domingo, 30 de abril de 2017

A dimensão pascal do discurso de Francisco no Egito, a mãe do Universo

Esta dimensão é explícita na visita de cortesia ao Papa Twadros II, na homilia da missa no Estádio Aeronáutica Militar, no Cairo, e no encontro de oração com os sacerdotes, religiosos e seminaristas, no Seminário Patriarcal em Maadi, no Cairo. Mas todas as comunicações de Francisco, com exceção do discurso a Twadros II, se iniciaram com a saudação pascal de Jesus Ressuscitado: “Al Salamò Alaikum! – A paz esteja convosco (Lc 24,36; Jo 20,19.26).
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Na visita a Twadros II, o Papa saudando “Al Massih kam, bilhakika kam!” (O Senhor ressuscitou; ressuscitou verdadeiramente), evoca a recente ocorrência da solenidade da Páscoa, este ano celebrada no mesmo dia, o que propicia o ensejo da proclamação uníssona do “anúncio da Ressurreição”, revivendo “a experiência dos primeiros discípulos”, que “se encheram de alegria por verem o Senhor” (Jo 20,20) – alegria pascal “enriquecida pelo dom de adorarmos, juntos, o Ressuscitado na oração e por trocarmos novamente, em seu nome, o ósculo santo e o abraço de paz”.
No comum reconhecimento de que Cristo é “perfeito Deus”, quanto à divindade, e “perfeito homem”, quanto à humanidade e na confissão da fé em “Nosso Senhor e Deus e Salvador e Rei de todos nós, Jesus Cristo”, nós professamos que pertencemos a Jesus e que Ele é o nosso tudo”.
Compreendendo que, “sendo seus, já não podemos pensar em avançar cada um pela sua estrada, porque trairíamos a sua vontade”, que os seus “sejam todos um só (...), para que o mundo creia” (Jo 17,21), não podemos esconder-nos em desculpas de divergências de interpretação, nem em séculos de história e tradições que nos tornaram estranhos. Com efeito, “a nossa comunhão no único Senhor Jesus Cristo, no único Espírito Santo e no único Batismo já representa uma realidade profunda e essencial”. Assim, há não só um ecumenismo de gestos, palavras e compromisso, “mas uma comunhão já efetiva, que cresce dia a dia no relacionamento vivo com o Senhor Jesus”, enraizada na fé professada e fundada no Batismo, que nos tornou n’Ele “novas criaturas” e de que “havemos de partir sempre de novo, para apressar o dia tão desejado em que estaremos em comunhão plena e visível no altar do Senhor”.
Por consequência, juntos,
“Somos chamados a testemunhá-Lo, a levar ao mundo a nossa fé, antes de tudo segundo o modo que é próprio da fé: vivendo-a, porque a presença de Jesus transmite-se com a vida e fala a linguagem do amor gratuito e concreto”.
Depois, o Papa aponta a caridade fraterna e comunhão de missão como o núcleo do que nos confia a Palavra divina e marca as nossas origens – “as sementes do Evangelho”, que na alegria continuamos a regar e, com a ajuda de Deus, a fazer crescer juntos (cf 1Cor 3,6-7). E, assim, a maturação do caminho ecuménico é sustentada, de modo misterioso, também por um verdadeiro e próprio ecumenismo do sangue nesta terra, pois, desde os primeiros séculos do cristianismo, muitíssimos mártires “viveram a fé heroicamente e até ao extremo, preferindo derramar o sangue a negar o Senhor e ceder às adulações do mal ou mesmo só à tentação de responder ao mal com o mal”. E, ainda há pouco, “o sangue inocente de fiéis inermes foi cruelmente derramado”. É sangue inocente que nos une, pois, “assim como é única a Jerusalém celeste, assim também é único o nosso martirológio”. Por isso, trabalharemos “por nos opor à violência, pregando e semeando o bem”, fazendo pela concórdia e unidade e rezando a fim de que “tantos sacrifícios abram o caminho para um futuro de plena comunhão entre nós e de paz para todos”.
Mas, para Francisco a história de santidade do Egito não é peculiar só no martírio, mas também no monaquismo como impulso à vivência cristã, atestando a fecundidade espiritual do Egito:
“Logo que terminaram as perseguições antigas, surgiu uma forma nova de vida que, doada ao Senhor, nada retinha para si: no deserto, começou o monaquismo. Assim, aos grandes sinais que antigamente Deus realizara no Egito e no Mar Vermelho (cf Sl 106/105,21-22), seguiu-se o prodígio duma vida nova, que fez o deserto florir de santidade. Com veneração por este património comum, vim como peregrino a esta terra, onde o próprio Senhor gosta de vir: aqui, glorioso, desceu sobre o Monte Sinai (cf Ex 24,16); aqui, humilde, encontrou refúgio quando era criança (cf Mt 2,14).”
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Na homilia da missa, o Pontífice comentou o Evangelho do itinerário dos discípulos de Emaús que deixaram Jerusalém (Lc 24,13-35), em torno de três palavras: morte, ressurreição e vida.
- Morte. Os discípulos voltam à vida quotidiana desiludidos: porque o Mestre morreu, é inútil esperar. Agora, o caminho “é um voltar atrás”, afastando-se da “experiência dolorosa do Crucificado”. A Cruz “parece ter sepultado todas as suas esperanças”. E o Papa exclama:
“Quantas vezes o homem se autoparalisa, recusando-se a superar a sua ideia de Deus, um deus criado à imagem e semelhança do homem! Quantas vezes se desespera, recusando-se a crer que a omnipotência de Deus não é omnipotência de força, de autoridade, mas é apenas omnipotência de amor, de perdão e de vida!”.
Mas o Pontífice adverte que estes discípulos reconheceram Jesus no ato de “partir o pão” (Lc 24,35), na Eucaristia, e que nós, “se não deixarmos romper o véu que ofusca os nossos olhos” pelos preconceitos e pelo endurecimento do coração, nunca reconheceremos “o rosto de Deus”.
- Ressurreição. No mais escuro da noite do “desespero mais desconcertante”, Jesus aproxima-Se e caminha pela estrada dos discípulos, “para que possam descobrir que Ele é o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6); “transforma o seu desespero em vida, porque, quando desaparece a esperança humana, começa a brilhar a divina”, pois, “quando o homem toca o fundo do fracasso e da incapacidade, quando se despoja da ilusão de ser o melhor”, Deus vem estender-lhe “a mão para transformar a sua noite em alvorada, a sua tristeza em alegria, a sua morte em ressurreição”. É o “regresso à vida e à vitória da Cruz” (cf Heb 11,34). Assim, “depois de terem encontrado o Ressuscitado, os dois discípulos retornam cheios de alegria, confiança e entusiasmo, prontos a dar testemunho”.
