Participei
na assembleia geral ordinária de uma venerável instituição e os meus ouvidos
reagiam muito mal à pronúncia errada da palavra rubrica por parte do técnico superior responsável pelas contas.
Ante um mundo tão esdrúxulo arrepiava-me que o técnico superior esdruxulasse ou
“proparoxitonasse” esta palavra do nosso léxico tão grave ou paroxítona por
natureza, como são as terminadas por -a,-e, e -o, tanto no singular como no
plural, não precisando, por isso, de acento gráfico. Nem sei se o técnico superior
fez o seu curso em Espanha ou não. O certo é que estamos em Portugal, e este
erro é muito frequente.
Alguns
têm a veleidade de distinguir “rubrica” orçamental e contabilística de “rúbrica”
como assinatura abreviada. Também não lhes assiste razão nem do lado da
etimologia nem do lado da tradição linguística portuguesa. A palavra é rubrica
sempre grave ou paroxítona. E pronto!
***
Rubrica provém da palavra latina rubrica, em que a vogal “i” é longa. Por
isso, perdida a noção da quantidade vocálica (longa, breve ou
comum – que faz a sílaba breve ou longa aliada a outras circunstâncias) e adquirida a noção da
qualidade vocálica (a tornar as sílabas tónicas e átonas), a sílaba bri- passou a ser
acentuada foneticamente embora sem a presença do acento agudo gráfico por a
palavra ser grave por natureza.
No
latim, a palavra “rubrica” é um nome feminino da 1.ª declinação (tema
em -a) que significa
“terra vermelha” ou “ocra vermelha”, que servia para escrever os títulos das
leis ou a designação dos seus capítulos e artigos. Por isso, significava a
rubrica ou título de lei. Noutra aceção, significava vermelhão ou tinta
vermelha para o rosto. Deriva, por conversão, do pouco usado adjetivo triforme
da 1.ª classe rubricus, rubrica rubricum
– que, por sua vez, derivava de ruber
(ou
rubrus), rubra,
rubrum (relacionado com rutus,
robus, robur ou russus),
que significava: vermelho, rubro, ruivo. Daqui, proelia rubrica picta, combates desenhados a vermelho, rubrum mare, mar vermelho ou mar
eritreu, golfo pérsico ou golfo arábico – como a saxa rubra, a Arábia. O aeroporto de Sá Carneiro situa-se na
localidade de “Pedras Rubras”.
Da
sua família são: rubedo (nome), a
significar “cor vermelha”; rubefacio
(verbo), que significava “tornar
vermelho”; rubelius (adjetivo
diminutivo de ruber), que significava “vermelho”; rubelium (nome), que significava “vinho palhete”;
rubelliana (nome), a significar espécie de
“vinha” avermelhada; rubellio (nome), a significar “peixe vermelho”;
rubellulus (diminutivo
de rubellus), a significar “ligeiramente
vermelho”; rubellus (diminutivo
de ruber), a significar, “a puxar para o
vermelho”; rubens, entis (particípio
presente de rubeo), a significar “vermelho”, “colorido”,
“ardente”, “esmaltado”; rubeo (verbo), a significar “estar vermelho”,
“ser tinto de vermelho”, “corar”, “fazer-se vermelho”, “reproduzir pela cor
vermelha”; rubesco (verbo), a significar “tornar-se
vermelho”, “corar” (de vergonha); rubeta (nome), que significava “espécie de sapo venenoso” (o
nome provém da cor ou do facto de viver em moitas); rubetum (nome
usado sobretudo no plural),
a significar “silvado” (tom avermelhado), “moita de silvas”; rubeus (adjetivo), que significava “vermelho”, “ruivo”,
“de silva”; rubia (nome), a significar “ruiva” (planta); rubibundus (adjetivo), a significar “vermelho”, “rubicundo”; rubico (verbo), a significar “tornar vermelho”;
rubicondosus (adjetivo), a significar “vermelho”; rubicundulus (adjetivo
diminutivo), a
significar “um tanto rubicundo”;
rubicundus (adjetico), “vermelho”, “rubicundo”; rubidus ou robidus (adjetivo), a significar “vermelho”; rubigalia ou robigalia (nome neutro no plural), que significava “robigais” (festas
a Robigo, deusa da ferrugem dos cereais);
rubiginosus ou robiginosus (adjetivo), que significava “ferrugento”, “enferrujado” e
“invejoso” (sentido figurado); rubigo
ou robigo (nome), a significar “ferrugem” (dos
metais ou das searas),
“sarro dos dentes”, e “inação”, “ociosidade”, “preguiça”, “ronha”, “vícios”,
“abuso” (sentido
figurado); rubigus (m), robigus (m),
e robigo (f) (nomes), a significar “alforra”,
“divindade que preservava da alforra as searas”; rubor (nome), que significava “vermelhidão”, “cor vermelha”,
“rubor” (no
rosto por vergonha ou pudor),
“pudor”, “pejo”, “vergonha”, “modéstia”, “desonra”, “ornato afetado”; rubrico (verbo), que significava “tornar
vermelho”; rubricatus (particípio
passado de rubrico), a significar “enrubescido”; rubricosus (adjetivo), que significava “que tem
muitas rubricas” (manchas ou pintas vermelhas); rubus (nome masculino), que significava “amora brava”,
“silva”, “framboesa”, “framboeseiro”.
