as letras e o número que corresponde à opção selecionada em cada um dos casos. Nestas estâncias, são utilizados alguns recursos expressivos frequentes em Os Lusíadas. Na expressão “peito oculto” (v. 3), está presente uma ______a)____; a apóstrofe ocorre, por exemplo, em ______b)____.
a) 1. personificação, 2. anástrofe, 3. metáfora, 4. comparação; b) 1. ‘o mar irado’ (v. 10), 2. ‘padre Oceano’ (v. 13), 3. ‘fracos e atrevidos’ (v. 24), 4. ‘humanos’ (v. 32).”.
A este respeito, não me inibo de continuar a citar a informação sobre o exame de Português divulgada pelo IAVE:
A organização diacrónica dos conteúdos da Educação Literária pressupõe a leitura dos textos em contexto, indissociável da reflexão sincrónica, e não deverá traduzir-se em leituras meramente reprodutivas ou destituídas de sentido crítico, já que, parafraseando Aguiar e Silva (2010, 239), contexto algum obriga a dizer, muito menos de modo único. Mais do que insistir no uso de vocabulário técnico específico dos estudos literários, o Programa privilegia o contacto direto com os textos e a construção de leituras fundamentadas, combinando reflexão e fruição, como é de esperar em quem termina a escolaridade obrigatória.”.
Porém, para que não restem dúvidas os programas deverão, ao indicar excertos, deverão apor a explicitação “a título de exemplo” – isto para não perderem a sua “vis” programática.
Não contesto a validade das questões para resposta sobre o texto de Manuel Alegre. Só contesto a dualidade de critérios dos críticos a reagir quanto a Camões e a ficar silentes sobre Alegre.
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Tenho dito que, nos últimos anos a prova é demasiado extensa. O Grupo I, que dantes tinha um texto para ler com 5 questões para resposta orientada de média extensão e um segmento textual para comentar (comentário não muito extenso – com indicação de um mínimo e um máximo de palavras a utilizar), abrangia seis questões; agora, mantendo-se a estrutura do Grupo II e do Grupo III como dantes, o Grupo I tem a extensão do enunciado aumentada, o que implica mais tempo para a leitura de texto e questões, que faz alta para o aluno pensar.
Não precisei de ver Camões na prova para concluir que ela e longa ou difícil. Das duas uma ou se volta à antiga forma no Grupo I ou se deve cortar o Grupo II. E esta segunda hipótese também é viável para conseguir o objetivo do atual Grupo II porquanto a isto o texto literário também responde, sobretudo se for em prosa, como o demonstra a questão 6 do Grupo I, acima transcrita. Com efeito, a informação de Exame, difundida pelo IAVE, explicita:
No elenco dos textos complexos, o texto literário ocupa um lugar relevante porque nele convergem todas as hipóteses discursivas de realização da língua. Ao contemplar um conjunto de fatores que implicam a sedimentação da compreensão histórica, cultural e estética, o texto literário permite o estudo da rede de relações (semânticas, poéticas e simbólicas), da riqueza conceptual e formal, da estrutura, do estilo, do vocabulário e dos objetivos que definem um texto complexo (cf ACT,2006). Para tal, pressupõe o Programa também uma adequada contextualização das obras a estudar, para que elas não surjam aos olhos dos alunos “como ilhas sonâmbulas num lago preguiçoso; ou como acidentes num percurso de lógica dificilmente apreensível” (Gusmão 2011,188).”.
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Soube-se mais tarde que há mais um erro nos exames nacionais. Desta feita é na prova de Física e Química A, código 715, do 11.º ano.
O secretário-geral da SPQ (Sociedade Portuguesa de Química), Adelino Galvão, disse que o erro “não devia ter acontecido”, mas, como aconteceu, “nenhum aluno será prejudicado”.
Em causa está a questão 1.2 do Grupo II, que tem na base o relato duma experiência química. Só que o resultado apresentado para a experiência está errado, confirmou Adelino Galvão. No enunciado afirma-se que “arrefecendo uma solução contendo iões [FeSCN]2+ (aq), observa-se que a cor vermelha da solução vai ficando menos intensa”. Ora, acontece exatamente o contrário, ou seja, ao arrefecer esta solução, a cor vermelha vai ficando “mais intensa”.
Questionado, o IAVE não reconhece explicitamente a existência do erro, optando por indicar que a pergunta em causa “descreve o resultado hipotético de uma atividade experimental” e que, deste modo, “a única interpretação possível é a que consta nos critérios de classificação” elaborados por aquele organismo para serem seguidos pelos professores classificadores.
Nos critérios de correção/classificação, pode ler-se:
A resposta deve apresentar os seguintes elementos:
A)  O arrefecimento da solução provoca uma diminuição da concentração do ião [FeSCN]2+ (aq ), o que traduz um favorecimento da reação inversa.
B)  A reação inversa será exotérmica, pelo que se pode concluir que a variação de entalpia associada à reação de formação do ião [FeSCN]2+ (aq ) é positiva.”.
Adelino Galvão refere que a SPQ já tinha alertado o IAVE para esta questão, que teve “resposta em menos de 24 horas” com a confirmação de que o erro “não terá repercussão nos resultados”.
Sem mais explicação, parece haver contradição em que refere o IAVE (a única interpretação possível é a…) e o que Galvão diz que IAVE lhe disse (não terá repercussão nos resultados). Não terá repercussão nos resultados, como?
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Refere o secretário-geral da SPQ que “os exames são feitos por humanos e, por vezes, há erros” e que aquilo que o preocupa mais neste caso é que o erro se possa propagar no futuro, já que os alunos treinam para exames com base nos enunciados de provas anteriores”.
A isto devo dizer que o professor deve ter em conta a ambiguidade na aula (como faz se a editora tem erros no manual ou nas atividades) e não se cingir ao treino dos testes de exame.
Depois, que são monstruosamente hiperbólicas as exigências feitas aos professores vigilantes (não podem estar sentados, têm de vigiar se há na prova escritos a lápis e mandar passar a tinta, têm os dois de rubricar os cabeçalhos, não podem ler nem conversar nem ir à casa de banho, etc.), o quebra-cabeças para os professores corretores é crescente, estabelece-se o anonimato do aluno e da escola, o funcionário que embala um pacote de provas deixa lá um cartão com o seu n.º para eventual reclamação. Mas, face a erro ou inexatidão em provas, o IAVE faz ouvidos moucos, escudando-se nos peritos, nos critérios e na previsível falta de consequências! Dois pesos e duas medidas…
2019.07.24 – Louro de Carvalho

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