- Vida. Com efeito “o encontro com Jesus ressuscitado transformou a vida daqueles dois discípulos, porque encontrar o Ressuscitado transforma toda a vida e torna fecunda qualquer esterilidade”. E o Papa, apoiado na palavra de Paulo (1Cor 15,14) – “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a nossa fé” – adverte que “a Ressurreição não é uma fé nascida na Igreja, mas foi a Igreja que nasceu da fé na Ressurreição”. De facto, ensina o Papa:
“O Ressuscitado desaparece da vista deles para nos ensinar que não podemos reter Jesus na sua visibilidade histórica: ‘Felizes os que creem sem terem visto!’ (Jo 21,29; cf 20, 17). A Igreja deve saber e acreditar que Ele está vivo com ela e vivifica-a na Eucaristia, na Sagrada Escritura e nos Sacramentos. Os discípulos de Emaús compreenderam isto e voltaram a Jerusalém para partilhar com os outros a sua experiência: ‘Vimos o Senhor... Sim, verdadeiramente ressuscitou!’ (cf Lc 24,32).”.
Com os discípulos de Emaús aprendemos que “não vale a pena encher os lugares de culto, se os nossos corações estiverem vazios do temor de Deus e da sua presença” e “não vale a pena rezar, se a nossa oração dirigida a Deus não se transformar em amor dirigido ao irmão”, pois Deus “detesta a hipocrisia” (cf Lc 11,37-54; At 5,3.4). Para Ele, “é melhor não acreditar do que ser um falso crente, um hipócrita”.
E, nas palavras de Francisco a fé tem consequências: torna-nos mais caridosos, misericordiosos, honestos e humanos; anima-nos os corações levando-nos “a amar a todos gratuitamente, sem distinção nem preferências”; leva-nos “a ver no outro, não um inimigo a vencer, mas um irmão a amar, servir e ajudar”; induz-nos “a espalhar, defender e viver a cultura do encontro, do diálogo, do respeito e da fraternidade”; incita à “coragem de perdoar a quem nos ofende, a dar a mão a quem caiu, a vestir o nu, a alimentar o faminto, a visitar o preso, a ajudar o órfão, a dar de beber ao sedento, a socorrer o idoso e o necessitado (cf Mt 25,31-45). Por conseguinte:
“A verdadeira fé é a que nos leva a proteger os direitos dos outros, com a mesma força e o mesmo entusiasmo com que defendemos os nossos. Na realidade, quanto mais se cresce na fé e no seu conhecimento, tanto mais se cresce na humildade e na consciência de ser pequeno.”
Por fim, vem o apelo à coerência de vida com o Evangelho e as necessidades do mundo:
“Como os discípulos de Emaús, voltai à vossa Jerusalém, isto é, à vossa vida diária, às vossas famílias, ao vosso trabalho e à vossa amada pátria, cheios de alegria, coragem e fé. Não tenhais medo de abrir o vosso coração à luz do Ressuscitado e deixai que Ele transforme a vossa incerteza em força positiva para vós e para os outros. Não tenhais medo de amar a todos, amigos e inimigos, porque, no amor vivido, está a força e o tesouro do crente.”.
E o vibrante e consolador anúncio pascal:
    Al Massih kam; bilhakika kam (Cristo ressuscitou; ressuscitou verdadeiramente)!
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O predito encontro de oração começa com um genuíno pregão pascal: Este é o dia que o Senhor fez, alegremo-nos n’Ele! Cristo venceu a morte para sempre, alegremo-nos n’Ele!
A seguir, Francisco saúda, através dos presentes, “o pequeno rebanho católico no Egito – o ‘fermento’ que Deus prepara para esta terra abençoada, para que, juntamente com os nossos irmãos ortodoxos, cresça nela o seu Reino (cf Mt 13,33).
Agradecendo o testemunho e o bem que fazem “trabalhando no meio de muitos desafios” e “poucas consolações”, encoraja-os a não temerem “o peso do dia a dia” e “as circunstâncias difíceis” que alguns têm de atravessar. Com efeito, “veneramos a Santa Cruz, instrumento e sinal da nossa salvação” e sabemos que “quem escapa da cruz, escapa da Ressurreição”. Porém, o “pequenino rebanho” não teme, porque aprouve ao Pai “dar-lhe o Reino” (cf Lc 12,32).
E trata-se de este pequenino rebanho “crer, testemunhar a verdade, semear e cultivar sem esperar pela colheita”, pois “nós recolhemos os frutos de muitos outros” que “generosamente trabalharam na vinha do Senhor”. Diz-lhes o Papa: ‘A vossa história está cheia deles’! E pede:
“No meio de muitos motivos de desânimo e por entre tantos profetas de destruição e condenação, no meio de numerosas vozes negativas e desesperadas, sede uma força positiva, sede luz e sal desta sociedade; sede a locomotiva que faz o comboio avançar para a meta; sede semeadores de esperança, construtores de pontes, obreiros de diálogo e de concórdia”.
No entanto, alerta para as tentações que podem assolar a vida dos trabalhadores do Reino, enunciadas pelos Padres do Deserto e que Francisco sintetiza em sete tentações:
- 1. Deixar-se arrastar e não guiar. Se “o bom pastor tem o dever de guiar o rebanho” (cf Jo 10,3-4) e de o levar a pastagens verdejantes até à nascente das águas (cf Sl 23/22,2), “não pode deixar-se arrastar pelo desânimo e o pessimismo”. Ao invés, “aparece sempre cheio de iniciativas e de criatividade”, como fonte que “jorra mesmo quando vem a seca” e “sempre oferece a carícia da consolação”, qual “pai quando os filhos o tratam com gratidão, mas sobretudo quando não lhe são agradecidos” – sendo que fidelidade ao Senhor não deve depender da gratidão humana.
- 2. Lamentar-se continuamente. Embora seja fácil acusar os outros (“as faltas dos superiores, as condições eclesiais ou sociais, as escassas possibilidades…”), deve considerar-se que o consagrado “é alguém que, pela unção do Espírito Santo, transforma cada obstáculo em oportunidade” e “quem se lamenta sempre é uma pessoa que não quer trabalhar”. Por isso, o Senhor diz:
Levantai as vossas mãos fatigadas e os vossos joelhos enfraquecidos” (Heb 12,12; cf Is 35,3).
- 3. A crítica e a inveja. Diz o Papa que o perigo é sério, quando o consagrado, “em vez de ajudar os pequenos a crescer e alegrar-se com os sucessos dos irmãos”, se deixa dominar pela inveja “tornando-se numa pessoa que fere os outros com a crítica”; se contra o seu esforço por crescer, começa a destruir os que estão a crescer; e, se, em vez de seguir os bons exemplos, os julga e diminui o seu valor. De facto, a inveja é o cancro que arruína qualquer corpo em pouco tempo. E Francisco adverte que não esqueçamos que “por inveja do diabo é que a morte entrou no mundo” (Sab 2,24) e que “a crítica é o seu instrumento e a sua arma”.
