sábado, 1 de abril de 2017

“Rubrica”, não rúbrica!

Participei na assembleia geral ordinária de uma venerável instituição e os meus ouvidos reagiam muito mal à pronúncia errada da palavra rubrica por parte do técnico superior responsável pelas contas. Ante um mundo tão esdrúxulo arrepiava-me que o técnico superior esdruxulasse ou “proparoxitonasse” esta palavra do nosso léxico tão grave ou paroxítona por natureza, como são as terminadas por -a,-e, e -o, tanto no singular como no plural, não precisando, por isso, de acento gráfico. Nem sei se o técnico superior fez o seu curso em Espanha ou não. O certo é que estamos em Portugal, e este erro é muito frequente.
Alguns têm a veleidade de distinguir “rubrica” orçamental e contabilística de “rúbrica” como assinatura abreviada. Também não lhes assiste razão nem do lado da etimologia nem do lado da tradição linguística portuguesa. A palavra é rubrica sempre grave ou paroxítona. E pronto!
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Rubrica provém da palavra latina rubrica, em que a vogal “i” é longa. Por isso, perdida a noção da quantidade vocálica (longa, breve ou comum – que faz a sílaba breve ou longa aliada a outras circunstâncias) e adquirida a noção da qualidade vocálica (a tornar as sílabas tónicas e átonas), a sílaba bri- passou a ser acentuada foneticamente embora sem a presença do acento agudo gráfico por a palavra ser grave por natureza.
No latim, a palavra “rubrica” é um nome feminino da 1.ª declinação (tema em -a) que significa “terra vermelha” ou “ocra vermelha”, que servia para escrever os títulos das leis ou a designação dos seus capítulos e artigos. Por isso, significava a rubrica ou título de lei. Noutra aceção, significava vermelhão ou tinta vermelha para o rosto. Deriva, por conversão, do pouco usado adjetivo triforme da 1.ª classe rubricus, rubrica rubricum – que, por sua vez, derivava de ruber (ou rubrus), rubra, rubrum (relacionado com rutus, robus, robur ou russus), que significava: vermelho, rubro, ruivo. Daqui, proelia rubrica picta, combates desenhados a vermelho, rubrum mare, mar vermelho ou mar eritreu, golfo pérsico ou golfo arábico – como a saxa rubra, a Arábia. O aeroporto de Sá Carneiro situa-se na localidade de “Pedras Rubras”.
Da sua família são: rubedo (nome), a significar “cor vermelha”; rubefacio (verbo), que significava “tornar vermelho”; rubelius (adjetivo diminutivo de ruber), que significava “vermelho”; rubelium (nome), que significava “vinho palhete”; rubelliana (nome), a significar espécie de “vinha” avermelhada; rubellio (nome), a significar “peixe vermelho”; rubellulus (diminutivo de rubellus), a significar “ligeiramente vermelho”; rubellus (diminutivo de ruber), a significar, “a puxar para o vermelho”; rubens, entis (particípio presente de rubeo), a significar “vermelho”, “colorido”, “ardente”, “esmaltado”; rubeo (verbo), a significar “estar vermelho”, “ser tinto de vermelho”, “corar”, “fazer-se vermelho”, “reproduzir pela cor vermelha”; rubesco (verbo), a significar “tornar-se vermelho”, “corar” (de vergonha); rubeta (nome), que significava “espécie de sapo venenoso” (o nome provém da cor ou do facto de viver em moitas); rubetum (nome usado sobretudo no plural), a significar “silvado” (tom avermelhado), “moita de silvas”; rubeus (adjetivo), que significava “vermelho”, “ruivo”, “de silva”; rubia (nome), a significar “ruiva” (planta); rubibundus (adjetivo), a significar “vermelho”, “rubicundo”; rubico (verbo), a significar “tornar vermelho”; rubicondosus (adjetivo), a significar “vermelho”; rubicundulus (adjetivo diminutivo), a significar “um tanto rubicundo”; rubicundus (adjetico), “vermelho”, “rubicundo”; rubidus ou robidus (adjetivo), a significar “vermelho”; rubigalia ou robigalia (nome neutro no plural), que significava “robigais” (festas a Robigo, deusa da ferrugem dos cereais); rubiginosus ou robiginosus (adjetivo), que significava “ferrugento”, “enferrujado” e “invejoso” (sentido figurado); rubigo ou robigo (nome), a significar “ferrugem” (dos metais ou das searas), “sarro dos dentes”, e “inação”, “ociosidade”, “preguiça”, “ronha”, “vícios”, “abuso” (sentido figurado); rubigus (m), robigus (m), e robigo (f) (nomes), a significar “alforra”, “divindade que preservava da alforra as searas”; rubor (nome), que significava “vermelhidão”, “cor vermelha”, “rubor” (no rosto por vergonha ou pudor), “pudor”, “pejo”, “vergonha”, “modéstia”, “desonra”, “ornato afetado”; rubrico (verbo), que significava “tornar vermelho”; rubricatus (particípio passado de rubrico), a significar “enrubescido”; rubricosus (adjetivo), que significava “que tem muitas rubricas” (manchas ou pintas vermelhas); rubus (nome masculino), que significava “amora brava”, “silva”, “framboesa”, “framboeseiro”.
