Foi
há 45 anos, a 8 de outubro de 1972, o segundo domingo do mês de outubro, que
entrou solenemente na diocese de Lamego o Arcebispo-bispo de Lamego Dom António
de Castro Xavier Monteiro, que fora, a 1 de julho do mesmo ano, nomeado bispo de
Lamego, diocese vaga devido à transferência de Dom Américo Henriques para a
então diocese de Nova Lisboa, hoje uma arquidiocese de Angola. Foi um
acontecimento marcante que mobilizou toda a gente. E os mais pobres não foram
esquecidos. Segundo o Padre João Teixeira, em Theosfera (blogue):
“As Conferências Vicentinas aumentaram (com
mais um quilo de arroz, um quilo de açúcar, um quilo de massa e um pacote de
chá) as dádivas para as velhinhas e (com alguns maços de cigarros)
para os velhinhos! Acompanhava o cabaz uma estampa em que se assinalava a especial predileção e ternura que o senhor
Arcebispo já mostrara por esses membros sofredores de Cristo que são os
pobrezinhos e os necessitados de toda a ordem.”.
Dom
António tomara posse por procuração, a 15 de agosto, através da pessoa do governador
da diocese (desde 19 de fevereiro) Monsenhor José Morais e Costa, o qual, antes de
tomar posse em nome do mandante (cuja grandeza ficava patente
em pequenos gestos),
obrigou a assembleia litúrgica reunida na catedral a escutar de joelhos a bula
de nomeação – tudo em contexto de celebração eucarística da solenidade da
Assunção de Nossa Senhora.
O
prelado, que não perdera o título de arcebispo, que recebera com a atribuição do
título da antiga arquidiocese de Mitilene, quando deixou de ser bispo titular
de Ombi e auxiliar de Vila Real para ser um dos auxiliares do Patriarcado, foi
esperado à saída da estação ferroviária da Régua donde partiu para a cidade
episcopal enquadrado por um enorme cortejo automóvel. Chegado a Lamego, foi
recebido protocolarmente no Salão Nobre da Câmara Municipal, onde foi saudado
pelo Presidente do Município José Alberto de Moura Guedes de Magalhães
Montenegro, na presença dos governadores civis de Viseu e da Guarda (respetivamente,
Engenheiro
silvicultor Armínio Ângelo de Lemos Quintela e Doutor Mário Bento Martins
Soares),
distritos por que se estende a diocese. A seguir, formou-se o cortejo pedestre
para a igreja de Santa Maria Maior de Almacave, onde o Arcebispo se paramentou,
bem como os presbíteros (em muito grande número) que participaram na solene
concelebração eucarística que iria decorrer na Sé Catedral, para onde se
dirigiu a procissão litúrgica, que, ao som de cânticos de boas-vindas ao novo
Pastor e de iniciação à Eucaristia, encheu de som e colorido as artérias da
cidade que percorreu até à igreja episcopal, a mãe de todas as igrejas da
diocese.
Ali,
o coro litúrgico, composto pelos alunos do seminário maior, alunas do Colégio
da Imaculada Conceição e alguns alunos do Colégio de Lamego, como era usual nas
solenidades ao tempo na Sé, deu vida à celebração, em que participaram bispos
das dioceses limítrofes e o Patriarca de Lisboa, donde provinha Dom António
Monteiro, bem como as diversas autoridades civis e militares. As cerimónias
foram conduzidas pelo mestre, ao tempo, Padre Germano José Lopes (hoje
distinto cónego e monsenhor)
e a assembleia recebia as admonições da parte do então Padre Dr. Jacinto
Botelho, hoje Bispo emérito de Lamego. Estavam no exercício da ordem do
diaconado os estagiários Adelino Duarte Ribeiro, António Francisco do Santos (o
bispo do Porto recém-falecido), António da Purificação Machado, Adriano
Monteiro Cardoso, José da Silva Lopes e José Pinto Rodrigues Guedes – que
receberam a ordenação de diácono a 22 de agosto de 1971 do Bispo Dom Américo
Henriques. E eu, que servi de turiferário e portador da respetiva naveta do
incenso, acompanhei de perto o cerimonial.