- 4. Comparar-se com os outros. Residindo a riqueza “na diferença e na unicidade de cada um”, a comparação com os que estão melhor pode levar-nos ao rancor; e a comparação com os que estão pior pode levar-nos à soberba e à preguiça. A tendência “a comparar-se com os outros” acaba por levar à paralisação. Por isso, devemos aprender de Pedro e de Paulo “a viver a diferença dos carateres, dos carismas e das opiniões na escuta e docilidade ao Espírito Santo”.
- 5. O ‘faraonismo’. “Endurecer o coração e fechá-lo ao Senhor e aos irmãos” faz-nos sentir acima dos outros e submetê-los por vanglória; e leva à “presunção de ser servido em vez de servir”. Trata-se de uma tentação comum. Logo no início, os discípulos, “no caminho, tinham discutido uns com os outros, sobre qual deles era o maior” (Mc 9,34). Ora o remédio é: “Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último de todos e o servo de todos” (Mc 9,35).
- 6. O individualismo. “É a tentação dos egoístas que, ao caminharem, perdem a noção do objetivo e, em vez de pensarem nos outros, pensam em si mesmos”. Sendo a Igreja “a comunidade dos fiéis, o corpo de Cristo, onde a salvação de um membro está ligada à santidade de todos (cf 1Cor 12, 12-27; LG,7), “o individualista é motivo de escândalo e conflitualidade”.
- 7. Caminhar sem bússola nem objetivo. O consagrado perde a identidade e começa a “não ser carne nem peixe”. Reparte o coração entre Deus e a mundanidade. E, caminhando sem rumo, ao invés de guiar os outros, dispersa-os. Ora, a identidade dos filhos da Igreja é sentirem-se radicados nas suas raízes nobres e antigas, sentirem-se “católicos”, ou seja parte da Igreja una e universal: “árvore que quanto mais enraizada está na terra tanto mais alta se eleva no céu”.
Consciente de que “não é fácil resistir a estas tentações, mas possível, se estivermos enxertados em Jesus”, o Papa utiliza as palavras apelativas de Cristo:
“Permanecei em Mim, que Eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em Mim (Jo 15,4).”.
Justificando:
“Quanto mais enraizados estivermos em Cristo, tanto mais vivos e fecundos seremos. Só assim pode a pessoa consagrada conservar a capacidade de maravilhar-se, a paixão do primeiro encontro, o fascínio e a gratidão na sua vida com Deus e na sua missão. Da qualidade da nossa vida espiritual depende a da nossa consagração.”.
E, recordando o contributo do Egito “para enriquecer a Igreja com o tesouro inestimável da vida monástica” exorta “a beber do exemplo de São Paulo o Eremita, de Santo Antão, dos Santos Padres do deserto, dos numerosos monges que abriram, com a sua vida e o seu exemplo, as portas do céu a muitos irmãos e irmãs”. Assim, assegura que, a exemplo destes:
“Vós podereis ser luz e sal, isto é, motivo de salvação para vós próprios e para todos os outros, crentes e não crentes, e de modo especial para os últimos, os necessitados, os abandonados e os descartados”.
E termina com o pregão pascal: “Este é o dia que o Senhor fez, alegremo-nos n’Ele!”.
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É claro que o Papa prega no horizonte do Evangelho da Páscoa e com os olhos postos na realidade local. Porém, as advertências e os incitamentos valem para todo o Orbe e muito para a Europa cansada e de mentes anquilosadas, mas ansiosa de Páscoa. Pela força da vida lá iremos!

2017.04.30 – Louro de Carvalho  

sábado, 29 de abril de 2017

Não para a praga incendiária nem a onda terrorista e a guerra ameaça

Que mundo! Já não sei dizer se a situação que se vive no mundo é aguda a alastrar ou se é crónica com laivos de agudeza. Por isso, resta o estilo da prece, da educação e do diálogo.
A comunicação social, embora de forma tímida, acaba por assentar em que não há memória de tantos fogos ocorridos entre os meses de janeiro e de abril, fora da época de maior risco. E, segundo o JN, já a GNR deteve pelo crime de incêndio, nos primeiros quatro meses deste ano, 9 homens, com idades entre os 30 e os 65 anos – o que representa mais de um terço dos suspeitos presos em todo o ano de 2016. As chamas destruíram cerca de 11 mil hectares de espaços florestais e 2017 ficará na história pelos piores motivos: os incêndios florestais fora da época de risco. Se assim é fora de época, o prenúncio para dentro da época não pode ser otimista. E avizinha-se o espetáculo do ar pesado, do fumo e céu toldado e das labaredas. Esperamos que não haja óbitos, feridos graves, desalojados e evacuados. Mas a prevenção com base no ordenamento florestal tarda enquanto o país se prepara para arder; e a mobilização de meios sacrifica bombeiros, põe em acelerado rodopio a proteção civil e engorda as empresas de fornecimento, distribuição e manutenção de equipamentos. E, depois, vêm as notícias de que o espetáculo é semelhante em muitos recantos do planeta.
Não se faz política da terra queimada, mas parece que a política assiste impávida ou impotente ao espetáculo da queima da terra! Ou assobia para o lado e empurra a barriga para a frente…
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Também as notícias registam o facto de, segundo fontes policiais e hospitalares, quatro pessoas terem morrido e oito ficado feridas, no passado dia 27, num ataque com um carro-bomba a uma esquadra no centro de Bagdade.
Com efeito, Saad Mann, porta-voz do Ministério da Administração Interna e do Comando de Operações de Bagdade, disse que o ataque foi realizado por um bombista suicida, falando só em três mortos, que são policias. Todavia, as fontes da polícia e do hospital, que falaram à Associated Press sob anonimato, apontaram para quatro mortos.
Momentos depois do ataque, era visível a coluna de fumo negro vinda do carro a arder e a polícia dava alguns tiros para o ar para dispersar uma pequena multidão.
O ataque ocorreu quando as forças iraquianas lutavam para empurrar o grupo do Estado Islâmico para a cidade de Mossul, no nordeste do país, a última área urbana que o grupo domina no Iraque.
Este é notório ato de terrorismo em espaço de guerra. Mas há outros de que temos memória ainda fresca: Paris, Bruxelas, Berlim, Nice, Londres, São Petersburgo, Estocolmo, Egito…
Depois, os instrumentos de atos de terrorismo, além das armas convencionais, passam a ser também os intimidantes sacos, envelopes, carteiras, telefonemas, o perigoso e programado jogo online “baleia azul” – um dos “erros da Rússia” –, o avião-bomba, o homem-bomba, o carro-bomba ou o camião atropelante…
E atacam-se prédios, estações de metro, peões em ruas ou em espaços pedonais. Tudo vale, mesmo tirar olhos. Tempos de selvajaria civilizada ou encontro de desencontros!
