É verdade que as pessoas só se lembram de
Santa Bárbara quando troveja. E hoje, dia 21 de abril, o DN afirma que “telefones de pediatras e da Saúde 24 não param de
tocar” e que a DGS (Direção-Geral de Saúde) “quer que centros de saúde atendam todas
as pessoas que ali recorram e respondam aos critérios para serem imunizadas”. Por
outro lado, dá conta de uma petição que circula na Internet para defender a
vacinação obrigatória, que já recolhera 5022 assinaturas.
Enquanto isto se passa, o Ministro da
Educação diz, quando Portugal enfrenta um surto de sarampo, que vitimou uma
jovem, que a exigência das vacinas em dia para efeitos de matriculação nas
escolas “não é uma questão premente” de momento.
Tiago Brandão Rodrigues entende que as
consequências do atual surto de sarampo para os jovens e crianças “não são de
perigo” e que a tendência é de estabilização, sublinhando que “o mais
importante é a informação às famílias de que este surto tende a estabilizar”.
Por seu turno, a DGS enviou a todas as escolas do país
uma nota sobre o surto de sarampo para “tranquilizar as famílias”, segundo refere
o Ministro da Educação. Aliás, foi o que os diretores de escolas e agrupamentos
pediram.
Com efeito, os diretores das escolas públicas já
tinham manifestado vontade de a DGS emitir para os estabelecimentos de ensino
uma circular para tranquilizar os ânimos relativamente às vacinas dos alunos,
sobretudo por causa do sarampo.
No comunicado, a DGS reafirma que “não há razões para
temer uma epidemia de grande magnitude, uma vez que a larga maioria das pessoas
está protegida”. Além disso, a DGS criou um endereço de correio eletrónico
através do qual prestará informações sobre o sarampo aos representantes da
comunidade escolar e recorda que a Linha Saúde 24 (808242424) “assegura, como habitualmente, respostas concretas às questões colocadas
pelo telefone”.
***
A propósito da morte duma jovem de 17 anos, no
Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, que não estava vacinada, também já se disse
mais do que devia ter sido dito, sobretudo no atinente ao juízo sobre a
responsabilidade dos pais. Ora, ao contrário do que se fez crer, os pais não
são dos que enveredam pela moda ou pseudociência da antivacinação. Pelos vistos,
a jovem, em criança, fez a 1.ª inoculação, mas, como teve um choque grave
anafilático que a ia matando, não a sujeitaram a 2.ª inoculação. Agora terá
sido infetada por um bebé de 16 meses, que não fora vacinado. E o sarampo
redundou numa situação clínica infeciosa com pneumonia bilateral, a que a jovem não resistiu.
Ora, também se sabe que o bebé não foi vacinado por se
encontrar em estado febril quando ia ser presente à vacinação.
Perante estes casos concretos, não se pode inferir da
obrigatoriedade ou não da vacinação, não se pode atirar com os interessados
para a prateleira dos que são antivacinação ou julgar quem quer que seja por
crime de homicídio por negligência. Aliás, mesmo face a lei que tipificasse a
não vacinação como crime, eram os tribunais que podiam julgar da culpabilidade,
por ação ou por omissão, dos intervenientes.
***
E deverá a vacinação passar a ser
obrigatória? O responsável do
Instituto Ricardo Jorge defende que as autoridades de saúde devem chamar todas
as crianças que ainda não foram vacinadas.
Mais: Jorge Machado, o responsável sobredito e coordenador do DDI (departamento de doenças infeciosas) do INSA (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge), defende que a vacinação devia ser obrigatória
por lei, sustenta que deve ser retirada aos pais a possibilidade de
escolher se os filhos são ou não vacinados e considera que todos os que ainda
não o fizeram devem ser chamados pelas autoridades de saúde. Afirma o
epidemiologista:
“Acho que a vacinação deve
passar a ser obrigatória, já que é uma questão de saúde pública. As pessoas que
optam por não vacinar estão a pôr em risco não apenas os seus filhos, mas toda
a população.”.
O responsável daquele laboratório do Estado frisa que “o sistema de
saúde tem de ser mais proativo” e passar a convocar todas as crianças para a vacinação
nos centros de saúde, sustentando que, “se as pessoas não levarem os filhos
para serem vacinados, têm de ser chamadas a fazê-lo”.
Para Jorge Machado, as escolas devem voltar a exigir a
apresentação do boletim de vacinas atualizado no ato de inscrição das crianças,
o que muitas deixaram de fazer nos últimos anos. A este respeito, recorda que,
para entrar na Universidade, lhe foi exigido o boletim de vacinação e considera
errado muitas escolas já não o pedirem no ato de inscrição, adiantando que “era
também desejável que a apresentação do boletim passasse a ser um requisito
obrigatório para qualquer pessoa que queira trabalhar numa escola ou num
serviço de saúde”, pois “quem trabalha com crianças e com doentes tem de ser
mais monitorizado”.
E eu pergunto-me porque é que as escolas públicas não podem
recusar a matrícula dos alunos, mas as escolas privadas podem, sobretudo se tal
for contemplado no respetivo regulamento interno. Se não é obrigatória a
vacinação, também as escolas privadas não deveriam exigi-la.
