Foi a
pergunta que os dois homens fizeram às mulheres para as prepararem para a Boa Nova
da Ressurreição: “Não está
aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na
Galileia, dizendo que o Filho do Homem
havia de ser entregue às mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao
terceiro dia.” (Lc 24,6-7). Por isso, a
mensagem da Páscoa de Cristo, da Páscoa da Igreja é: “Cristo ressuscitou dos mortos. Pela Sua morte venceu a morte, e aos mortos deu a vida.” (da Liturgia
bizantina, Tropário no dia de Páscoa: ‘Pentêkostárion’).
Por isso, Paulo dizia, em Antioquia
da Pisídia, aos israelitas e a todos os tementes a Deus:
“Nós vos anunciamos a Boa Nova de que
a promessa feita aos nossos pais a cumpriu Deus para nós, seus filhos, ao
ressuscitar Jesus” (At 13,32-33).
O mesmo anúncio tinha sido feito, no
dia de Pentecostes, em Jerusalém, por Pedro:
“David, como era profeta e sabia que Deus lhe
prometera, sob juramento, que um dos descendentes do seu sangue
havia de sentar-se no seu trono, viu e proclamou antecipadamente a
ressurreição de Cristo por estas palavras: ‘Não foi abandonado na
habitação dos mortos e a sua carne não conheceu a decomposição’. Foi este Jesus que Deus
ressuscitou, e disto nós somos testemunhas. Tendo sido elevado pelo poder de
Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou-o como vedes e
ouvis.
“Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza,
que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado.”
(At 2,30-33.36).
A ressurreição
é, pois, a verdade culminante da fé, crida e vivida como verdade central pela
comunidade cristã, transmitida como fundamental pela Tradição viva, plasmada
nos escritos do Novo Testamento e pregada como parte essencial do mistério pascal,
tal como a cruz. Esta ressurreição, captada pelos olhos da fé, é acontecimento
real, com manifestações historicamente verificadas, como atestam várias
passagens neotestamentárias. Assim, Paulo, o Apóstolo das Gentes, escreveu aos
Coríntios, pelo ano 56, sustentado na tradição com que travara conhecimento
aquando da sua conversão às portas de Damasco (cf At 9,3-18):
“Transmiti-vos, em primeiro lugar, o
mesmo que havia recebido: ‘Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as
Escrituras, e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as
Escrituras: a seguir, apareceu a Pedro, depois aos Doze’.” (1
Cor 15,3-4).
O primeiro sinal é o túmulo vazio
No contexto da Páscoa, o primeiro
elemento patenteado é o sepulcro vazio, que em si não constitui prova direta,
pois a ausência do corpo de Cristo poderia explicar-se doutro modo. Não
obstante, o sepulcro vazio constitui um sinal essencial enquanto ponto de
partida. A descoberta do facto pelos discípulos foi o primeiro passo para o
reconhecimento do facto da ressurreição. Foi o caso das santas mulheres, o de
Pedro e o do “discípulo que Jesus amava” (Jo 20,2) que, ao entrar no sepulcro vazio e ao descobrir “os lençóis no chão” (Jo 20,6), “viu e
acreditou” (Jo 20,8), porque entendeu que a ausência do
corpo de Jesus não podia ter sido obra humana e que Ele não regressara a uma
vida puramente terrena, como fora o caso de Lázaro (cf Jo 11,44).
O Ressuscitado apareceu
Maria Madalena e as demais santas
mulheres, que vieram para acabar de embalsamar o corpo do que fora sepultado à
pressa por causa do início do ‘sábado’, no fim da tarde de sexta-feira, foram
as primeiras pessoas a encontrar-se com o Ressuscitado. E por conseguinte, foram
elas as primeiras mensageiras da ressurreição de Cristo para os Apóstolos. Em
seguida, foi a eles que Jesus apareceu: primeiro a Pedro e, depois, aos Doze.
Pedro, incumbido de consolidar a fé dos seus irmãos, vê o Ressuscitado primeiro
que eles e é com base no seu testemunho que a comunidade exclama: ‘Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a
Simão’ (Lc 24,34.36). E apareceu, na tarde daquele dia, aos discípulos
que se dirigiam a Emaús, a quem explicou as partes da Escritura que diziam
respeito ao Messias e a quem, depois de responder ao convite para permanecer com
eles, Se deu a conhecer no instante da bênção e fração do pão, após o que
desapareceu de súbito (cf
Lc 24,13-35).
