A
Comissão Técnica Independente (CTI) criada pela Assembleia da República (AR) apresentou no prazo previsto (tempo
escasso, pelos vistos)
ao Presidente daquele órgão de soberania o seu relatório de “Análise e apuramento dos factos relativos
aos incêndios que ocorreram em Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Ansião, Alvaiázere,
Figueiró dos Vinhos, Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e Sertã,
entre 17 e 24 de junho de 2017. E o Governo prometeu tirar da análise do
relatório todas as consequências políticas, para o que agendou um Conselho de
Ministros Extraordinário para o próximo dia 21 de outubro, tendo o
Primeiro-Ministro solicitado pormenores sobre algumas das principais
recomendações.
O
documento de 296 páginas, acessível no site da AR, sintetiza as causas do
flagelo dos incêndios florestais com as dimensões então ocorridas – e replicáveis
como se tem visto pelo que vem acontecendo (e o dia 15 de outubro é
exemplo flagrante) –
em três pontos: não consideração do conhecimento acumulado, pois todos
conhecemos o estado da floresta, razão de ser do estado a que ela chegou, modos
de reparar a situação e modos de lidar com a iminência de incêndio pela
prevenção e pelo combate; desrespeito pela qualificação, já que não se dispõe de
um centro único de coordenação que mobilize adequadamente os diversos saberes e
agentes (dotados
de suficiente formação académica, aplicação da metodologia e concreto
conhecimento do terreno),
vivendo-se demasiado de amadorismos e de planos que não saem do papel; e deficiência
ao nível da governação, sendo que “a autoridade florestal nacional mudou
seis vezes de figurino institucional nos últimos vinte anos” e, no interior da
autoridade florestal nacional, “a orgânica da gestão da defesa da floresta
contra incêndios passou, em poucos anos, de uma estrutura de topo da administração
pública, com um perfil de Direção-Geral, para um setor marginal, encaixado com
dificuldade numa Divisão de Serviços de uma entidade que aglomerou, por fusão,
funções originárias de diversos organismos”, com expressão territorial partilhada
com os municípios, mas sem que os seus pilares básicos fossem acompanhados “por
entidades com a mesma orientação e, se possível, com a mesma inserção
institucional”.
***
Depois,
dos diversos exercícios de análise das causas dos incêndios em referência,
atinentes aos fenómenos atmosféricos, à morfologia do terreno e à deficiência
de atuação dos atores no terreno e da mobilização de meios, a CTI, sem descer
ao campo da culpabilidade dolosa de alguém, faz propostas concretas que se
espera tenham acolhimento junto do Governo e da população, já que passam pela
alteração radical do sistema existente.
Dada
a extensão do relatório, elaborado sem qualquer tipo de pressões (como
refere o Presidente da CTI),
aceitam-se como boas as explicações dadas por João Guerreiro, o Presidente da CTI,
em entrevista publicada no Expresso do dia 14 a pgs 32 e 33.
Aceitando
que apenas em 3 dos 11 concelhos analisados se tenha feito a limpeza prevista
nos planos de defesa da floresta contra incêndio, ou seja, que a prevenção não
se faz e o combate falha, o antigo Reitor da Universidade do Algarve aponta a
falha da Proteção Civil:
“No incêndio de Pedrógão houve uma
conjugação de fatores: a prevenção era insuficiente e o ataque inicial não teve
capacidade para entender que se poderia gerar uma complicação como a que se
gerou. Deveriam ter sido dadas indicações para evacuar as aldeias ou para se
chamar mais forças e meios aéreos.”.
Assegurando
que, inicialmente o fogo fora bem atacado, “com bombeiros de três sítios, mas
sem meios suficientes, reconhece a falta de “discernimento para tomar outro
tipo de medidas”, embora se tenham verificado fenómenos estranhos como o downburst (o “colapso” da coluna de convecção, que originou a forte
corrente de ar descendente):
“Havia
um helicóptero em Pombal, a 41,7 quilómetros de Pedrógão, que não foi acionado
por se levarem ao limite as regras que ditam deslocações de 40 km. E a partir
de determinado momento tornou-se impossível controlar o fogo, porque se tornou
brutal e houve fenómenos estranhos como o downburst,
que só se conhecia na literatura científica.”.
Quanto
às causas daqueles incêndios e das suas consequências trágicas, assinala a conjugação
de causas naturais e de causas humanas:
“Houve
falhas humanas e fenómenos naturais que aproveitaram essas falhas e agravaram a
situação. Entre as oito e as nove da noite houve uma brutalidade de área
ardida. E as mortes acontecem dentro deste período.”.
À questão de a Proteção
Civil, sabendo da previsão de
risco elevado de incêndio naqueles dias, nada ter feito para antecipar a fase
Charlie e de eventualmente isso ter sido por incompetência dos comandos,
responde:
“A
antecipação da fase Charlie podia ter sido feita. A falta de discernimento tem
que ver com a falta de capacidade e de competências da Autoridade Nacional de
Proteção Civil (ANPC). O relatório defende que a gestão do fogo, a meteorologia
aplicada e o ordenamento florestal têm de ter peritos especializados. Não é uma
brincadeira de crianças. Há conhecimento acumulado e formas de ataque bens
estruturadas, mas tem havido um divórcio entre os centros de conhecimento e a
atuação das forças no terreno. E propomos essa fusão.”.
Deve,
pois, registar-se a proposta de fusão dos centros de conhecimento com a atuação
das forças no terreno! Resta saber como isto se faz e que mais se deve fazer.
***
O Professor desvaloriza o facto de o Governo se ter antecipado ao afastar
pessoas da Proteção Civil com o argumento da obtenção de licenciaturas com
equivalências, sendo que o mais relevante seria o conhecimento do fogo e da metodologia
a aplicar:
“O
problema é que, além do grau académico com equivalências duvidosas, deviam ter
conhecimento sobre fogo e a metodologia aplicada”.
