Depois de um verão alargado de reiterados surtos de incêndios florestais,
muitos dos quais varreram o país de norte a sul e de lés a lés, são conhecidos
dois relatórios oficiais: um produzido pela Comissão Técnica Independente
Criada (CTI), no âmbito da Assembleia da República; e outro
produzido pelo CEIF (Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais) do DEM (Departamento
de Engenharia Mecânica)
da FCT/UC (Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
de Coimbra), por
solicitação do MAI (Ministério da Administração Interna).
Obviamente que, sendo o objeto de incidência dos referidos
relatórios os incêndios florestais ocorridos no município de Pedrogão Grande e
nos municípios limítrofes (ao todo 11 municípios), poderia pensar-se que mais
nada se teria passado, se o flagelo incendiário não se tivesse perpetuado no
tempo e se o curto período de 14 a 16 de outubro não tivesse oferecido um
espetáculo geral e setorial mais dantesco que o de 17/22 de junho e com mais de
metade das vítimas mortais das ocorridas naquele fatídico mês e um grande
número de feridos.
Grosso modo mantêm-se os factos e os tipos
de falhas apontados aquando da tragédia de Pedrógão e, por consequência, as
recomendações plasmadas nas conclusões dos preditos relatórios. Todavia, é de
questionar a razão por que se esvaneceu a corda do dispositivo de prevenção,
vigilância e intervenção combativa a partir de 1 de outubro, alegadamente por
ter ficado ultrapassada a convencionada fase
Charlie ou por ter chegado ao fim a designada época de incêndios
florestais, quando as previsões do IPMA (Instituto Português do
Mar e da Atmosfera)
apontavam para a continuidade e reforço dos tempos quentes. Não faz mais
sentido aterem-se as autoridades a dados de calendário para lograr a defesa e
segurança das populações no atinente à segurança de pessoas, animais e outros
bens, assim como a das respetivas infraestruturas.
Tem de se fazer esta investigação e de se apurar
nominalmente os culpados de tal relaxamento, mais presos a burocracias do que
admoestados pela realidade, bem como de se saber se as informações genéricas
dadas às populações pelo IPMA com os diversos boletins são suficientes para a
gestão da Proteção Civil. Além disso, não vale a pena – e sabe a indignidade –
vir a Proteção Civil desmentir as ditas inverdades ou a EDP negar
responsabilidade na limpeza das vias por onde passam as linhas de alta e de
média tensão ou o SIRESP rejeitar a acusação pura e simples das falhas de
comunicação, bem como o IEP e as Câmaras Municipais não assumirem as
responsabilidades pela falta de limpeza assídua das margens legais das vias de
comunicação.
Porém, se não houve tempo de os relatórios serem
estudados e aprender deles tudo o que falhou, tiveram as populações o condão de
aprender com Pedrógão – coisa que as autoridades não tiveram o rasgo de fazer,
não sabendo aprender com os factos, ao menos de forma empírica.
Desta vez, multiplicou-se a interajuda da parte dos
populares. Por isso, se muitos perderam a vida ou a integridade física e o acondicionamento
respiratório e psíquico, se muitos animais e outros haveres (florestas,
campos, habitações, fábricas, armazéns, oficinas, logradouros, suportes de
sinos…), muito mais
haveria a lamentar, se não fosse a ajuda mútua das pessoas, que sentiam a falta
de tudo, se não fossem disponibilizados quartéis, escolas e outros equipamentos
de utilização coletiva para acolhimento de pessoas desalojadas e/ou em pânico.
Terá até melhorado o acompanhamento por parte de psicólogos cedidos pelas
instituições. Não obstante, duvida-se de que a onda de solidariedade vista no
caso de Pedrógão agora não se repita porque as pessoas se sentem cansadas e
esgotadas e, sobretudo, porque muitos dos que então ajudaram, carecem hoje de
ajuda – mas é necessário que ela reviva e que o orçamento abra os cordões à
bolsa.
E, como em tempo de guerra não se limpam armas – diz
o povo –, também em situação de emergência não se pode esperar pela reforma
estrutural da floresta ou da proteção civil ou até da prevenção para o próximo
ano. Mas devem, enquanto uns estudam essas vertentes, outros ocupar-se já das
indemnizações, se possível por via extrajudicial (mais
célere, sem ser menos rigorosa),
cuidar do luto das famílias e da reconstrução de habitações e reposição de
infraestruturas (sem as pesadas burocracias das licenças
camarárias e pareceres vinculativos usuais – estamos a falar de reposição e
reconstrução),
preservação da saúde pessoal e pública. Aqui, o Estado não pode deixar-se ficar
refém dos números orçamentais e, se a UE aceita relaxar um pouco as contas, não
há que olhar para trás, a não ser na manutenção dos carris do rigor e da
exigência.
