terça-feira, 31 de outubro de 2017

No V centenário da Reforma prossegue o diálogo ecuménico

Assinala-se hoje, dia 31 de outubro, a passagem dos 500 anos da Reforma dita protestante. E o Vaticano através do Departamento Filatélico do Vaticano recorda a efeméride com a emissão de um selo comemorativo, cujo valor é de 1€ e cuja tiragem é de 120 mil séries completas.
No predito selo, surge, em primeiro plano, Jesus crucificado, tendo ao fundo um céu dourado sobre a cidade de Wittenberg, onde, em 31 de outubro de 1517, foram fixadas pelo frade agostiniano Martinho Lutero as célebres 95 teses. De joelhos, à esquerda, Martinho Lutero com uma Bíblia, enquanto à direita está o seu amigo Filippo Melantone – um dos maiores divulgadores da Reforma – tendo em mãos a Confissão de Augsburgo, o primeiro documento oficial dos princípios do protestantismo.Por outro lado, sabe-se da firme resolução do Vaticano e da Federação Luterana na prossecução do diálogo com vista a uma cooperação mais estreita.
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Assim, através duma declaração ecuménica conjunta, luteranos e católicos comprometeram-se a continuar com o diálogo ecuménico procurando estreitar a colaboração e o diálogo entre si.
A declaração conjunta, assinada pela Federação Luterana Mundial e pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos neste dia 31 de outubro de 2017, foi adotada para a conclusão do ano de comemoração ecuménica comum da Reforma – ano que se iniciou a 31 de dezembro de 2016 com a oração comum luterano-católico-romana em Lund, na Suécia, com a presença do Papa Francisco e do Bispo Munib Antoine Younan, então Presidente da Federação Luterana Mundial, os quais subscreveram uma declaração conjunta que estabelece o compromisso de seguir percorrendo juntos o caminho ecuménico para a unidade por que rezava Jesus Cristo. Diz aquela declaração:
Enquanto superamos os episódios da nossa história que se gravam sobre nós, comprometemo-nos a testemunhar juntos a graça misericordiosa de Deus, que se tornou visível em Cristo crucificado e ressuscitado. Cientes de que o modo como nos relacionamos entre nós incide sobre o nosso testemunho do Evangelho, comprometemo-nos a crescer ainda mais na comunhão radicada no Batismo, procurando remover os obstáculos ainda existentes que nos impedem de alcançar a unidade plena. Cristo quer que sejamos um só, para que o mundo possa acreditar (cf Jo 17,21). Muitos membros das nossas comunidades anseiam por receber a Eucaristia a uma única Mesa como expressão concreta da unidade plena. Temos experiência da dor de quantos partilham toda a sua vida, mas não podem partilhar a presença redentora de Deus na Mesa Eucarística. Reconhecemos a nossa responsabilidade pastoral comum de dar resposta à sede e fome espirituais que o nosso povo tem de ser um só em Cristo. Desejamos ardentemente que esta ferida no Corpo de Cristo seja curada. Este é o objetivo dos nossos esforços ecuménicos, que desejamos levar por diante inclusive renovando o nosso empenho no diálogo teológico.”.
Na presente declaração, lê-se:
Reconhecemos com gratidão os numerosos eventos de oração e culto comuns que luteranos e católicos celebraram juntamente com os seus associados ecuménicos em distintas partes do mundo, os encontros teológicos e as publicações significativas que deram substância a este ano de comemoração”.
E na declaração, católicos e luteranos pedem perdão
Pelos nossos fracassos, pelas formas em que os cristãos têm ferido el Corpo do Senhor e se têm ofendido uns aos outros durante os 500 anos transcorridos desde o início da Reforma até hoje”.
Também dão graças pelo caminho percorrido na superação dos desencontros e pelo início de um diálogo, pois
Nós, luteranos e católicos, estamos profundamente agradecidos por este caminho ecuménico que vimos percorrendo juntos nos últimos 50 anos”.
Tendo sublinhado, como vimos, o perdão e a gratidão, a declaração continua:
As bênçãos deste ano de comemoração incluem o facto de que, pela primeira vez, luteranos e católicos consideraram a Reforma numa perspetiva ecuménica, o que deu lugar a um novo enfoque aos acontecimentos do século XVI que levaram à nossa separação”.
Assim, mostram os subscritores a sua confiança nas grandes possibilidades que o caminho ecuménico oferece no futuro das relações entre luteranos e católicos, assegurando:
Reconhecemos que, embora o passado não se possa mudar, a sua influência em nós pode, hoje em dia, transformar-se de modo a ser um estímulo ao crescimento da comunhão e um sinal de esperança a fim de que o mundo supere a divisão e a fragmentação. Uma vez mais, resultou claro que o que temos em comum é muito mais que aquilo que nos divide.”.
Em concreto, destaca-se “a Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação”, assinada num ato solene pela Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica Romana em 1999 e assinada também em 2006 pelo Conselho Metodista Mundial e pela Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas neste ano de comemoração”. E acrescenta-se:
Ademais, hoje mesmo será acolhida e recebida pela Comunhão Anglicana numa cerimónia solene na abadia de Westminster. Sobre esta base as nossas comunhões cristãs podem construir um vínculo mais estreito de consenso espiritual e de testemunho comum no serviço do Evangelho.”.
Por último, em relação ao futuro, católicos e luteranos comprometem-se
A seguir o nosso caminho comum, guiados pelo Espírito de Deus, para a maior unidade de acordo com a vontade de nosso Senhor Jesus Cristo”.
E o texto conclui:
Com a ajuda de Deus, pretendemos discernir através da oração a nossa compreensão da Igreja, da Eucaristia e do Ministério, procurando um consenso substancial que permita superar as restantes diferencias que existem entre nós”.
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É conveniente recordar 7 dados essenciais que resumem as causas e consequências deste período histórico iniciado por Martinho Lutero no século XVI.
- A palavra “protestante” provém do facto de os príncipes alemães terem emitido um “protesto” contra o imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Carlos V, que se negava a aceitar os apelos à reforma luterana dentro da Igreja Católica. Por essa razão, às pessoas que defendiam a postura consentânea com tais apelos ou que a ela aderiam começaram a chamar-lhes protestantes.
- Martinho Lutero é a figura mais influente da Reforma protestante. Com efeito, a 31 de outubro de 1517, o frade agostiniano Martinho Lutero revoltou-se contra a Igreja ao publicar, na porta do Palácio de Wittenberg, na Alemanha, as suas 95 teses sobre a penitência e o uso das indulgências. Posteriormente, Lutero desenvolveu esses 95 princípios da sua doutrina chegando a uma outra distinta da fé católica. Deixou a vida religiosa e contraiu matrimónio com uma ex-monja e, durante a sua, vida atacou duramente o papado e deu azo a várias revoltas.