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Numa guerra aos pedaços, que vem ameaçando o mundo, destrói-se um país, utilizam-se armas químicas (gás sarin), lançam-se numa noite 59 mísseis sobre uma zona concreta cirurgicamente definida, mobiliza-se uma gigantona arma não nuclear contra túneis em zona montanhosa do Afeganistão, alegadamente para abater elementos do autoproclamado Estado Islâmico ali acantonados. E, hipocritamente dão-se números aos pinguinhos sobre os mortos pela dita mãe de todas as bombas, a norte-americana bomba termobárica. E, quando os russos dizem possuir o pai de todas as bombas, a informação vem declarar, em tom de frustração, que, afinal os alvejados túneis não foram destruídos.
A Coreia do Norte, entretanto, persiste na produção de testes de mísseis (com ou sem falhanço) e ameaça destruir o porta-aviões norte-americano que foi deslocado para as proximidades. E Donald Trump, que pensava não ser tão difícil a presidência dos EUA, embora prefira a negociação diplomática, avisa que podemos ter um enorme conflito dom a Coreia do Norte.
É a guerra na sua face mais soft. Mata e diz que não mata; usa as armas e a sua utilização e minimiza os resultados. Mata civis ou usa-os como escudo humano. Impõe, ameaça, ataca cirurgicamente e, sobretudo, cria ambiente de medo e de terror. Demente, confirma e mente!
Razão tem o Papa Francisco quando intercede perante Deus e os decisores humanos (e estes é que são perigosos, inamovíveis, teimosos, egoístas…) pela paz na Síria, no Afeganistão ou no Médio Oriente. E deve ser escutado e acompanhado nas suas viagens a países problemáticos como a República Centro-Africana ou o Egito.
Razão tem o patriarca Kirril quando implora que “Deus liberte a Rússia e o mundo do terror” ou afirma que “devemos reconhecer a importância de manter uma vida pacífica”.

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Perante este mundo em situação pré-caótica, talvez brilhem pela oportunidade algumas das afirmações de Francisco proferidas no seu discurso no quadro da Conferência Internacional em prol da Paz idealizada e organizada pelo Grande Imã no Egito, por ocasião da visita papal.
O Papa elege “a busca do saber e o valor da instrução” como “opções fecundas de desenvolvimento empreendidas pelos antigos habitantes” do Egito, que se traduzem em “opções necessárias também para o futuro, opções de paz e em prol da paz, porque não haverá paz sem uma educação adequada das gerações jovens”. E esta educação será adequada para os jovens de hoje se corresponder “à natureza do homem, ser aberto e relacional”.
E Francisco assegura que a educação se torna “sabedoria de vida, quando é capaz de tirar do homem, em contacto com Aquele que o transcende e com aquilo que o rodeia, o melhor de si, formando identidades não fechadas em si mesmas”. Com efeito, “a sabedoria procura o outro, superando a tentação da rigidez e fechamento”; é “aberta e em movimento, humilde e ao mesmo tempo indagadora”; e, certamente, “sabe valorizar o passado e pô-lo em diálogo com o presente, sem renunciar a uma hermenêutica adequada”. Por outro lado, “prepara um futuro em que se visa fazer prevalecer, não a própria parte, mas o outro como parte integrante de si mesmo”; não se cansa de “individuar, no presente, ocasiões de encontro e partilha”, aprendendo, do passado, “que do mal brota unicamente mal, e da violência só violência, numa espiral que acaba por nos fazer prisioneiros”. Ademais, “rejeitando a avidez de prevaricação, coloca no centro a dignidade do homem” e uma ética “digna do homem, rejeitando o medo do outro e o temor de conhecer, mediante os meios de que o dotou o Criador”.
E, discorrendo sobre o diálogo, como caminho para a paz, o Pontífice aponta três diretrizes fundamentais: a identidade, a alteridade e a sinceridade. Pela identidade, entende-se não poder “construir diálogo sobre a ambiguidade nem sobre o sacrifício do bem para agradar ao outro”; pela alteridade, percebe-se que o ser cultural ou religiosamente diferente “não deve ser visto e tratado como um inimigo”, mas como companheiro de viagem, na convicção de que “o bem de cada um reside no bem de todos”; e pela sinceridade, pensa-se o diálogo “enquanto expressão autêntica do humano” e não como “estratégia para se conseguir segundos fins” – caminho de verdade a ser pacientemente empreendido para fazer, da competição, colaboração.
Assim, o Papa Francisco enuncia as verdadeiras marcas da educação para a paz no diálogo:
“Educar para a abertura respeitosa e o diálogo sincero com o outro, reconhecendo os seus direitos e liberdades fundamentais, especialmente a religiosa, constitui o melhor caminho para construir juntos o futuro, para ser construtores de civilização. Porque a única alternativa à civilização do encontro é a incivilidade do conflito; não há outra. E, para contrastar verdadeiramente a barbárie de quem sopra sobre o ódio e incita à violência, é preciso acompanhar e fazer amadurecer gerações que, à lógica incendiária do mal, respondam com o crescimento paciente do bem: jovens que, como árvores bem plantadas, estejam enraizadas no terreno da história e, crescendo para o Alto e junto dos outros, transformem dia a dia o ar poluído do ódio no oxigénio da fraternidade.”.
Desejando que “se levante o sol duma renovada fraternidade em nome de Deus e surja desta terra, beijada pelo sol, o alvorecer duma civilização da paz e do encontro”, implora a intercessão de São Francisco de Assis, que veio ao Egito e encontrou o Sultão Malik al Kamil.
E, verificando que, “no Egito, não surgiu apenas o sol da sabedoria”, mas também “a luz policromática das religiões”, sendo que as diferenças entre elas constituíram “uma forma de enriquecimento recíproco ao serviço da única comunidade nacional”, constata o encontro de crenças diferentes e a mistura de várias culturas, “sem se confundirem mas reconhecendo a importância de se aliarem para o bem comum” – alianças deste género mais urgentes hoje.
E a sua urgência justifica-se pelo “perdurar hodierno dum paradoxo perigoso”, que Francisco carateriza assim:
“Por um lado, tende-se a relegar a religião para a esfera privada, não a reconhecendo como dimensão constitutiva do ser humano e da sociedade e, por outro, confundem-se, não as distinguindo adequadamente, as esferas religiosa e política. A religião corre o risco de ser absorvida pela gestão de assuntos temporais e tentada pelas adulações de poderes mundanos que, na realidade, a instrumentalizam. Num mundo que globalizou muitos instrumentos técnicos úteis, mas ao mesmo tempo tanta indiferença e negligências, e que corre a uma velocidade frenética, dificilmente sustentável, sente-se a nostalgia das grandes questões de sentido que as religiões fazem aflorar e que suscitam a memória das próprias origens: a vocação do homem, que não foi feito para se exaurir na precariedade dos assuntos terrenos, mas para se encaminhar rumo ao Absoluto para o qual tende.”.
Por isso, entende que
“A religião, especialmente hoje, não constitui um problema, mas é parte da solução: contra a tentação de se contentar com uma vida superficial em que tudo começa e termina aqui, a religião lembra-nos que é necessário elevar o espírito para o Alto a fim de aprender a construir a cidade dos homens”.
