segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Foi a 8 de outubro de 1972 a receção ao novo Bispo de Lamego!

Foi há 45 anos, a 8 de outubro de 1972, o segundo domingo do mês de outubro, que entrou solenemente na diocese de Lamego o Arcebispo-bispo de Lamego Dom António de Castro Xavier Monteiro, que fora, a 1 de julho do mesmo ano, nomeado bispo de Lamego, diocese vaga devido à transferência de Dom Américo Henriques para a então diocese de Nova Lisboa, hoje uma arquidiocese de Angola. Foi um acontecimento marcante que mobilizou toda a gente. E os mais pobres não foram esquecidos. Segundo o Padre João Teixeira, em Theosfera (blogue):
As Conferências Vicentinas aumentaram (com mais um quilo de arroz, um quilo de açúcar, um quilo de massa e um pacote de chá) as dádivas para as velhinhas e (com alguns maços de cigarros) para os velhinhos! Acompanhava o cabaz uma estampa em que se assinalava a especial predileção e ternura que o senhor Arcebispo já mostrara por esses membros sofredores de Cristo que são os pobrezinhos e os necessitados de toda a ordem.”.
Dom António tomara posse por procuração, a 15 de agosto, através da pessoa do governador da diocese (desde 19 de fevereiro) Monsenhor José Morais e Costa, o qual, antes de tomar posse em nome do mandante (cuja grandeza ficava patente em pequenos gestos), obrigou a assembleia litúrgica reunida na catedral a escutar de joelhos a bula de nomeação – tudo em contexto de celebração eucarística da solenidade da Assunção de Nossa Senhora.
O prelado, que não perdera o título de arcebispo, que recebera com a atribuição do título da antiga arquidiocese de Mitilene, quando deixou de ser bispo titular de Ombi e auxiliar de Vila Real para ser um dos auxiliares do Patriarcado, foi esperado à saída da estação ferroviária da Régua donde partiu para a cidade episcopal enquadrado por um enorme cortejo automóvel. Chegado a Lamego, foi recebido protocolarmente no Salão Nobre da Câmara Municipal, onde foi saudado pelo Presidente do Município José Alberto de Moura Guedes de Magalhães Montenegro, na presença dos governadores civis de Viseu e da Guarda (respetivamente, Engenheiro silvicultor Armínio Ângelo de Lemos Quintela e Doutor Mário Bento Martins Soares), distritos por que se estende a diocese. A seguir, formou-se o cortejo pedestre para a igreja de Santa Maria Maior de Almacave, onde o Arcebispo se paramentou, bem como os presbíteros (em muito grande número) que participaram na solene concelebração eucarística que iria decorrer na Sé Catedral, para onde se dirigiu a procissão litúrgica, que, ao som de cânticos de boas-vindas ao novo Pastor e de iniciação à Eucaristia, encheu de som e colorido as artérias da cidade que percorreu até à igreja episcopal, a mãe de todas as igrejas da diocese.
Ali, o coro litúrgico, composto pelos alunos do seminário maior, alunas do Colégio da Imaculada Conceição e alguns alunos do Colégio de Lamego, como era usual nas solenidades ao tempo na Sé, deu vida à celebração, em que participaram bispos das dioceses limítrofes e o Patriarca de Lisboa, donde provinha Dom António Monteiro, bem como as diversas autoridades civis e militares. As cerimónias foram conduzidas pelo mestre, ao tempo, Padre Germano José Lopes (hoje distinto cónego e monsenhor) e a assembleia recebia as admonições da parte do então Padre Dr. Jacinto Botelho, hoje Bispo emérito de Lamego. Estavam no exercício da ordem do diaconado os estagiários Adelino Duarte Ribeiro, António Francisco do Santos (o bispo do Porto recém-falecido), António da Purificação Machado, Adriano Monteiro Cardoso, José da Silva Lopes e José Pinto Rodrigues Guedes – que receberam a ordenação de diácono a 22 de agosto de 1971 do Bispo Dom Américo Henriques. E eu, que servi de turiferário e portador da respetiva naveta do incenso, acompanhei de perto o cerimonial.