- A Reforma não teve só motivações religiosas. Se bem que a venda de indulgências tenha sido considerada por Lutero como uma das principais razões da sua rutura com a Igreja Católica, houve outras razões históricas que permitiram a Reforma protestante. Entre estas, sobressaem: o Cisma do Ocidente (de 1378 a 1417), que reduziu em grande medida a reputação da Igreja Católica e levou a que muitos questionassem a legitimidade do Papa; o período inicial do Renascimento, que questionou o pensamento tradicional; e a ascensão de estados nacionais e de monarcas que queriam o poder absoluto da sua nação, como Henrique VIII, que se separou da Igreja em 1534.
- Os postulados do protestantismo de Lutero. Lutero desenvolve a crença de que o homem é salvo somente pela fé em Cristo e que no existe, portanto, a obrigação de fazer boas obras. Esta crença equivocada é conhecida historicamente como doutrina da justificação por “só a fé” (Sola Fide). E o luteranismo também recusa totalmente a primazia do Papa e afirma que a Bíblia é a única fonte de autoridade (Sola Scriptura). Também rejeita a intercessão dos santos e da Virgem Maria (dela dissera maravilhas), bem como a veneração de imagens, a existência do purgatório, etc.
- Lutero foi excomungado. Indubitavelmente, a primeira resposta do Pontificado romano foi a bula Exsurge Domine”, de 1520, do Papa Leão X (pelos vistos, de fraca probidade moral), que o ameaçou com a excomunhão. E, em janeiro de 1521, por não se ter retratado, Lutero foi efetivamente excomungado e logo condenado na Dieta de Worms, um congresso imperial convocado pelo imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Carlos V.
- João Calvino fundou o segundo ramo principal do protestantismo. As ideias de Lutero estenderam-se por toda Europa. Por consequência, o teólogo francês João Calvino, fundou o segundo ramo principal do protestantismo chamado “calvinismo”, em Genebra em 1541. Calvino considera que deviam eliminar-se todos os sacramentos da Igreja Católica, inclusive os dois que Lutero conservou: o Batismo e a Eucaristia (esta última concebida de uma forma diferente), o que levou à formação de outras denominações como presbiterianos, anglicanos, anabatistas e congregacionalistas.
- As ideias da Reforma expandiram-se através da imprensa. Na verdade, sem a criação da imprensa por Johannes Guttenberg, as novas ideias protestantes não teriam conseguido estender-se pela Europa a grande escala.
- A Reforma causou guerras de religião. De facto, a Reforma deu lugar a uma série de guerras religiosas que finalmente culminaram na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que devastou grande parte do atual território da Alemanha.
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Enquanto a Comunhão Anglicana, hoje em Londres, assumiu a “Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação”, acima referida, os bispos orientais católicos da Europa, no final da sua reunião anual, realizada também em Londres, de 26 a 29 deste mês de outubro, afirmaram:
Todos nós, pastores das Igrejas Orientais Católicas da Europa, nos sentimos envolvidos pelo amor do Senhor em nosso serviço eclesial, daquela Divina Graça que cura as nossas fraquezas, do amor do Senhor pela sua Igreja que nos impele no anúncio de seu Evangelho”.
E prosseguiram:
Estamos convencidos da necessidade central e fundamental do anúncio de Cristo com uma catequese e uma mistagogia que nascem da celebração da Divina Liturgia como lugar da confissão e da celebração da nossa fé mistagógica que brota do próprio Evangelho, dos textos da Liturgia, da iconografia, para levar os nossos fiéis à contemplação do mistério de Cristo, Verbo de Deus encarnado pelo Espírito Santo e pela sempre Virgem Maria”.
Na verdade, nestes dias, os bispos orientais católicos europeus experimentaram, segundo a Rádio Vaticano, “a riqueza da catolicidade que se manifesta por meio das diversas tradições cristãs, que há quase dois milénios dão forma ao rosto cristão da Europa”. E asseguram:
Este facto torna-nos conscientes da chamada sempre nova a dar testemunho ao mundo de hoje, marcado pelo sofrimento, pobreza, injustiça e conflitos armados que afligem o rosto de tantas das nossas Igrejas e de nossos povos”.
E, no atinente ao mundo e, em particular, ao Oriente Médio e à Ucrânia, dizem:
Invocamos, em particular, o dom da paz e da reconciliação pelo povo ucraniano, martirizado há muito tempo pela violência e pela guerra, recordando também a perseguição e os sofrimentos dos nossos irmãos cristãos do Oriente Médio”.
O encontro concluiu-se a 29 com a Divina Liturgia na Catedral da Sagrada Família em Londres, presidida pelo Arcebispo Kirill Vasil, Secretário da Congregação para as Igrejas Orientais. E, em 2018, a reunião se realizará de 14 a 17 de junho na Eparquia de Lungro dos ítalo-libaneses, na Itália, respondendo ao convite de Dom Donato Oliverio.

2017.10.31 – Louro de Carvalho

No 50.º aniversário da fundação da UCP (13/10 e 1/11)

A fundação da UCP
Ao expirar o ano 50.º das Aparições da Bem-aventurada Virgem Maria em Fátima, Portugal”, pelo Decreto Lusitanorum Nobilissima Gens, de 13 de outubro de 1967, da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades, hoje Congregação para a Educação Católica (para as Instituições de Estudos), fundou-se a Universidade Católica Portuguesa (UCP). Com efeito, o predito decreto
Institui perpetuamente, para glória de Deus Todo-Poderoso e para honra e incremento da Santa Igreja Católica, como primeira efetuação da Universidade Católica Portuguesa, a Faculdade de Filosofia que presentemente funciona em Braga, ficando seu munífico patrono o Arcebispo Bracarense e seus diligentes moderadores os membros da Companhia de Jesus, de tal modo que inicie desde já a atuação da Universidade Católica Portuguesa, ainda antes de se estender, o mais depressa possível, à sede central de Lisboa, a fim de ensinar a verdade perene, que é a única que pode levar o espírito de todos à vida verdadeira e segura, tanto da pessoa como da sociedade humana”.