Na verdade, com a epidemia do sarampo a
suscitar junto de pais e de professores mais perguntas do que respostas, a
associação que representa o ensino não estatal e não superior – a AEEPC (Associação
de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) – lembra aos seus filiados que, dentro da sua autonomia pedagógica (A
escola pública não tem autonomia?), podem fazer depender a
aceitação de alunos, já no próximo ano letivo, da condição de eles terem em dia
as vacinas prescritas pelo PNV (Plano Nacional de Vacinação). O período de matrículas da educação pré-escolar e do
1.º ciclo para 2017/2018 começou no início desta semana e termina a 15 de
julho.
A posição da AEEPC surge na sequência de contactos, feitos nos
últimos dias e horas, por muitos dos seus associados, que pediram informações
sobre a forma de lidar com as consequências deste caso de sarampo. Na AEEPC
estão inscritos cerca de cinco centenas de estabelecimentos (desde creches a escolas e
de colégios a internatos ou externatos), tanto privados como cooperativos ou em
contratos de associação.
***
Sobre a
obrigatoriedade das vacinas, o pediatra Mário Cordeiro, considerando a questão
há muito na mesa da discussão, opina, em artigo no DN de hoje, que nada deve ser feito a quente, havendo que ponderar
cautelosamente os prós e os contras, para lá das questões jurídicas e constitucionais.
Sustenta que não foi necessária a obrigatoriedade para que Portugal tivesse uma
das mais altas taxas de vacinação do mundo. Com efeito, o PNV, iniciado em
1965, com Arnaldo Sampaio como Diretor-Geral de Saúde, “foi um êxito graças à
ação dos profissionais de saúde, designadamente os enfermeiros, e dos pais”. Tanto
assim é que Portugal obteve assim “as mais elevadas taxas de vacinação da
Europa e do mundo, com uma redução inacreditável das doenças evitáveis pela
vacinação”, a ponto de as estatísticas mostrarem “a diminuição até quase ao
zero do número de mortos por estas doenças – tuberculose, meningites
bacterianas, difteria, poliomielite, tétano, sarampo...”.
Depois sublinha
que “as pessoas que devem a vida e a qualidade de vida às vacinas não são
nomeadas... porque, exatamente, nunca lhes aconteceu nada” e que a descida do
número de casos, mercê da vacinação, levou a que “se criasse a ideia de que as
doenças tinham desaparecido e que já não seria preciso vacinar”. E aponta “a
lassidão, o ‘deixa andar’ e a pressão dos grupos ‘antivacina’, que nada
apresentam de cientificamente válido”, que “têm conseguido vingar, associados a
uma mistura ‘a martelo’ com coisas importantes, como a ecologia, a defesa do
ambiente, o cancro, o vegetarianismo ou outros assuntos similares”. E, se os
pseudoestudos “são imediatamente desmentidos pela comunidade científica” e os
seus autores “chegam até a retratar-se e a ser impedidos de exercer”, o veneno
fica, propagado pelos ‘media’ e pelas redes sociais, na sua pior versão”.
Não obstante,
o pediatra não defende que as vacinas sejam obrigatórias, apesar de juristas e
constitucionalistas argumentarem que “poderiam sê-lo, dado que existe a figura
de propagação de doença infeciosa”. Diz que “não se ganharia eficácia”, ao invés,
poderia, como sucedeu nos países da ex-Cortina de Ferro, “associar-se a vacina
a uma imposição do governo e suscitar repúdio por parte dos que repudiam o
governo, numa espécie de reação do contra”.
Porém, no atinente
à averiguação da responsabilidade e a quem atribuir as culpas da não vacinação,
Cordeiro perde-se em considerações. Assim, quando pergunta quem analisa a
culpa, devia saber responder que só os tribunais o podem fazer. E, ao falar de
culpa da não vacinação da parte de pais que não levam as crianças à vacinação,
de enfermeiros que protelam, de patrões que não deixam sair o trabalhador para
levar o filho à vacina, de avaria do autocarro, de gripe, do sistema
informático deficiente para o controlo, de greve, etc. – esquece que a obrigatoriedade
atinge a todos: pais, profissionais de saúde, empregadores, etc. Ademais, greves,
avarias, doenças e informática podem ser impedimento temporário.
Um Estado que
não tem pejo em tornar obrigatória a escolaridade – apesar dos perigos que a
escola comporta em doenças, acidentes, greves, mau humor de professores e funcionários,
avarias de autocarros e de sistemas informáticos, bullying, etc. – não tem coragem e dinheiro para tornar obrigatório
um meio de medicina preventiva, de preservação da saúde pública, de zelo pelo
superior interesse da criança e do cidadão!
E Cordeiro
pergunta-se se as vacinas (vacinas muito caras) que, por razões financeiras do Orçamento do Estado, não fazem parte do
PNV –, mas que defendem de doenças que podem causar morte ou handicaps, como a
meningite B, a gastroenterite pelo rotavírus ou a varicela –, seriam também
obrigatórias. E eu penso que o Estado deve incluí-las no PNV. A saúde dos
cidadãos deve ser a primeira prioridade. E o Governo devia intervir a nível de preços
em saúde.
Nem se pode alegar que a obrigatoriedade penalizaria
os cidadãos de menores recursos, como terá acontecido em França. Isso só
acontecerá se os agentes do Estado forem irracionais e levarem tudo a eito, a régua
e esquadro, sem deslindarem as situações que exigem a mora, a dispensa ou a
paciência. Também a escolaridade obrigatória penalizará de si os mais pobres?
Deixemo-nos de furos na lei a juízo de advogados e de
falsas inconstitucionalidades, mas também de fictícias e caprichosas penalizações.
E zelemos o superior interesse dos cidadãos!
2017.04.21 – Louro de Carvalho
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