Depois, apareceu aos onze (Lc 24,36-53; Mt 28,16-18; Mc 16,14; Jo 20,19-23; 1 Cor 15,3-8).
Mensageiros celestes falaram
Os
evangelistas falam do encontro das mulheres que iam ao sepulcro na manhã do
primeiro dia da semana. Não sabiam quem lhes iria arredar a pedra que tapava a
entrada do túmulo. Porém, ao chegarem, a pedra está arredada e encontram seres
não terrestres – anjos segundo alguns relatos – que as interpelam. Assim, Lucas
conta:
“Estando
elas perplexas com o caso, apareceram-lhes dois homens em trajes
resplandecentes. Como estivessem
amedrontadas e voltassem o rosto para o chão, eles disseram-lhes: ‘Porque
buscais o Vivente entre os mortos?
Não está aqui; ressuscitou!...’.” (Lc 24,5-7).
Mateus introduz o elemento do terramoto:
“Nisto, houve um grande terramoto: o anjo do Senhor,
descendo do Céu, aproximou-se e removeu a pedra, sentando-se sobre ela. O seu
aspeto era como o dum relâmpago; e a sua túnica, branca como a neve. Os
guardas, com medo dele, puseram-se a tremer e ficaram como mortos. Mas o anjo
tomou a palavra e disse às mulheres: ‘Não tenhais medo. Sei que buscais Jesus,
o crucificado; não está aqui, pois ressuscitou, como tinha dito. Vinde, vede o
lugar onde jazia e ide depressa dizer aos seus discípulos: ‘Ele ressuscitou dos
mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis.’ Eis o que tinha para
vos dizer.” (Mt 28,2-7).
Marcos relata:
“Olharam e viram que a pedra tinha sido rolada para o
lado; e era muito grande. Entrando no sepulcro, viram um jovem sentado à
direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram assustadas. Ele disse-lhes: ‘Não
vos assusteis! Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou; não está
aqui. Vede o lugar onde o tinham depositado. Ide, pois, e dizei aos seus
discípulos e a Pedro: Ele precede-vos a
caminho da Galileia; lá o vereis, como vos tinha dito’. Saíram, fugindo do
sepulcro, pois estavam a tremer e fora de si. E não disseram nada a ninguém,
porque tinham medo.” (Mc 16,4-8).
Em João, os anjos não dão a notícia a Maria. Apenas a preparam para que o
Senhor fale:
“Maria estava junto ao
túmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para
dentro do túmulo e contemplou dois
anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à
cabeceira e o outro aos pés. Perguntaram-lhe:
‘Mulher, porque choras?’. E ela respondeu: ‘Porque levaram o meu Senhor e não
sei onde o puseram’.” (Jo 20,11-13).
***
Tudo quanto aconteceu nestes dias de
Páscoa desafia o compromisso de cada um dos Apóstolos – e em especial de Pedro
– na construção da era nova, que começa na manhã do dia de Páscoa. Como testemunhas
do Ressuscitado, os apóstolos são as pedras vivas do alicerce da Igreja. A fé
da primeira comunidade dos crentes está fundada no testemunho de homens
concretos, e mulheres concretas que os cristãos conheciam. Estas testemunhas da
ressurreição de Cristo são, em primeiro lugar, Pedro e os Doze e as santas
mulheres. Mas há outros: Paulo fala claramente de mais de quinhentas pessoas às
quais Jesus apareceu em conjunto, além de Tiago e de todos os Apóstolos. Face a estes testemunhos, não se pode dispensar
a ordem física para interpretar a ressurreição de Cristo. Temos de a reconhecer
como um facto histórico. Resulta, dos factos, que a fé dos discípulos foi
submetida à prova radical da paixão e morte de cruz, de antemão anunciada pelo
próprio Mestre. O abalo provocado pela paixão foi tão sério que, pelo menos,
alguns dos discípulos não acreditaram imediatamente na notícia da ressurreição.