A primeira Faculdade é, pois, a Faculdade de Filosofia, sediada em Braga, já em pioneiro funcionamento naquela cidade desde 1947. E, no ano seguinte, abriu, em Lisboa, a Faculdade de Teologia, no quadro da evolução prevista no decreto fundacional (antes de se estender o mais depressa possível à sede central de Lisboa), que toma em consideração a história “benemérita dos Estudos Superiores Eclesiásticos” promovidos pela Nação Portuguesa, em especial os atinentes “às disciplinas filosóficas e teológicas, principalmente nas Universidades de Coimbra e Évora”, “cujos mestres são honra da Igreja e da Pátria” e que foram interrompidos “devido à iniquidade dos tempos”. Por outro lado, saúda “o novo e favorável condicionalismo” surgido “para a Igreja em Portugal, que tornou possível aos Bispos portugueses, já desde o Concílio Plenário realizado em 1926, tratar diversas vezes do estabelecimento da Universidade Católica”.
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Os antecedentes
A criação dum instituto católico em Portugal foi proposta em dois congressos do Centro Católico Português (Lisboa, 1921 e 1922) e decretada pelo Concílio Plenário Português, de 1926. A legislação da I República impunha o monopólio do Estado para as faculdades civis e não autorizava o ensino religioso nas escolas particulares. Assim, o Padre Cerejeira, jovem professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, apresentou, em memória no congresso de 1922, o Instituto Católico, que teria o estatuto legal dos seminários e cuja organização era da competência exclusiva da Igreja, visando duas finalidades: a “alta formação eclesiástica”, que o Colégio Pontifício Português de Roma por si não podia garantir devido à sua frequência limitada, e a “difusão e penetração católica do pensamento contemporâneo nos meios intelectuais leigos” através de ações de extensão cultural. Dividindo-se os pareceres quanto à sua localização, sobretudo entre Lisboa e Coimbra, Cerejeira defendeu Coimbra em 1922. Mas na memória enviada em 1926 a alguns prelados conciliares, limitou-se a apontar razões em prol de Lisboa e de Coimbra, sem se pronunciar, embora já fosse partidário, nessa altura, da escolha da capital. À margem das deliberações oficiais, o Concílio Plenário acordou por unanimidade na instalação do Instituto Católico em Coimbra. A elevação de Cerejeira a patriarca de Lisboa, em 1929, atribuiu-lhe a principal responsabilidade no processo de criação do Instituto Católico. E, na assembleia plenária de 6-7 de Abril de 1932, o episcopado reabriu a questão da sede e mandatou Cerejeira para recolher as opiniões dos prelados sobre a sua finalidade e localização. A maioria apoiou o cardeal na opção por Lisboa. Sobre a estrutura do Instituto, o modelo esboçado pelo patriarca num opúsculo de 3 de Junho de 1932 foi aceite pelos bispos sem anotações relevantes. Às duas finalidades apontadas anteriormente, Cerejeira acrescentava a “formação científica e pedagógica do professorado do curso preparatório dos seminários e, possivelmente, dos nossos colégios e escolas cristãs”, o que exigiria “a criação duma Faculdade de Letras, de, pelo menos, uma Secção de Ciências e duma Escola Normal”. O novo clima político do país parecia dar perspetivas favoráveis à abertura de faculdades civis no Instituto. Nos 12 anos seguintes pouco ou nada se fez para a sua criação. A Igreja priorizou a construção e reorganização de seminários, o estabelecimento da Ação Católica e a renovação da pastoral geral. Também o predomínio na administração pública da conceção monopolista do Estado no ensino levava a interpretar de forma restritiva o artigo 44.º da Constituição de 1933, que admitia “o estabelecimento de escolas particulares paralelas às do Estado, ficando sujeitas à fiscalização deste e podendo ser por ele subsidiadas ou oficializadas”.
Em 1944 deu-se um passo significativo. Por deliberação do episcopado na assembleia plenária de 11-13 de Dezembro de 1943, foi canonicamente ereto em Lisboa o Instituto Superior de Cultura Religiosa, para formação do clero, ensino superior das ciências eclesiásticas e difusão da cultura católica com a denominação de Instituto Católico Português. Após comunicação do patriarcado, este Ente moral foi registado no Governo Civil de Lisboa a 29 de maio de 1944 como pessoa coletiva eclesiástica a teor da Concordata de 1940. Assim, o Instituto Católico Português adquiriu personalidade jurídica civil e ficou habilitado a receber e gerir bens para a futura Universidade Católica.
Em termos de preparativos para a fundação da UCP em Lisboa, Cerejeira começou a preparar o lançamento da Universidade Católica (UC) na capital no fim dos anos 40 em ligação com o episcopado e com a Santa Sé. O local de implantação da UC, junto à Cidade Universitária, foi decidido em 1956 e adquirido pelo Decreto-Lei n.º 45 382, de 23 de novembro de 1963, por permuta com terrenos da cerca de São Vicente de Fora que o Estado utilizara para construir o Liceu Gil Vicente. Na assembleia plenária do episcopado de 12-15 de Janeiro de 1960, formou-se uma comissão episcopal para a UC, presidida por Cerejeira. Também em 1960, quando as negociações para aquisição do terreno da UC se encontravam já bem encaminhadas, outra comissão iniciou o estudo-base do programa de construções. Entretanto, de 1953 a 1963, a Universidade de Coimbra apresentou seis moções e propostas de restauração da Faculdade de Teologia desta Universidade, que fora encerrada em 1910. O episcopado preferiu abrir a Faculdade de Teologia só na UCP para salvaguardar melhor a autoridade da Igreja sobre ela, por haver mais possibilidades de diálogo da teologia com outras áreas do saber no âmbito da UC e pela eventual falta de alunos para duas faculdades. A assembleia plenária do episcopado de 12-15 de Janeiro de 1965 tomou a decisão definitiva de fundar a UCP e, para a executar, instituiu a comissão instaladora. A abertura de cursos civis na UC requeria garantias de reconhecimento oficial dos diplomas. Por isso, Cerejeira pediu a vários juristas pareceres sobre o enquadramento legal da UC à luz da Constituição e da Concordata. Por outro lado, em 1966, a fórmula de implantação geográfica da UC foi ampliada no âmbito do processo de abertura ao público da Faculdade de Filosofia de Braga, até ali reservada a professores e alunos jesuítas. Da UC de Lisboa, reduzida à capital, passou-se à Universidade Católica Portuguesa, com sede em Lisboa e outras unidades distribuídas pelo país. Finalmente, o patriarca lançou a primeira pedra da sede da UCP a 29 de junho de 1967.
