Deixam o
cargo hoje, dia 4 de julho, após terem completado 75 anos, os núncios
apostólicos em Portugal, Rino Passigato, Arcebispo titular de Nova di Cesare, e
em Espanha e no Principado de Andorra, Renzo Fratini, Arcebispo titular de
Botriana. Com a Carta Apostólica em forma de Motu proprio “Aprender a
despedir-se”, o procedimento de renúncia dos representantes pontifícios
segue modalidades dos bispos e chefes de Dicastérios da Cúria não cardeais.
Em
informação lacónica, a Sala de Imprensa da Santa Sé dava conta da decisão do
Pontífice, que o Vatican News
explicita que foi por terem atingido o limite de idade nos termos do predito
documento pontifício, segundo o qual também os representantes pontifícios “não
cessam ipso facto o seu ofício ao completarem 75 anos de
idade, mas em tal circunstância devem apresentar sua renúncia ao Sumo
Pontífice”.
Para ser eficaz,
a renúncia deve ser aceite pelo Papa, pelo que o Boletim da Sala de Imprensa da
Santa Sé publica não só as nomeações, mas também as renúncias dos núncios
apostólicos.
A Ecclesia, que se fez eco da notícia,
deixa resenha biográfica do Núncio Apostólico:
“Natural de Bovolone, Itália, foi nomeado como
representante diplomático do Papa em Portugal no dia 8 de novembro de 2008, em
substituição do também italiano Dom Alfio Rapisarda. Ordenado padre em Verona,
no dia 29 de junho de 1968, foi nomeado Arcebispo titular de Nova César em 1991
e pró-núncio apostólico no Burundi.
Antes de chegar a Portugal, passou
pelas nunciaturas apostólicas da Bolívia (entre1996 e 1999) e do Peru (1999 –
2008).
Em junho, numa cerimónia em que foi
condecorado pelo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, com a Cruz
de São Jorge, Dom Rino Passigato abordou com os jornalistas a sua passagem por
Portugal.
O arcebispo italiano destacou a
passagem pelo nosso país como a concretização de um desejo antigo e o culminar
‘de uma longa vida de serviço diplomático à Santa Sé, de 45 anos e meio. ‘Portugal
foi para mim a realização de um sonho, de um desejo, e o coroar de uma vida
dedicada a este serviço’, apontou Dom Rino Passigato, que durante os últimos
meses da sua missão em território português trabalhou na concretização de um
relatório sobre o ponto da situação da Igreja Católica e do país. Um relatório
que será essencial na passagem de ‘instruções para um novo núncio apostólico’.”.
***
A respeito da relevância do serviço de
representação da Santa Sé nos diversos países, o Vatican News releva o encontro, de cadência trienal, do Santo Padre
com mais de 100 Representantes
Pontifícios, dois quais 98 Núncios Apostólicos, ocorrido no passado dia 13 de
junho, no Vaticano (foi a 3.ª vez que tal sucedeu: tinha ocorrido em 2013
e 2016), no âmbito da reunião, convocada
pelo Pontífice, que termina no dia 15 e contemplou momentos de espiritualidade
e sessões de trabalho sobre atualidade eclesial, de colaboração internacional e
diálogo inter-religioso.
A Secção da Secretaria de Estado responsável pelos Diplomatas
foi encarregada da preparação e coordenação do evento. A Missa de abertura foi presidida pelo Cardeal Secretário de
Estado a 12 de junho. Houve encontros com Superiores da Secretaria de Estado e
conferências de atualização. Algumas sessões de trabalho foram realizadas em
grupos divididos por continentes. E da agenda constaram encontros com Chefes de
Dicastério da Cúria Romana e Embaixadores credenciados na Santa Sé residentes
em Roma. São ainda de relevar os momentos de espiritualidade significativos experienciados,
como a concelebração eucarística com o Papa em Santa Marta e a oração conjunta
dos participantes na Capela Sistina, bem como o almoço de encerramento com
Francisco, a 15 de junho, em Santa Marta.
