sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Para a reflexão alargada sobre soluções contra os incêndios florestais

Depois de um verão alargado de reiterados surtos de incêndios florestais, muitos dos quais varreram o país de norte a sul e de lés a lés, são conhecidos dois relatórios oficiais: um produzido pela Comissão Técnica Independente Criada (CTI), no âmbito da Assembleia da República; e outro produzido pelo CEIF (Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais) do DEM (Departamento de Engenharia Mecânica) da FCT/UC (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra), por solicitação do MAI (Ministério da Administração Interna).
Obviamente que, sendo o objeto de incidência dos referidos relatórios os incêndios florestais ocorridos no município de Pedrogão Grande e nos municípios limítrofes (ao todo 11 municípios), poderia pensar-se que mais nada se teria passado, se o flagelo incendiário não se tivesse perpetuado no tempo e se o curto período de 14 a 16 de outubro não tivesse oferecido um espetáculo geral e setorial mais dantesco que o de 17/22 de junho e com mais de metade das vítimas mortais das ocorridas naquele fatídico mês e um grande número de feridos.
Grosso modo mantêm-se os factos e os tipos de falhas apontados aquando da tragédia de Pedrógão e, por consequência, as recomendações plasmadas nas conclusões dos preditos relatórios. Todavia, é de questionar a razão por que se esvaneceu a corda do dispositivo de prevenção, vigilância e intervenção combativa a partir de 1 de outubro, alegadamente por ter ficado ultrapassada a convencionada fase Charlie ou por ter chegado ao fim a designada época de incêndios florestais, quando as previsões do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) apontavam para a continuidade e reforço dos tempos quentes. Não faz mais sentido aterem-se as autoridades a dados de calendário para lograr a defesa e segurança das populações no atinente à segurança de pessoas, animais e outros bens, assim como a das respetivas infraestruturas.
Tem de se fazer esta investigação e de se apurar nominalmente os culpados de tal relaxamento, mais presos a burocracias do que admoestados pela realidade, bem como de se saber se as informações genéricas dadas às populações pelo IPMA com os diversos boletins são suficientes para a gestão da Proteção Civil. Além disso, não vale a pena – e sabe a indignidade – vir a Proteção Civil desmentir as ditas inverdades ou a EDP negar responsabilidade na limpeza das vias por onde passam as linhas de alta e de média tensão ou o SIRESP rejeitar a acusação pura e simples das falhas de comunicação, bem como o IEP e as Câmaras Municipais não assumirem as responsabilidades pela falta de limpeza assídua das margens legais das vias de comunicação.
Porém, se não houve tempo de os relatórios serem estudados e aprender deles tudo o que falhou, tiveram as populações o condão de aprender com Pedrógão – coisa que as autoridades não tiveram o rasgo de fazer, não sabendo aprender com os factos, ao menos de forma empírica.
Desta vez, multiplicou-se a interajuda da parte dos populares. Por isso, se muitos perderam a vida ou a integridade física e o acondicionamento respiratório e psíquico, se muitos animais e outros haveres (florestas, campos, habitações, fábricas, armazéns, oficinas, logradouros, suportes de sinos…), muito mais haveria a lamentar, se não fosse a ajuda mútua das pessoas, que sentiam a falta de tudo, se não fossem disponibilizados quartéis, escolas e outros equipamentos de utilização coletiva para acolhimento de pessoas desalojadas e/ou em pânico. Terá até melhorado o acompanhamento por parte de psicólogos cedidos pelas instituições. Não obstante, duvida-se de que a onda de solidariedade vista no caso de Pedrógão agora não se repita porque as pessoas se sentem cansadas e esgotadas e, sobretudo, porque muitos dos que então ajudaram, carecem hoje de ajuda – mas é necessário que ela reviva e que o orçamento abra os cordões à bolsa.
E, como em tempo de guerra não se limpam armas – diz o povo –, também em situação de emergência não se pode esperar pela reforma estrutural da floresta ou da proteção civil ou até da prevenção para o próximo ano. Mas devem, enquanto uns estudam essas vertentes, outros ocupar-se já das indemnizações, se possível por via extrajudicial (mais célere, sem ser menos rigorosa), cuidar do luto das famílias e da reconstrução de habitações e reposição de infraestruturas (sem as pesadas burocracias das licenças camarárias e pareceres vinculativos usuais – estamos a falar de reposição e reconstrução), preservação da saúde pessoal e pública. Aqui, o Estado não pode deixar-se ficar refém dos números orçamentais e, se a UE aceita relaxar um pouco as contas, não há que olhar para trás, a não ser na manutenção dos carris do rigor e da exigência.