Recorde-se que a Faculdade de Filosofia de Braga teve origem no Instituto de Filosofia Beato Miguel de Carvalho, fundado pela Companhia de Jesus em Braga em 1934. O currículo do instituto foi reconhecido pelo Ministério da Educação Nacional em 1942 como Curso Superior de Ciências Filosóficas. Em 1947, a Santa Sé elevou o instituto a faculdade pontifícia e em 1966 o Ministério da Educação Nacional reconheceu-o como Instituto Superior de Filosofia. Em 1954 e 1964, Cerejeira manifestou à Santa Sé parecer negativo sobre a abertura da Faculdade de Filosofia de Braga ao público, sobretudo a eclesiásticos não jesuítas, com receio de que a medida prejudicasse a afluência de alunos de filosofia à futura UC. Três anos depois, a Congregação dos Seminários e Universidades, a pedido da Companhia de Jesus e do Arcebispo de Braga e com o consentimento escrito do patriarca, optou por solução diferente do paralelismo de instituições autónomas.
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A fundação da UCP pelo decreto “Lusitanorum Nobilissima Gens”
O predito decreto abriu ao público a Faculdade de Filosofia de Braga e erigiu-a como primeira faculdade da UCP com mandato para se estender quanto antes a Lisboa. O decreto foi promulgado em Braga a 1 de Novembro de 1967, na presença dos cardeais Cerejeira e Garrone, este pró-prefeito daquela congregação romana, e do Ministro da Educação Nacional.
No final de 1967 o episcopado colocava-se na perspetiva de o reitor da UCP ser um bispo, assistido por um vice-reitor que assumisse as obrigações ordinárias da reitoria. Para este lugar a Conferência Episcopal, na reunião de 12-15 de dezembro de 1967, indigitou o Prof. José do Patrocínio Bacelar e Oliveira, diretor da Faculdade de Filosofia de Braga, em fim de mandato, tendo em conta os méritos evidenciados no governo desta escola desde 1962. E, na reunião da Comissão Episcopal da UCP de 13 de Junho de 1968, abandonou-se o projeto de reitoria episcopal. Bacelar foi designado vice-reitor, com funções de reitor em exercício, fórmula julgada apropriada à fase de organização da UCP, e tomou conta do cargo algum tempo depois.
Afastada pela respetiva Congregação romana a proposta de incorporação na UC de três institutos da Igreja em Lisboa (Instituto de Serviço Social, Instituto Superior de Psicologia Aplicada e Instituto de Cultura Superior Católica), como previa a pastoral do episcopado de 16 de janeiro de 1965, os esforços concentraram-se na programação da Faculdade de Teologia e de uma Escola de Ciências Sociais. E, a 19 de setembro de 1968, após diligências do vice-reitor em Roma, aquele dicastério, autorizou o início do curso de Teologia na sede da UCP em regime experimental, mas contando já para graus académicos. A abertura da faculdade e a inauguração da sede da UCP efetuaram-se a 4 e a 29 de novembro de 1968, respetivamente. Como magno chanceler da universidade, Cerejeira presidiu às duas cerimónias. A primeira decorreu de forma privada; e à segunda, muito solene, assistiu quase todo o episcopado, o Ministro da Educação Nacional, os reitores das universidades de Lisboa e de Coimbra e numeroso público. Paralelamente, continuava a preparar-se o lançamento da Faculdade de Ciências Humanas, a 3.ª da UCP. Abandonou-se o projeto da Escola de Ciências Sociais, mas os estudos feitos nessa perspetiva foram aproveitados na planificação do primeiro curso da Faculdade de Ciências Humanas, então designado Curso de Ciências Socioempresariais e cujo currículo foi apresentado ao Ministério da Educação Nacional a 11 de Maio de 1971.
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O reconhecimento da UCP pelo Estado e a sua ereção canónica
O Estado Português reconheceu oficialmente, pelo Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho, já com Marcello Caetano e Veiga Simão, a UCP como pessoa coletiva de utilidade pública, tendo por finalidade, entre outras, a de “ministrar o ensino de nível superior em paralelo com as restantes Universidades Portuguesas”.
Por outro lado, o Decreto Humanam Eruditionem, de 1 de outubro de 1971, da Sagrada Congregação para a Educação Católica institui canonicamente a Universidade Católica Portuguesa, culminando um processo, iniciado décadas antes sob a égide do Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, o qual nem sempre teve uma atitude linear.
O decreto do Governo define a UCP como “instituição de caráter federativo” e com três grupos de “elementos integrantes”: faculdades e escolas eclesiásticas, estabelecimentos de ensino superior análogos aos das universidades do Estado e centros de investigação e institutos culturais. Reconhece-lhe a autonomia quanto à organização e ensino das unidades do primeiro grupo. A instituição, funcionamento e reforma das restantes carecia, porém, de autorização do Ministério da Educação Nacional. Enfim, o diploma atribui aos graus da UCP o mesmo valor que o das restantes universidades portuguesas e autoriza o Ministro da Educação a conceder subsídios à UCP nos termos da lei.
Por seu turno, o novo decreto da Santa Sé exige, entre outros requisitos, que a UCP seja regida por estatutos próprios com a necessária aprovação (a aprovação dos primeiros estatutos da UCP pela Congregação da Educação Católica foi a 19 de março de 1979), estabelece como seu Grão Chanceler o Patriarca de Lisboa e, sobretudo, pretende que a UCP passe além das disciplinas filosóficas e teológicas, alargando o leque da sua investigação, ciência e ensino, mas sempre dentro dos princípios do cristianismo. Assim,
A orientação a seguir no desenvolvimento complementar da Universidade, a organização dos Departamentos e Institutos e as normas que deverão regular o exercício do magistério e da investigação, hão de ser explicitamente determinadas nos próprios estatutos universitários”.
Para isso,
Tenham-se em conta as leis académicas, quer canónicas quer civis, vigentes em Portugal, a fim de que os estatutos correspondam plenamente às hodiernas exigências do ensino superior, fomente-se o mais possível a estreita cooperação com as Universidades civis e outros Institutos Superiores, e procure-se que os espíritos dos homens mais cultos se imbuam na Verdade que é Caminho e Vida”.
E, “sempre que se tratar da nomeação de novo Reitor, da fundação de uma nova Faculdade, Departamento ou Instituto, e de alguma alteração nos Estatutos aprovados pela Sé Apostólica, determina-se que o assunto seja proposto” à competente Congregação romana. E “constitui-se e declara-se o Patriarca de Lisboa, que nesse tempo for Ordinário do lugar, Chanceler-mor da UCP, agora ereta, competindo-lhe presidência e diligente solicitude, em nome da Santa Sé, de acordo, segundo as circunstâncias, com o art.º 14 da Constituição Apostólica “Deus Scientiarum Dominus”, e o art.º, 5 das “Ordenações” anexas.