Interpelado se está em causa a formação
das pessoas ou a própria arquitetura da Proteção Civil,
responde que o que está em causa é o próprio modelo de Proteção Civil:
“Está
em causa o esgotamento deste modelo de Proteção Civil. Tem de haver outro tipo
de intervenção, sempre com forças profissionais e com conhecimento. Por isso,
propomos que se crie uma agência de gestão integrada do fogo, que reúna
técnicos e conhecimento adequados para acompanhar as operações. Em Espanha,
quando há um incêndio, o diretor é um engenheiro florestal que vive na zona
afetada e sabe o que deve fazer. Cá, os bombeiros desconhecem o que foi feito
no inverno e é muito difícil estabelecer prioridades.”.
Sem ter
de se anular o que existe, sustenta que “é preciso fazer evoluir o que há e
acrescentar conhecimento ao que existe”, incluindo o acrescentar de “técnicos
que não tenham iniciativas cegas”. Embora admita que “o esquema montado há dez
anos” tenha tido o seu sentido, contrapõe que “agora está esgotado”. E a
Comissão critica “a substituição de pessoas por ciclos políticos, característica
em Portugal, e propõe “uma escolha com base em concursos públicos”.
O
entrevistado não tem dúvida quanto ao número exato de vítimas mortais, sendo
que 65.ª, que morreu por atropelamento, consta do relatório “com a indicação
que está em investigação”. Mais confessa que “o que nos orientou na procura da
verdade dos acontecimentos foi o facto de estarmos diante de uma catástrofe com
64 vítimas”, pelo que “sugerimos à administração soluções para que situações
como esta não se repitam”. Mas, como se vê, repetem-se!
Em
suma, o que a Comissão propõe é simples: uma agência que articule a prevenção e o combate,
sob um comando único que fique na dependência da Presidência do Conselho de
Ministros. Na verdade, não podemos ter agentes que só se dediquem à
prevenção e outros só ao combate – uns que se dedicam à proteção de pessoas e
bens e outros que se dedicam à proteção da floresta. Mais os agentes têm de ser
profissionais – com conhecimento académico e conhecimento do terreno, do fogo e
da metodologia aplicada.
É
fácil criar a dita agência: um decreto-lei é suficiente. Mas demora mais estruturá-la
e dotá-la de pessoas competentes (por concurso público). Após o que se passou e
atendendo ao que se passa na zona mediterrânica no atinente aos incêndios,
seria frustrante que ela não estivesse pronta para atuar em pleno já no próximo
ano. Há ciência sobre fogo e floresta. É preciso utilizá-la!
É
óbvio que, entre as 15 e 17 horas do dia 17 de junho, deviam ter sido tomadas
decisões que não o foram, mas não se pode concluir taxativamente que “teriam
evitado as mortes”. Segundo outro técnico, qualquer sistema pode colapsar momentaneamente.
***
O
professor não atribui tanta importância ao SIRESP, embora assegure que também
este modelo tem de ser superado, mas acusa a falha de quem não sabe lidar com o
sistema. E outra medida que entende dever ser tomada é a da sensibilização à população
em termos de permanência – o que não tem sido feito – e a prestação de informações
por todos os meios disponíveis sobre o que deve ser feito aqui e agora. E isso
não tem sido feito. As pessoas não sabem como agir neste ou naquele momento.
Por
outro lado, a Escola Nacional de Bombeiros tem de estar integrada no sistema educativo
nacional na componente profissional, esperando-se dela “muito mais do que
aquilo que ela desenvolve”. E os fogos devem ser combatidos preferencialmente
por profissionais com competências académicas e de conhecimento do terreno,
inclusive sabendo como ali foi feita a prevenção. E devem manter-se permanentemente,
no terreno, postos e agentes de vigilância com meios para uma primeira intervenção
rápida ao primeiro sinal de alarme.
Reconhecendo
que também as empresas ligadas à gestão de estradas e florestas não têm
cumprido as suas obrigações nesta matéria, o Professor defende, por um lado, a
afetação de meios públicos a valorização das forças armadas nesta componente da
proteção do território e, por outro, critica a corrida do Presidente da República,
do Primeiro-Ministro e Ministros aos postos de comando (que
precisam de agir de cabeça fria),
ação que só atrapalha não trazendo qualquer mais-valia. Ir ao terreno não
implica importunar o comando!
***
Em
última análise, sem descurar a responsabilidade técnica dos vários comandos e
agentes, o relatório, assesta as baterias em direção ao Estado (responsável
por tudo), scilicet, Governo e altos escalões da Administração
Pública e a todos nós. Um sistema consolidado nos últimos anos não funciona; os
planos de floresta municipais ficam na gaveta; os engenheiros florestais municipais
não comunicam entre si; há árvores em cima e ao redor das casas e estradas; não
há recurso à sensibilização generalizada e pontual da população; a Proteção
Civil não sabe antecipar o que acontece nem sabe pré-posicionar elementos
humanos e a ativar postos de vigia; os comandos não têm conhecimento do terreno
e capacidade de decisão; e a floresta não é descontinuada, reordenada,
resselecionada, servida de aceiros, charcas, campos de cultivo de cereais,
limpeza e devastação. Há
muito que fazer e muito que investir.
Não sei se as demissões são suficientes, sem se apurarem os responsáveis,
licenciados ou não. Estão feitos os discursos e os estudos. Como diz o Arcebispo
de Braga, Basta de palavras; são precisos atos! Até quando teremos de esperar, Costa?
2017.10.16 – Louro de Carvalho
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