domingo, 16 de abril de 2017

Por que motivo procurais entre os mortos Aquele que está vivo? (Lc 24,5)

Foi a pergunta que os dois homens fizeram às mulheres para as prepararem para a Boa Nova da Ressurreição: “Não está aqui. Ressuscitou! Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na Galileia, dizendo que o Filho do Homem havia de ser entregue às mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia.” (Lc 24,6-7). Por isso, a mensagem da Páscoa de Cristo, da Páscoa da Igreja é:Cristo ressuscitou dos mortos. Pela Sua morte venceu a morte, e aos mortos deu a vida.” (da Liturgia bizantina, Tropário no dia de Páscoa: ‘Pentêkostárion’).
Por isso, Paulo dizia, em Antioquia da Pisídia, aos israelitas e a todos os tementes a Deus:
“Nós vos anunciamos a Boa Nova de que a promessa feita aos nossos pais a cumpriu Deus para nós, seus filhos, ao ressuscitar Jesus” (At 13,32-33).
O mesmo anúncio tinha sido feito, no dia de Pentecostes, em Jerusalém, por Pedro:
“David, como era profeta e sabia que Deus lhe prometera, sob juramento, que um dos descendentes do seu sangue havia de sentar-se no seu trono, viu e proclamou antecipadamente a ressurreição de Cristo por estas palavras: ‘Não foi abandonado na habitação dos mortos e a sua carne não conheceu a decomposição’. Foi este Jesus que Deus ressuscitou, e disto nós somos testemunhas. Tendo sido elevado pelo poder de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou-o como vedes e ouvis.
“Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza, que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado.” (At 2,30-33.36).
A ressurreição é, pois, a verdade culminante da fé, crida e vivida como verdade central pela comunidade cristã, transmitida como fundamental pela Tradição viva, plasmada nos escritos do Novo Testamento e pregada como parte essencial do mistério pascal, tal como a cruz. Esta ressurreição, captada pelos olhos da fé, é acontecimento real, com manifestações historicamente verificadas, como atestam várias passagens neotestamentárias. Assim, Paulo, o Apóstolo das Gentes, escreveu aos Coríntios, pelo ano 56, sustentado na tradição com que travara conhecimento aquando da sua conversão às portas de Damasco (cf At 9,3-18):
“Transmiti-vos, em primeiro lugar, o mesmo que havia recebido: ‘Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras: a seguir, apareceu a Pedro, depois aos Doze’.” (1 Cor 15,3-4).
O primeiro sinal é o túmulo vazio
No contexto da Páscoa, o primeiro elemento patenteado é o sepulcro vazio, que em si não constitui prova direta, pois a ausência do corpo de Cristo poderia explicar-se doutro modo. Não obstante, o sepulcro vazio constitui um sinal essencial enquanto ponto de partida. A descoberta do facto pelos discípulos foi o primeiro passo para o reconhecimento do facto da ressurreição. Foi o caso das santas mulheres, o de Pedro e o do “discípulo que Jesus amava” (Jo 20,2) que, ao entrar no sepulcro vazio e ao descobrir “os lençóis no chão” (Jo 20,6), “viu e acreditou” (Jo 20,8), porque entendeu que a ausência do corpo de Jesus não podia ter sido obra humana e que Ele não regressara a uma vida puramente terrena, como fora o caso de Lázaro (cf Jo 11,44).
O Ressuscitado apareceu
Maria Madalena e as demais santas mulheres, que vieram para acabar de embalsamar o corpo do que fora sepultado à pressa por causa do início do ‘sábado’, no fim da tarde de sexta-feira, foram as primeiras pessoas a encontrar-se com o Ressuscitado. E por conseguinte, foram elas as primeiras mensageiras da ressurreição de Cristo para os Apóstolos. Em seguida, foi a eles que Jesus apareceu: primeiro a Pedro e, depois, aos Doze. Pedro, incumbido de consolidar a fé dos seus irmãos, vê o Ressuscitado primeiro que eles e é com base no seu testemunho que a comunidade exclama: ‘Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão (Lc 24,34.36). E apareceu, na tarde daquele dia, aos discípulos que se dirigiam a Emaús, a quem explicou as partes da Escritura que diziam respeito ao Messias e a quem, depois de responder ao convite para permanecer com eles, Se deu a conhecer no instante da bênção e fração do pão, após o que desapareceu de súbito (cf Lc 24,13-35).
