quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Da “Operação Marquês” já resultou a acusação formal. E agora?

Finalmente, uma investigação de mais de quatro anos resultou em acusação formal de crimes a 28 arguidos, número em que se incluem 9 empresas. Além de um ex-Primeiro-Ministro, contam-se outras grandes figuras públicas e empresariais (alguns foram condecorados por um Presidente da República), incluindo um ex-ministro.   
Os números falam por si. São ao todo 187 crimes o objeto da acusação na “Operação Marquês”. Mas podem surgir mais acusados, pois o Ministério Público (MP) decidiu extrair 15 certidões para “posterior investigação em processo autónomo”, o que poderá resultar em mais 15 processos. E 4.083 é o número de páginas que integram o despacho final citado pelo MP no comunicado enviado às redações hoje, dia 11 de outubro.
O ex-Primeiro-Ministro José Sócrates é acusado de 31 crimes, enquanto o ex-banqueiro Ricardo Salgado foi alvo de 21 acusações e o antigo presidente da PT, Zeinal Bava, tem 5 acusações. José Sócrates terá acumulado 24 milhões de euros na Suíça, entre 2006 e 2009.
Entre as acusações a Sócrates estão três crimes de corrupção passiva, 16 de branqueamento de capitais, nove por falsificação de documento e três por fraude fiscal qualificada. Porém, o arguido contra o qual recai a acusação do maior número de crimes é o seu amigo, o empresário Carlos Santos Silva, que vai acusado de 33 crimes, entre os quais 17 de branqueamento de capitais e dez de falsificação de documento.
E, além das penas que o Tribunal possa decretar em razão dos crimes, o MP, que atua em defesa do Estado, entra também com o pedido de indemnização cível no valor de 58 milhões de euros aos arguidos. Com efeito, o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) acusa os arguidos de causarem ao Estado, de forma ilícita, uma grave lesão, através da frustração da arrecadação devida em sede de IRS e IRC. Só Sócrates e Santos Silva deverão pagar 19,5 milhões, de forma solidária. Já Ricardo Salgado e Henrique Granadeiro deverão ser condenados a pagar solidariamente mais de 4,7 milhões de euros. Granadeiro terá ainda de pagar 11,6 milhões, segundo a acusação. Zeinal Bava deverá pagar, segundo o entendimento do MP, 16,7 milhões de euros. Para Helder Bataglia e Ricardo Salgado é pedida a condenação ao pagamento de quase 1,5 milhões e a Carlos Santos Silva exige-se que indemnize o Estado em mais de 1,5 milhões. O MP pede ainda a condenação de Armando Vara ao pagamento de quase 1,5 milhões de euros e que sejam declarados perdidos a favor do Estado vários saldos de contas bancárias e imóveis, contas essas em nome de Carlos Santos Silva, Gonçalo Trindade Ferreira, Armando Vara, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.
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A partir daqui, o cinema segue, com os devidos intervalos para descanso, conforme era esperado: o DCIAP tenta segurar a validade da acusação; a Defesa tenta destruí-la; e os titulares dos altos cargos políticos esperam que a justiça desempenhe o seu papel e no seu tempo.
Rosário Teixeira, o responsável pela acusação na “Operação Marquês”, diz que o DCIAP está confiante quanto à solidez da acusação, “senão não teria sido deduzida”. Assim, de acordo com a posição do procurador, José Sócrates, Ricardo Salgado e Zeinal Bava terão agora que enfrentar o julgamento. Esquece a possibilidade da fase de instrução, que pode ditar a não pronúncia. Questionado acerca do possível impacto das críticas dos advogados, acrescenta que “isso está resolvido processualmente, não é uma questão”. Quanto aos prazos, comenta apenas que “acabou quando acabou”, negando qualquer constrangimento ao tentar cumprir os prazos definidos pela PGR.
Também o diretor do DCIAP, Amadeu Guerra, afirmou que “cumprimos a nossa função” e que dentro do DCIAP “todos estamos de consciência tranquila, claro”, recusando-se a prestar mais declarações.
Segundo a lei (o Código de Processo Penal), os arguidos têm 20 dias úteis para requerer a instrução, a partir da notificação do último de todos os arguidos, mas, nos casos de especial complexidade, esse prazo pode ir até aos 50 dias. Assim, as defesas dos 28 arguidos da Operação Marquês – entre eles, José Sócrates – têm agora 50 dias (20+30) para pedir a abertura de instrução. 
A fase de instrução consiste num pedido feito pelas defesas dos arguidos, ou assistentes no processo, após a dedução de acusação ou de arquivamento se, do decurso do inquérito e da instrução resultarem indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão ou não do arguido a julgamento.
O Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) admite que o prazo de 50 dias que, no limite, a defesa de José Sócrates e restantes arguidos têm para requerer a abertura de instrução “poderá não ser suficiente” para analisar as cerca de 4 mil páginas do despacho de acusação. Ainda assim, António Ventinhas lembra que “há muito tempo” que os advogados de defesa “vão tendo acesso ao processo”.