E Francisco propõe-se, com o demais chefes religiosos, “desmascarar a violência” disfarçada de suposta sacralidade e apoiada na absolutização dos egoísmos, em vez da autêntica abertura ao Absoluto; “denunciar as violações contra a dignidade humana e contra os direitos humanos”; e trazer à luz do dia as tentativas de justificar toda a forma de ódio pela religião”, condenando-as como “falsificação idólatra de Deus”, cujo nome é Santo, sendo que “nenhuma violência pode ser perpetrada em nome de Deus”, que é a Paz. Assim, diz o Papa:
“Reiteramos um ‘não’ forte e claro a toda a forma de violência, vingança e ódio cometida em nome da religião ou em nome de Deus. Juntos, afirmamos a incompatibilidade entre violência e fé, entre crer e odiar. Juntos, declaramos a sacralidade de cada vida humana contra qualquer forma de violência física, social, educativa ou psicológica.”.
E, como a religião não é chamada só a desmascarar o mal, mas traz a vocação de promover a paz, a nossa tarefa é rezar uns pelos outros orando a Deus o dom da paz e do encontro concorde, havendo, simultaneamente, que remover as situações de pobreza e exploração, onde criam raízes os extremismos, e bloquear os fluxos de dinheiro e armas para quem fomenta a violência.

2017.04.29 – Louro de Carvalho

sexta-feira, 28 de abril de 2017

O jogo “Baleia Azul” terá chegado a Portugal

Uma jovem de 18 anos, residente em Albufeira, automutilou-se e atirou-se de um viaduto junto a uma linha férrea. O episódio, ocorrido na madrugada do dia 27, é atribuído ao perigoso jogo online conhecido como “Baleia Azul
A predita jovem foi encontrada caída na linha férrea da estação de comboios de Ferreiras, em Albufeira, pelas 2 horas da madrugada, e socorrida pelos Bombeiros de Albufeira, tendo sido imediatamente transportada para o Hospital de Faro.
Segundo o JN, trata-se duma portuguesa filha de pais de nacionalidade ucraniana. Já esteve institucionalizada, mas não há registo de tentativas de suicídio anteriores. Agora, tinha a palavra “sim” escrita na coxa direita com uma faca e “F57” escrito na palma da mão esquerda. E, de acordo com fonte hospitalar, tem uma fratura na perna e vários ferimentos. Está internada no serviço de ortopedia e já recebeu a visita da mãe.
Também um adolescente, de 15 anos, de Sines foi transportado para o Hospital de Setúbal por cortes no braço (e uma baleia “desenhada”), que fontes dos bombeiros e da GNR relacionam com o esquema do jogo “Baleia Azul”, que estimula a automutilação e o suicídio.
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O jogo “Baleia Azul” terá surgido pela primeira vez na Rússia, país onde 130 jovens se suicidaram, pelos vistos, devido ao jogo que é disputado nas redes sociais e em que os participantes, muito jovens, são desafiados por um mentor a cumprir até 50 desafios violentos, culminando com a morte por suicídio.
No Brasil, a polícia, que está a investigar a morte de dois jovens ocorrida este mês, pensa que a origem destes dois episódios esteja neste mortífero jogo. Também em Inglaterra, na Roménia e em França o fenómeno está a causar viva preocupação, tendo sido acionadas campanhas de informação e prevenção sobretudo junto das escolas.
Segundo Leonid Bershidsky, da Bloomberg, o surgimento do jogo “Baleia Azul” é explicado pelo caos socioeconómico que grassa na Rússia. Para este colunista da Folha de São Paulo, trata-se duma espécie de “jogo do suicídio” que, surgido na Rússia, está a espalhar-se entre os adolescentes do planeta e provoca as mesmas questões urgentes em toda parte. E as duas pertinentes questões levantadas são: Quem é responsável? E como impedir que ele avance?
Para já, as redes sociais e o poder legislativo da Rússia pretendem eliminar estes “grupos de morte”, mas podem, na verdade, estar a lutar contra uma lenda urbana de difícil controlo. E a ameaça está bem estabelecida: os elevados índices de suicídios encontrados em países que enfrentam problemas desde a queda da URSS resultam de males sociais muito mais amplos.
O jogo, que traz sérias preocupações a pais e autoridades, chama-se, em português, “Baleia Azul” (tradução direta do nome original russo, Siniy Kit) – designação que advém duma canção da banda de rock russa Lumen. Os versos iniciais são: “porque gritar / quando ninguém ouve / o que estamos dizendo?”; e a letra diz: “uma grande baleia azul” que “não consegue romper a rede”.
O público russo descobriu o jogo e suas diversas variantes em maio de 2016, quando Galina Mursaliyeva, do “Novaya Gazeta”, jornal conhecido pela sua oposição ao Kremlin, descreveu a cultura do que descreveu como “grupos de morte” ao relatar a experiência de uma mãe cuja filha de 12 anos se havia suicidado, após o que a mãe investigou as atividades online da filha, que desembocaram na tragédia, e sentiu-se compelida a revelar o resultado da investigação a fim de evitar novos casos. A história causou sensação, chegando a desencadear apelos à restrição do acesso de adolescentes à Internet.
Ao postarem mensagens com determinados hashtags em redes sociais ou ao aderirem a certos grupos, os adolescentes (em geral, com idades dos 10 aos 14 anos) são selecionados por “curadores” que, averiguadas as informações do potencial participante, estabelecem listas com até 50 tarefas diárias para cada um, tarefas que vêm a culminar na missão mais importante do jogo: o suicídio.
As tarefas envolvem a assunção de riscos, como, por exemplo, que o participante se corte. Nos 10 dias finais do jogo, o participante precisa de acordar bem cedo pela madrugada, ouvir música e pensar na morte. Os que se assustam e decidem tentar sair do jogo recebem ameaças, em muitos casos, a de que os pais serão assassinados.
Muitos adolescentes sabem praticamente tudo sobre o “Baleia Azul”, falando dele em tom calmo e zombeteiro e mencionando casualmente que têm amigos que, embora não se disponham a pular pela janela dum edifício alto, gostam de se cortar, porque isso chama a atenção e faz com que se sintam especiais. Como o jogo se difundiu largamente, há adolescentes russos que buscam os “curadores” e os zoam online.
O caso-tipo é: Em diálogo hilariante, o curador pede a uma menina que “corte uma baleia”. Em vez disso, ela corta um gato de papel duma história em quadrinhos no jornal (as palavras russas para “gato” e “baleia” – “kot” e “kit” – são parecidas). Se perceber que a menina não leva a sério o jogo de suicídio, o administrador, zangado, ameaça enviar-lhe agressores. Ela responde:
“Vou descer para esperar na rua – o elevador não está a funcionar e eles podem não ter energia para me matar se tiverem que subir oito andares de escada”.
É claro que não aparece nenhum agressor, mas a ameaça fica a marinar na mente da menina.