Depois, apareceu aos onze (Lc 24,36-53; Mt 28,16-18; Mc 16,14; Jo 20,19-23; 1 Cor 15,3-8).
Mensageiros celestes falaram
Os evangelistas falam do encontro das mulheres que iam ao sepulcro na manhã do primeiro dia da semana. Não sabiam quem lhes iria arredar a pedra que tapava a entrada do túmulo. Porém, ao chegarem, a pedra está arredada e encontram seres não terrestres – anjos segundo alguns relatos – que as interpelam. Assim, Lucas conta:
“Estando elas perplexas com o caso, apareceram-lhes dois homens em trajes resplandecentes. Como estivessem amedrontadas e voltassem o rosto para o chão, eles disseram-lhes: ‘Porque buscais o Vivente entre os mortos?  Não está aqui; ressuscitou!...’.” (Lc 24,5-7).
Mateus introduz o elemento do terramoto:
“Nisto, houve um grande terramoto: o anjo do Senhor, descendo do Céu, aproximou-se e removeu a pedra, sentando-se sobre ela. O seu aspeto era como o dum relâmpago; e a sua túnica, branca como a neve. Os guardas, com medo dele, puseram-se a tremer e ficaram como mortos. Mas o anjo tomou a palavra e disse às mulheres: ‘Não tenhais medo. Sei que buscais Jesus, o crucificado; não está aqui, pois ressuscitou, como tinha dito. Vinde, vede o lugar onde jazia e ide depressa dizer aos seus discípulos: ‘Ele ressuscitou dos mortos e vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis.’ Eis o que tinha para vos dizer.” (Mt 28,2-7).
Marcos relata:
“Olharam e viram que a pedra tinha sido rolada para o lado; e era muito grande. Entrando no sepulcro, viram um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram assustadas. Ele disse-lhes: ‘Não vos assusteis! Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou; não está aqui. Vede o lugar onde o tinham depositado. Ide, pois, e dizei aos seus discípulos e a Pedro: Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá o vereis, como vos tinha dito’. Saíram, fugindo do sepulcro, pois estavam a tremer e fora de si. E não disseram nada a ninguém, porque tinham medo.” (Mc 16,4-8).
Em João, os anjos não dão a notícia a Maria. Apenas a preparam para que o Senhor fale:
“Maria estava junto ao túmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para dentro do túmulo e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. Perguntaram-lhe: ‘Mulher, porque choras?’. E ela respondeu: ‘Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram’.” (Jo 20,11-13).
***
Tudo quanto aconteceu nestes dias de Páscoa desafia o compromisso de cada um dos Apóstolos – e em especial de Pedro – na construção da era nova, que começa na manhã do dia de Páscoa. Como testemunhas do Ressuscitado, os apóstolos são as pedras vivas do alicerce da Igreja. A fé da primeira comunidade dos crentes está fundada no testemunho de homens concretos, e mulheres concretas que os cristãos conheciam. Estas testemunhas da ressurreição de Cristo são, em primeiro lugar, Pedro e os Doze e as santas mulheres. Mas há outros: Paulo fala claramente de mais de quinhentas pessoas às quais Jesus apareceu em conjunto, além de Tiago e de todos os Apóstolos. Face a estes testemunhos, não se pode dispensar a ordem física para interpretar a ressurreição de Cristo. Temos de a reconhecer como um facto histórico. Resulta, dos factos, que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e morte de cruz, de antemão anunciada pelo próprio Mestre. O abalo provocado pela paixão foi tão sério que, pelo menos, alguns dos discípulos não acreditaram imediatamente na notícia da ressurreição. Longe de nos apresentar uma comunidade tomada de exaltação mística, os evangelhos apresentam-nos os discípulos abatidos, de “rosto sombrio” (Lc 24,17) e apavorados – situação que os levou a não acreditarem nas santas mulheres, regressadas da visita ao túmulo, parecendo um desvario as narrativas delas (cf Lc 24,11). Quando Jesus apareceu aos onze, na tarde do dia de Páscoa, censurou-lhes a falta de fé e a teimosia em não quererem crer naqueles que O tinham visto ressuscitado (cf Mc 16,14). E, confrontados com a realidade do Ressuscitado, os discípulos ainda duvidavam, julgando ver um fantasma ou impedidos pela alegria ou cheios de assombro. Tomé experimentará a provação da dúvida, a que se seguiu a confissão resoluta da fé. Mas ainda quando da última aparição na Galileia, referida por Mateus, alguns ainda duvidavam (cf Mt 28,17). Por isso, é de todo inconsistente a hipótese segundo a qual a ressurreição teria sido um produto da fé ou da credulidade dos Apóstolos. Ao invés, a sua fé na ressurreição nasceu, sob a ação da graça divina, da experiência direta da realidade do Ressuscitado.