Em discurso
escrito para a ocasião, Francisco compartilhou preceitos simples e elementares para
a missão pontifícia, a que deu forma de decálogo, dirigido também a bispos e
sacerdotes de todo o mundo, relevando a importância do Representante Pontifício
como homem de Deus, de Igreja, de zelo apostólico e de reconciliação, de homem
do Papa, de iniciativa, de obediência, de oração, caridade e humildade, e
pedindo aos Núncios que defendam a Igreja e não se juntem a blogues e grupos hostis ao Papa. O Papa dirigiu-lhes palavras de caráter privado e
entregou o discurso escrito para a ocasião, que começava com o convite a
analisar a vida da Igreja com “olhos de pastores” e a refletir sobre a “missão
delicada e importante” dos Representantes Pontifícios. Eis o esboço do dito
decálogo:
1.º - O Núncio é
homem de Deus, que o Papa descreveu como o que segue “Deus em tudo e para
tudo”, vivendo “pelas coisas de Deus e não pelas do mundo”, pelo que e para não
“sair dos trilhos e prejudicar a Igreja”, precisa de caminhar com humildade,
praticar a justiça e manter o coração aberto aos menos favorecidos da
sociedade. Disse-lhes o Pontífice:
“O homem de Deus não ludibria nem engana o
próximo; não cede a intrigas e boatos; conserva a mente e o coração puros,
preservando olhos e ouvidos da sujeira do mundo. Não se deixa enganar pelos
valores mundanos, mas olha para a Palavra de Deus para julgar o que for
apropriado e bom. O homem de Deus procura seriamente ser ‘santo e irrepreensível
diante dele’ (Ef 1,4).”.
2.º - O Núncio é
homem de Igreja, pois representa o Sucessor de Pedro e é “o rosto, os
ensinamentos e as posições da Igreja”. E Francisco censurou aqueles que “tratam
mal os seus colaboradores” e têm outras posturas:
“É feio ver um Núncio em busca de luxo,
roupas e objetos de marca entre pessoas que não têm o necessário. É um
contratestemunho. A maior honra para um homem de Igreja é a de ser servo de
todos. […] Ser homem de Igreja quer dizer defender corajosamente a Igreja ante as
forças do mal que sempre a tentam desacreditar, difamar ou caluniar”.
3.º - O Núncio é homem
de zelo apostólico ou da força que “nos protege do cancro da desilusão” e
da tentação da “timidez” e da “indiferença dos cálculos políticos e
diplomáticos, ou mesmo no politicamente correto”. Citando a São Maximiliano
Maria Kolbe (quando escreveu sobre a propagação do “indiferentismo”), o Papa classificou o indiferentismo como “doença
quase epidémica” que se espalha de várias formas na generalidade dos fiéis e
entre os membros dos institutos religiosos”.
4.º - O Núncio é homem
de reconciliação, pois, sendo homem comunicação, deve ser também da
“mediação, da comunhão, do diálogo e da reconciliação”, procurando ainda ser
“imparcial e objetivo”. E o Santo Padre observou:
“Se um Núncio se fechasse na Nunciatura e
evitasse de encontrar as pessoas, trairia a sua missão e, ao invés de ser fator
de comunhão e de reconciliação, tornar-se-ia obstáculo e impedimento. Vós não
deveis jamais esquecer que representais o rosto da catolicidade e a
universalidade da Igreja nas igrejas locais espalhadas em todo o mundo e nos
governos.”.
5.º - O Núncio é homem
do Papa, pois não se representa si próprio, mas ao Sucessor de Pedro, concretizando
e simbolizando “a presença do Papa entre os fiéis e as populações”, sendo que,
em vários países, “a Nunciatura é chamada a Casa
do Papa”. Disse o Pontífice que o bom Núncio deve ter uma vida de nómada,
ou seja, “viver sempre com a mala pronta” para ser enviado do Papa e da Igreja,
inclusive nas comunidades aonde o Papa não consegue chegar. E frisou que, por
consequência é “incompatível ser Representante Pontifício e criticar o Papa
por trás, ter blogues ou mesmo unir-se a grupos hostis a Ele, à Cúria e à
Igreja de Roma”.
6.º - O Núncio é homem
de iniciativa, seguindo as capacidades de Jesus, que é o modelo dos
Apóstolos. Assim, o Núncio “é um mestre
que sabe ensinar aos outros como se aproximar da realidade” para não ser
apanhado de surpresa pelas tempestades da vida. Além disso, precisa de “adotar
uma conduta adequada às exigências do momento, sem jamais cair nem na rigidez
mental, espiritual e humana, nem na flexibilidade hipócrita e camaleónica”. Não
é oportunismo, mas um saber passar do conceito à implementação, pelo bem comum
e lealdade ao mandato.
7.º - O Núncio é homem
de obediência, virtude inseparável da liberdade, sendo que “a obediência a
Deus não se separa da obediência à Igreja e aos Superiores”. E, parafraseando Santo
Agostinho e São Maximiliano Maria Kolbe, o Papa, na ótica de que o Núncio deve
seguir o estilo de vida de Jesus de Nazaré, alertou:
“Um Núncio que não vive a virtude da
obediência – mesmo quando é difícil e contrário à própria visão pessoal – é
como um viajante que perde a bússola, arriscando, assim, de falhar com o
objetivo. Recordemos sempre o ditado ‘Medice, cura te ipsum’. É
contratestemunho chamar os outros à obediência e desobedecer.”