Em novembro, Filipp Budeykin, um dos primeiros “curadores”, foi detido pelo crime de incitação ao suicídio. Os apartamentos de outros administradores do jogo foram alvo de revistas policiais. Budeykin, que alegadamente sofre de distúrbio bipolar e teve uma infância infeliz, de sofrimento e abusos, aguarda julgamento.
Este ano, ressurgiu a discussão sobre os “grupos de morte”. Há informações sobre a participação de adolescentes na Estónia, no Cazaquistão, na Ucrânia e noutros países da era pós-soviética.
Irina Yarovaya, vice-presidente da assembleia legislativa russa e uma das integrantes da linha mais dura do Parlamento, disse em fevereiro que o número de suicídios de adolescentes na Rússia havia subido de 461, em 2015, para 720, em 2016. E declarou estar a ser travada uma guerra “contra as crianças”. Não referindo quem a estava a travar, assegurou que “essa é uma verdadeira atividade criminosa, organizada, propositada e com consequências”.
Para obviar à situação, apresentou um projeto de lei que torna crime a administração de “grupos de morte” e a participação em jogos como o “Baleia Azul”, com a moldura penal de seis anos de prisão para os envolvidos – iniciativa legislativa que mereceu a aprovação parlamentar.
Por sua vez, o Vkontakte e o Instagram, dois dos serviços online mais visitados pelos adolescentes russos, também vêm tentando combater a ameaça, por meio da remoção de posts que contenham hashtags associados ao “Baleia Azul”. E o Instagram também envia mensagens aos responsáveis pelos posts, sugerindo busca de terapia e oferecendo ajuda. Mas o ponto fraco deste controlo é a inexistência de provas. Adolescente que pense no suicídio buscará contacto com pessoas que pensem como ele, e as redes sociais são o lugar mais fácil para tal busca.
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Possivelmente, o jogo e os “grupos de morte” causaram elevação no número de suicídios. As pessoas, sobretudo os adolescentes, tendem a matar-se em “aglomerados espácio-temporais”, em termos do comportamento mimético. Mesmo assim, de acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), o índice de suicídio entre os adolescentes da Rússia é superior à média desta organização há muito tempo. Ele só fica atrás dos números da Nova Zelândia, onde jovens das comunidades indígenas carentes elevam o número de suicidas.
Embora nenhuma organização internacional acompanhe especificamente os números do suicídio de crianças de entre 10 e 15 anos – população-alvo do “”Baleia Azul” –, é seguramente de presumir que a Rússia esteja entre os líderes mundiais, nesse cômputo.
Antes de se falar neste fator de suicídio, os pesquisadores atribuíam a prevalência do suicídio adolescente na Rússia à disfunção generalizada na vida familiar (a Rússia tem um dos índices de divórcio mais elevados do planeta) e à disponibilidade fácil e aceitação social do uso do álcool. E há pressões adicionais, como a de viver num sistema corrupto e semicapitalista sem caminho seguro de sucesso para as crianças de famílias falhas de conexões políticas e profissionais. É difícil vislumbrar se, de futuro, um indivíduo crescerá em bloco de apartamentos populares encardido, na periferia de cidade industrial, com pais bêbados, belicosos ou ausentes e uma escola que não oferece qualquer alívio – dúvida que precede o suicídio dum adolescente russo.
Há indicações de que os jovens russos buscam ativamente maneiras de extravasar as suas frustrações. Estudantes secundaristas e universitários são a principal força que esteve por trás dos recentes protestos nacionais contra a corrupção. Mas nem todos se interessam por atividades políticas e, na Rússia, elas podem terminar tão mal como um jogo de suicídio.
O governo russo vem adotando leis mais duras contra conteúdo de Internet relacionado com o suicídio e chega a fechar sites pela simples menção a suicídio. E a justiça será mais rigorosa quanto os “grupos de morte” forem caraterizados como atividade criminosa. Contudo, não cairá o índice de suicídio de adolescentes se não forem enfrentadas suas causas, além dos sintomas.
Apesar de tudo, o índice de suicídios na Rússia é menor hoje do que nos anos 90, quando a maioria da população do país sofria com os sérios problemas da economia. Porém, é preciso reduzi-lo mais. Para tal é preciso criar incentivos para as famílias não se dissolverem, combater o consumo descontrolado do álcool e das drogas e apresentar aos jovens uma visão de futuro mais convincente. Porém, o governo de Putin está mais preocupado na promoção da alta no índice de natalidade, algo sobre o que o Presidente jamais perde o ensejo de se vangloriar.
Entretanto, o “Baleia Azul”, com a sua exploração da autopiedade e do apego dos adolescentes a fazer drama, continuará a avançar pelo planeta. O jogo não precisa do feio cenário da Rússia para prosperar: a miséria adolescente não tem fronteiras. Têm, pois, os governos que estar muito atentos, bem como os diversos setores da sociedade civil.
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O “Baleia Azul” é, como se disse, um jogo composto por 50 desafios enviados a partir da troca de mensagens entre adolescentes e organizadores, os “curadores”, que tem preocupado os países nos últimos dias. Com tarefas específicas – desde a visualização de filmes de terror até à automutilação – o jogo incita os participantes ao suicídio. Evidentemente que o jogo em si é uma consequência de algo que já não vai bem na vida do adolescente. Não surge de súbito. E, segundo Ana Suy Sesarino Kuss, professora do curso de Psicologia no Centro Universitário Autónomo do Brasil (Unibrasil), cabe aos pais provocar a conversa diária com o adolescente, sem imposição alguma, falando sobre coisas simples como um livro, a escola, um filme e até a vida dos vizinhos. Com efeito, há que “perceber durante a fala se há sentido para ele em viver”, pois “ele não é um objeto e está numa fase de construção de uma lógica própria”.
As mudanças de comportamento caraterísticas desta idade devem ser acompanhadas de perto pelos pais para entenderem como ter essa abertura para a conversa. É importante ficar com atenção a alguns sinais; e, no momento, em que um jogo perigoso como este tenha ganhado proporções policiais, é imprescindível o cuidar.
Eis alguns dos sinais que podem auxiliar a perceber se o adolescente está envolvido no “Baleia Azul”: automutilação (alguns com desenhos de baleia); mudança de comportamento; isolamento do convívio familiar (por exemplo, muito tempo trancado no quarto); filmes de terror como a opção mais frequente; saída de casa em horários incomuns, como na madrugada; conectação à Internet durante muito tempo; e inclusão de contactos desconhecidos no telemóvel e nas redes sociais.
Segundo internautas que tiveram contacto com “curadores”, estes são hackers, investigam toda a vida dos participantes e usam a informação para ameaçar de morte as famílias dos jovens, caso o jogador abandone os desafios. Por isso, se encarece a importância do diálogo reforçado com os filhos e da denúncia às autoridades policiais.