E temos nomes próprios de algum modo conexos com vermelhidão ou cor afim: Rubella (Rubela, nome de homem); Rubellinus (Rubelino, nome de homem) e Rubellius (Rubélio, nome de homem); Rubi, Ruborum (nome plural: Rubos ou Ruvo, cidade da Apúlia); Rubico e Rubicon (Rubicão, nome de rio entre a Gália Cisalpina e a Itália); Rubrius (Rúbrio, nome de homem); e Rubigalia, Robigalia, Rubigo, Robigo, Robigus, e Rubigus, já referidos também como nomes comuns.
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Rubrica significa “pequena anotação” e, por analogia, assinatura abreviada. É palavra ou parte dum texto, tradicionalmente escrita ou impressa em tinta vermelha para destacá-la, muito usada na correção e classificação de provas escritas, para distinguir do texto do aluno, e em pautas para assinalar o aluno reprovado. Em prova, o classificador assina de forma abreviada a vermelho.
A palavra deriva, como se viu, do latim rubrica, ou seja, ocre vermelho ou giz vermelho, e tem origem nos manuscritos da Idade Média, sobretudo do século XIII ou anterior. Nestes, letras vermelhas foram usadas para destacar iniciais maiúsculas (sobretudo de salmos), títulos de secção e nomes de importância religiosa – prática conhecida como rubricação. E pode referir-se a tinta vermelha usada para fazer os textos das rubricas ou qualquer tipo de pigmento usado para fazê-lo. Apesar de vermelho ser o mais utilizado, outras cores entraram em uso a partir do final da Idade Média em diante, tendo a palavra “rubrica” passado a ser usada para estas também.
Nos manuscritos antigos e códices, rubrica designava então a letra ou a linha inicial de um capítulo escrita em vermelho. Os títulos dos livros de Direito Civil e de Direito Canónico eram designados como rubrica, pois antigamente os títulos desses livros eram escritos a vermelho.
O vocábulo rubrica designa também um pequeno comentário escrito com a função de orientação de algo que está a ser executado ou de um lembrete para uso posterior. As rubricas, indicações cénicas ou didascálias (às vezes, designadas como texto secundário no teatro em contraposição às falas das personagens, texto principal) são usadas nos roteiros de cinema ou de teatro para indicar gestos ou movimentos dos atores, em pautas musicais ou em textos litúrgicos, para orientar o canto ou as celebrações. Rubrica corresponde, pois, também a uma anotação em vermelho, nos livros religiosos, para orientação litúrgica. De tal modo assim é que os liturgistas que se prendem mais às rubricas do que ao texto lecional ou oracional são denominados rubricistas e o seu vício se designa de rubricismo.
Na indústria, rubrica é uma argila avermelhada utilizada como corante ou como polimento e é um material também usado em pinturas ou gravuras de aspecto tosco. Antigamente os carpinteiros usavam o almagre para marcarem a madeira antes de a serrarem. De igual modo, em tempos antigos, essa argila avermelhada era usada em feridas para estancar o sangue.
Em tipografia, rubrica designa a alteração feita na chapa tipográfica para ser aproveitada posteriormente em outro trabalho.
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A partir do seu sentido original, vários sentidos veio a ganhar o termo, alargando-se o seu campo semântico. Geralmente, tais sentidos são patentes em frases como “sob [qualquer] rubrica”, por exemplo, “sob essa rubrica, [isso é verdade]” ou “[X foi feito] sob a rubrica de Y”. Também podem significar “uma regra autoritária”, “o título de um estatuto”, “algo sob o qual uma coisa está classificado: categoria”, “um comentário explicativo ou introdutório: Glosa”, “uma regra estabelecida, tradição ou costume”, “um guia que liste critérios específicos de classificação ou marcas académicas [atribuições]”.
Mas pode organizar-se uma listagem de sentidos inventariados para o termo rubrica:
- Título dos capítulos de direito civil e canónico (antigamente impressos a vermelho);
- Variedade de argila avermelhada que se emprega nas pinturas grosseiras e em vários usos industriais (almagre) ou almagre com que serradores e carpinteiros e marcam as linhas na madeira. 
- Assinatura abreviada ou cifrada, ex: Toda citação deve conter, dentre outros itens, a rubrica do juiz.
- Espécie de argila vermelha de uso industrial ou para pôr nas feridas e estancar o sangramento.
- Letra inicial ou primeira linha em códices e manuscritos antigos (que era escrita vermelho).
- Título impresso a vermelho nos antigos livros religiosos.