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A este respeito, deve sublinhar-se que os dirigentes da UE manifestam solidariedade com Portugal. A nível simbólico, as bandeiras da UE estiveram, em Bruxelas, a 19 outubro, a meia-haste devido aos incêndios em Portugal. Mas há mais, como se verá a seguir.
Os Governos de Portugal e de Espanha, segundo António Costa, decidiram trabalhar em conjunto “para apresentar um pedido em comum” ao Fundo Europeu de Solidariedade, “visto que, em grande parte, os danos são comuns e em continuidade, e assim contamos poder ter maior eficácia junto da Comissão Europeia”.
O Primeiro-Ministro português falava numa declaração no final do 2.º dia de trabalhos do Conselho Europeu, em Bruxelas, depois de, no dia 19 de outubro, 1.º dia de trabalhos do Conselho, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ter manifestado  “a vontade de ser agilizado o Fundo Europeu de Solidariedade, de forma a evitar a enorme carga burocrática que envolve a sua mobilização”.
Na declaração, no final do 1.º dia dos trabalhos da reunião dos Chefes de Estado ou de Governo da UE, o Primeiro-Ministro transmitiu “aos Portugueses as palavras de solidariedade que foram dirigidas por todos os líderes europeus”, em particular por Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, e por Donald Tusk”, Presidente do Conselho Europeu.
António Costa referiu:
O tema dos incêndios florestais, quer em Portugal, quer em Espanha, teve, por parte do Conselho, uma atenção muito grande, tendo o Presidente do Parlamento Europeu [António Tajani] relembrado uma proposta antiga de criação de uma força europeia de proteção civil”.
Esta força ou bolsa de meios em reserva, segundo Costa, “foi, aliás, objeto de trabalho da presidência portuguesa da UE, em 2007, e foi recentemente defendida por Portugal no Conselho de Assuntos Gerais”. Por outro lado, “o Presidente Juncker informou que tinha dado instruções para que a Comissão voltasse a estudar esse tema, de forma a criar uma bolsa com capacidade de resposta em situações de exceção, como a que enfrentámos no fim de semana e que outros países também têm enfrentado”, referiu ainda António Costa. Ademais, o Presidente da Comissão, como informou Costa, “manifestou também a vontade de se estudarem aprofundadamente as questões relativas aos problemas estruturais da floresta portuguesa”, tendo encarregado a Comissão Corina Cretu de fazer esse estudo. António Costa referiu também as declarações do Comissário Pierre Moscovici sobre o facto de “a Comissão estar a estudar e ir propor ao Conselho que possa haver um tratamento mais favorável das despesas associadas ao combate aos incêndios florestais” na contabilização do défice. Esta posição da Comissão é, segundo o Primeiro-Ministro uma contribuição, “para que o Conselho possa dar um tratamento mais flexível a este quadro de despesas e podermos ter melhores condições para responder às necessidades das populações”.
No final do 2.º dia do Conselho Europeu, que se reuniu em Bruxelas, António Costa afirmou esperar “que o Conselho venha a acolher favoravelmente a posição do Comissário Moscivici sobre o tratamento a dar às despesas com o combate aos incêndios para o défice português”.
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São já conhecidas as recomendações formuladas pelos relatórios referenciados supra, que apontam para a criação de uma estrutura interministerial ou agência com competências diversificadas que seja assegurada por um comando único preferencialmente na dependência da Presidência do Conselho de Ministros, que zele o reordenamento da floresta e a resseleção de espécies, urja a limpeza do combustível acumulado e a retirada da vegetação das margens das vias de comunicação e das passagens de cabos elétricos e/ou de comunicações, a reposição e aumento de postos e pessoal de vigilância e de prevenção, as operações coordenadas de combate e a alocação atempada de meios – o que passa pela existência efetiva dos planos municipais e intermunicipais de florestas e de gestão dos fogos, pela profissionalização de um corpo alargado de pessoas e pelo enquadramento orgânico do voluntariado, bem como pela informação segura e atempada ao comando por parte de quem conhece o terreno.
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A estas recomendações podem adicionar-se ou, ao menos, ter-se em conta as sugeridas (ora sintetizadas), no ECO, por Pedro Braz Teixeira, Licenciado em economia pela FEUNL (Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa), onde foi assistente e fez uma pós-graduação em economia internacional e outra em história do século XIX pela FCSH (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas) da UNL. Foi economista-chefe do Banco Santander Totta e adjunto da ministra das Finanças, Dra. Manuela Ferreira Leite. Atualmente é investigador no NECEP (Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa) da Católica Lisbon School of Business and Economics e diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade. Tem tido colaboração regular na imprensa, com a publicação de textos nos Diário Económico, Diário de Notícias e Público, sendo atual colunista do Jornal de Negócios e do jornal I. Escreve regularmente em alguns blogues e é presença ocasional na televisão na tvi24, rtp, sic Notícias e Bloomberg.