Ainda de acordo com informações dos preditos internautas, a lista dos 50 desafios:
1) À navalha, escrever “F57” na mão e enviar foto ao curador; 2) acordar às 4,20 horas AM e visualizar vídeos psicadélicos e assustadores enviados pelo curador; 3) cortar braço com lâmina ao longo das veias, mas não muito profundo, apenas 3 cortes, e enviar foto ao curador; 4) desenhar uma baleia numa folha de papel e enviar foto ao curador; 5) escrever “sim” na pena, no caso de estar pronto para se tornar uma baleia, ou cortar-se muitas vezes, no caso de não estar pronto; 6) tarefa com uma cifra; 7) escrever “F40” na mão e enviar foto ao curador; 8) escrever “#i_am_whale” no seu status do VKontakte (rede social russa); 9) obrigação de superar o medo; 10) acordar às 4,20 horas AM e ir para um telhado (quanto mais alto, melhor); 11) desenhar uma baleia na mão à navalha e enviar foto ao curador; 12) visualizar vídeos psicadélicos e de horror o dia todo; 13) ouvir música que “eles” (curadores) enviam; 14) cortar o lábio; 15) furar a mão com agulha muitas vezes; 16) fazer algo doloroso para si mesmo, ficar doente; 17) ir para o telhado mais alto que encontrar, ficar na borda por algum tempo; 18) ir para uma ponte e sentar-se na borda; 19) subir um guindaste ou, pelo menos, tentar; 20) verificação pelo curador se o participante é de confiança; 21) assistir a palestra “com uma baleia” (com outro jogador ou com um curador) no Skype; 22) ir para um telhado e apoiar-se na borda com as pernas penduradas; 23) outra tarefa com uma cifra; 24) tarefa secreta; 25) reunião com uma “baleia”; 26) informação da data da morte do participante pelo curador, cuja aceitação é obrigatória; 27) acordar às 4,20 horas AM e ir para os trilhos (visitar qualquer estrada de ferro que puder encontrar); 28) não falar com ninguém o dia todo; 29) fazer um voto de que o participante “é uma baleia”; 30) a 49) acordar, todos os dias, às 4,20 horas AM, visualizar vídeos de terror, ouvir música que “eles” enviam, fazer um corte no corpo por dia, falar “com uma baleia”, durante o intervalo dos desafios entre 30 e 49; e 50) acabar com a sua própria vida.”.
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Enfim, redobrada atenção, cuidado e medidas adequadas da parte dos governos, polícias e pais!

2017.04.28 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Tolerância de ponto a 12 de maio de 2017. Porque não? Porque sim?

O Governo, segundo consta a pedido dos Bispos portugueses, decretou a tolerância de ponto para os funcionários públicos para o dia 12 de maio, por ocasião da visita do Papa Francisco à peregrinação de maio a Fátima, em que presidirá à canonização de dois dos pastorinhos.
As reações não se fizeram esperar da parte de diversos quadrantes. Desde medida desnecessária e discriminatória a atentado contra a laicidade do Estado, já muita coisa foi dita. Obviamente que PSD e CDS aproveitaram a ocasião para se posicionarem e dizem-se a favor. Assim, já vieram afirmar a sua concordância com esta decisão do Governo.
Em declarações à Lusa, Duarte Pacheco mostrou-se favorável à decisão, afirmando que o Governo “compreendeu que o país é maioritariamente católico” e que, em Fátima, com a visita papal, o centenário das aparições e a canonização de dois pastorinhos, “é um acontecimento excecional”. Naturalmente, “para acontecimentos excecionais, tomam-se medidas excecionais”. E o deputado do PSD recusa a ideia de que, com esta medida, se esteja a colocar em causa o Estado laico. Da parte do CDS, o deputado Filipe Anacoreta Correia manifestou a concordância com a decisão, interpretando-a como o “reconhecimento da importância do Papa Francisco, da Igreja Católica em Portugal e de que esta visita mexe com milhares de pessoas que vão deslocar-se a Fátima”. E acrescentou que, “com esta decisão, o Governo teve a preocupação de se associar a uma circunstância de grande alegria para os portugueses”. E é verdade.
Estes dois partidos, do meu ponto de vista, mostram sincera ou oportunistamente uma postura equilibrada nesta matéria, coincidente com a de António Costa. Não me seduz o argumento do deputado do PSD de que o Governo “compreendeu que o país é maioritariamente católico”. Não é só isso que está em causa, até porque a maioria nem é praticante e os praticantes arranjariam forma de agir em quaisquer circunstâncias de paz e boa-fé. O que me move para a concordância com a tolerância de ponto é o significado que Fátima, o Papa e a peregrinação centenária têm no país, não só do ponto de vista religioso, mas também do ponto de vista económico, sobretudo do lado do turismo e da imagem que Portugal projeta para o exterior.
Evidentemente que é verdade o que diz o Primeiro-Ministro: É natural que o Governo dê tolerância de ponto para facilitar a quem deseja participar nas cerimónias que o possa fazer”. É a atitude facilitadora do Governo, para o qual a simbólica não tem que ter o peso que tem para mim. Aliás, a tolerância de ponto abrange apenas os funcionários do Estado e não os demais trabalhadores, cuja dispensa, a acontecer, é da competência das respetivas entidades patronais. E o Governo age como órgão superior da administração pública, como entidade patronal que oferece aos seus trabalhadores uma liberalidade, quando outros atacaram tanto este setor do trabalho – a função pública – com menosprezo pela função, empolamento e até calúnia sobre privilégios, corte de salários e subsídios, sobrecarga de trabalho e redução do tempo de férias.
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Os partidos mais à esquerda parecem estar num silêncio tático. Fazem bem em deixar que o Executivo exerça uma competência exclusivamente sua, mostrando alguma coerência quando dizem admirar este Papa, que denuncia a economia que mata ou a guerra em pedaços e põe a Igreja a falar da vez e da voz dos pobres, numa ótica humanista.
Um deputado do PS, eleito pelo Porto, vê com “estranheza e estupefação” esta concessão, considerando o ato governamental “particularmente disparatado” e diz em nota do Facebook:
“Necessitamos de outra maturidade democrática e esta atitude irá no sentido inverso. Não é muito comum encontrar erros no Governo que apoio e para cuja maioria trabalho diariamente no Parlamento, mas aqui está um.”.
Este coordenador do PS na comissão de Trabalho e Segurança Social escreveu na mesma nota:
“Não conheço as razões que serão invocadas no decreto, mas já antecipo que sejam facilmente rebatíveis: não pode fundamentar-se na viagem de um Chefe de Estado estrangeiro e ainda menos na viagem de um líder confessional”.
E ainda:
“De outra forma, será legítimo invocar o mesmo princípio para membros de outras religiões e, sobretudo, para quem não tem qualquer religião e vive num Estado laico, tendo também direito a tolerâncias para participar nos espetáculos que entenda”.
E, contracriticando um comentário, acrescentou:
“Quem quer ir a espetáculos, seja de índole religiosa ou não, tem férias para usar no exercício da sua liberdade. A República é laica.”.