A celebração terminou com uma sessão de cumprimentos nos claustros da Sé. Recordo que, ao cumprimentá-lo devidamente embatinado me perguntou: “O meu amigo é pároco onde?”. Ao que respondi ser um aluno do 3.º ano de Teologia.
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O Jornal de Notícias do dia 7 de outubro, a pgs 4 e 5, evoca a situação das dioceses de Portugal que precisam de novo Bispo, por morte do titular (caso do Porto), por questões de saúde (caso de Viseu) ou por limite de idade já atingida ou prestes a atingir. E diz, a este respeito, que a Igreja em Portugal vai sofrer nos próximos meses uma revolução sem precedentes, justificando serem seis as dioceses que serão providas a curto prazo. Não sabe o JN que há um outro Bispo em vias de resignação por motivos de saúde, como não sabia que, entretanto, fora nomeado o novo Bispo para Santarém, Dom José Augusto Traquina, até agora Bispo Auxiliar do Patriarcado.
Todos sabemos que a colocação de Bispos residenciais significa novo ciclo para as respetivas dioceses, mas, graças a Deus, esses eventos não esgotam a reforma eclesial que deve estar sempre em ato, comprometendo sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas e outras pessoas consagradas seculares e, enfim, todos os cristãos. Por outro lado, o JN não tem razão em falar de reforma sem precedentes, pois, entre 13 de maio de 1971 e 1 de julho de 1972, foram nomeados para as respetivas dioceses 5 bispos: Dom António Ribeiro, que foi nomeado Patriarca de Lisboa, a 13 de maio de 1971, e vigário geral castrense, a 24 de janeiro do ano seguinte; e, a 1 de julho de 1972, foram nomeados Dom António de Castro Xavier Monteiro, para Lamego, Dom Alberto Cosme do Amaral, para Leiria, Dom Florentino Andrade e Silva, para o Algarve, e Dom João António da Silva Saraiva, para Coimbra (estes dois tiveram vida episcopal efémera nas novas dioceses – 4 anos). Se agora forem 6 bispos residenciais (um já está eleito), como é de prever, a mobilidade de 1971/1972 não fica diminuída em relação a esta, considerando que, ao tempo, eram menos 3 as dioceses portuguesas. Santarém e Setúbal foram criadas, por desmembramento do Patriarcado e sediadas nas cidades sedes dos respetivos distritos, em 16 de julho de 1975, respetivamente, pelas bulas Apostolicae Sedis Consuetudinem e Studentes Nos, ambas de Paulo VI. E a diocese de Viana do Castelo foi criada em 3 de novembro de 1977 pela Constituição Apostólica Ad aptiorem populi Dei, de Paulo VI, separando da arquidiocese de Braga as paróquias do distrito de Viana do Castelo.
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Voltando à celebração, é de anotar que os olhos e os ouvidos de todos estavam assestados para a postura e palavras do novo Pastor diocesano: uns, porque nostálgicos do perfil do antecessor cuja atitude e condução da Igreja de Lamego se revelara promissora, mas sem êxito, esperavam a evolução na continuidade reforçada pastoralmente; outros, agastados com o mesmo perfil e saudosos do que fora o grande bispo construtor até 2 de fevereiro de 1971, Dom João da Silva Campos Neves, esperavam uma continuidade sustentada nas bases lançadas pelo antigo Bispo de Vatarba e auxiliar do Patriarcado. E o novo Pastor, sem se imiscuir em questões anteriores, anunciou um propósito de condução da Igreja na esteira do Evangelho, frisando a tríplice vertente da ação da Igreja – profética, santificadora e odegética. Prometeu ouvir os diocesanos, nomeadamente o clero, e apontou a urgência da pastoral de conjunto, passando pela promoção social enquanto condição de eficácia da evangelização.