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A evolução da UCP com o tempo e as necessidades detetadas
A Igreja portuguesa tem, desde então, uma universidade cuja missão de ensino e investigação será completada por uma perspetiva de formação integral inspirada nos valores cristãos. À semelhança de numerosos países europeus, das Américas, da Ásia e da Austrália, também em Portugal passa a existir uma UC. Às Faculdades de Filosofia e de Teologia junta-se, em 1972, a Faculdade de Ciências Humanas. Estas últimas ficaram instaladas em Lisboa, num edifício construído junto à Cidade Universitária e inserido num campus ora conhecido como Campus de Palma de Cima, onde se situa a sede da UC. Aí funciona a Reitoria desde a nomeação do primeiro Reitor, em 1972, o Prof. Doutor José Bacelar e Oliveira, filósofo e jesuíta, que guiou a Universidade durante vinte anos.
O primeiro curso da Faculdade de Ciências Humanas – que foi o primeiro curso de Gestão do país – foi a licenciatura em Ciências Empresariais, mais tarde denominada Administração e Gestão de Empresas. Seguiu-se-lhe o curso de Economia (1974) e o de Direito (1976).
Ia começar uma nova época na história do ensino superior em Portugal com o crescimento exponencial da procura na década de oitenta levou à abertura, em todo o país, de numerosas universidades tanto estatais como particulares e cooperativas. E a UCP é solicitada pelas igrejas locais e pelas comunidades de várias cidades do país para aí se instalar. A Braga e a Lisboa sucederam-se Porto (1978), Viseu (1980), Leiria, Figueira da Foz (1991) e Sintra (1999). Cursos pontuais, em regime de extensão, foram ou são atualmente ministrados em Vila Real, em Viana do Castelo, no Funchal e nos Açores. Nesta expansão, a UCP procura servir necessidades regionais, levando o ensino universitário até onde ele não existia (Viseu, Funchal, Leiria, Caldas da Rainha, Sintra, …) – ou propondo novas áreas – Escola Superior de Biotecnologia e Escola das Artes (Porto), Estudos Europeus.
Desenvolveram-se e recursos e equipamentos, em particular, as bibliotecas. Em 1987, nos 20 anos da UCP, foi inaugurada, em Lisboa, a Biblioteca Universitária João Paulo II, cuja 1.ª Pedra fora benzida pelo Papa na sua visita à Universidade em 14 de maio de 1982. Os centros de Braga, Porto e Viseu foram igualmente dotados de edifícios construídos de raiz para esse fim.
Para corresponder às profundas mudanças no ensino superior e à expansão geográfica da Universidade tornou-se necessária nova legislação tanto externa como interna. Assim, em 1990, foi publicado o Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de abril, que estabelece o enquadramento da Universidade Católica Portuguesa no sistema de ensino superior português.
Depois, a 1 de Novembro de 1993, durante o 2.º mandato do segundo Reitor, Prof. Doutor Dom José da Cruz Policarpo, procedeu-se à promulgação de novos Estatutos, que integram novas disposições da Santa Sé sobre as universidades católicas e as faculdades de Teologia contidas nas constituições apostólicas Ex Corde Ecclesiae e Sapientia Christiana, consagrando também a existência de Centros Regionais e a respetiva forma de organização e administração.
Assim, por decretos do então Magno Chanceler, Dom António Ribeiro, Cardeal-Patriarca de Lisboa, são instituídos o Centro Regional das Beiras, com sede em Viseu e Polos em Leiria e na Figueira da Foz (4 de dezembro de 1993), e o Centro Regional do Porto, com os Polos da Foz e da Asprela (20 de setembro de 1994). E o Centro Regional de Braga, incluindo a mais antiga Faculdade da UCP, um núcleo da Faculdade de Teologia e a atual Faculdade de Ciências Sociais, data de 1999.
Consciente das novas necessidades de formação do País, a UCP, principalmente a partir da década de noventa, alarga as suas tradicionais áreas de ensino. Lança, por um lado, cursos de ciências e tecnologia, arquitetura, medicina dentária e engenharia, inseridos em novas unidades: Escola Superior de Ciências e Tecnologia (1996) e Faculdade de Engenharia (1999). Esta última está sediada no segundo campus de Lisboa, situado no Concelho de Sintra. Por outro lado, cria a Escola de Pós-Graduação na Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais (1991), sendo uma das primeiras universidades a oferecer MBA e mestrados e a avançar para a formação contínua com os cursos para executivos. Na linha do projeto de desenvolvimento da Universidade no domínio das Ciências da Saúde, foi criado, em 20 de janeiro de 2004, o Instituto de Ciências da Saúde com sede em Lisboa e núcleos em vários Centros, que passou, em 2006, a incluir uma Escola Superior Politécnica de Saúde, cuja atividade principal se situa atualmente na área da enfermagem em resultado da integração das Escolas Superiores de Enfermagem de São Vicente de Paulo em Lisboa e da Imaculada Conceição no Porto.
Na reunião de 30 de outubro de 2015, o Conselho Superior da UCP aprovou a alteração da designação das seguintes Unidades: “Centro Regional das Beiras para “Centro Regional de Viseu” e “Escola Superior Politécnica de Saúde” para “Escola de Enfermagem”.
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Registe-se que, segundo Dom António Montes Moreira, a Constituição de 1976, com as sucessivas revisões, se abriu mais à liberdade de ensino que todas as anteriores, pelo que se justifica o pulular de muitas e diversificadas escolas na UCP, bibliotecas, revistas e outras publicações; a instituição do Conselho Superior como órgão máximo de governo da UCP e instância aglutinadora das unidades geograficamente dispersas (aprovação do seu estatuto pela Congregação da Educação Católica a 28 de dezembro de 1973 e primeira reunião a 18 de Setembro de 1974); a fundação da Sociedade Científica da UCP a 16 de novembro de 1980, sob cujo patrocínio a Editorial Verbo publicou as enciclopédias Polis e Logos e está a publicar outra, Biblos.
Em 2000, o reitor passou a poder ser um leigo, tendo o primeiro sido o Prof. Manuel António Garcia Braga da Cruz, da Faculdade de Ciências Humanas, que tomou posse a 19 de outubro daquele ano e a que já sucederam duas reitoras.
