São três parábolas atinentes ao reino de Deus, revelando o
seu ser e dinamismo sob a imagem da vinha, mas cada uma com a sua
especificidade e escopo.
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A primeira (Mt 20,1-6a),
enunciada na continuação da resposta de Jesus a Pedro, que desafiou Cristo a
esclarecer a recompensa que teriam os discípulos que deixaram tudo para O
seguirem (cf Mt 19,27), ilustra parabolicamente o remate
de tal resposta: “Muitos dos primeiros serão os últimos e muitos dos últimos serão os
primeiros” (Mt 19,30). É a parábola do Senhor que tinha uma vinha e
recrutou, em vários momentos do dia, os trabalhadores que encontrava ociosos na
praça (mesmo
quando faltava apenas uma hora para o dia chegar ao fim). Tendo, no fim do
dia, mandado pagar um denário a cada um dos trabalhadores, tanto aos da 1.ª
hora, como aos da última e aos das horas intermédias. Um dos da primeira hora
refilou porque os últimos receberam tanto como os que trabalharam o dia todo.
O Senhor interveio para dizer que cada um
recebeu segundo o que foi contratado e denunciou a inveja do trabalhador por
causa da bondade do senhor da vinha.
Esta perícopa do Evangelho, assumida para o domingo
XXV do Tempo Comum no Ano A, é a primeira duma série de três que apresentam a
imagem da vinha. Nos dois domingos seguintes, são assumidas as outras duas.
Na figura da vinha, simples e do quotidiano, a
Escritura condensa a realidade muito rica e profunda, cada vez mais plena de
significado à medida que os textos nos aproximam da revelação em Jesus Cristo.
Em 1Rs 21, narra-se o violento episódio que envolve Nabot, súbdito de Acab, o rei
corrupto, que possuía uma vinha próximo do palácio real. Por amor à vinha, herança
paterna, acabou por perder a vida e a vinha. No capítulo 5 de Isaías, fica
esclarecido que a vinha do Senhor é o povo de Israel: “A vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel; os habitantes de
Judá a sua plantação preferida (Is 5,7). O Senhor, que ama o seu povo com um amor infinito e eterno, firmado com
uma aliança inviolável, cuida dele como o vinhateiro trata da sua vinha,
fazendo tudo para que frutifique em quantidade e qualidade. Mas esta narrativa
evangélica centra-se na relação entre o proprietário da vinha e os vários
contratados a horas diferentes, pagos com o mesmo salário segundo critérios
diversos dos critérios meramente humanos da justiça comutativa.
À primeira vista, os ouvintes ou leitores podem sofrer
a tentação de se colocarem a favor dos contratados da 1.ª hora, chamando
injusto o dono e indo a contestar assim a postura de Deus.
Ora, Jesus quer ensinar que, ao contrário do que
pensava a teologia judaica, a recompensa não é uma remuneração ajustada às
obras do homem, mas é fruto da superabundante bondade e misericórdia de Deus.
Literariamente, a parábola explicita o tema vago dos “primeiros-últimos e
últimos-primeiros”, de Marcos (cf Mc 10,31) e Lucas (cf Lc 13,30).
Porém, Jesus vai mais além: quer abolir do reino
messiânico a situação de privilégio tão apreciada em Israel, replicada nas
parábolas do pai e dos dois filhos sobre a ida para a vinha (vd Mt
21,28-32), dos maus vinhateiros (vd Mt
21,33-41) e do banquete nupcial (vd Mt
22,1-14). Com efeito, há de vir, a
substituir o judaísmo um povo que dará os frutos a seu tempo (vd Mt 21,41).
Com os da 1.ª hora, o dono da vinha ajustou um denário
por dia; com os seguintes ficou acordado “o que for justo”; e com os da última
hora nada foi acordado nem prometido.
O surpreendente consiste no sistema de pagamento em
que os primeiros constatam que os últimos recebem o mesmo que foi acordado com
eles: é-lhes efetivamente dado um denário. Parece injusto, mas o dono da vinha,
que é pai de família, age numa perspetiva de justiça assente na bondade e
generosidade, entendendo que os da última hora têm o mesmo direito a viver,
pois só não trabalharam mais porque ninguém os contratou.
O denário que é dado a todos é o reino dos céus que
Jesus trouxe à terra; é a possibilidade de entrar a fazer parte da salvação
messiânica. Aliás a parábola começa por dizer: “O reino dos céus é semelhante a um proprietário…”.