E
temos nomes próprios de algum modo conexos com vermelhidão ou cor afim: Rubella (Rubela,
nome de homem); Rubellinus (Rubelino,
nome de homem) e Rubellius (Rubélio,
nome de homem); Rubi, Ruborum (nome
plural: Rubos ou Ruvo, cidade da Apúlia);
Rubico e Rubicon (Rubicão,
nome de rio entre a Gália Cisalpina e a Itália); Rubrius
(Rúbrio,
nome de homem); e Rubigalia, Robigalia, Rubigo, Robigo, Robigus, e Rubigus, já
referidos também como nomes comuns.
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Rubrica significa “pequena anotação” e, por analogia, assinatura abreviada.
É palavra ou
parte dum texto, tradicionalmente escrita ou impressa em tinta vermelha para
destacá-la, muito usada na correção e classificação de provas escritas, para
distinguir do texto do aluno, e em pautas para assinalar o aluno reprovado. Em prova,
o classificador assina de forma abreviada a vermelho.
A
palavra deriva, como se viu, do latim rubrica,
ou seja, ocre vermelho ou giz vermelho, e tem origem nos manuscritos da Idade Média, sobretudo do século XIII ou anterior. Nestes,
letras vermelhas foram usadas para destacar iniciais maiúsculas (sobretudo
de salmos), títulos
de secção e nomes de importância religiosa – prática conhecida como rubricação. E
pode referir-se a tinta vermelha usada para fazer os textos das rubricas ou
qualquer tipo de pigmento usado
para fazê-lo. Apesar de vermelho
ser o mais utilizado, outras cores entraram em uso a partir do final da Idade
Média em diante, tendo a palavra “rubrica” passado a ser usada para estas
também.
Nos
manuscritos antigos e códices, rubrica
designava então a letra ou a linha inicial de um capítulo escrita em
vermelho. Os títulos dos livros de Direito Civil e de Direito Canónico eram
designados como rubrica, pois antigamente
os títulos desses livros eram escritos a vermelho.
O vocábulo rubrica designa também um pequeno
comentário escrito com a função de orientação de algo que está a ser executado
ou de um lembrete para uso posterior. As rubricas, indicações cénicas ou
didascálias (às vezes, designadas como texto secundário no teatro em contraposição às
falas das personagens, texto principal) são usadas
nos roteiros de cinema ou de teatro para indicar gestos ou movimentos dos
atores, em pautas musicais ou em textos litúrgicos, para orientar o canto ou as
celebrações. Rubrica corresponde, pois, também a uma anotação em vermelho, nos
livros religiosos, para orientação litúrgica. De tal modo assim é que os
liturgistas que se prendem mais às rubricas do que ao texto lecional ou
oracional são denominados rubricistas e o seu vício se designa de rubricismo.
Na
indústria, rubrica é uma argila
avermelhada utilizada como corante ou como polimento e é um material também
usado em pinturas ou gravuras de aspecto tosco. Antigamente os carpinteiros
usavam o almagre para marcarem a madeira antes de a serrarem. De igual modo, em
tempos antigos, essa argila avermelhada era usada em feridas para estancar o
sangue.
Em
tipografia, rubrica designa a alteração feita na chapa tipográfica para ser
aproveitada posteriormente em outro trabalho.
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A partir do seu
sentido original, vários sentidos veio a ganhar o termo, alargando-se o seu
campo semântico. Geralmente, tais sentidos são patentes em frases como “sob [qualquer] rubrica”, por exemplo, “sob essa rubrica, [isso é verdade]” ou “[X foi feito] sob a rubrica de Y”.
Também podem significar “uma
regra autoritária”, “o título de um estatuto”, “algo sob o qual uma coisa está
classificado: categoria”, “um comentário explicativo ou introdutório: Glosa”, “uma
regra estabelecida, tradição ou costume”, “um guia que liste critérios
específicos de classificação ou marcas académicas [atribuições]”.
Mas pode organizar-se uma listagem de sentidos
inventariados para o termo rubrica:
- Título dos
capítulos de direito civil e canónico (antigamente impressos a vermelho);
- Variedade
de argila avermelhada que se emprega nas pinturas grosseiras e em vários usos industriais
(almagre) ou almagre com que serradores
e carpinteiros e marcam as linhas na madeira.
-
Assinatura abreviada ou cifrada,
ex: Toda citação deve conter, dentre outros itens, a rubrica do
juiz.
- Espécie de argila vermelha de uso industrial
ou para pôr nas feridas e estancar o sangramento.
- Letra inicial ou primeira
linha em códices e
manuscritos antigos (que era escrita vermelho).
- Título impresso a vermelho nos antigos livros religiosos.
