sábado, 27 de julho de 2019

Golas aquecem muito e cheiram a cola


No âmbito dos programas Aldeia Segura” e Pessoas Seguras” – cujos objetivos são, entre outros, incentivar a consciência coletiva de que a proteção é responsabilidade de todos, apoiar o poder local na promoção da segurança, implementar estratégias de proteção das localidades face a incêndios rurais e sensibilizar as populações para a adoção de práticas que minimizem o risco de incêndio –, a Proteção Civil distribuiu golas antifumo com material inflamável às chamadas “Aldeias Seguras”.
São 70 mil golas que fazem parte dos ‘kits’ de emergência distribuídos pela Proteção Civil, que importaram no custo de 328 mil euros, no cumprimento daqueles programas cuja execução resulta de protocolo assinado entre a ANEPC (Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil), a ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses) e a ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias).
A ANEPC diz que aquelas golas antifumo, fabricadas com material inflamável e sem tratamento anticarbonização e que o JN (Jornal de Notícias) diz que importaram em 125 mil euros (O valor de mercado de cada gola é 74 cêntimos, mas cada uma custo cerca de 1,80€), “não assumem caraterísticas de equipamento de proteção individual, e muito menos de combate a incêndios, mas são “material de informação e sensibilização”.
Segundo o JN, as golas antifumo, fabricadas em poliéster, “não têm a eficácia que deveriam ter: evitar inalações de fumos através de um efeito de filtro”.
São quase duas mil povoações que receberam, ao abrigo destes programas, estes e outros equipamentos, como coletes refletores, que na sua composição têm matérias combustíveis.
Os preditos programas estão a ser implementados desde 2018 em vários municípios e somam, segundo o jornal, 1507 oficiais de segurança local, aos quais incumbe o encaminhamento das populações para os locais de abrigo.
Dois oficiais de segurança do distrito de Castelo Branco disseram ao JN que a gola aquece muito e cheira a cola; e queixaram-se do colete refletor, também feito em poliéster. E João Paulo Saraiva, presidente da Aprosoc (Associação de Proteção e Socorro), criticou através do JN:
Deveriam fornecer máscaras e não golas inflamáveis, que são a prova de que o programa é uma falácia. Em vez da sensibilização, querem pôr as pessoas a evacuar aldeias, onde não faltam pessoas muito idosas. Nos testes que fizeram, estiveram sempre a GNR e os bombeiros. Mas nos cenários reais, as pessoas estão sozinhas e com esse tipo de proteções.”.
Ao aludido jornal, Ricardo Peixoto, representante da Foxtrot Aventura, empresa de Fafe, no distrito de Braga, a quem a ANEPC comprou 15 mil ‘kits’ de emergência e 70 mil golas em junho de 2018, disse que considerava tratar-se “merchandising” e que a entidade não referiu que os equipamentos “seriam usados em cenários que envolvem fogo”. Mais declarou:
Se assim fosse, as golas seriam de outro material e com tratamento para suportar esses cenários [de fogo] (...) Juro que achei que isto seria usado em ações de ‘merchandising’.”.
Fonte da ANEPC, referindo ao JN que os equipamentos não passam de “estímulo à implementação local dos programas” e “não são equipamento de proteção individual”, declarou:
Estes materiais não assumem caraterísticas de equipamento de proteção individual, nem se destinam a proporcionar proteção acrescida em caso de resposta a incêndios”.
Em comunicado, a ANEPC reiterou essa mensagem, lembrando que os programas “decorrem da Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, de 27 de outubro, e visam capacitar as populações no sentido de reforçar a segurança de pessoas e bens mediante a adoção de medidas de autoproteção e a realização de simulacros aos planos de evacuação das localidades”. Trata-se, segundo a ANEPC, da primeira grande campanha nacional orientada para a autoproteção da população relativamente ao risco de incêndio rural, bem como à sensibilização para as boas práticas a adotar neste âmbito. No âmbito destes programas foram produzidos e distribuídos diversos materiais de sensibilização, designadamente o Guia de Implementação dos Programas, os Folhetos de Sensibilização multilingues, a Sinalética identificativa de itinerários de evacuação e de locais de abrigo ou refúgio e os kits’ de emergência. Assim, é sublinhado o seguinte:
Importa reforçar que estes materiais não assumem caraterísticas de equipamento de proteção individual, e muito menos de combate a incêndios. Trata-se, sim, de material de informação e sensibilização sobre como devem agir as populações em caso de incêndio, aumentando a resiliência dos aglomerados populacionais perante o risco de incêndio rural..