Também os deputados do PS se dividem sobre a matéria: uns contra, como Ascenso Simões; outros a favor, como João Soares. Ascenso Simões afirmou à Lusa que a tolerância não faz sentido, dado que a 12 de maio, “só há procissão das velas à noite e as comemorações são a um sábado”. Esquece que as pessoas têm de ir muito mais cedo, por razões de estacionamento e segurança. Já João Soares, em declaração à Lusa, reagiu de forma concisa: “Abençoada tolerância para um papa tolerante!”. Nas redes sociais, as posições sucedem-se e são bem diferentes. Isabel Moreira, independente eleita nas listas do PS, escreve no Facebook:
“É perante decisões como a do Governo de conceder tolerância de ponto aquando da ida do Papa a Fátima que sabemos da imaturidade do Regime. Muito por que lutar.”.
Também Porfírio Silva, deputado e membro da comissão permanente, desdramatizou, no Facebook, os planos do executivo, afirmando tratar-se de “uma medida prática e que tem em conta a realidade concreta do que vai acontecer na ocasião”. E acrescentou:
“Cansa um excesso de vigilância ideológica sobre tudo e mais alguma coisa, como se fosse precisa tanta rigidez (a criticar a tolerância de ponto) para continuarmos a ser socialistas, republicanos e laicos”.
E Carlos César, Presidente do PS e líder parlamentar, questionado pela Lusa, disse concordar com a decisão, não considerando excessivo decretar a tolerância de ponto na função pública.
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Por sua vez, a AAP (Associação Ateísta Portuguesa), como era de esperar, diz que esta decisão é “um descarado ataque à laicidade” do Estado. Em declarações à Lusa, o Presidente da AAP, Carlos Esperança, considera a medida “uma atitude indigna de submissão perante a Igreja Católica”.
O dirigente ateísta rejeitou ainda “a caução que, de certo modo, está a ser feita pelas entidades públicas a uma encenação que começou por ser contra a República”, numa alusão ao fenómeno registado em Fátima, concelho de Ourém, entre maio e outubro de 1917, e que a Igreja classifica como aparições da Virgem Maria a três crianças (Lúcia, Jacinta e Francisco) que apascentavam ovelhas. Com efeito, segundo ele, em 1930, as alegadas aparições “passaram a ser contra o comunismo e, depois da implosão da União Soviética, contra o ateísmo”. E criticou:
“Esta encenação pia tem tido a colaboração de autarquias que sofrem ataques de fé e proselitismo em anos eleitorais”.
Para o presidente da AAP, a concessão de tolerância de ponto nos serviços públicos põe em causa “a letra e o espírito da Constituição da República” e constitui “uma traição à separação entre as igrejas e o Estado”. Mas Carlos Esperança não se ficou por aqui: criticou também os autarcas que organizam excursões a Fátima, sobretudo com idosos e em ano de eleições locais, “com transportes e vitualhas” pagos por câmaras e juntas, “só com a bênção a cargo das autoridades eclesiásticas”.
Ora nem as crianças sabiam da República nem do comunismo. E a expressão da Aparição é “os erros da Rússia” que excedem o comunismo. Será que os Czares e Putin são comunistas?
E também diretores de escolas e agrupamentos de escolas, pela voz do Presidente da ANDAEP, se metem na contestação à medida governamental, alegadamente pelo prejuízo causado aos alunos, sobretudo os do 9.º, 11.º 12.º anos.
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Ao Presidente da ANDAEP gostava de perguntar se a planificação das atividades letivas é feita milimetricamente pelos dias considerados disponíveis no início do ano. Se vivesse no interior do país, o rico pedagogo rogaria pragas à neve, que é o maior fator de encerramento de escolas. Depois, não sei se é tão rápido a substituir docentes quando a doença ou a maternidade criam partidas à escola. Confesso que, em 2010, a tolerância de ponto a 13 de maio, para todos os funcionários públicos (a 11, foi para os do concelho de Lisboa e, a 14, para os concelho do Porto), por ocasião da visita de Bento XVI, me causou desarranjo: tive de acabar as aulas do 10.º ano do ensino profissional dias mais tarde do que aquilo que contava, pois a escola estava fechada e as aulas tinham de ser dadas quando os alunos tivessem disponibilidade. E os diretores então não falaram em prol dos professores e dos alunos! Era a sujeição a Sócrates, não?!
Aos deputados do PS, agora do contra, pergunto porque estavam tão caladinhos no tempo da governação de Sócrates, que até aproveitou o ambiente da tolerância de ponto e da presença de Sua Santidade para negociar com Passos Coelho o PEC3. Agora Costa deixa falar, não é?! 
À AAP e à deputada independente do PS, deixando para trás o que penso sobre a distinção entre laicidade/aconfessionalidade e respeito/cooperação (que tenho expandido à saciedade), pergunto se, com a máscara da laicidade, pretendem um Estado autista e uns órgãos do poder político qual locomotiva descolada das carruagens em que viaja o povo diariamente e nos grandes dias.
E fico-me com o que disse o Primeiro-Ministro, que hoje considerou que seria uma “grande insensibilidade” se o Governo não concedesse tolerância de ponto a 12 de maio, quando o Papa chega a Portugal para celebrar o centenário das “Aparições de Fátima”.
Costa, quando falava aos jornalistas no final dum almoço-debate promovido pela Associação dos Administradores e Gestores de Empresas, em Lisboa, foi confrontado com a contestação de deputados do PS a esta concessão governativa. E respondeu assim:
“É natural que muitos portugueses desejem participar na visita do papa Francisco a Portugal, um momento que distingue o país. Por isso, também é natural que o Governo dê tolerância de ponto para facilitar a quem deseja participar nas cerimónias que o possa fazer e diminuam as condições de congestionamento”.
Ao invés, para o Primeiro-Ministro, “seria estranho se o Governo não tomasse essa decisão”. E, reforçando a sua posição, aduziu:
“Tenho um grande à-vontade sobre esta matéria, porque não só defendo a laicidade, como não sou crente, mas respeito a crença dos outros e não ignoro que muitos portugueses perfilham a fé católica e que muitos portugueses desejarão estar em Fátima. Acho que seria uma grande insensibilidade da parte do Governo não o fazer, como temos feito em outras ocasiões.”.
Sobre as críticas do deputado do PS Barbosa Ribeiro, argumentou que “as críticas são todas legítimas”, mas frisou que “a liberdade religiosa e a laicidade implicam também o respeito pelas crenças dos outros”, declarando que não é “crente”, mas respeita “as crenças dos outros”.
E penso que a tolerância deve chegar ao ponto de os católicos cooperarem, por exemplo, na celebração do centenário da revolução russa – dada a sua importância histórica – com debates, marcações simbólicas, diálogo com historiadores, outros académicos políticos, militares e economistas. E se for oportuna a tolerância de ponto, porque não? A História vale por si, independentemente da opinião de cada um sobre os factos.
2017.04.27 – Louro de Carvalho