- Indicação geral de tópico em listas que permite a classificação dos seus elementos, ex: Há uma ampla gama de disciplinas incluídas sob a rubrica de biologia humana, o que pode ser visto na diversidade dos currículos das universidades que oferecem graduação na área e das revistas científicas especializadas no tema.
- Tema, assunto, matéria.
- Anotação, indicação, nota ou observação sobre algo a ser executado ou recordado posteriormente.
- Em cinema e teatro, texto em roteiro que descreve sobre a cena (personagens, local, ações, etc.) ou indicação escrita dos movimentos e gestos nos papéis dos atores.
- Em música, orientação de como executar determinado trecho musical, indicada na partitura.
- Em religião, indicação em textos litúrgicos acerca do ofício, ex: de acordo com as rubricas do missal, a Eucaristia deve terminar antes do amanhecer.
- Em tipografia, alteração feita numa chapa tipográfica impressa para adaptá-la a um novo trabalho levemente diferente do anterior.
- Em jornalismo, coluna, secção ou artigo em jornal, revista ou qualquer publicação periódica, ex: Em 2008, inaugurou uma participação regular na revista “Um Café”, onde apresenta uma rubrica de caráter sociodocumental.
- Em rádio e televisão, atração de rádio ou televisão, ex: Portugalex é uma rubrica humorística diária. Ou segmento dessa atração, ex: A rubrica é apresentada às sextas e ocupa a terceira parte do programa. Ou ainda programa televisivo ou radiofónico com um assunto específico.
- Em contabilidade e finanças, designação de uma classificação orçamental.
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Em pedagogia, rubrica é um conjunto de critérios e normas, associados a objetivos, para avaliar um nível de desempenho ou tarefa de aprendizagem. É ferramenta de classificação usada para realizar avaliações objetivas; um rol de critérios e padrões relacionados com os objetivos utilizados para avaliar o desempenho dos alunos na criação de artigos, projetos, ensaios e outras tarefas de aprendizagem; um instrumento utilizado para padronizar a avaliação de acordo com critérios específicos, tornando a classificação mais simples, mais transparente e sustentada em critérios de avaliação consistentes. É, enfim, o termo em destaque usado para obter uma avaliação justa e precisa, promover a compreensão e indicar como proceder em ordem a aprendizagem/ensino consistente. Essa integração de avaliação de desempenho e feedback é chamada rubrica. Incrementalmente, instrutores com base em rubricas para avaliar o desempenho dos alunos tendem a compartilhar a secção no momento da avaliação. Além disso, para ajudar os alunos a compreenderem a relação das tarefas com o conteúdo do curso, uma secção conjunta pode aumentar a capacidade de entendimento do aluno em sala de aula.
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Em liturgia, as rubricas são as instruções sobre o que o ministro da Igreja deve fazer durante um serviço litúrgico, patentes em missais e outras formas de livro de serviço, deixando a preto os formulários que devem ser lidos em voz alta. A partir daí, rubrica significará a instrução num texto, independentemente da forma como está escrito ou impresso, complementada em celebrações mais complexas e solenes com as indicações do mestre-de-cerimónias ou cerimoniário. De facto, este é o mais antigo significado da palavra quando surge em 1375 na literatura inglesa. Em termos gerais, a rubrica poderia referir-se a qualquer ação litúrgica habitualmente efetuada ao longo de um serviço, estivesse ela ou não realmente escrita.
A história, status e autoridade do conteúdo das rubricas é uma questão de importância, às vezes polémica, entre os estudiosos da liturgia. No passado, havia teólogos a distinguir entre as rubricas consideradas de origem divina e as de mera origem eclesiástica. Originariamente, as rubricas eram indicações orais, que depois foram escritas com o texto ou em volumes separados. Os livros mais antigos de serviço sobreviventes não as possuem, mas, a partir de referências nos escritos do primeiro milénio, parece que também as rubricas escritas já existiam.
As rubricas abrangiam questões como as vestes litúrgicas que deviam ser usadas, a aparência do altar, e de maneira geral as ações do ministro durante um serviço litúrgico. Nos livros de serviços modernos, como o Missal Romano, longas rubricas gerais ou instruções (atualmente impressas a preto) abordam essas questões, mas os formulários a serem pronunciados na missa e num sacramento ou num sacramental contêm rubricas básicas, ainda impressas em vermelho.
Com a impressão, efeitos tipográficos, como o itálico, negrito ou o uso de um tipo de tamanho diferente, entraram em uso para enfatizar uma secção de texto; e, como a impressão a duas cores é mais cara e morosa, as rubricas vermelhas tendiam a ser reservadas especificamente para os livros de serviços religiosos, edições de luxo, ou livros onde o design é enfatizado.
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Concluindo: para qualquer significado de rubrica, a grafia correta da palavra é sem acento tónico no u. “Rubrica” é palavra grave e, por isso, a pronunciação correta é sempre “rubríca”. É feio os portugueses cultos cometerem este erro, como em pudico e impudico.

2017.04.01 – Louro de Carvalho

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