O estado da humanidade ressuscitada de Cristo
O Ressuscitado estabelece com os discípulos relações diretas, através do contacto físico e da participação na refeição. Assim, convida-os a reconhecer que não é um espírito ou fantasma e, sobretudo, a verificar que o corpo ressuscitado, com o qual se lhes apresenta, é o mesmo que foi torturado e crucificado, pois traz os vestígios da paixão. No entanto, este corpo autêntico e real possui as propriedades do corpo glorioso: não está situado no espaço e no tempo, mas pode livremente tornar-se presente onde e quando quer porque a sua humanidade não pode ser retida sobre a terra e já pertence exclusivamente ao domínio do Pai. Também por isso, o Ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quer: na aparência dum jardineiro ou com um aspeto diferente do que era familiar aos discípulos; e isso, precisamente, para lhes suscitar a fé.
A ressurreição de Cristo não é um mero regresso à vida terrena, como o das ressurreições que Ele realizou antes da Páscoa: filha de Jairo, jovem de Naim e Lázaro. Esses factos eram milagrosos, mas as pessoas miraculadas reencontravam, pelo poder de Jesus, a vida terrena normal: em momento oportuno, voltariam a morrer. A ressurreição de Cristo é essencialmente diferente. No corpo ressuscitado, Ele passa do estado de morte a uma outra vida para lá do tempo e do espaço. O corpo ressuscitado de Cristo ficou cheio do poder do Espírito Santo, participando da vida divina no estado da sua glória, de tal modo que Paulo diz com propriedade que Jesus Cristo é o “homem celeste” (cf 1Cor 15,35-50).
A ressurreição é acontecimento transcendente
Ninguém foi testemunha ocular da ressurreição e nenhum evangelista a descreve. Por isso, como se canta no precónio pascal, a “noite bendita” foi “a única a ter conhecimento do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro”. Ninguém pôde dizer como se deu fisicamente a sua ressurreição. Muito menos foi percetível aos sentidos a sua essência mais íntima, a passagem a uma outra vida. O acontecimento histórico comprovado pelo sinal do túmulo vazio e pela realidade dos encontros dos Apóstolos com o Ressuscitado não deixa de estar, naquilo em que transcende e ultrapassa a história, no próprio centro do mistério da fé. Foi por isso que o Ressuscitado não Se manifestou ao mundo, mas aos discípulos, “aos que tinham com Ele subido da Galileia a Jerusalém” e que são agora suas testemunhas junto do povo (cf At 13,31).
