segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Mudar de banco no crédito à habitação penaliza sujeitos passivos do IRS

As famílias que contraíram empréstimo bancário para compra de casa até ao final de 2011 ainda podem abater uma parcela dos juros no IRS, mas se, entretanto, transferirem o crédito para outro banco perdem o direito a essa dedução fiscal à coleta. Segundo a AT (Autoridade Tributária) – em resposta a pedido de informação vinculativa da parte dum contribuinte –, a transferência do crédito para outra entidade bancária “corresponde à celebração de novo contrato”.
Nestes termos, considera a AT:
A verificar-se, à data [presente] uma transferência do crédito à habitação para uma outra entidade bancária, o que mais não corresponde que à celebração de um novo contrato de crédito, não poderá o sujeito passivo beneficiar do disposto no artigo 78.º E [dedução de encargos com imóveis] do Código do IRS, uma vez que o mesmo ocorrerá em data posterior ao legalmente estabelecido para o efeito”.
A notícia foi avançada pelo Jornal de Notícias, referindo que este entendimento ajuda também a perceber por que motivo 2015 terá sido o ano em que o número de famílias que indicou ter despesas com a compra de casa na sua declaração do IRS foi mais baixo. Em 2008 foi de 1,1 milhões o número de agregados familiares que indicaram tal situação, número que baixou, em 2015 para apenas 1,07 milhões de agregados.
Segundo a predita publicação, a mudança do crédito entre bancos aumentou nos últimos anos, refletindo a dinâmica do mercado imobiliário – cenário que ganha força numa altura em que os bancos voltam a estar disponíveis para financiar a compra de casa. 
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Todos os anos a entrega da declaração de IRS implica rever as despesas do ano anterior, verificar as faturas e fazer contas sobre se haverá lugar a pagamento, reembolso ou impacto neutro em termos fiscais. Para que não se percam os benefícios fiscais referentes ao IRS de 2016, o Jornal Económico reuniu as principais categorias de despesas, mostrando quais as deduções e respetivos montantes. Assim:
No âmbito das Despesas Gerais Familiares, é dedutível 35% do valor das despesas de qualquer elemento do agregado familiar até 250 euros por sujeito passivo (500 euros por casal), incluindo-se nesta categoria, por exemplo, as despesas com supermercado, a conta da luz, água ou telefone.
Em relação às Despesas com a Saúde, é possível deduzir no IRS 15% das despesas de qualquer elemento do agregado familiar até ao limite de 1000 euros.
No quadro das Despesas com a Educação, é dedutível 30% das despesas com educação feitas por qualquer elemento do agregado familiar até 800 euros, mas apenas para as despesas isentas de IVA ou com IVA reduzido.
Isto sucede depois das mudanças registadas no Código do IRS. Neste quadro das mudanças, é de referir que a importância dos encargos com o empréstimo da casa em matéria de deduções à coleta do IRS sofreu um corte significativo a partir de 2012. Até esse ano, era possível abater 30% dos encargos com o crédito à habitação (na compra de uma casa própria e permanente) até ao limite de 591 euros, sendo este valor majorado em 10% quando o imóvel possui uma classificação energética das classes A ou A+.
O cerco a esta dedução deu-se com a chegada da Troika, em 2011, tendo sido esta uma das medidas delineadas no âmbito do programa de ajustamento financeiro a que Portugal teve de se submeter entre 2011 e 2014. Assim, o limite dedutível foi fortemente reduzido, passando a ser possível abater apenas uma parte dos juros (a amortização ficou fora da equação). Além disso, só os empréstimos contraídos até ao final de 2011 podem ainda ser usados para reduzir o imposto. Por isso, atualmente, é possível abater ao IRS 15% do montante gasto em juros com empréstimos para compra construção ou beneficiação de imóveis, até ao limite de 296 euros.
