No
âmbito dos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras” –
cujos objetivos são, entre outros, incentivar a consciência coletiva de que a
proteção é responsabilidade de todos, apoiar o poder local na promoção da segurança,
implementar estratégias de proteção das localidades face a incêndios rurais e
sensibilizar as populações para a adoção de práticas que minimizem o risco de
incêndio –, a Proteção
Civil distribuiu golas antifumo com material inflamável às chamadas “Aldeias
Seguras”.
São 70 mil golas que fazem parte dos ‘kits’
de emergência distribuídos pela Proteção Civil, que importaram no custo de 328 mil euros,
no cumprimento daqueles programas cuja execução resulta de protocolo assinado
entre a ANEPC (Autoridade Nacional
de Emergência e Proteção Civil), a ANMP (Associação
Nacional de Municípios Portugueses) e a ANAFRE
(Associação
Nacional de Freguesias).
A ANEPC diz
que aquelas golas antifumo, fabricadas com material inflamável e sem tratamento
anticarbonização e que o JN (Jornal de Notícias) diz que importaram em 125 mil euros (O valor de mercado de cada gola é 74
cêntimos, mas cada uma custo cerca de 1,80€), “não assumem caraterísticas de equipamento de proteção individual, e muito
menos de combate a incêndios, mas são “material de informação e sensibilização”.
Segundo o JN, as golas antifumo, fabricadas em
poliéster, “não têm a eficácia que deveriam ter: evitar inalações de fumos
através de um efeito de filtro”.
São quase
duas mil povoações que receberam, ao abrigo destes programas, estes e outros
equipamentos, como coletes refletores, que na sua composição têm matérias
combustíveis.
Os preditos programas estão a ser implementados desde 2018 em vários
municípios e somam, segundo o jornal, 1507 oficiais de segurança local, aos quais incumbe o encaminhamento das populações para
os locais de abrigo.
Dois
oficiais de segurança do distrito de Castelo Branco disseram ao JN que a gola aquece muito e cheira a cola; e queixaram-se do colete refletor,
também feito em poliéster. E João Paulo Saraiva, presidente da Aprosoc (Associação
de Proteção e Socorro), criticou
através do JN:
“Deveriam
fornecer máscaras e não golas inflamáveis, que são a prova de que o programa é
uma falácia. Em vez da sensibilização, querem pôr as pessoas a evacuar aldeias,
onde não faltam pessoas muito idosas. Nos testes
que fizeram, estiveram sempre a GNR e os bombeiros. Mas nos cenários reais, as
pessoas estão sozinhas e com esse tipo de proteções.”.
Ao aludido jornal,
Ricardo Peixoto, representante da Foxtrot
Aventura, empresa de Fafe, no distrito de Braga, a quem a ANEPC comprou 15
mil ‘kits’ de emergência e 70 mil
golas em junho de 2018, disse que considerava tratar-se “merchandising” e que a entidade não referiu que os equipamentos “seriam
usados em cenários que envolvem fogo”. Mais declarou:
“Se assim fosse, as golas seriam de outro material e com tratamento para
suportar esses cenários [de fogo] (...) Juro que achei que isto seria usado em
ações de ‘merchandising’.”.
Fonte da
ANEPC, referindo ao JN que os
equipamentos não passam de “estímulo à implementação local dos programas” e “não
são equipamento de proteção individual”, declarou:
“Estes
materiais não assumem caraterísticas de equipamento de proteção individual, nem
se destinam a proporcionar proteção acrescida em caso de resposta a incêndios”.
Em
comunicado, a ANEPC reiterou essa mensagem, lembrando que os programas “decorrem da Resolução do Conselho de
Ministros n.º 157-A/2017, de 27 de outubro, e visam capacitar as populações no
sentido de reforçar a segurança de pessoas e bens mediante a adoção de medidas
de autoproteção e a realização de simulacros aos planos de evacuação das
localidades”. Trata-se, segundo a ANEPC, da primeira grande campanha
nacional orientada para a autoproteção da população relativamente ao risco de
incêndio rural, bem como à sensibilização para as boas práticas a adotar neste
âmbito. No âmbito destes programas foram produzidos e distribuídos diversos
materiais de sensibilização, designadamente o Guia de Implementação dos
Programas, os Folhetos de Sensibilização multilingues, a Sinalética
identificativa de itinerários de evacuação e de locais de abrigo ou refúgio e
os ‘kits’ de emergência. Assim, é sublinhado o seguinte:
“Importa
reforçar que estes materiais não assumem caraterísticas de equipamento de
proteção individual, e muito menos de combate a incêndios. Trata-se, sim, de
material de informação e sensibilização sobre como devem agir as populações em
caso de incêndio, aumentando a resiliência dos aglomerados populacionais
perante o risco de incêndio rural.”.