Diz o especialista que é preciso:
- Identificar os bur(r)ocratas, abolindo o anonimato na administração pública e identificando publicamente os autores dos erros mais clamorosos, para ver se haverá mais cuidado nas decisões. Assim, saberíamos quem foram os que, por ação ou omissão, permitiram que o período oficial de perigo de incêndio terminasse a 30 de Setembro, embora a maior parte da mancha florestal estivesse em condição de seca severa ou extrema.
- Limpar os terrenos junto das vias de comunicação, não valendo a hipocrisia da responsabilidade da limpeza por parte dos donos dos terrenos, não podendo o Estado demitir-se de urgir o cumprimento da lei. É preferível passar para os municípios tal responsabilidade, sem prejuízo de poderem ser ressarcidos, a posteriori, pelos proprietários.
- Legislar sobre incendiários, reconhecendo que a sua atividade é muito mais criminosa do que se supunha, agravando as penas em conformidade. As mais de 100 mortes do ano obrigam.
- Repensar a avaliação dos juízes que liberem incendiários confessos e reincidentes, devendo ser escrutinados pela comunicação social, até sobre a classificação obtida, e devendo o Conselho Superior de Magistratura ficar ciente de que a população não aceita que tais juízes tenham notas elevadas, a menos que o laxismo compactue com redes criminosas de fogo.
- Investigar as indústrias do combate, nomeadamente as derivadas de associação criminosa por parte dos que ganham excessivo dinheiro com o combate aos incêndios, sobretudo os que vendem equipamentos e serviços, como fez Espanha.
- Expulsar os boys (incompetentes que detêm o lugar pelo cartão partidário) da administração pública, em especial da Proteção Civil, onde a sua presença é inadmissível, por risco de vidas humanas.
- Profissionalizar os bombeiros, pois, por mais heroico que seja o trabalho de voluntários, é claro que o modelo de Proteção Civil está esgotado e é essencial haver bombeiros profissionais durante todo o ano, atuando na prevenção e conhecendo o terreno em detalhe.
- Preparar as populações, não se compreendendo a inexistência de planos de reação aos incêndios devidamente transmitidos às populações, bem como verificar que os espaços junto das casas estão limpos, que há água, etc.
- Avaliar os prejuízos, com o levantamento do seu impacto (imediato e futuro) no turismo, agricultura, indústria e Estado, para a noção clara de quanto compensa gastar para os evitar.
- Remunerar os serviços ambientais da floresta, pois esta produz muitos serviços não remunerados: absorção de CO2, biodiversidade, estabilização das temperaturas e da humidade, espaço de lazer, etc. Sem remuneração, os proprietários não mantêm os espaços em condições, dando azo ao abandono e ao crescimento dos matos, principal causa de propagação dos fogos.
- Agregar a propriedade, pois um dos principais problemas de gestão da floresta é a excessiva fragmentação, superando o meio milhão de proprietários. Os municípios deveriam poder agregar pequenas parcelas em zonas contíguas e poder vendê-las a gestores profissionais.
- Criar fundos florestais, com capital inicial do Estado, mas abertos a subscrição pública, em que o Estado tenderia para uma participação minoritária. A função destes fundos seria a compra, agregação e gestão de pequenas propriedades florestais, que deviam receber remuneração do Estado pelos serviços ambientais prestados e certificados e os fundos deveriam ser admitidos à cotação na bolsa de Lisboa como forma de facilitar a angariação de pequenos investidores. É importante a concorrência entre estes fundos, que não devem ter especialização geográfica, para estimular a inventividade, na escolha das espécies e sua combinação, na gestão, na prevenção dos incêndios e na limpeza dos terrenos.
- E reorientar apoios do combate para a prevenção, pois gasta-se muito no combate e pouco na prevenção, em ciclo vicioso: quanto menos se gasta em prevenção, mais se gastará em combate. É preciso inverter a situação, desenvolvendo mais criatividade na prevenção, por exemplo, explorando as queimas controladas no inverno, para diminuir a carga combustível no verão.
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A demissão da Ministra não resolveu a questão de fundo, como não a resolveu a demissão de responsáveis pela Proteção Civil ou do SEF. E não se espere que a reforma da floresta esteja exclusiva ou predominantemente a cargo do Ministro da Administração Interna, como já vi expresso na praça, a menos que se reformule a lei orgânica do Governo. Os Ministros da Agricultura e Florestas (com a parte de leão), do Ambiente e das Estruturas terão papel decisivo.

2017.10.20 – Louro de Carvalho  

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