8.º - O Núncio é homem
de oração. Com efeito, devendo ser alimento diário dum Representante
Pontifício a relação com o Senhor, a familiaridade com Jesus Cristo, lembrou o
Pontífice:
“A primeira tarefa de cada bispo, então,
consiste em se dedicar à oração e ao ministério da palavra. […] Sem a oração tornamo-nos
simples funcionários, sempre descontentes e frustrados. A vida de oração é
aquela luz que ilumina todo o resto e toda a obra do Núncio e da sua missão.”.
E o Papa lembrou as palavras insuperáveis com que Giovanni Battista Montini,
como Substituto da Secretaria de Estado, descrevia a figura do Representante
Pontifício:
“É a de alguém que tem verdadeiramente a
consciência de trazer consigo Cristo” (25 de abril de 1951), como o bem
precioso a comunicar, a anunciar, a representar. Os bens, as perspetivas deste
mundo, acabam por desiludir, impelem a nunca se contentar; o Senhor é o bem que
não desilude, o único que não desilude. E isto exige um desapego de nós mesmos,
que só podemos alcançar com uma relação constante com o Senhor e a unificação
da vida em volta de Cristo. E isto chama-se familiaridade com Jesus. A
familiaridade com Jesus Cristo deve ser o alimento quotidiano do Representante
Pontifício, porque é o alimento que nasce da memória do primeiro encontro com
Ele e porque constitui também a expressão diária de fidelidade à sua chamada.
Familiaridade com Jesus Cristo na oração, na Celebração Eucarística – que nunca
deve ser descuidada – no serviço da caridade.”.
9.º - O Núncio é homem
de caridade ativa. A este respeito, Francisco sublinhou a relevância do
encontro com Jesus através da necessidade de “tocar com as mãos a carne de Cristo”, os pobres, as pessoas mais
frágeis, a inteira família humana. Na verdade, não pode o Núncio limitar-se às
atividades práticas e inerentes à Representação Pontifícia, mas deve fazer
render a missão com obras de caridade para ser realmente um pai e pastor. E,
falando da caridade como gratuitidade, o Papa advertiu também para o “perigo permanente das regalias”, vincando:
“A caridade ativa deve levar-nos a ser
prudentes ao aceitar os presentes que são oferecidos para obscurecer a nossa
objetividade e, em alguns casos, infelizmente comprar a nossa liberdade. Nenhum
presente de qualquer valor deve nos escravizar! Recusai os presentes muito
caros e, muitas vezes, inúteis, ou enviai-os à caridade. E recordai que receber
um presente caro não justifica nunca o seu uso.”.
10.º - O Núncio é homem
de humildade. E o Pontífice abordou o preceito do Núncio como homem de
humildade, repropondo a ladainha do Cardeal Rafael Merry del Val (1865-1930), Servo de Deus e ex-Secretário de Estado, que indica
a via cristã da humildade e do amor. Ei-la:
Ó Jesus, manso e humilde de coração – Atendei-me!
Do desejo de ser estimado – Livrai-me, Jesus!
Do desejo de ser amado – Livrai-me, Jesus!
Do desejo de ser aclamado – Livrai-me, Jesus!
Do desejo de ser honrado – Livrai-me, Jesus!
Do desejo de ser louvado – Livrai-me, Jesus!
Do desejo de ser preferido aos outros – Livrai-me,
Jesus!
Do desejo de ser consultado – Livrai-me, Jesus!
Do desejo de ser aprovado – Livrai-me, Jesus!
Do temor de ser humilhado – Livrai-me, Jesus!
Do temor de ser desprezado – Livrai-me, Jesus!
Do temor de ser rejeitado – Livrai-me, Jesus!
Do temor de ser caluniado – Livrai-me, Jesus!
Do temor de ser esquecido – Livrai-me, Jesus!
Do temor de ser ridicularizado – Livrai-me, Jesus!
Do temor de ser injuriado – Livrai-me, Jesus!
Do temor de ser suspeitado – Livrai-me, Jesus!
Que os outros sejam mais amados do que eu – Ó Jesus,
concedei-me a graça de o desejar!
Que os outros sejam mais estimados do que eu – Ó
Jesus, concedei-me a graça de o desejar!
Que os outros possam crescer na opinião do mundo e que
eu possa diminuir – Ó Jesus, concedei-me a graça de o desejar!
Que aos outros seja concedida mais confiança no seu
trabalho e que eu seja deixado de lado – Ó Jesus, concedei-me a graça de o
desejar!