Os ‘kits’ são compostos por um colete, uma gola antifumo, um apito, uma bússola e uma lanterna, uma garrafa de água e uma barra energética (de cereais) e ainda um conjunto de primeiros socorros e estão a ser distribuídos desde o verão de 2018 em zonas de risco elevado de incêndio no âmbito dos mencionados programas.
Segundo o JN deste sábado, a Proteção Civil pagou o dobro do preço pelas golas, que foram produzidas em material inflamável – o valor de mercado será de 74 cêntimos cada, mas o Estado pagou 1,80 euros. Ao todo, desembolsou 125 706 euros à Foxtrot Aventuras, empresa que é propriedade do marido da presidente da junta de freguesia de Longos (Guimarães), do PS.
A empresa justificou os preços mais elevados pela urgência na entrega dos produtos e pela dimensão da encomenda.
A ANEPC diz que a Foxtrot Aventuras, propriedade de Ricardo Peixoto Fernandes (marido da autarca socialista Isilda Silva), foi a única das cinco empresas que convidou para proporem preços a avançar com uma proposta, pelo que ficou com o fornecimento dos kits, que incluem as golas inflamáveis, por 328 656 euros, segundo o JN.
Segundo uma nota do MAI (Ministério da Administração Interna), nesse âmbito, foram produzidos diversos materiais, como o Guia de Apoio à Implementação, kits de sinalética de apoio a planos de evacuação, kits de autoproteção com o objetivo de sensibilizar a população para os comportamentos preventivos a adotar em caso de evacuação, confinamento ou refúgio, golas tendo em vista sensibilizar a população para a importância de, em caso de proximidade de incêndio, adotarem uma conduta de proteção das superfícies expostas do corpo (cara e pescoço) e de proteção das vias respiratórias (redução da inalação de fumos). A estes materiais, o MAI acrescenta os coletes de identificação destinados aos Oficiais de Segurança Local “que asseguram a comunicação direta à população”, bem como folhetos multilingues sobre condutas de autoproteção e instrumentos audiovisuais de comunicação e divulgação.
Em entrevista à SIC Notícias, Patrícia Gaspar, comandante operacional da ANEPC e que coordenou o incêndio do ano passado em Monchique, sustentou as explicações da ANEPC e foi mais longe ao dizer que os ‘kits’ entregues – desde o verão do ano passado – eram o pontapé de saída para um programa em que kits válidos iriam ser distribuídos. E, quanto os que já foram entregues, esclareceu que são apenas “uma proteção ligeira para situações pontuais”.
As novas explicações da ANEPC chegaram depois de o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, ter dito que a Proteção Civil devia ter imediatamente apresentado pedido público de desculpas sobre a distribuição de golas antifumo com material inflamável, bem como “proceder à sua substituição”. E o dirigente associativo declarou ao DN:
A autoridade foi negligente. É grave e inaceitável. Dizer que é só para sensibilizar é pior a emenda que o soneto, não deviam ter ido por aí. Não deviam ter dito isso.”.
E, lembrando que podia esta negligência grave ter tido consequências lamentáveis, caso alguém tivesse usado a gola, que é inflamável – e, em vez de se salvar, podia matar-se –, reforçou: “É grave e inaceitável”. “Aquilo não é para uma brincadeira, não é só para andar com aquilo às costas para brincar aos incêndios”, vincou Jaime Marta Soares.
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A Câmara Municipal de Sintra, que tem 12 aldeias nos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”, já anunciou que vai “recolher de imediato todos os componentes inflamáveis” do ‘kit’ entregue pela ANEPC. Com efeito, em resposta à Lusa, a autarquia informou que “desconhecia” as informações vindas a público sobre a composição dos materiais que compõem o ‘kit’ destes programas, e que o presidente da Câmara Municipal, Basílio Horta (eleito pelo PS), decidiu recolher estes materiais, nomeadamente coletes e golas. E os materiais recolhidos serão substituídos por “equipamento que garanta a segurança dos voluntários”.
No município de Sintra, a ANEPC disponibilizou, segundo fonte da autarquia, ‘kits’ aos 24 oficiais de segurança dos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras” – dois por cada uma das 12 aldeias – e, no âmbito de sessões de esclarecimento, distribuiu “cerca de 30 golas” à população. A Câmara Municipal contabilizou a necessidade de substituir 24 coletes e cerca de 54 golas, processo que vai ser assegurado “durante a próxima semana”.