***
A este respeito, deve sublinhar-se que os dirigentes da UE manifestam solidariedade com Portugal. A nível simbólico,
as bandeiras da UE estiveram, em Bruxelas, a 19 outubro, a meia-haste devido
aos incêndios em Portugal. Mas há mais, como se verá a seguir.
Os Governos
de Portugal e de Espanha, segundo António Costa, decidiram trabalhar em
conjunto “para apresentar um pedido em comum” ao Fundo Europeu de
Solidariedade, “visto que, em grande
parte, os danos são comuns e em continuidade, e assim contamos poder ter maior
eficácia junto da Comissão Europeia”.
O
Primeiro-Ministro português falava numa declaração no final do 2.º dia de
trabalhos do Conselho Europeu, em Bruxelas, depois de, no dia 19 de outubro,
1.º dia de trabalhos do Conselho, o Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude
Juncker, ter manifestado “a vontade
de ser agilizado o Fundo Europeu de Solidariedade, de forma a evitar a enorme
carga burocrática que envolve a sua mobilização”.
Na
declaração, no final do 1.º dia dos trabalhos da reunião dos Chefes de Estado
ou de Governo da UE, o Primeiro-Ministro transmitiu “aos Portugueses as palavras de solidariedade que foram dirigidas por
todos os líderes europeus”, em particular por Jean-Claude Juncker,
Presidente da Comissão Europeia, e por Donald Tusk”, Presidente do Conselho
Europeu.
António
Costa referiu:
“O tema dos incêndios florestais,
quer em Portugal, quer em Espanha, teve, por parte do Conselho, uma atenção
muito grande, tendo o Presidente do Parlamento Europeu [António Tajani]
relembrado uma proposta antiga de criação de uma força europeia de proteção
civil”.
Esta força
ou bolsa de meios em reserva, segundo Costa, “foi, aliás, objeto de trabalho da presidência portuguesa da UE, em
2007, e foi recentemente defendida por Portugal no Conselho de Assuntos Gerais”.
Por outro lado, “o Presidente Juncker
informou que tinha dado instruções para que a Comissão voltasse a estudar esse
tema, de forma a criar uma bolsa com capacidade de resposta em situações de
exceção, como a que enfrentámos no fim de semana e que outros países também têm
enfrentado”, referiu ainda António Costa. Ademais, o Presidente da
Comissão, como informou Costa, “manifestou
também a vontade de se estudarem aprofundadamente as questões relativas aos
problemas estruturais da floresta portuguesa”, tendo encarregado a Comissão
Corina Cretu de fazer esse estudo. António Costa referiu também as declarações
do Comissário Pierre Moscovici sobre o facto de “a Comissão estar a estudar e ir propor ao Conselho que possa haver um
tratamento mais favorável das despesas associadas ao combate aos incêndios
florestais” na contabilização do défice. Esta posição da Comissão é,
segundo o Primeiro-Ministro uma contribuição, “para que o Conselho possa dar um tratamento mais flexível a este quadro
de despesas e podermos ter melhores condições para responder às necessidades
das populações”.
No final do
2.º dia do Conselho Europeu, que se reuniu em Bruxelas, António Costa afirmou
esperar “que o Conselho venha a acolher
favoravelmente a posição do Comissário Moscivici sobre o tratamento a dar às
despesas com o combate aos incêndios para o défice português”.
***
São já conhecidas as recomendações formuladas pelos
relatórios referenciados supra, que apontam para a criação de uma estrutura
interministerial ou agência com competências diversificadas que seja assegurada
por um comando único preferencialmente na dependência da Presidência do
Conselho de Ministros, que zele o reordenamento da floresta e a resseleção de
espécies, urja a limpeza do combustível acumulado e a retirada da vegetação das
margens das vias de comunicação e das passagens de cabos elétricos e/ou de
comunicações, a reposição e aumento de postos e pessoal de vigilância e de
prevenção, as operações coordenadas de combate e a alocação atempada de meios –
o que passa pela existência efetiva dos planos municipais e intermunicipais de
florestas e de gestão dos fogos, pela profissionalização de um corpo alargado
de pessoas e pelo enquadramento orgânico do voluntariado, bem como pela
informação segura e atempada ao comando por parte de quem conhece o terreno.
***
A estas
recomendações podem adicionar-se ou, ao menos, ter-se em conta as sugeridas (ora
sintetizadas), no ECO, por Pedro Braz Teixeira,
Licenciado em economia pela FEUNL (Faculdade
de Economia da Universidade Nova de Lisboa), onde foi assistente e fez uma pós-graduação em economia
internacional e outra em história do século XIX pela FCSH (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas) da UNL. Foi economista-chefe
do Banco Santander Totta e adjunto da ministra das Finanças, Dra. Manuela
Ferreira Leite. Atualmente é investigador no NECEP (Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa) da Católica
Lisbon School of Business and Economics e diretor do Gabinete de Estudos do Fórum
para a Competitividade. Tem tido colaboração regular na imprensa, com a
publicação de textos nos Diário Económico,
Diário de Notícias e Público, sendo atual colunista do Jornal de Negócios e do jornal I. Escreve regularmente em alguns
blogues e é presença ocasional na televisão na tvi24, rtp, sic Notícias e
Bloomberg.