Longe de nos apresentar uma comunidade tomada de exaltação mística, os
evangelhos apresentam-nos os discípulos abatidos, de “rosto sombrio” (Lc 24,17)
e apavorados – situação que os levou a não acreditarem nas santas mulheres,
regressadas da visita ao túmulo, parecendo um desvario as narrativas delas (cf Lc 24,11). Quando Jesus apareceu aos onze, na
tarde do dia de Páscoa, censurou-lhes a falta de fé e a teimosia em não
quererem crer naqueles que O tinham visto ressuscitado (cf Mc 16,14). E, confrontados com a
realidade do Ressuscitado, os discípulos ainda duvidavam, julgando ver um
fantasma ou impedidos pela alegria ou cheios de assombro. Tomé experimentará a
provação da dúvida, a que se seguiu a confissão resoluta da fé. Mas ainda
quando da última aparição na Galileia, referida por Mateus, alguns ainda
duvidavam (cf Mt 28,17). Por isso, é de todo inconsistente a hipótese
segundo a qual a ressurreição teria sido um produto da fé ou da credulidade dos
Apóstolos. Ao invés, a sua fé na ressurreição nasceu, sob a ação da graça
divina, da experiência direta da realidade do Ressuscitado.
O estado da humanidade ressuscitada
de Cristo
O Ressuscitado estabelece com os
discípulos relações diretas, através do contacto físico e da participação na
refeição. Assim, convida-os a reconhecer que não é um espírito ou fantasma e,
sobretudo, a verificar que o corpo ressuscitado, com o qual se lhes apresenta,
é o mesmo que foi torturado e crucificado, pois traz os vestígios da paixão. No
entanto, este corpo autêntico e real possui as propriedades do corpo glorioso:
não está situado no espaço e no tempo, mas pode livremente tornar-se presente
onde e quando quer porque a sua humanidade não pode ser retida sobre a terra e
já pertence exclusivamente ao domínio do Pai. Também por isso, o Ressuscitado é
soberanamente livre de aparecer como quer: na aparência dum jardineiro ou com
um aspeto diferente do que era familiar aos discípulos; e isso, precisamente,
para lhes suscitar a fé.
A ressurreição de Cristo não é um mero
regresso à vida terrena, como o das ressurreições que Ele realizou antes da
Páscoa: filha de Jairo, jovem de Naim e Lázaro. Esses factos eram milagrosos,
mas as pessoas miraculadas reencontravam, pelo poder de Jesus, a vida terrena
normal: em momento oportuno, voltariam a morrer. A ressurreição de Cristo é essencialmente
diferente. No corpo ressuscitado, Ele passa do estado de morte a uma outra vida
para lá do tempo e do espaço. O corpo ressuscitado de Cristo ficou cheio do
poder do Espírito Santo, participando da vida divina no estado da sua glória,
de tal modo que Paulo diz com propriedade que Jesus Cristo é o “homem celeste”
(cf 1Cor 15,35-50).
A ressurreição é acontecimento
transcendente
Ninguém foi testemunha ocular da
ressurreição e nenhum evangelista a descreve. Por isso, como se canta no
precónio pascal, a “noite bendita” foi “a única a ter conhecimento do tempo e
da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro”. Ninguém pôde dizer como se deu
fisicamente a sua ressurreição. Muito menos foi percetível aos sentidos a sua
essência mais íntima, a passagem a uma outra vida. O acontecimento histórico
comprovado pelo sinal do túmulo vazio e pela realidade dos encontros dos
Apóstolos com o Ressuscitado não deixa de estar, naquilo em que transcende e
ultrapassa a história, no próprio centro do mistério da fé. Foi por isso que o
Ressuscitado não Se manifestou ao mundo, mas
aos discípulos, “aos que tinham com Ele subido da Galileia a Jerusalém” e que são
agora suas testemunhas junto do povo (cf At 13,31).
A ressurreição é obra da Santíssima Trindade
A ressurreição é objeto de fé por ser
intervenção transcendente de Deus na criação e na história. Nela, as três
pessoas divinas agem em conjunto e manifestam a sua originalidade: realizou-se
pelo poder do Pai, que ressuscitou (At 2,24) Cristo seu Filho e introduziu de modo perfeito a sua
humanidade com o seu corpo na Trindade. Jesus foi revelado Filho de Deus em
todo o seu poder, pela sua ressurreição de entre os mortos (Rm 1,4). Paulo insiste na manifestação do poder de Deus por obra do
Espírito, que vivificou a humanidade morta de Jesus e a chamou ao estado
glorioso de Senhor. O Filho opera a própria ressurreição mercê do seu poder
divino. Ele anuncia que o Filho do Homem deverá sofrer muito e, depois, ressuscitar
(no sentido ativo da
palavra). Aliás, é d’Ele
a afirmação explícita: ‘Dou a minha vida
para retomá-la [...] Tenho o poder de
a dar e de a retomar (Jo 10,17-18). E “nós cremos que Jesus morreu e depois ressuscitou” (1 Ts 4,14).