Os ‘kits’ são compostos por um colete, uma gola antifumo, um apito, uma bússola e
uma lanterna, uma garrafa de água e uma barra energética (de cereais) e ainda um conjunto de primeiros socorros e estão a ser distribuídos desde o verão de 2018 em zonas de risco
elevado de incêndio no âmbito dos mencionados programas.
Segundo
o JN deste sábado,
a Proteção Civil pagou o dobro do preço pelas golas, que foram produzidas em
material inflamável – o valor de mercado será de 74 cêntimos cada, mas o Estado
pagou 1,80 euros. Ao todo, desembolsou 125 706 euros à Foxtrot Aventuras,
empresa que é propriedade do marido da presidente da junta de freguesia de
Longos (Guimarães), do PS.
A empresa
justificou os preços mais elevados pela urgência na entrega dos produtos e pela
dimensão da encomenda.
A ANEPC diz
que a Foxtrot Aventuras, propriedade de Ricardo Peixoto Fernandes (marido da
autarca socialista Isilda Silva), foi a
única das cinco empresas que convidou para proporem preços a avançar com uma
proposta, pelo que ficou com o
fornecimento dos kits, que incluem as golas inflamáveis, por 328 656 euros,
segundo o JN.
Segundo uma
nota do MAI (Ministério da Administração Interna), nesse
âmbito, foram produzidos diversos materiais, como o Guia de Apoio à
Implementação, kits de sinalética de
apoio a planos de evacuação, kits de autoproteção com o objetivo de
sensibilizar a população para os comportamentos preventivos a adotar em caso de
evacuação, confinamento ou refúgio,
golas tendo em vista sensibilizar a população para a importância de, em caso de
proximidade de incêndio, adotarem uma conduta de proteção das superfícies
expostas do corpo (cara e pescoço) e de proteção das vias respiratórias (redução da
inalação de fumos). A estes materiais, o MAI
acrescenta os coletes de identificação destinados aos Oficiais de Segurança
Local “que asseguram a comunicação direta à população”, bem como folhetos
multilingues sobre condutas de autoproteção e instrumentos audiovisuais de
comunicação e divulgação.
Em
entrevista à SIC Notícias, Patrícia
Gaspar, comandante operacional da ANEPC e que coordenou o incêndio do ano
passado em Monchique, sustentou as explicações da ANEPC e foi mais longe ao
dizer que os ‘kits’ entregues – desde
o verão do ano passado – eram o pontapé de saída para um programa em que kits
válidos iriam ser distribuídos. E, quanto os que já foram entregues, esclareceu
que são apenas “uma proteção ligeira para situações pontuais”.
As novas
explicações da ANEPC chegaram depois de o presidente da Liga dos Bombeiros
Portugueses, Jaime Marta Soares, ter dito que a Proteção Civil devia ter
imediatamente apresentado pedido público de desculpas sobre a distribuição de
golas antifumo com material inflamável, bem como “proceder à sua substituição”.
E o dirigente associativo declarou ao DN:
“A
autoridade foi negligente. É grave e inaceitável. Dizer que é só para
sensibilizar é pior a emenda que o soneto, não deviam ter ido por aí. Não deviam ter dito isso.”.
E, lembrando
que podia esta negligência grave ter tido consequências lamentáveis, caso
alguém tivesse usado a gola, que é inflamável – e, em vez de se salvar, podia
matar-se –, reforçou: “É grave e
inaceitável”. “Aquilo não é para uma brincadeira, não é só para andar com
aquilo às costas para brincar aos incêndios”, vincou Jaime Marta Soares.
***
A Câmara
Municipal de Sintra, que tem 12 aldeias nos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas
Seguras”, já anunciou que vai “recolher de imediato todos os componentes
inflamáveis” do ‘kit’ entregue pela ANEPC.
Com efeito, em resposta à Lusa, a
autarquia informou que “desconhecia” as informações vindas a público sobre a
composição dos materiais que compõem o ‘kit’
destes programas, e que o presidente da Câmara Municipal, Basílio Horta (eleito pelo
PS), decidiu recolher estes materiais,
nomeadamente coletes e golas. E os materiais recolhidos serão substituídos por
“equipamento que garanta a segurança dos voluntários”.
No município de Sintra, a ANEPC disponibilizou, segundo fonte da
autarquia, ‘kits’ aos 24 oficiais de
segurança dos programas “Aldeia Segura”
e “Pessoas Seguras” – dois por cada
uma das 12 aldeias – e, no âmbito de sessões de esclarecimento, distribuiu
“cerca de 30 golas” à população. A Câmara Municipal
contabilizou a necessidade de substituir 24 coletes e cerca de 54 golas, processo
que vai ser assegurado “durante a próxima semana”.
