Que mundo! Já não sei dizer se a situação que se
vive no mundo é aguda a alastrar ou se é crónica com laivos de agudeza. Por isso,
resta o estilo da prece, da educação e do diálogo.
A comunicação social, embora de forma tímida,
acaba por assentar em que não há memória de tantos fogos ocorridos entre os
meses de janeiro e de abril, fora da época de maior risco. E, segundo o JN, já a GNR deteve pelo crime de
incêndio, nos primeiros quatro meses deste ano, 9 homens, com idades entre os
30 e os 65 anos – o que representa mais de um terço dos suspeitos presos em todo o ano de 2016. As chamas
destruíram cerca de 11 mil hectares de espaços florestais e 2017 ficará na
história pelos piores motivos: os incêndios florestais fora da época de risco. Se assim
é fora de época, o prenúncio para dentro da época não pode ser otimista. E avizinha-se
o espetáculo do ar pesado, do fumo e céu toldado e das labaredas. Esperamos que
não haja óbitos, feridos graves, desalojados e evacuados. Mas a prevenção com
base no ordenamento florestal tarda enquanto o país se prepara para arder; e a mobilização
de meios sacrifica bombeiros, põe em acelerado rodopio a proteção civil e engorda
as empresas de fornecimento, distribuição e manutenção de equipamentos. E, depois,
vêm as notícias de que o espetáculo é semelhante em muitos recantos do planeta.
Não se faz política da terra queimada, mas parece
que a política assiste impávida ou impotente ao espetáculo da queima da terra! Ou
assobia para o lado e empurra a barriga para a frente…
***
Também as notícias registam o facto de, segundo
fontes policiais e hospitalares, quatro pessoas terem morrido e oito ficado
feridas, no passado dia 27, num ataque com um carro-bomba a uma esquadra no
centro de Bagdade.
Com efeito, Saad Mann, porta-voz do Ministério da Administração Interna e
do Comando de Operações de Bagdade, disse que o ataque foi realizado por um
bombista suicida, falando só em três mortos, que são policias. Todavia, as
fontes da polícia e do hospital, que falaram à Associated Press sob anonimato, apontaram para quatro mortos.
Momentos depois do ataque, era visível a coluna de fumo negro vinda do
carro a arder e a polícia dava alguns tiros para o ar para dispersar uma
pequena multidão.
O ataque ocorreu quando as forças iraquianas lutavam para empurrar o grupo do
Estado Islâmico para a cidade de Mossul, no nordeste do país, a última área
urbana que o grupo domina no Iraque.
Este é notório ato de terrorismo em espaço de guerra. Mas há outros de que
temos memória ainda fresca: Paris, Bruxelas, Berlim, Nice, Londres, São Petersburgo, Estocolmo, Egito…
Depois, os instrumentos de atos de terrorismo, além das armas
convencionais, passam a ser também os intimidantes sacos, envelopes, carteiras,
telefonemas, o perigoso e programado jogo online
“baleia azul” – um dos “erros da Rússia” –, o avião-bomba, o homem-bomba, o
carro-bomba ou o camião atropelante…
E atacam-se prédios, estações de metro, peões em ruas ou em espaços
pedonais. Tudo vale, mesmo tirar olhos. Tempos de selvajaria civilizada ou encontro
de desencontros!
***
Numa guerra aos pedaços, que vem ameaçando o mundo, destrói-se um país,
utilizam-se armas químicas (gás
sarin), lançam-se numa noite 59 mísseis sobre uma zona concreta cirurgicamente
definida, mobiliza-se uma gigantona arma não nuclear contra túneis em zona montanhosa
do Afeganistão, alegadamente para abater elementos do autoproclamado Estado Islâmico
ali acantonados. E, hipocritamente dão-se números aos pinguinhos sobre os mortos
pela dita mãe de todas as bombas, a norte-americana bomba termobárica. E, quando
os russos dizem possuir o pai de todas as bombas, a informação vem declarar, em
tom de frustração, que, afinal os alvejados túneis não foram destruídos.