O pedido será analisado pelo juiz de instrução que, neste caso concreto, poderá ser Carlos Alexandre, que até aqui esteve com o processo. Porém, segundo a lei, o magistrado judicial que ficará com a fase da instrução será nomeado por sorteio. Sendo que, no DCIAP, onde decorre o processo, apenas existem dois magistrados judiciais, Carlos Alexandre e Ivo Rosa, pelo que será um destes dois magistrados que decidirá se haverá pronúncia (em que os arguidos irão a julgamento) ou não pronúncia (em que estarão livres do julgamento).
E, nesta fase de instrução, não podem ser chamadas mais de 20 testemunhas, segundo o que está previsto no Código de Processo Penal.
Em comunicado enviado à agência Lusa, os advogados João Araújo e Pedro Delille anunciam que “irão examinar detalhadamente o despacho e todos os elementos do processo e irão usar todos os meios do direito para derrotar, em todos os terrenos, essa acusação infundada, insensata e insubsistente”. E argumentam:
   A um primeiro relance, trata-se de um romance, de um manifesto, vazio de factos e de provas, pois não pode ser provado o que nunca aconteceu. Trata-se de retomar e desenvolver os mesmos temas numa iniciativa de grande espetáculo.”.
   Os advogados reiteram que a acusação surge depois de “largamente ultrapassados todos os prazos da lei” e é “visivelmente, destinada a reanimar, a alimentar e a expandir a suspeição lançada sobre a pessoa e a ação de um ex-Primeiro-Ministro e do seu Governo”. Sustentam que mantiveram, ao longo do processo, mesmo face ao “enorme e injusto sacrifício pessoal do seu constituinte, absoluta confiança no direito, mesmo quando os que o deviam guardar e acatar o violaram grosseiramente”. Garantem ser neste quadro que irão continuar, “com rigor e exigência”, a fazer a defesa do antigo líder do PS. E observam que, com “esta acusação, cessam os poderes de direção do processo pelo Ministério Público, que ficará sujeito ao controlo jurisdicional por juiz competente, isento e imparcial”.
São estas as ideias que forneceram à Comunicação Social e que, na substância, confirmaram em conferência de imprensa.
O Presidente da República recusou fazer qualquer consideração quando hoje foi questionado pelos jornalistas acerca da acusação do processo “Operação Marquês”, que aponta 31 crimes ao antigo Primeiro-Ministro José Sócrates. Apenas adiantou apenas que “é bom tudo o que seja a Justiça a acelerar e a converter em prazos mais curtos aquilo que temos a noção que é muito longo”. E remeteu estas questões para o discurso que levou ao 5 de outubro, escusando-se a comentar em concreto este caso da justiça.
O Governo, pela voz do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, defende que “era essencial” que a acusação decorresse “no lugar próprio”, como acontece “num Estado de direito”, e não primeiro na comunicação social.
Confrontado com o facto de José Sócrates, um dos 28 acusados na “Operação Marquês”, estar acusado de um total de 31 crimes e de ter recebido 24 milhões de euros em luvas, o governante socialista, que foi Ministro de Sócrates, disse ver “com muita tranquilidade” a acusação: 
O que era essencial era que a acusação se fizesse no lugar próprio e através dos órgãos próprios, não nos jornais, nas televisões ou nas rádios, não através de fugas de informação, mas que se conhecesse qual é a acusação, os factos em que se fundamenta para também conhecermos qual é a defesa e depois o tribunal julgará. É assim que acontece num Estado de direito.”.
À margem da visita dos reis holandeses à Universidade de Lisboa, no quadro da visita oficial de três dias a Portugal, Santos Silva, que foi Ministro da Defesa e dos Assuntos Parlamentares nos dois governos liderados por José Sócrates, esclareceu que, “como amigo” do antigo Primeiro-Ministro, aguarda “com toda a serenidade, quer o texto da acusação”, que ainda desconhecia, “quer a defesa, porque é isso que faz funcionar o Estado de direito: que as pessoas sejam acusadas nos lugares próprios e que se possam defender”. Mas, questionado se a acusação foi demorada, apenas respondeu: “Como ministro dos Negócios Estrangeiros, não tenho mais nada a dizer”.
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De momento, aguarda-se a batalha jurídica pela punição dos crimes, se forem suficientemente provados, e consequente indemnização pelos danos causados ao Estado e a outras entidades que se julguem efetivamente lesadas ou pela absolvição dos arguidos. Espera-se que se faça justiça e que nada fique em águas de bacalhau ou, como agora passa a dizer-se, o complexo caso espetacular não venha a resumir-se num “erro de perceção mútuo”.
Se o sistema judiciário está vitorioso por ter encurralado altas e poderosas figuras, veremos se a Justiça também triunfará pelo bem comum e pela dignidade das pessoas e das instituições.
Ressalve-se que, apesar de os 28 arguidos, em especial Sócrates, já estarem condenados e “recondenados” pela opinião pública, são presumivelmente inocentes até eventual decisão condenatória transitada em julgado. Por isso, aguardemos com estoica paciência democrática.
2017.10.11 – Louro de Carvalho

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