A
celebração terminou com uma sessão de cumprimentos nos claustros da Sé. Recordo
que, ao cumprimentá-lo devidamente embatinado me perguntou: “O meu amigo é pároco onde?”. Ao que
respondi ser um aluno do 3.º ano de Teologia.
***
O
Jornal de Notícias do dia 7 de
outubro, a pgs 4 e 5, evoca a situação das dioceses de Portugal que precisam de
novo Bispo, por morte do titular (caso do Porto), por questões de saúde (caso
de Viseu) ou por
limite de idade já atingida ou prestes a atingir. E diz, a este respeito, que a
Igreja em Portugal vai sofrer nos próximos meses uma revolução sem precedentes,
justificando serem seis as dioceses que serão providas a curto prazo. Não sabe
o JN que há um outro Bispo em vias de
resignação por motivos de saúde, como não sabia que, entretanto, fora nomeado o
novo Bispo para Santarém, Dom José Augusto Traquina, até agora Bispo Auxiliar
do Patriarcado.
Todos
sabemos que a colocação de Bispos residenciais significa novo ciclo para as
respetivas dioceses, mas, graças a Deus, esses eventos não esgotam a reforma
eclesial que deve estar sempre em ato, comprometendo sacerdotes, diáconos,
religiosos e religiosas e outras pessoas consagradas seculares e, enfim, todos
os cristãos. Por outro lado, o JN não
tem razão em falar de reforma sem precedentes, pois, entre 13 de maio de 1971 e
1 de julho de 1972, foram nomeados para as respetivas dioceses 5 bispos: Dom
António Ribeiro, que foi nomeado Patriarca de Lisboa, a 13 de maio de 1971, e
vigário geral castrense, a 24 de janeiro do ano seguinte; e, a 1 de julho de
1972, foram nomeados Dom António de Castro Xavier Monteiro, para Lamego, Dom
Alberto Cosme do Amaral, para Leiria, Dom Florentino Andrade e Silva, para o
Algarve, e Dom João António da Silva Saraiva, para Coimbra (estes
dois tiveram vida episcopal efémera nas novas dioceses – 4 anos). Se agora forem 6 bispos
residenciais (um já está eleito), como é de prever, a mobilidade de 1971/1972 não
fica diminuída em relação a esta, considerando que, ao tempo, eram menos 3 as
dioceses portuguesas. Santarém e Setúbal foram criadas, por desmembramento do
Patriarcado e sediadas nas cidades sedes dos respetivos distritos, em 16 de
julho de 1975, respetivamente,
pelas bulas Apostolicae Sedis Consuetudinem e Studentes Nos, ambas de Paulo VI. E a diocese de Viana do Castelo
foi criada em 3 de novembro de 1977 pela Constituição Apostólica Ad aptiorem populi Dei, de Paulo VI, separando da arquidiocese de Braga as
paróquias do distrito de Viana do Castelo.
***
Voltando
à celebração, é de anotar que os olhos e os ouvidos de todos estavam assestados
para a postura e palavras do novo Pastor diocesano: uns, porque nostálgicos do
perfil do antecessor cuja atitude e condução da Igreja de Lamego se revelara
promissora, mas sem êxito, esperavam a evolução na continuidade reforçada
pastoralmente; outros, agastados com o mesmo perfil e saudosos do que fora o grande
bispo construtor até 2 de fevereiro de 1971, Dom João da Silva Campos Neves,
esperavam uma continuidade sustentada nas bases lançadas pelo antigo Bispo de
Vatarba e auxiliar do Patriarcado. E o novo Pastor, sem se imiscuir em questões
anteriores, anunciou um propósito de condução da Igreja na esteira do
Evangelho, frisando a tríplice vertente da ação da Igreja – profética,
santificadora e odegética. Prometeu ouvir os diocesanos, nomeadamente o clero,
e apontou a urgência da pastoral de conjunto, passando pela promoção social enquanto
condição de eficácia da evangelização.