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Considerações finais
- Factualmente, a UCP tem a sua fundação ligada ao cinquentenário das Aparições de Fátima e ao Ano da Fé por ocasião do jubileu dos martírios dos Apóstolos Pedro e Paulo. Por isso, cabe-lhe especial responsabilidade na investigação e hermenêutica do fenómeno Fátima e como suporte científico e crítico à fé e suas expressões catequéticas, litúrgicas e de promoção social na justiça e na caridade, conduzindo a uma fé condicente com os diferentes estados etários, mas sempre robustecida, robusta e robustecedora, bem como a missão de servir de lastro a uma cultura sólida e amiga do progresso na linha do desenvolvimento humano, integral e sustentável.
- O processo de criação e ereção canónica foi demasiado longo sem que os antecedentes tenham revelado pertinência, permitindo-se concluir que na suposta aliança entre o trono e o altar do regime salazarista, quem ficou prejudicado foi, no fim de contas, o altar, sendo a CRP, apesar das suas ambiguidades, a porta para a autonomia e desenvolvimento da UCP, tornando-a uma poderosa concorrente das Universidades públicas e como pioneira na criação de alguns cursos.
- Não posso negar o bem do apoio à investigação, à ciência e ao ensino por parte da UCP enquanto fator de produção e expansão do conhecimento e no acompanhamento individualizado que presta aos seus alunos e alunas. Porém, tal postura mental não me impede de reconhecer que esta instituição, que também vive de subsídios da Igrejas (incluindo dinheiro de pobres), não tratou bem os padres e outros estudantes de teologia de algumas gerações, tendo dificuldade em reconhecer ou em promover o seu completamento de estudos, sobretudo abrindo-lhes as portas para uma especialização com faziam as congéneres de outros países.  
- Sem assentir que, em geral, se tenha desviado dos princípios de inspiração cristã, muitas vezes a UCP aparece, sobretudo em matéria económica, jurídica e política, demasiado encostada à vertente neoliberal, contrariando ou, pelo menos, não acompanhando os parâmetros da Doutrina Social da Igreja e as suas consequências práticas. Com efeito, a par de ações e personalidades de referência, a UCP desencadeia, por vezes, ações de temática ambivalente e mesmo alberga investigadores e professores cujo perfil não parece recomendável numa escola que pretende propor uma ética pautada pelos critérios das encíclicas sociais, pelos documentos do Vaticano II e pelo magistério de Bento XVI e sobretudo do Papa Francisco. A todos deve ser exigida competência, profissionalismo, impacto público, presença, dedicação, parrésia, seriedade, abertura e alguma bonomia.
- Finalmente, a UCP deveria ser mais cautelosa, transparente e justa na definição e aplicação dos critérios que presidem à atribuição de bolsas de estudo a alunos e a investigadores e apoiar mais as dioceses e os institutos religioso e seculares.
Só assim a UCP será capaz de cumprir cabalmente a missão de “promover uma cultura humana assente em genuínos princípios morais e na religião cristã”, contribuindo “para a formação de homens íntegros e esclarecidos, capazes de fomentar um progresso cada vez maior, tanto no plano nacional como no âmbito geral da comunidade humana” (vd decreto Humanam Eruditionem).

2017.10.31 – Louro de Carvalho  

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Os cristãos devem dar novamente alma à Europa

Trata-se de uma afirmação-apelo do Papa Francisco, que recebeu, na tarde do passado dia 28 de outubro, na Sala do Sínodo, no Vaticano, os participantes na Conferência promovida pela Santa Sé e pela COMECE (Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia) em torno do tema “Repensar a Europa. Uma contribuição cristã para o futuro do projeto europeu”. Foram centenas de líderes políticos e da Igreja que se reuniram, entre os dias 27 e 29, no Vaticano, nesta conferência internacional para refletir a temática em causa.
Participaram 350 pessoas, de 28 delegações de todos os países da UE: políticos, cardeais (entre eles, Reinhard Marx, Presidente da COMECE), bispos, sacerdotes, embaixadores, académicos, representantes de diversas organizações e movimentos católicos e de outras denominações cristãs. Entre as figuras de proa esteve o Presidente do Parlamento Europeu, António Tajani, o Vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans e o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin.
Dom Jorge Ortiga, Arcebispo de Braga e delegado português na COMECE, foi um dos representantes de Portugal na iniciativa. Mas também participaram: Pedro Vaz Patto, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz; o ex-ministro António Bagão Félix; o eurodeputado José Manuel Fernandes; a antiga deputada Maria Rosário Carneiro; o deputado João Poças Santos; o Padre Manuel Augusto Ferreira, Superior Geral dos Missionários Combonianos; Sofia Salgado Pinto, Diretora da Faculdade de Economia e Gestão da UCP, Porto; José Veiga de Macedo, Vice-presidente da Federação Europeia das Associações de Famílias Católicas; e o Padre Duarte da Cunha, Secretário-Geral do Conselho das CCEE (Conferências Episcopais da Europa).
Em declarações à agência Lusa, o Arcebispo de Braga disse que se esperava uma reflexão e um contributo da Igreja para a Europa na diversidade e na unidade. E à agência Ecclesia salientou que a UE não pode ser “simplesmente um território” ou “um espaço geográfico onde circula uma mesma moeda”, frisando que o contexto atual da UE, 60 anos depois da sua criação, é de “apreensão” e “ceticismo”, pelas divisões e desafios que estão a surgir, sendo para o responsável católico este o momento certo para “parar e refletir”. Disse que este encontro é uma iniciativa muito feliz, oportuna, que poderá trazer ou não resultados imediatos, mas que “não deixará ficar as coisas na mesma”, sublinhando “a preocupação pela unidade” e por passar “das palavras aos atos”. E, no atinente ao contributo da Igreja Católica, admitindo que a matriz cristã poderá ajudar na busca de um caminho novo, o Arcebispo de Braga sustentou:
Teria sido fundamental se a referência à matriz cristã tivesse mesmo sido consignada na origem da UE e ficasse como um princípio norteador. Não o foi, mas este encontro poderá ser uma ajuda para reconhecer aquilo que é elementar para o funcionamento da vida da Igreja, que é um apelo à unidade de todos, a partir de uma fraternidade e de um reconhecimento efetivo da diferença, e por isso mesmo também da diversidade.”.
Segundo os organizadores, o Papa reiterou o seu compromisso para uma reflexão comum sobre o futuro da UE e recordou o apoio da Igreja ao projeto de paz. Por outro lado, a Conferência visa assinalar o 60.º aniversário da assinatura do Tratado de Roma.