Diz o especialista que é preciso:
- Identificar os
bur(r)ocratas, abolindo o
anonimato na administração pública e identificando publicamente os autores dos
erros mais clamorosos, para ver se haverá mais cuidado nas decisões. Assim, saberíamos
quem foram os que, por ação ou omissão, permitiram que o período oficial de
perigo de incêndio terminasse a 30 de Setembro, embora a maior parte da mancha florestal
estivesse em condição de seca severa ou extrema.
- Limpar os terrenos junto das
vias de comunicação, não valendo a
hipocrisia da responsabilidade da limpeza por parte dos donos dos terrenos, não
podendo o Estado demitir-se de urgir o cumprimento da lei. É preferível passar
para os municípios tal responsabilidade, sem prejuízo de poderem ser
ressarcidos, a posteriori, pelos
proprietários.
- Legislar sobre incendiários,
reconhecendo que a sua atividade é muito mais criminosa do que se supunha,
agravando as penas em conformidade. As mais de 100 mortes do ano obrigam.
- Repensar a avaliação
dos juízes que liberem incendiários confessos e
reincidentes, devendo ser escrutinados pela comunicação social, até sobre a
classificação obtida, e devendo o Conselho Superior de Magistratura ficar
ciente de que a população não aceita que tais juízes tenham notas elevadas, a
menos que o laxismo compactue com redes criminosas de fogo.
- Investigar as
indústrias do combate, nomeadamente as derivadas de associação criminosa por parte dos que ganham excessivo
dinheiro com o combate aos incêndios, sobretudo os que vendem equipamentos e
serviços, como fez Espanha.
- Expulsar os boys (incompetentes
que detêm o lugar pelo cartão partidário) da administração
pública, em especial da Proteção Civil, onde a sua presença é inadmissível, por
risco de vidas humanas.
- Profissionalizar
os bombeiros, pois, por
mais heroico que seja o trabalho de voluntários, é claro que o modelo de
Proteção Civil está esgotado e é essencial haver bombeiros profissionais
durante todo o ano, atuando na prevenção e conhecendo o terreno em detalhe.
- Preparar as
populações, não se
compreendendo a inexistência de planos de reação aos incêndios devidamente
transmitidos às populações, bem como verificar que os espaços junto das casas
estão limpos, que há água, etc.
- Avaliar os
prejuízos, com o
levantamento do seu impacto (imediato e futuro) no
turismo, agricultura, indústria e Estado, para a noção clara de quanto compensa
gastar para os evitar.
- Remunerar os
serviços ambientais da floresta, pois esta produz muitos serviços não remunerados: absorção de CO2,
biodiversidade, estabilização das temperaturas e da humidade, espaço de lazer,
etc. Sem remuneração, os proprietários não mantêm os espaços em condições,
dando azo ao abandono e ao crescimento dos matos, principal causa de propagação
dos fogos.
- Agregar a
propriedade, pois um dos
principais problemas de gestão da floresta é a excessiva fragmentação,
superando o meio milhão de proprietários. Os municípios deveriam poder agregar
pequenas parcelas em zonas contíguas e poder vendê-las a gestores
profissionais.
- Criar fundos florestais,
com capital inicial do Estado, mas abertos a subscrição pública, em que o
Estado tenderia para uma participação minoritária. A função destes fundos seria
a compra, agregação e gestão de pequenas propriedades florestais, que deviam
receber remuneração do Estado pelos serviços ambientais prestados e
certificados e os fundos deveriam ser admitidos à cotação na bolsa de Lisboa
como forma de facilitar a angariação de pequenos investidores. É importante a
concorrência entre estes fundos, que não devem ter especialização geográfica,
para estimular a inventividade, na escolha das espécies e sua combinação, na
gestão, na prevenção dos incêndios e na limpeza dos terrenos.
- E reorientar
apoios do combate para a prevenção, pois gasta-se muito no combate e pouco na prevenção, em ciclo vicioso:
quanto menos se gasta em prevenção, mais se gastará em combate. É preciso
inverter a situação, desenvolvendo mais criatividade na prevenção, por exemplo,
explorando as queimas controladas no inverno, para diminuir a carga combustível
no verão.
***
A demissão da Ministra não resolveu a questão de fundo, como não a resolveu
a demissão de responsáveis pela Proteção Civil ou do SEF. E não se espere que a
reforma da floresta esteja exclusiva ou predominantemente a cargo do Ministro
da Administração Interna, como já vi expresso na praça, a menos que se
reformule a lei orgânica do Governo. Os Ministros da Agricultura e Florestas (com a parte
de leão), do Ambiente e das Estruturas
terão papel decisivo.
2017.10.20 – Louro de Carvalho
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