Os Santos Padres contemplam a
ressurreição a partir da pessoa divina de Cristo, que ficou unida à sua alma e
ao seu corpo, separados entre si pela morte. Assim Gregório de Nisa diz:
“Pela unidade da natureza divina, que
continua presente em cada uma das duas partes do homem, estas unem-se de novo.
Assim, a morte é produzida pela separação do composto humano e a ressurreição
pela união das duas partes separadas.” (In Christi
Ress. Hom. I: PG 46, 617B).
Alcance salvífico da ressurreição
“Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vã e é
vã a vossa fé” (1Cor 15,14). Assim, a ressurreição é a confirmação de quanto Jesus fez e ensinou. A
verdade da autoridade divina de Jesus encontra a justificação no facto de
Cristo ter dado a sua prova definitiva ressuscitando. A ressurreição de Cristo
é o cumprimento das promessas do Antigo Testamento e de Jesus durante
a sua vida terrena – o que fica vincado na expressão “segundo as Escrituras”. A
ressurreição confirma a verdade da divindade
de Jesus, pois Ele disse: “Quando elevardes o Filho do Homem, sabereis que “Eu
Sou” (Jo 8,28). Assim, a ressurreição do Crucificado garante que
Ele é efetivamente o “Eu Sou”, o Filho de Deus e Ele próprio Deus. Paulo pôde,
por isso, declarar:
“E nós vos anunciamos a Boa Nova de
que a promessa feita aos nossos pais, cumpriu-a Deus para os filhos deles ao
ressuscitar Jesus, como justamente está escrito no Salmo segundo: ‘Tu és meu
Filho, Eu gerei-Te hoje’.” (At 13,32-33).
O mistério da ressurreição de Cristo
está estreitamente ligado ao mistério da Encarnação do Verbo. É dele o
cumprimento, segundo o desígnio eterno de Deus.
E há um duplo aspeto no mistério
pascal: pela sua morte, Cristo liberta-nos do pecado; e, pela sua ressurreição,
abre-nos o acesso a uma nova vida. Esta é a justificação que nos repõe na graça de Deus, “para
que, tal como Cristo ressuscitou dos mortos [...], também nós vivamos uma vida
nova” (Rm 6,4), que consiste
na vitória sobre a morte do pecado e na nova participação na graça; e realiza a adoção filial, porque os homens se tornam irmãos
de Cristo, como Jesus chama aos discípulos após a ressurreição: ‘Ide anunciar aos meus irmãos’ (Mt 28,10) – irmãos, não por natureza, mas por dom da graça, porque esta filiação
adotiva proporciona a participação real na vida do Filho, plenamente revelada
na ressurreição. Por fim, a
ressurreição de Cristo – e o próprio Cristo – é princípio e fonte da nossa ressurreição futura, como assegura Paulo:
“Cristo ressuscitou dos mortos como
primícias dos que morreram [...]. Do mesmo modo que em Adão todos morreram,
assim também em Cristo serão todos restituídos à vida” (1Cor 15,20-22).
Na expectativa de que este desígnio
se realize, o Ressuscitado vive no coração dos fiéis. N’Ele, os cristãos ‘saboreiam
as maravilhas do mundo vindouro’ (Heb 6,5) e a sua vida é atraída por Cristo para o seio da plena vida divina “para
que os vivos deixem de viver para si próprios e vivam para Aquele que morreu e
ressuscitou por eles” (2Cor 5,15).
***
Por isso, purifiquemo-nos do fermento
velho da malícia e celebremos festivamente a Páscoa com os pães ázimos da
pureza e da verdade (cf 1Cor
5,7.8) aspirando sempre
às coisas do Alto onde Cristo, que é a nossa vida, Se encontra (cf Cl 3,2.4).
2017.04.16 –
Louro de Carvalho
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