A ressurreição é obra da Santíssima Trindade
A ressurreição é objeto de fé por ser intervenção transcendente de Deus na criação e na história. Nela, as três pessoas divinas agem em conjunto e manifestam a sua originalidade: realizou-se pelo poder do Pai, que ressuscitou (At 2,24) Cristo seu Filho e introduziu de modo perfeito a sua humanidade com o seu corpo na Trindade. Jesus foi revelado Filho de Deus em todo o seu poder, pela sua ressurreição de entre os mortos (Rm 1,4). Paulo insiste na manifestação do poder de Deus por obra do Espírito, que vivificou a humanidade morta de Jesus e a chamou ao estado glorioso de Senhor. O Filho opera a própria ressurreição mercê do seu poder divino. Ele anuncia que o Filho do Homem deverá sofrer muito e, depois, ressuscitar (no sentido ativo da palavra). Aliás, é d’Ele a afirmação explícita: ‘Dou a minha vida para retomá-la [...] Tenho o poder de a dar e de a retomar (Jo 10,17-18). E “nós cremos que Jesus morreu e depois ressuscitou” (1 Ts 4,14).
Os Santos Padres contemplam a ressurreição a partir da pessoa divina de Cristo, que ficou unida à sua alma e ao seu corpo, separados entre si pela morte. Assim Gregório de Nisa diz:
“Pela unidade da natureza divina, que continua presente em cada uma das duas partes do homem, estas unem-se de novo. Assim, a morte é produzida pela separação do composto humano e a ressurreição pela união das duas partes separadas.” (In Christi Ress. Hom. I: PG 46, 617B).
Alcance salvífico da ressurreição
Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vã e é vã a vossa fé” (1Cor 15,14). Assim, a ressurreição é a confirmação de quanto Jesus fez e ensinou. A verdade da autoridade divina de Jesus encontra a justificação no facto de Cristo ter dado a sua prova definitiva ressuscitando. A ressurreição de Cristo é o cumprimento das promessas do Antigo Testamento e de Jesus durante a sua vida terrena – o que fica vincado na expressão “segundo as Escrituras”. A ressurreição confirma a verdade da divindade de Jesus, pois Ele disse: “Quando elevardes o Filho do Homem, sabereis que “Eu Sou” (Jo 8,28). Assim, a ressurreição do Crucificado garante que Ele é efetivamente o “Eu Sou”, o Filho de Deus e Ele próprio Deus. Paulo pôde, por isso, declarar:
“E nós vos anunciamos a Boa Nova de que a promessa feita aos nossos pais, cumpriu-a Deus para os filhos deles ao ressuscitar Jesus, como justamente está escrito no Salmo segundo: ‘Tu és meu Filho, Eu gerei-Te hoje’.” (At 13,32-33).
O mistério da ressurreição de Cristo está estreitamente ligado ao mistério da Encarnação do Verbo. É dele o cumprimento, segundo o desígnio eterno de Deus.
E há um duplo aspeto no mistério pascal: pela sua morte, Cristo liberta-nos do pecado; e, pela sua ressurreição, abre-nos o acesso a uma nova vida. Esta é a justificação que nos repõe na graça de Deus, “para que, tal como Cristo ressuscitou dos mortos [...], também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6,4), que consiste na vitória sobre a morte do pecado e na nova participação na graça; e realiza a adoção filial, porque os homens se tornam irmãos de Cristo, como Jesus chama aos discípulos após a ressurreição: ‘Ide anunciar aos meus irmãos (Mt 28,10) – irmãos, não por natureza, mas por dom da graça, porque esta filiação adotiva proporciona a participação real na vida do Filho, plenamente revelada na ressurreição. Por fim, a ressurreição de Cristo – e o próprio Cristo – é princípio e fonte da nossa ressurreição futura, como assegura Paulo: 
“Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram [...]. Do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo serão todos restituídos à vida” (1Cor 15,20-22).
Na expectativa de que este desígnio se realize, o Ressuscitado vive no coração dos fiéis. N’Ele, os cristãos ‘saboreiam as maravilhas do mundo vindouro’ (Heb 6,5) e a sua vida é atraída por Cristo para o seio da plena vida divina “para que os vivos deixem de viver para si próprios e vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles” (2Cor 5,15).
***
Por isso, purifiquemo-nos do fermento velho da malícia e celebremos festivamente a Páscoa com os pães ázimos da pureza e da verdade (cf 1Cor 5,7.8) aspirando sempre às coisas do Alto onde Cristo, que é a nossa vida, Se encontra (cf Cl 3,2.4).

2017.04.16 – Louro de Carvalho

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