***
Por sua vez,
o Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, falando em Mafra, no dia
26, após a celebração do contrato de cooperação Interadministrativo com o município
de Mafra para a construção dos Postos Territoriais da GNR do Livramento e
Malveira, recusou-se a responder sobre o objetivo da distribuição destas golas
com material inflamável, bem como o que as populações devem fazer com elas e
disse que é “irresponsável e alarmista” a notícia sobre as golas antifumo com
material inflamável distribuídas no âmbito dos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas
Seguras”.
Para o
governante, que vincou a importância do programa que está em curso em mais de
1.600 aldeias do país (alguns dizem cerca de 2000) e assegurou que a distribuição das golas antifumo
não põe em causa nem o projeto nem a segurança das pessoas, a notícia “verdadeiramente irresponsável e alarmista” revela desconhecimento
de questões técnicas que a ANEPC já esclareceu. Quando confrontado pelos
jornalistas sobre o facto de as golas serem feitas com material inflamável,
começou por dizer visivelmente nervoso: “Não
me vai pedir para falar das boinas da GNR”.
Eduardo
Cabrita recusou-se, pois, a responder sobre o objetivo da distribuição destas
golas com material inflamável, bem como o que as populações devem fazer com
elas.
Entretanto,
Eduardo Cabrita, enquanto reafirma que os ‘kits’
são material de informação e sensibilização sobre como devem agir as populações
em caso de incêndio e evacuação e não de combate a incêndios, pediu à IGAI (Inspeção-Geral
da Administração Interna) a abertura
de um inquérito urgente sobre os aspetos contratuais da compra do material de
sensibilização distribuído pela Proteção Civil, no âmbito dos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”, além
de solicitar também esclarecimentos à ANEPC.
***
O
inquérito tem toda a razão de ser em virtude do grave contexto em que o país
vive, o surto incendiário, que mais parece uma indústria complexa, mas bem
concertada, com que muitos se governam economicamente e outros encontram
pretexto para fazer política partidária. Por mais leis que se façam e comissões
que se constituam, enquanto não se retirar o combustível perigoso e as espécies
arbóreas e arbustivas mais sensíveis ao calor, pouco se conseguirá. Limpezas
têm um efeito pouco duradouro e só valem se os desperdícios forem removidos e
reciclados…
E se,
como sugere o semanário “O Diabo”
estancassem o negócio na fonte? O periódico não diz como, mas eu digo: não
pagar nenhum trabalho ou utilização de equipamento à peça ou à hora, dia ou
mês; reordenar a floresta; ter cuidados acrescidos nas contratações; entregar
os meios prevenção e de combate às forças armadas e de segurança, dotando-as de
muito mais efetivos humanos (vale mais gastar dinheiro em
formação e disciplina que em negociatas)
e recursos materiais e logísticos; e punir exemplarmente os infratores.
Veja-se: para fazer umas golas ineficazes como autoproteção de 74 cêntimos teve
de se pagar 1,80€. Como é óbvio, resultou polémica, até porque quem lucrou foi
um casal socialista.
Assim, o
inquérito deve avaliar o mérito das golas; o preço e o custo de oportunidade; e
a entrega à referida empresa.
Porém, o
que espanta é a distribuição de ‘kits’
com material inflamável, vindo agora as entidades responsáveis com a explicação
de que eram materiais de sensibilização e não de autoproteção em caso de
incêndio. Di-lo a empresa, alegando que a ANEPC não lhe dissera que o material
era para usar em caso de incêndio. Era necessário? E eu pergunto: A garrafa de
água é para sensibilizar quem e em que sentido? Para sensibilização não
bastavam uns prospectos, uns cartazes? Era necessário um ‘kit’ individual com colete, gola, barra energética, apito, bússola,
primeiros socorros? A menção destes materiais não ficaria bem em cartaz, em
prospectos? Nunca se distribui material inflamável para ficar colado à pessoa.
Os ‘kits’ individuais não são para usar em
caso de incêndio. Então são para ir ao futebol, à missa, a um concerto musical,
a um desfile coletivo?
Finalmente,
como é que a ANEPC tem a lata de disparatar que o objetivo foi cumprido? A não
ser que o objetivo seja a maioria absoluta do PS nas próximas eleições… Ou como
é que as golas servem para autoproteção temporária, se podem arder? E como é
que um ministro é capaz de desculpar a empresa fornecedora e a ANEPC do
material inflamável porque o microfone dos jornalistas também é inflamável? Por
mais precioso que seja o seu trabalho, não cabe aos jornalistas combater
incêndios. Já agora o ministro que distribua por eles microfones não inflamáveis
e terá o Céu ganho!
2019.07.27 – Louro de Carvalho
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