Obviamente
que a sua ação pastoral conheceu altos e baixos na Igreja e na Sociedade e a
sua condução da Igreja de Lamego ajudou a criar e reforçar o ambiente de esperança
contra situações de descrença no futuro do país, mercê do embate da revolução
abrilina. Soube desencadear a mobilização pelas causas da Igreja na Sociedade
pela multiplicação e melhoria dos espaços de utilização coletiva; promoveu o
brilho do culto litúrgico, a participação nas celebrações, a distribuição de
tarefas, a colegialidade de tomadas de decisão; lançou experiências de modernização
das estruturas diocesanas (dos vigários episcopais por setores
– cúria, clero, leigos – passou às 4 vigararias episcopais de zona pastoral e a
uma fase final de articulação das duas modalidades); criou os conselhos pastorais;
e deu novo rosto às fábricas de igreja paroquial com a entrega da administração
aos conselhos económicos paroquiais.
***
Nesta
reflexão, necessariamente incompleta e muito fragmentária, deixo aqui a
homenagem a Dom António de Castro Xavier Monteiro por quem acabei por nutrir admiração,
que me soube acompanhar e com quem tive o ensejo de colaborar. Sem se mostrar
demasiado ousado, soube dotar-se de um fino tacto pastoral que o ajudou a
ultrapassar situações difíceis na vida coletiva. E não podemos esquecer a sua
dedicação, para lá dos limites que a saúde também lhe impôs, à causa da Igreja e
do Evangelho. A Cáritas Portuguesa sempre o admirou.
Há,
entretanto, outra faceta da sua personalidade a mencionar: a sua cultura. O Doutor
em Teologia, em cuja economia assentava o seu discurso habitual e a sua ação
pastoral, aliava-se com mestria a outras manifestações do saber sapiente: o
apoio aos estudos históricos, sobretudo no que à diocese diz respeito, a dedicação
à música, o apreço pelas artes visuais – de que se destaca o seu jeito para o
retrato, a pintura, a literatura ou o restauro dos afrescos da Sé catedral – e o
apoio às ações de renovação, restauro e aumento dos imóveis atinentes à diocese
e/ou às paróquias. Tudo isso lhe mereceu o reconhecimento como bispo
reconstrutor e eminentemente culto. A Academia Portuguesa de História fê-lo seu
sócio correspondente.
***
Por
ocasião do 10.º aniversário do seu falecimento, o Padre João António Pinheiro Teixeira deixava no seu Theosfera, o apelo ao não esquecimento deste homem que “chegou
a Lamego com um coração de pastor e, quase 28 anos depois”, se
despediu “com um olhar de pai”. E salientava que, “ao aproximar-se o
fim, Dom António quase não falava, mas não deixava de comunicar, acima de tudo,
com o olhar” – um olhar sofrido, sereno, acolhedor e agradecido. Belos termos
com que Pinheiro Teixeira carateriza este olhar de pai!
Confessa
o mencionado sacerdote estranheza por esta efeméride (do
10.º aniversário da morte do prelado)
ter “passado incógnita na terra para onde ele veio com alegria e que serviu com
extremos de dedicação”, pois “enchia as pessoas com a sua palavra e preenchia
os ambientes com a sua presença”. E recorda o que ele confessou ao saber da
nomeação para Lamego:
“Foi de joelhos, diante do altar, que li a
carta onde me era significada a transferência para Lamego. Agradeci ao Senhor
esta nova e grande chamada sua ao seu serviço; e só Lhe pedi, mas
comovidamente, que estivesse sempre comigo.”.
A
partir de então, Lamego passou a ser para o Bispo “a minha casa e a minha família”. E lá queria “ser pastor, vínculo
de paz, de amor e de unidade”. Isto, sem esquecer a “intervenção social e
política. Aquando das legislativas de 1979, alertava numa nota de larga
repercussão:
“A Igreja tem o uma dupla missão:
afirmar e promover o respeito pelos direitos do Homem e denunciar e
condenar todas as suas violações”.
Cônscio
do direito/dever da contestação das ideias e da não justificação da “destruição
das pessoas”, cultivava uma proximidade surpreendente e cativante que o levava
a visitar doentes e pobres, até a ir crismar a casa, e multiplicar a criação de
ministros extraordinários da comunhão.
2017.10.09 – Louro de Carvalho
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