A Coreia do Norte, entretanto, persiste na produção de testes de mísseis (com ou sem falhanço) e ameaça destruir o
porta-aviões norte-americano que foi deslocado para as proximidades. E Donald Trump,
que pensava não ser tão difícil a presidência dos EUA, embora prefira a negociação
diplomática, avisa que podemos ter um enorme conflito dom a Coreia do Norte.
É a guerra na sua face mais soft.
Mata e diz que não mata; usa as armas e a sua utilização e minimiza os
resultados. Mata civis ou usa-os como escudo humano. Impõe, ameaça, ataca
cirurgicamente e, sobretudo, cria ambiente de medo e de terror. Demente,
confirma e mente!
Razão tem o Papa Francisco quando intercede perante Deus e os decisores humanos
(e estes é que são perigosos, inamovíveis,
teimosos, egoístas…) pela paz na Síria, no Afeganistão ou no Médio
Oriente. E deve ser escutado e acompanhado nas suas viagens a países problemáticos
como a República Centro-Africana ou o Egito.
Razão tem o patriarca Kirril quando
implora que “Deus
liberte a Rússia e o mundo do terror” ou afirma que “devemos reconhecer
a importância de manter uma vida pacífica”.
***
Perante
este mundo em situação pré-caótica, talvez brilhem pela oportunidade algumas
das afirmações de Francisco proferidas no seu discurso no quadro da Conferência Internacional em prol da Paz
idealizada e organizada pelo Grande Imã no Egito, por ocasião da visita papal.
O Papa elege “a busca do saber e o valor da instrução”
como “opções fecundas de desenvolvimento empreendidas pelos antigos habitantes”
do Egito, que se traduzem em “opções necessárias também para o futuro, opções
de paz e em prol da paz, porque não haverá paz sem uma educação adequada das
gerações jovens”. E esta educação será adequada para os jovens de hoje se corresponder
“à natureza do homem, ser aberto e relacional”.
E Francisco assegura que a educação se torna “sabedoria
de vida, quando é capaz de tirar do homem, em contacto com Aquele que o
transcende e com aquilo que o rodeia, o melhor de si, formando identidades não
fechadas em si mesmas”. Com efeito, “a sabedoria procura o outro, superando a
tentação da rigidez e fechamento”; é “aberta e em movimento, humilde e ao mesmo
tempo indagadora”; e, certamente, “sabe valorizar o passado e pô-lo em diálogo
com o presente, sem renunciar a uma hermenêutica adequada”. Por outro lado, “prepara
um futuro em que se visa fazer prevalecer, não a própria parte, mas o outro
como parte integrante de si mesmo”; não se cansa de “individuar, no presente,
ocasiões de encontro e partilha”, aprendendo, do passado, “que do mal brota
unicamente mal, e da violência só violência, numa espiral que acaba por nos
fazer prisioneiros”. Ademais, “rejeitando a avidez de prevaricação, coloca no
centro a dignidade do homem” e uma ética “digna do homem, rejeitando o medo do
outro e o temor de conhecer, mediante os meios de que o dotou o Criador”.
E,
discorrendo sobre o diálogo, como caminho para a paz, o Pontífice aponta três
diretrizes fundamentais: a identidade, a alteridade e a sinceridade. Pela
identidade, entende-se não poder “construir diálogo sobre a
ambiguidade nem sobre o sacrifício do bem para agradar ao outro”; pela
alteridade, percebe-se que o ser cultural ou religiosamente diferente “não
deve ser visto e tratado como um inimigo”, mas como companheiro de viagem, na
convicção de que “o bem de cada um reside no bem de todos”; e pela sinceridade, pensa-se o diálogo “enquanto
expressão autêntica do humano” e não como “estratégia para se conseguir
segundos fins” – caminho de verdade a ser pacientemente empreendido para fazer,
da competição, colaboração.
Assim,
o Papa Francisco enuncia as verdadeiras marcas da educação para a paz no diálogo:
“Educar para a abertura
respeitosa e o diálogo sincero com o outro, reconhecendo os seus direitos e
liberdades fundamentais, especialmente a religiosa, constitui o melhor caminho
para construir juntos o futuro, para ser construtores de civilização.