O problema é, pois, o da posição de hebreus e pagãos,
de justos e pecadores, em relação à salvação anunciada por Jesus. Jesus
apresenta um Deus diferente: não um Deus comerciante que paga a cada um
conforme as ações, estabelecendo diferenças de tratamento, mas que é um pai
bondoso, acolhedor – que sai a chamar, não se ficando a esperar por quem vá
chegando ou por quem possa não comparecer. Mesmo os pagãos (e os
pecadores, os publicanos, as prostitutas, etc.), que estavam longe (“ociosos”), mas que se
decidiram por Deus com a pregação de Jesus Cristo, não ocuparão no reino uma
posição diferente e inferior; sentar-se-ão à mesma mesa e gozarão, como os
outros, da plenitude dos bens messiânicos; e, ainda, porque muitas vezes se
mostram mais prontos a acolher o Evangelho, ao contrário dos “justos”, os da
“primeira hora”, realiza-se o que Jesus diz na conclusão da parábola, “os
últimos serão os primeiros e os primeiros os últimos” – enunciado semelhante
aquele com que terminou o capítulo 19, a rematar a resposta de Jesus ao repto de
recompensa lançado por Simão Pedro.
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Nas outras duas parábolas da vinha, os interlocutores de
Jesus são príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo, no fundo os
representantes do culto e do povo.
O texto evangélico do domingo XXVI do Tempo Comum no
Ano A (Mt 21,28-32) vem na sequência do diálogo-confronto entre Jesus e
os sumos sacerdotes e anciãos do povo que o interrogam acerca da sua autoridade
para ensinar no Templo, após a entrada triunfal em Jerusalém e a poucos dias da
sua morte.
Verifica-se uma tensão crescente nos diálogos que
Jesus vai tendo com os diversos grupos. Não respondendo diretamente, lança-lhes
um repto, que consiste em interroga-los sobre a autoridade da pregação e batismo
de João: se vinha do céu ou dos homens. Ora, se dissessem que veio do céu, Ele perguntaria
porque não lhe deram crédito; mas, se dissessem que é dos homens, teriam todo o
povo contra eles, pois João era tido como um profeta. Por isso, a resposta foi
que não sabiam e, consequentemente, a postura de Jesus ganhou legitimidade para
não dizer com que autoridade realizava aquelas coisas.
Com a narrativa do pai e dos dois filhos em que estes
respondem de modo diferente à vontade do pai, Jesus faz com que os seus
interlocutores entrem na lógica da sua escolha preferencial pelos pecadores,
representados pelo primeiro filho, inicialmente longe da vontade da vontade do
Pai, mas que, ao converterem-se, acabam por cumprir a vontade de Deus. O
segundo filho representa o grupo dos judeus, ditos observantes da Lei, que
respondem imediatamente: “Eu (vou),
Senhor!”, numa resposta formalista que não está de acordo com a vontade de
Deus.
Esta é a parábola da precedência dos publicanos e
prostituas no reino dos céus e a primeira das parábolas de rutura, de que a
segunda, a dos maus lavradores, é comum nos três sinóticos.
A segunda parte da perícopa tira as consequências da
parábola tomando como ponto de referência a pregação e a atividade penitencial
de João Batista, que veio no caminho da justiça, sendo que o vocábulo “justiça”
em Mateus significa “vontade de Deus”. Assim, o caminho da justiça que João
veio apresentar ao povo é a norma de conduta que realiza as verdadeiras
exigências da vontade divina, da implantação e desenvolvimento do Reino e da
santificação do nome do Pai que está nos Céus.
Muitos, considerados pecadores face à lei judaica, tal
como os publicanos, a que se juntam as prostitutas, ouvindo a pregação de João
e acreditando nela, foram capazes de mudar de vida, arrependendo-se da sua
conduta. Porém, os “eleitos” – judeus observantes formais da Lei e as
autoridades religiosas – não só não foram capazes de reconhecer o significado
religioso da missão de João, mas também se mantiveram longe do movimento de
conversão proposto. É tendo isto em conta que se percebe a dura asserção de
Jesus: “Os publicanos e as prostitutas
preceder-vos-ão no Reino de Deus”.
Jesus tem a plena consciência de que vai ser rejeitado
pelas autoridades judaicas e que serão os ditos “eleitos”, ao contrário dos
excluídos, que vão exigir a sua eliminação e morte pela cruz. É, pois, natural
que Mateus, ao relatar esta parábola aos seus leitores, pense na realidade da
recusa do Evangelho por parte dos judeus e na sua aceitação da parte dos pagãos
e queira advertir os membros da comunidade que se contentam com a declaração
formal da fé que não encontra eco nas suas vidas. Por isso, relembra aos discípulos,
ou seja, aos cristãos, que “nem todo o que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no
Reino do Céu, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21) e que a nova família de Jesus, isto é, os
verdadeiros membros da comunidade são aqueles que fazem a vontade do Pai que
está nos céus (cf Mt 12,50).
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A parábola assumida para a leitura proclamada do Evangelho
neste domingo de 8 de outubro, o XXVII do Tempo Comum no Ano A (Mt 21-33-43), parte da imagem bem conhecida dos
ouvintes de Jesus e dos leitores de Mateus: a vinha plantada com toda a tenção
e devidamente cuidada com esmero e dedicação. O ponto de partida, o desta vinha
assim tratada, é transcrição literal do apólogo ou canto da vinha do
profeta Isaías (5,1-7), acentuando-se, antes de mais, a
iniciativa do proprietário que plantou uma vinha. Mateus representa
descritivamente tal atenção e cuidado com o emprego de cinco verbos: plantou…
cercou… escavou… construiu… arrendou. Após ter plantado a vinha, arrendou-a a
outros e partiu para longe.