Obviamente que a sua ação pastoral conheceu altos e baixos na Igreja e na Sociedade e a sua condução da Igreja de Lamego ajudou a criar e reforçar o ambiente de esperança contra situações de descrença no futuro do país, mercê do embate da revolução abrilina. Soube desencadear a mobilização pelas causas da Igreja na Sociedade pela multiplicação e melhoria dos espaços de utilização coletiva; promoveu o brilho do culto litúrgico, a participação nas celebrações, a distribuição de tarefas, a colegialidade de tomadas de decisão; lançou experiências de modernização das estruturas diocesanas (dos vigários episcopais por setores – cúria, clero, leigos – passou às 4 vigararias episcopais de zona pastoral e a uma fase final de articulação das duas modalidades); criou os conselhos pastorais; e deu novo rosto às fábricas de igreja paroquial com a entrega da administração aos conselhos económicos paroquiais.
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Nesta reflexão, necessariamente incompleta e muito fragmentária, deixo aqui a homenagem a Dom António de Castro Xavier Monteiro por quem acabei por nutrir admiração, que me soube acompanhar e com quem tive o ensejo de colaborar. Sem se mostrar demasiado ousado, soube dotar-se de um fino tacto pastoral que o ajudou a ultrapassar situações difíceis na vida coletiva. E não podemos esquecer a sua dedicação, para lá dos limites que a saúde também lhe impôs, à causa da Igreja e do Evangelho. A Cáritas Portuguesa sempre o admirou.
Há, entretanto, outra faceta da sua personalidade a mencionar: a sua cultura. O Doutor em Teologia, em cuja economia assentava o seu discurso habitual e a sua ação pastoral, aliava-se com mestria a outras manifestações do saber sapiente: o apoio aos estudos históricos, sobretudo no que à diocese diz respeito, a dedicação à música, o apreço pelas artes visuais – de que se destaca o seu jeito para o retrato, a pintura, a literatura ou o restauro dos afrescos da Sé catedral – e o apoio às ações de renovação, restauro e aumento dos imóveis atinentes à diocese e/ou às paróquias. Tudo isso lhe mereceu o reconhecimento como bispo reconstrutor e eminentemente culto. A Academia Portuguesa de História fê-lo seu sócio correspondente.
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Por ocasião do 10.º aniversário do seu falecimento, o Padre João António Pinheiro Teixeira deixava no seu Theosfera, o apelo ao não esquecimento deste homem que “chegou a Lamego com um coração de pastor e, quase 28 anos depois”, se despediu “com um olhar de pai. E salientava que, “ao aproximar-se o fim, Dom António quase não falava, mas não deixava de comunicar, acima de tudo, com o olhar” – um olhar sofrido, sereno, acolhedor e agradecido. Belos termos com que Pinheiro Teixeira carateriza este olhar de pai!
Confessa o mencionado sacerdote estranheza por esta efeméride (do 10.º aniversário da morte do prelado) ter “passado incógnita na terra para onde ele veio com alegria e que serviu com extremos de dedicação”, pois “enchia as pessoas com a sua palavra e preenchia os ambientes com a sua presença”. E recorda o que ele confessou ao saber da nomeação para Lamego:
Foi de joelhos, diante do altar, que li a carta onde me era significada a transferência para Lamego. Agradeci ao Senhor esta nova e grande chamada sua ao seu serviço; e só Lhe pedi, mas comovidamente, que estivesse sempre comigo.”.
A partir de então, Lamego passou a ser para o Bispo “a minha casa e a minha família”. E lá queria “ser pastor, vínculo de paz, de amor e de unidade”. Isto, sem esquecer a “intervenção social e política. Aquando das legislativas de 1979, alertava numa nota de larga repercussão:
A Igreja tem o uma dupla missão: afirmar e promover o respeito pelos direitos do Homem e denunciar e condenar todas as suas violações”.
Cônscio do direito/dever da contestação das ideias e da não justificação da “destruição das pessoas”, cultivava uma proximidade surpreendente e cativante que o levava a visitar doentes e pobres, até a ir crismar a casa, e multiplicar a criação de ministros extraordinários da comunhão.

2017.10.09 – Louro de Carvalho

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