Que os outros sejam louvados e eu esquecido – Ó Jesus,
concedei-me a graça de o desejar!
Que os outros possam ser preferidos a mim em tudo – Ó
Jesus, concedei-me a graça de o desejar!
Que os outros possam ser mais santos do que eu,
contanto que eu, pelo menos, me torne santo como puder. Ó Jesus, concedei-me a
graça de o desejar!
***
Também o
Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado, em diálogo com Marco Tarquinio,
diretor do jornal italiano Avvenire,
abordou a diplomacia da Igreja, o Sínodo da Amazónia e a migração, pedindo que
“nunca faltem solidariedade e atenção aos outros”.
Sobre a
diplomacia da Igreja, sublinhou que “Francisco se integra na diplomacia da
Igreja com três caraterísticas”. No âmbito da 1.ª, insta a não considerarmos os
problemas em abstrato, mas no concreto, tendo sempre diante de nós os rostos
das pessoas: crianças, idosos, marginalizados, vítimas da violência”. A 2.ª é marcada
pela insistente ligação com as periferias:
“Antes de haver uma visão predominantemente eurocêntrica, o Papa tenta
introduzir uma perspetiva diferente. São as periferias que ajudam o centro a
compreender a realidade do mundo de hoje”.
E a 3.ª “é a
pró-atividade: não nos limitarmos a reagir às crises, mas tentar preveni-las e
estar presentes, tendo em conta os modestos meios à nossa disposição”.
Questionado sobre
os melhores momentos e os mais críticos que teve ao lado do Papa, respondeu que
o que sempre o impressionou foi a atitude de serenidade de Francisco. E disse:
“O Papa pode estar preocupado com os problemas, mas, depois, enfrenta-os
sempre com grande paz interior. Impressiona-me a sua insistência na alegria,
que ousaria definir como quase uma figura do seu pontificado e que, obviamente,
se pode aplicar também no campo da diplomacia: ninguém nos pode tirar a
profunda alegria de nos sentirmos amados pelo Senhor, que conduz a história
para lá das muitas agitações dos homens.”.
E o diretor
do Avvenire perguntou ao Cardeal
Secretário de Estado quais são os critérios por que se rege o Papa na escolha dos
países a visitar. E Parolin esclareceu:
“Para compreendê-lo, basta percorrer a lista dos países visitados este
ano. Há o critério do diálogo inter-religioso testemunhado pelas viagens a
países islâmicos como Marrocos e os Emirados Árabes Unidos. Depois, a questão
ecuménica, com visitas a nações ortodoxas como a Bulgária, a Macedónia do Norte
e a Roménia. A próxima viagem à África apresenta um terceiro critério: a
atenção às comunidades cristãs mais periféricas e sofredoras, a serem
confortadas e encorajadas. Esta é a perspetiva em que são colocadas as
esperadas visitas ao Sudão do Sul e ao Iraque. Visitas que mostram outro
critério, a preocupação com a paz, também será testemunhada pela viagem ao
Japão.”.
E, falando
do Sínodo sobre a Amazónia, previsto para de 6 a 27 de outubro, Parolin explanou:
“Alguns expressam preocupação com a natureza política dessa assembleia
em referência à soberania sobre a Amazónia. A Santa Sé reiterou o caráter
eclesial e pastoral do evento. Isso não significa, porém, ignorar a realidade
concreta, os problemas vividos pelos povos daquela região e o facto de que a
Amazónia também é um bem da humanidade e, como tal, deve ser preservada.”.
Finalmente,
o Cardeal Parolin referiu-se à situação na Venezuela e desenvolveu:
“A partir das notícias vindas de fontes confiáveis, emerge o quadro de
um drama que continua e se aprofunda, na incapacidade de encontrar respostas
efetivas que revertam a tendência. Na minha opinião, a solução deve ser
essencialmente política. Há várias propostas em cima da mesa – como por
exemplo, nas negociações patrocinadas pela Noruega – mas que exigem sabedoria,
coragem e vontade de procurar o verdadeiro bem da população por parte dos
atores envolvidos. A Santa Sé não cessa de acompanhar o país apoiando todas as
iniciativas capazes de favorecer desenvolvimentos positivos.”.
***
Enfim, o
Papa entende a diplomacia da Santa Sé (e quer que os seus colaboradores
especializados assim o entendam)
na perspetiva evangélico-humanizante, marcada pelo diálogo com os decisores e
com todos os escalões das comunidades e pela atenção aos que sofrem (fome,
guerra, exílio). Isto
exige a procura do dom da Força do Alto e a disponibilidade para estar em saída
e ir ao encontro.
2019.07.04 –
Louro de Carvalho
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