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Após as palavras do Presidente da COMECE e do Presidente do Parlamento Europeu, Francisco proferiu uma alocução em que referiu que “o diálogo destes dias ofereceu a oportunidade de refletir de modo mais amplo sobre o futuro da Europa a partir duma multiplicidade de perspetivas”, mercê da presença de diversas personalidades eclesiais, políticas, académicas ou simplesmente representantes da sociedade civil. E, Salientando a possibilidade de os jovens exprimirem “as suas expectativas e esperanças, debatendo com os mais idosos”, que tiveram também o ensejo de “oferecer a sua bagagem carregada de reflexões e experiências”, declarou:
É significativo que este encontro tenha querido ser, antes de tudo, um diálogo no espírito dum debate livre e aberto, por meio do qual deseja enriquecer-se reciprocamente e iluminar o caminho do futuro da Europa, ou seja, o caminho que todos juntos somos chamados a percorrer para superar as crises que atravessamos e enfrentar os desafios que nos esperam”.
No quadro da contribuição cristã para o futuro do continente, devemos interrogar-nos sobre o nosso papel de cristãos “nestas terras tão ricamente plasmadas no decorrer dos séculos pela fé”, sobre a nossa responsabilidade num tempo em que o rosto da Europa é cada vez mais marcado por “uma pluralidade de culturas e de religiões, enquanto para muitos, o cristianismo é percebido como um elemento do passado, distante e estranho”.
No atinente à relação Pessoa-Comunidade, o Papa evidencia a personalidade e obra de São Bento, que surgiu – “no ocaso da antiga civilização”, em que as glórias de Roma eram ruínas, ainda hoje admiráveis, e novos povos pressionavam as fronteiras do Império – a fazer ressoar a voz do salmista: “Quem é o homem que quer a vida e deseja ver dias felizes?”
Pespegando esta interrogação no Prólogo da Regra, Bento orientou a atenção dos coevos e a nossa sobre uma conceção do homem radicalmente diferente da que distinguira o classicismo greco-romano e da que havia caraterizado as invasões bárbaras. Assim diz o Papa:
O homem já não é mais simplesmente um ‘civis’, um cidadão dotado de privilégios para consumar-se no ócio; já não é mais um ‘miles’, combativo servidor do poder de turno; sobretudo já não é mais um ‘servus’, mercadoria de troca privada de liberdade, destinada unicamente ao trabalho e ao desgaste”.
Bento, segundo o Pontífice, não se preocupava com a condição social, da riqueza ou do poder; visava “a natureza comum de cada ser humano, que, qualquer que seja a sua condição, anela certamente a vida e deseja dias felizes”. Nestes termos, assegura o Pontífice:
Para Bento, não existem funções, existem pessoas. Não existem adjetivos, existem substantivos. É justamente este um dos valores fundamentais que o cristianismo trouxe: o sentido da pessoa, constituída à imagem de Deus. A partir de tal princípio, construíram-se os mosteiros, que com o tempo se converteram em berço do renascimento humano, cultural e religioso, e também económico do continente.”.
Assim, Francisco sustenta que “a primeira, e talvez maior, contribuição que os cristãos podem dar à Europa de hoje é recordar que ela não é uma coleção de números ou de instituições, mas sim que é feita de pessoas”. A contrario, denuncia a situação que grassa pela Europa:
Nota-se como frequentemente qualquer debate se reduz facilmente a uma discussão de cifras. Não existem cidadãos, existem votos. Não existem os migrantes, existem as cotas. Não existem trabalhadores, existem os indicadores económicos. Não existem os pobres, existem os bolsões de pobreza.”.
O concreto da pessoa reduziu-se a princípio abstrato, cómodo e tranquilizador, quando “as pessoas têm rostos”, pelo que “nos obrigam a uma responsabilidade real, concreta, ‘pessoal’, ao passo que “as cifras têm a ver com raciocínios”, que, mesmo úteis e importantes, “permanecem sempre sem alma”, oferecendo-nos “um álibi para não nos comprometermos, porque nunca nos chegam a tocar a própria carne”.
Reconhecendo que o outro é uma pessoa implica valorizar o que nos une a ele e o que o une a nós. Então, “o ser pessoa liga-nos aos outros, faz-nos ser comunidade. Por conseguinte, o Papa enuncia a segunda contribuição dos cristãos para o futuro da Europa: “a redescoberta do sentido de pertença a uma comunidade”. Com razão os Padres fundadores do projeto europeu escolheram a palavra “comunidade” para identificar o novo sujeito político. E diz Bergoglio:
A comunidade é o maior antídoto contra os individualismos que caraterizam o nosso tempo, contra aquela tendência difusa hoje no Ocidente a conceber-se e viver na solidão. Subentende-se o conceito de liberdade, interpretando-o como se quase fosse o dever de estar sozinhos, livres de qualquer vínculo e, como consequência, construiu-se uma sociedade desarraigada, privada de sentido de pertença e de herança. E isto para mim é grave.”.
A identidade dos cristãos é antes de tudo relacional, pois, como explica o Pontífice:
Estão inseridos como membros de um corpo, a Igreja (cf 1Cor 12,12), no qual cada um, com a própria identidade e peculiaridade, participa livremente na edificação comum. Analogamente, tal relação dá-se também no âmbito das relações interpessoais e da sociedade civil. Diante do outro, cada um descobre os seus méritos e defeitos; os seus pontos de força e as suas fraquezas: por outras palavras, descobre o seu rosto, compreende a sua identidade.”.
Passando, depois, a abordar a temática da família como comunicada basilar, Francisco sustenta:
A família, como primeira comunidade, permanece o mais fundamental lugar de tal descoberta. Nela, a diversidade se exalta e ao mesmo tempo se recompõe na unidade. A família é a união harmónica das diferenças entre homem e a mulher, que é tanto mais verdadeira e profunda quanto mais generativa é, capaz de abrir-se à vida e aos outros. Da mesma forma, uma comunidade civil é viva se sabe ser aberta, se sabe acolher a diversidade e os dotes de cada um e ao mesmo tempo se sabe gerar novas vidas, como também desenvolvimento, trabalho, inovação e cultura.”.
E conclui este capítulo dizendo:
Pessoa e comunidade são, portanto, os fundamentos da Europa que como cristãos queremos e podemos contribuir para construir. Os tijolos de tal edifício chamam-se: diálogo, inclusão, solidariedade, desenvolvimento e paz.”.
Depois, dá uma pincelada por cada um dos tijolos do edifício europeu.
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Sendo a Europa – do Atlântico aos Urais, do Pólo Norte ao Mar Mediterrâneo – um lugar de diálogo sincero e construtivo, em que todos os protagonistas têm mesma dignidade, diz:
Somos chamados a construir uma Europa na qual nos podemos encontrar e confrontar em todos os níveis, assim como o era em um certo sentido a antiga ágora. Tal era, de facto, a praça da polis. Não só espaço de troca económica, mas também coração nevrálgico da política, sede em que se elaboravam as leis para o bem-estar de todos, lugar para o qual assomava o templo, de forma que à dimensão horizontal da vida quotidiana não faltasse nunca o respiro transcendente que faz olhar para além do efémero, do passageiro, do provisório.”.