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Por sua vez, o Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, falando em Mafra, no dia 26, após a celebração do contrato de cooperação Interadministrativo com o município de Mafra para a construção dos Postos Territoriais da GNR do Livramento e Malveira, recusou-se a responder sobre o objetivo da distribuição destas golas com material inflamável, bem como o que as populações devem fazer com elas e disse que é “irresponsável e alarmista” a notícia sobre as golas antifumo com material inflamável distribuídas no âmbito dos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”.
Para o governante, que vincou a importância do programa que está em curso em mais de 1.600 aldeias do país (alguns dizem cerca de 2000) e assegurou que a distribuição das golas antifumo não põe em causa nem o projeto nem a segurança das pessoas, a notícia “verdadeiramente irresponsável e alarmista” revela desconhecimento de questões técnicas que a ANEPC já esclareceu. Quando confrontado pelos jornalistas sobre o facto de as golas serem feitas com material inflamável, começou por dizer visivelmente nervoso: “Não me vai pedir para falar das boinas da GNR”.
Eduardo Cabrita recusou-se, pois, a responder sobre o objetivo da distribuição destas golas com material inflamável, bem como o que as populações devem fazer com elas.
Entretanto, Eduardo Cabrita, enquanto reafirma que os ‘kits’ são material de informação e sensibilização sobre como devem agir as populações em caso de incêndio e evacuação e não de combate a incêndios, pediu à IGAI (Inspeção-Geral da Administração Interna) a abertura de um inquérito urgente sobre os aspetos contratuais da compra do material de sensibilização distribuído pela Proteção Civil, no âmbito dos programas “Aldeia Segura” e Pessoas Seguras”, além de solicitar também esclarecimentos à ANEPC.
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O inquérito tem toda a razão de ser em virtude do grave contexto em que o país vive, o surto incendiário, que mais parece uma indústria complexa, mas bem concertada, com que muitos se governam economicamente e outros encontram pretexto para fazer política partidária. Por mais leis que se façam e comissões que se constituam, enquanto não se retirar o combustível perigoso e as espécies arbóreas e arbustivas mais sensíveis ao calor, pouco se conseguirá. Limpezas têm um efeito pouco duradouro e só valem se os desperdícios forem removidos e reciclados…  
E se, como sugere o semanário “O Diabo” estancassem o negócio na fonte? O periódico não diz como, mas eu digo: não pagar nenhum trabalho ou utilização de equipamento à peça ou à hora, dia ou mês; reordenar a floresta; ter cuidados acrescidos nas contratações; entregar os meios prevenção e de combate às forças armadas e de segurança, dotando-as de muito mais efetivos humanos (vale mais gastar dinheiro em formação e disciplina que em negociatas) e recursos materiais e logísticos; e punir exemplarmente os infratores. Veja-se: para fazer umas golas ineficazes como autoproteção de 74 cêntimos teve de se pagar 1,80€. Como é óbvio, resultou polémica, até porque quem lucrou foi um casal socialista.
Assim, o inquérito deve avaliar o mérito das golas; o preço e o custo de oportunidade; e a entrega à referida empresa.
Porém, o que espanta é a distribuição de ‘kits’ com material inflamável, vindo agora as entidades responsáveis com a explicação de que eram materiais de sensibilização e não de autoproteção em caso de incêndio. Di-lo a empresa, alegando que a ANEPC não lhe dissera que o material era para usar em caso de incêndio. Era necessário? E eu pergunto: A garrafa de água é para sensibilizar quem e em que sentido? Para sensibilização não bastavam uns prospectos, uns cartazes? Era necessário um ‘kit’ individual com colete, gola, barra energética, apito, bússola, primeiros socorros? A menção destes materiais não ficaria bem em cartaz, em prospectos? Nunca se distribui material inflamável para ficar colado à pessoa.
Os ‘kits’ individuais não são para usar em caso de incêndio. Então são para ir ao futebol, à missa, a um concerto musical, a um desfile coletivo?
Finalmente, como é que a ANEPC tem a lata de disparatar que o objetivo foi cumprido? A não ser que o objetivo seja a maioria absoluta do PS nas próximas eleições… Ou como é que as golas servem para autoproteção temporária, se podem arder? E como é que um ministro é capaz de desculpar a empresa fornecedora e a ANEPC do material inflamável porque o microfone dos jornalistas também é inflamável? Por mais precioso que seja o seu trabalho, não cabe aos jornalistas combater incêndios. Já agora o ministro que distribua por eles microfones não inflamáveis e terá o Céu ganho!    
 2019.07.27 – Louro de Carvalho

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