A vinha é a mesma e o proprietário também é o mesmo. A mudança
reside em quem trabalha na vinha, ou seja, os vinhateiros a quem o proprietário
a cedeu para dela cuidarem, esperando receber a percentagem habitual da
colheita, conforme foi acordado.
Esta é a parábola dos maus trabalhadores ou da rejeição de
Israel, que é substituído por outro povo, que dará os frutos a seu tempo. A
linguagem parabólica dá facilmente a entender a condenação da nação infiel por
Jesus, bem mais explícita e dura que na parábola anterior, ditada pelos seus
próprios ouvintes:
“Mandará [o proprietário] matar sem piedade aqueles miseráveis e
arrendará sua vinha a outros lavradores que lhe pagarão o produto em seu tempo”.
Estamos, portanto, ante uma alegoria que apresenta a história
da salvação. A vinha, com uma torre e com a vedação em seu redor, representa,
como é visível, Israel, o Povo de Deus, um povo de referência para o mundo; o
proprietário é Deus, que toma a iniciativa de construir e encarrega os outros
de cooperar; os vinhateiros são os chefes religiosos, que deviam cuidar da
vinha e fazer com que ela produzisse frutos, mas são um estorvo; os servos
enviados são os profetas que pregaram antes e depois do exílio da Babilónia e a
quem os chefes, a maior parte das vezes, perseguiram, apedrejaram e até
mataram; e o Filho lançado fora da vinha (fora da muralhas de Jerusalém) e morto é Jesus. De facto, esta parábola, que Jesus
conta a poucos dias da sua morte que já tinha sido decidida precisamente por
aqueles que o estavam a escutar, é uma parábola tipicamente messiânica. Não é
só o proprietário que está em evidência e grupos diferenciados de personagens,
mas também o Filho (é
clara a alusão à encarnação do Verbo). Entenda-se Deus e o seu Messias, bem como os profetas que
foram advertindo o povo para a pureza da Aliança, a interioridade do conteúdo
da Lei, a justiça e santidade de Deus e o alargamento da salvação a todos os
povos.
Quem ouve uma história como esta passa da perplexidade à
fúria em relação à atitude tomada pelos vinhateiros – o que sucedeu com os
ouvintes de Jesus, só que não aplicaram a si a lição. Não bastou aos
vinhateiros negarem-se a dar aquilo com que se comprometeram como se arvoraram
em donos da vinha, de maneira arrogante e criminosa. A resposta dada pelos
ouvintes de Jesus à pergunta de Jesus sobre o que faria o dono da vinha quando
viesse é lógica:
“Fará morrer miseravelmente aqueles malvados
e dará a vinha a outros vinhateiros que lhe entregarão os frutos na altura
devida”.
Porém, esta resposta serve de mote e de pretexto para Jesus
se dirigir diretamente a eles. Por detrás da morte miserável dos “vinhateiros”
está a tomada e destruição da cidade de Jerusalém, no ano 70, que causou uma
enorme consternação e carnificina.
Os fariseus e os príncipes dos sacerdotes, depois de eles
próprios pronunciarem a sentença condenatória, perceberam que Jesus falava
deles. Por isso, queriam agarrá-Lo, mas tiveram medo da multidão que O
considerava como profeta. E ainda não tinham semeado a cizânia na multidão
contra Ele, como depois sucedeu quando a levaram a pedir a morte do Justo.
Uma outra inferência da parábola parte do Salmo 118,22, referente,
de acordo com toda a tradição neotestamentária, ao Messias e ao Templo: o
filho, rejeitado e morto, é a pedra rejeitada pelos construtores, mas eleita
por Deus como pedra angular e de alicerce da nova construção, obra admirável.
Os novos vinhateiros são apresentados como um “povo” contraposto ao primeiro,
que foi infiel. Este povo não se identifica simplesmente com os pagãos
convertidos, mas envolve todo o povo messiânico, com hebreus e pagãos, fundado
sobre a pedra angular que é Cristo ressuscitado. Mas quem tropeçar nesta pedra
angular sentirá o seu peso esmagador. Por isso, há que evitar a situação de
queda ou de tropeço perante o Ressuscitado.
Os frutos do Reino de Deus podem ser identificados com a
justiça que os discípulos devem procurar – acima da justiça dos fariseus e dos
doutores da Lei – como valor prioritário: uma justiça que consiste na
realização alegre e perseverante da vontade do Pai, requerida pela fé confiante,
firmada na esperança dos bens prometidos e vivificada pela caridade, a joia
evangélica posta ao serviço de todos para que não haja qualquer necessitado de
nenhum dos bens messiânicos: espirituais, materiais, culturais e sociais.
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As parábolas da vinha são a trilogia que devemos
meditar diariamente em sintonia com a vontade de Deus e do dinamismo o seu
Reino.
2017.10.08 – Louro de Carvalho
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