Porque a única alternativa à civilização
do encontro é a incivilidade do conflito; não
há outra. E, para contrastar verdadeiramente a barbárie de quem sopra sobre o
ódio e incita à violência, é preciso acompanhar e fazer amadurecer gerações
que, à lógica incendiária do mal, respondam com o crescimento paciente do bem:
jovens que, como árvores bem plantadas, estejam enraizadas no terreno da
história e, crescendo para o Alto e junto dos outros, transformem dia a dia o
ar poluído do ódio no oxigénio da fraternidade.”.
Desejando que “se levante o sol duma renovada
fraternidade em nome de Deus e surja desta terra, beijada pelo sol, o alvorecer
duma civilização da paz e do
encontro”, implora a intercessão de São Francisco de Assis, que veio ao
Egito e encontrou o Sultão Malik al Kamil.
E, verificando que, “no Egito, não surgiu
apenas o sol da sabedoria”, mas também “a luz policromática das religiões”,
sendo que as diferenças entre elas constituíram “uma forma de enriquecimento
recíproco ao serviço da única comunidade nacional”, constata o encontro de crenças diferentes e a mistura de
várias culturas, “sem se confundirem mas reconhecendo a importância de se aliarem para o bem comum” – alianças deste género mais
urgentes hoje.
E
a sua urgência justifica-se pelo “perdurar hodierno dum paradoxo perigoso”, que
Francisco carateriza assim:
“Por um lado, tende-se a
relegar a religião para a esfera privada, não a reconhecendo como dimensão
constitutiva do ser humano e da sociedade e, por outro, confundem-se, não as
distinguindo adequadamente, as esferas religiosa e política. A religião corre o
risco de ser absorvida pela gestão de assuntos temporais e tentada pelas
adulações de poderes mundanos que, na realidade, a instrumentalizam. Num mundo
que globalizou muitos instrumentos técnicos úteis, mas ao mesmo tempo tanta
indiferença e negligências, e que corre a uma velocidade frenética,
dificilmente sustentável, sente-se a nostalgia das grandes questões de sentido
que as religiões fazem aflorar e que suscitam a memória das próprias origens: a
vocação do homem, que não foi feito para se exaurir na precariedade dos
assuntos terrenos, mas para se encaminhar rumo ao Absoluto para o qual tende.”.
Por
isso, entende que
“A religião, especialmente
hoje, não constitui um problema, mas é parte da solução: contra a tentação de
se contentar com uma vida superficial em que tudo começa e termina aqui, a
religião lembra-nos que é necessário elevar o espírito para o Alto a fim de
aprender a construir a cidade dos homens”.
E
Francisco propõe-se, com o demais chefes religiosos, “desmascarar a violência”
disfarçada de suposta sacralidade e apoiada na absolutização dos egoísmos, em
vez da autêntica abertura ao Absoluto; “denunciar as violações contra a
dignidade humana e contra os direitos humanos”; e trazer à luz do dia as
tentativas de justificar toda a forma de ódio pela religião”, condenando-as
como “falsificação idólatra de Deus”, cujo nome é Santo, sendo que “nenhuma
violência pode ser perpetrada em nome de Deus”, que é a Paz. Assim, diz o Papa:
“Reiteramos um ‘não’ forte
e claro a toda a forma de violência, vingança e ódio cometida em nome da
religião ou em nome de Deus. Juntos, afirmamos a incompatibilidade entre
violência e fé, entre crer e odiar. Juntos, declaramos a sacralidade de cada
vida humana contra qualquer forma de violência física, social, educativa ou
psicológica.”.
E,
como a religião não é chamada só a desmascarar o mal, mas traz a vocação de
promover a paz, a nossa tarefa é
rezar uns pelos outros orando a Deus o dom da paz e do encontro concorde, havendo,
simultaneamente, que remover as situações de
pobreza e exploração, onde criam raízes os extremismos, e bloquear os fluxos de
dinheiro e armas para quem fomenta a violência.
2017.04.29 – Louro de
Carvalho
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