Com efeito, o n.º 1 do art.º 78.º E do CIRS estabelece:
À coleta do IRS devido pelos sujeitos passivos é dedutível um montante correspondente a 15 % do valor suportado por qualquer membro do agregado familiar:
(…)
b) Com juros de dívidas, por contratos celebrados até 31 de dezembro de 2011, contraídas com a aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente ou arrendamento devidamente comprovado para habitação permanente do arrendatário, até ao limite de € 296;
(…).”.
Em contrapartida, as rendas mantiveram um regime mais generoso, que atualmente está balizado nos 502 euros por agregado familiar. Esta solução deu resposta a duas das linhas de ação defendidas pela Troika: reduzir a fatia da despesa fiscal do Estado; e desincentivar a compra de casa própria para reduzir o endividamento das famílias, como escreve o referido Jornal Económico. Assim, a transferência do crédito à habitação, referente a casa adquirida até fins de 2011, para um banco que pode fazer um spread mais baixo, suportando todas as despesas da transferência, implica a perda da dedução dos juros que paga pela casa (15% até ao limite de 296 €, como foi dito acima).
Esta notícia, veiculada no passado dia 22 no JN, foi replicada pelo DN e pelo Dinheiro Vivo. E todos citam a resposta da AT a um contribuinte que pediu este esclarecimento, transcrita supra.
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Alguns contribuintes  ficaram surpreendidos com a notícia, até porque o novo ordenamento do IRS já vem de 2012 e ainda não se tinha levantado a questão, pelo menos em termos públicos. Afinal de contas – embora não se perceba porque é que quem comprou casa até 2011 tem direito à dedução de 15% dos juros que paga ao banco e quem comprou 1 dia depois já não tem direito – a casa, adquirida até 31 de dezembro de 2011, não mudou de dono por efeito da transferência do crédito à habitação. Ela só muda de dono se o atual a vender, caso em que se poderia compreender que fizesse sentido a perda da dedução, uma vez que uma pessoa adquiriu a casa depois da data de 31 de dezembro de 2011.
Aqui estamos a falar apenas do procedimento financeiro e não da mudança de proprietário. Se, por um lado, se percebe o ponto de vista da AT porque, ao transferir-se o Crédito à Habitação para outro banco, é necessária outra Escritura, também é verdade que, ao alterarem-se as condições  do crédito no âmbito do mesmo banco, também há novos instrumentos de entendimento, troca de correspondência, pedido, aceitação, atas... E ninguém entenderia, neste caso, a supressão da dedução. O mesmo se diga quando um banco deixa de existir por via do processo de fusão, resolução, nacionalização ou apenas mudança de proprietário privado. Não é como se a outra casa ficasse paga e agora fosse vendida a outra pessoa, pois a questão é que é da mesma pessoa que se trata. E não vende a casa a si própria; apenas faz novo contrato de pagamento com outra entidade. Ainda é a mesma casa que foi adquirida até final de 2011. O contribuinte sente-se confuso e como que dividido entre o que parece óbvio e a questão puramente legal. Embora haja de facto um novo contrato, é relativo à mesma casa e ao mesmo proprietário. A nova escritura é só para indicar o banco novo. O proprietário e o bem continuam os mesmos. E há modo fácil de a AT perceber que se trata da mesma casa comprada até 2011, quer pela apresentação de requerimento por parte do contribuinte, quer pela consulta da caderneta predial, onde está averbada a escritura pública (ou escrituras públicas) e, no caso do financiamento bancário a/s hipoteca/s.
Se o spread é baixo e o indexante (Euribor) é baixíssimo agora, nunca se sabe do futuro. É uma questão de princípio e os contribuintes já se calaram a muita coisa. Basta de sujeição ao jugo das leis e às habilidades de interpretação da AT! Leis restritivas devem ter interpretação restrita. Tanto assim é que os fiscalistas se dividem em relação à posição da AT…
2017.10.23 – Louro de Carvalho 

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