- Indicação
geral de tópico em listas que
permite a classificação dos seus elementos, ex: Há
uma ampla gama de disciplinas incluídas sob a rubrica de
biologia humana, o que pode ser visto na diversidade dos currículos das
universidades que oferecem graduação na área e das revistas científicas
especializadas no tema.
- Tema, assunto, matéria.
- Anotação, indicação, nota ou
observação sobre algo a ser executado ou
recordado posteriormente.
- Em cinema
e teatro, texto em roteiro que descreve sobre
a cena (personagens,
local, ações, etc.) ou indicação escrita dos movimentos e gestos nos papéis dos atores.
- Em música, orientação de como executar determinado
trecho musical, indicada na partitura.
- Em religião, indicação em textos litúrgicos acerca
do ofício, ex: de acordo com as rubricas do missal, a Eucaristia deve
terminar antes do amanhecer.
- Em tipografia,
alteração feita numa chapa tipográfica impressa
para adaptá-la a um novo trabalho levemente diferente do anterior.
- Em jornalismo, coluna, secção ou
artigo em jornal, revista ou qualquer publicação periódica, ex: Em 2008, inaugurou uma participação
regular na revista “Um Café”, onde apresenta uma rubrica de
caráter sociodocumental.
- Em rádio
e televisão, atração de rádio ou televisão, ex: Portugalex
é uma rubrica humorística diária. Ou segmento dessa
atração, ex: A rubrica é apresentada às sextas e ocupa a
terceira parte do programa. Ou
ainda programa televisivo ou radiofónico com um assunto específico.
- Em contabilidade e finanças, designação de uma classificação orçamental.
***
Em pedagogia, rubrica
é um conjunto de critérios e normas, associados a objetivos, para avaliar um
nível de desempenho ou tarefa de aprendizagem. É ferramenta de classificação
usada para realizar avaliações objetivas; um rol de critérios e padrões
relacionados com os objetivos utilizados para avaliar o desempenho dos alunos
na criação de artigos, projetos, ensaios e outras tarefas de aprendizagem; um
instrumento utilizado para padronizar a avaliação de acordo com critérios
específicos, tornando a classificação mais simples, mais transparente e sustentada
em critérios de avaliação consistentes. É, enfim, o termo em destaque usado
para obter uma avaliação justa e precisa, promover a compreensão e indicar como
proceder em ordem a aprendizagem/ensino consistente. Essa integração de
avaliação de desempenho e feedback é
chamada rubrica. Incrementalmente, instrutores com base em rubricas para
avaliar o desempenho dos alunos tendem a compartilhar a secção no momento da
avaliação. Além disso, para ajudar os alunos a compreenderem a relação das
tarefas com o conteúdo do curso, uma secção conjunta pode aumentar a capacidade
de entendimento do aluno em sala de aula.
***
Em liturgia, as rubricas são as instruções sobre o que o ministro
da Igreja deve fazer durante um serviço litúrgico, patentes em missais e outras
formas de livro de serviço, deixando a preto os formulários que devem ser lidos
em voz alta. A partir daí, rubrica significará a instrução num
texto, independentemente da forma como está escrito ou impresso, complementada
em celebrações mais complexas e solenes com as indicações do mestre-de-cerimónias
ou cerimoniário. De facto, este é o mais antigo significado da palavra quando
surge em 1375 na literatura
inglesa. Em termos gerais, a rubrica poderia referir-se a qualquer ação
litúrgica habitualmente efetuada ao longo de um serviço, estivesse ela ou não
realmente escrita.
A história, status e autoridade do conteúdo das
rubricas é uma questão de importância, às vezes polémica, entre os estudiosos
da liturgia. No passado, havia teólogos a distinguir entre as rubricas consideradas
de origem divina e as de mera origem eclesiástica. Originariamente, as rubricas
eram indicações orais, que depois foram escritas com o texto ou em volumes
separados. Os livros mais antigos de serviço sobreviventes não as possuem, mas,
a partir de referências nos escritos do primeiro milénio, parece que também as rubricas
escritas já existiam.
As rubricas
abrangiam questões como as vestes
litúrgicas que deviam ser usadas, a aparência do altar, e de
maneira geral as ações do ministro durante um serviço litúrgico. Nos livros de
serviços modernos, como o Missal Romano, longas rubricas
gerais ou instruções (atualmente
impressas a preto)
abordam essas questões, mas os formulários a serem pronunciados na missa e num
sacramento ou num sacramental contêm rubricas básicas, ainda impressas em
vermelho.
Com a impressão, efeitos tipográficos, como o itálico, negrito ou o uso de um tipo de tamanho diferente, entraram em uso para enfatizar
uma secção de texto; e, como a impressão a duas cores é mais cara e morosa, as rubricas
vermelhas tendiam a ser reservadas especificamente para os livros de serviços
religiosos, edições de luxo, ou livros onde o design é enfatizado.
***
Concluindo:
para qualquer significado de rubrica,
a grafia correta da palavra é sem acento tónico no u. “Rubrica” é palavra
grave e, por isso, a pronunciação correta é sempre “rubríca”. É feio os
portugueses cultos cometerem este erro, como em pudico e impudico.
2017.04.01 – Louro de Carvalho
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