Aqui, aponta o preconceito laicista, que não percebe o valor positivo para a sociedade do papel público e objetivo da religião, preferindo restringi-la à esfera privada e sentimental, com a imposição dum certo pensamento único, tão difuso nos foros internacionais, que vê na afirmação da identidade religiosa perigo para si e para a própria hegemonia, acabando por favorecer uma falsa contraposição entre o direito à liberdade religiosa e outros direitos fundamentais. Ora, favorecer o diálogo é responsabilidade fundamental da política, que, ao invés, se transforma em lugar de choque entre forças opostas induzindo a substituição das vozes do diálogo pelos “gritos das reivindicações”. Assim, observa:
De vários lugares se tem a sensação de que o bem comum não é mais o objetivo primário perseguido e tal desinteresse é percebido por muitos cidadãos. Encontram assim terreno fértil em muitos países as formações extremistas e populistas que fazem do protesto o coração de sua mensagem política, sem todavia oferecer a alternativa de um construtivo projeto político. O diálogo é substituído ou por uma contraposição estéril – que pode também colocar em perigo a convivência civil – ou uma hegemonia do poder político que aprisiona e impede uma verdadeira vida democrática. Num caso, são destruídas as pontes; e no outro, constroem-se muros. E hoje a Europa conhece ambos.”.
Por isso, os cristãos devem favorecer o diálogo e “dar nova dignidade à política”, enquanto “máximo serviço ao bem comum e não como uma ocupação de poder”, o que requer “adequada formação”, porque a política não é ‘arte da improvisação’, mas expressão de abnegação e dedicação pessoal em prol da comunidade: “ser líder exige estudo, preparação e experiência”.
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Num âmbito inclusivo, “a responsabilidade comum dos líderes é a de favorecer uma Europa que seja comunidade inclusiva, livre de um equívoco de fundo”. Mas “inclusão não é sinónima de uniformização indiferenciada”. Ao invés, “é-se autenticamente inclusivos quando se sabe valorizar as diferenças, assumindo-as como património comum e enriquecedor”. Nesta ótica, diz o Papa, os migrantes, refugiados e deslocados “são um recurso mais do que um peso”, sendo os cristãos chamados a meditar a afirmação de Jesus: “Era estrangeiro e me acolhestes” (Mt 25,35).
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Como comunidade inclusiva, que a Europa deve ser e por que deve trabalhar incessantemente, há de ser espaço de solidariedade, pois ser comunidade implica apoiarmo-nos “reciprocamente” e que “não sejam só alguns a poder carregar pesos e realizar sacrifícios extraordinários, enquanto outros permanecem petrificados na defesa de posições privilegiadas”. Diz o Papa:
Uma União Europeia que, ao enfrentar as suas crises, não redescobre o sentido de ser uma única comunidade que se sustenta e se ajuda – e não um conjunto de pequenos grupos de interesse – perderia não somente um dos desafios mais importantes da sua história, mas também uma das grandes oportunidades para o seu futuro”.
Assim, a solidariedade traz consigo a subsidiariedade, que diz respeito não só às relações entre os Estados e as Regiões da Europa (e cada instância deve fazer tudo o que pode, tendo o direito de esperar das mais altas ajuda ao que não pode só por si fazer). Por isso, o Papa advoga:
Ser uma comunidade solidária significa ter cuidado pelos mais fracos da sociedade, pelos pobres, por aqueles que são descartados pelos sistemas económicos e sociais, a começar pelos idosos e pelos desempregados. Mas a solidariedade exige também que se recupere a colaboração e o apoio recíproco entre as gerações.”.
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Como fonte de desenvolvimento, a Europa, redescoberta como comunidade, deve promover um desenvolvimento autêntico, que, para o ser, tem de ser integral e harmónico, votado à promoção de cada homem e de todo o homem, como sublinhou um eminente especialista:
Nós não aceitamos separar o económico do humano, o desenvolvimento da civilização onde se insere. Aquilo que conta para nós é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até chegar a compreender toda a humanidade.”.
E para o desenvolvimento do homem contribui o trabalho para todos e de todos com as condições adequadas – enquanto fator essencial para a dignidade e amadurecimento da pessoa.
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E, enquanto promessa de paz, o compromisso dos cristãos na Europa deve secundar o pensamento principal que animou aqueles que assinaram os Tratados de Roma. Após duas Guerras Mundiais (passa o centenário da 1.ª) e violências atrozes de povos contra povos, chegara o tempo de afirmar o direito à paz. Porém, todos “vemos como a paz é um bem frágil e as lógicas particulares e nacionais correm o risco de frustrar os sonhos corajosos dos fundadores da Europa”. Por isso, somos instados a ser artífices da paz, o que significa não só “trabalhar para evitar as tensões internas, trabalhar para pôr fim a numerosos conflitos que ensanguentam o mundo ou levar alívio a quem sofre”, mas também “fazer-se promotor de uma cultura da paz”. Isto, como diz o Papa, “exige amor à verdade, sem a qual não podem existir relações humanas autênticas, e busca da justiça, sem a qual o abuso é a norma imperante de qualquer comunidade”. A UE manterá fidelidade ao compromisso de paz na medida em que não perder a esperança e se renovar “para responder à necessidade e às expectativas dos próprios cidadãos”.
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Por fim, o Papa pede aos cristãos que sejam “alma da Europa”. E, citando a Carta a Diogneto, afirma que “como é a alma no corpo, assim no mundo são os cristãos”. Assim, “eles são chamados a dar novamente alma à Europa, a despertar a consciência, não para ocupar espaços”, mas “para animar processos que gerem novos dinamismos na sociedade”. E cita outro exemplo:
Foi justamente o que fez São Bento […]: não se deteve em ocupar os espaços dum mundo perdido e confuso. Sustentado pela sua fé, olhou além e de uma pequena gruta em Subiaco deu vida a um movimento corajoso e irreversível que redesenhou o rosto da Europa. Ele, que foi ‘mensageiro de paz, realizador de união, mestre de civilização’ mostre também a nós cristãos de hoje como da fé brota sempre uma esperança alegre, capaz de mudar o mundo.”.
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Sendo a Europa assim, haverá paz, desenvolvimento, solidariedade – de pessoas e comunidade!

2017.10.30 – Louro de Carvalho