O Papa emérito Bento XVI celebrará o seu 90.º aniversário
natalício no próximo dia 16, domingo de Páscoa. A marcar tal efeméride, Mimmo
Muolo, vaticanista do diário “Avvenire”
(da Conferência Episcopal
Italiana), fez publicar,
nestes dias, o seu último livro a que deu o título “O Papa da coragem”.
O volume tem prefácio de Dom Rino Fisichella, Presidente do
Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, dicastério criado
pelo ora Papa emérito, em 21 de setembro de 2010, através da Carta Apostólica
em forma de Motu Proprio “Ubicumque et Semper”, para estimular “a reflexão sobre os temas da nova
evangelização” e identificar e promover “as formas e os instrumentos aptos para
a realizar”.
Rino Fisichella, o primeiro e atual responsável pelo predito
novo dicastério, para o qual foi escolhido pelo Papa Ratzinger, refere que o
Pontífice emérito “colocou diante de nós o drama da sua existência como homem e
como fiel, como professor e como Papa” e que “as interrogações que suscitou não
ficaram sem resposta”. E eu acrescento que o fez com a mesma naturalidade com
que o Papa São João Paulo II expôs, ao longo do seu pontificado, as suas
opções, ideias, iniciativas, fragilidades, resultados de atentado sofrido,
quedas, doenças e enfermidades e, por fim, a debilidade da sua pessoa e o
silêncio da sua voz.
Em declarações à Rádio Vaticano, Mimmo Muolo detém-se sobre o
título do livro em que ressalta, justamente, a dimensão da coragem de Bento XVI.
Chama-lhe “o Papa da coragem” porque “a sua decisão da renúncia é uma decisão
quase sem precedentes, historicamente falando” e é por isso entendida como “uma
decisão que implica coragem”. Depois, apesar de tudo o que se disse e escreveu
sobre ele – desde logo, a comunicação social se lhe revelou adversa –, “foi um
Papa que permaneceu de pé, enfrentando uma tempestade após outra, muitas vezes
suscitadas pelos meios de comunicação que tinham uma posição preconceituosa em
relação a ele”, até porque aquilo que passou para a opinião pública foi a ideia
do estilo tenebroso que alegadamente perpassava a Congregação da Doutrina da
Fé, que ele dirigia desde 25 de novembro de 1981.
E Muolo, recordando que Bento XVI sempre disse que ‘o
verdadeiro pastor não foge diante dos lobos’, assegura que o Papa Ratzinger fez
exatamente isso e, quando as águas se acalmaram, quando considerou que o perigo
imediato não mais existia, teve a coragem de dizer: ‘Não sou mais o pastor apropriado para proteger este rebanho – devo
passar o cajado para outro’.
Sobre o facto de ter escrito no livro que Bento XVI foi o Papa do essencial e
que “focalizou a atenção na questão da fé”, justifica aduzindo que é ‘O Papa do
essencial’ porque são dois os grandes eixos que “perpassam a sua vida e o seu
Pontificado”: a fé e o diálogo.
Com grande veemência, ele colocou a questão da fé dentro da
Igreja (Até proclamou o
Ano da Fé). Na verdade,
se falta a fé, todo o resto se torna supérfluo. E, em relação ao mundo, o tema
do diálogo com o cristianismo – o outro grande eixo cartesiano –, o Papa alemão
convidou à racionalidade alargada, ao diálogo com os que não creem, como o Pátio dos Gentios e muitas outras iniciativas
que vão nessa direção. Vê-se também aí, segundo Mimmo Muolo, “uma grande
distância entre o Papa real e o Papa como era percebido”. O Papa real, como
homem de cultura, sempre buscou o diálogo, apaixonado pelo Evangelho e por
Jesus Cristo; e, do Papa que era apresentado como refratário ao diálogo, diz o
autor do livro que ainda hoje terá muito a ensinar-nos. E pensa que o seu
magistério está a passar também “no Pontificado do Papa Francisco, o qual
obviamente o interpreta segundo o seu estilo e segundo os seus cânones”.
Segundo o que Dom Fisichella escreve no prefácio do livro de
Muolo, “as interrogações suscitadas por Joseph Ratzinger em toda a sua vida de
serviço à Igreja, portanto, não somente como Papa, não ficaram sem resposta”. Além
disso, diz que parece existir a sensação de que nestes anos, desde quando Bento
XVI renunciou ao exercício do ministério petrino, haja talvez “uma maior e
melhor compreensão daquilo que foi o seu Pontificado”.
Muolo comenta estas asserções na convicção de que “o ato da
renúncia de certo modo o despojou daquela aura preconcebida” que se lhe
reconhecia. A sua renúncia “fez-nos ver o verdadeiro Joseph Ratzinger”, e o
verdadeiro Joseph Ratzinger é o que diz à Igreja: que a fé é importante, bem
como o diálogo ente a fé e a razão. O verdadeiro Joseph Ratzinger – insiste
Muolo – “é o que buscou constantemente dialogar com os homens e as mulheres do
seu tempo”.
Mimmo Muolo não deixa de ver em Francisco uma réplica
atualizada do discurso de Ratzinger: “a
fé é importante – sem a fé, todo o resto se reduz – diria o Papa Francisco – a
uma ong piedosa”. Muolo diz: “É a mesma coisa que – repito, com um estilo
diferente do ponto de vista humano – está fazendo o Papa Francisco”.
***
Também em torno do 90.º aniversário de Joseph Ratzinger, o Padre Frederico
Lombardi, o jesuíta que o Pontífice alemão fez diretor da Sala de Imprensa da
Santa Sé e da Rádio Vaticano, recordou, no passado dia 6, que no
próximo Domingo de Páscoa, o Papa emérito completará 90 anos. E frisou que,
imediatamente após a sua eleição à Cátedra de Pedro, a 19 de abril de 2005, o
novo Bispo de Roma se definira com “um simples e humilde trabalhador na vinha
do Senhor”. Para dar testemunho sobre o Papa emérito e sobre esta importante
efeméride, a Rádio Vaticano entrevistou o Padre Lombardi, ora Presidente da
“Fundação Ratzinger – Bento XVI”, que fora, durante o Pontificado do Papa
alemão, um dos seus mais estreitos colaboradores.
Lombardi diz, sem rodeios, que Bento XVI “tem uma
lucidez de mente, de memória, de diálogo com as pessoas que encontra, com os seus
visitantes, absolutamente admirável, maravilhosa”. Refere que, assim, “é muito
belo, muito aprazível e sempre muito enriquecedor encontrá-lo, ouvi-lo, poder
dialogar com ele”. Reconhecendo que “as forças, naturalmente, são de uma pessoa
que tem 90 anos”, vê nele “a fragilidade que lhe é própria”, mas também a
capacidade de “desempenhar as relações com os outros, vivendo discretamente
este tempo de retiro, de vida reservada de oração e de reflexão em sua casa”.
Sendo-lhe perguntado o que esta idade da vida dá a Joseph Ratzinger, o
entrevistado opina:
“Aquilo que ele de certo modo nos tinha anunciado já
antes da sua renúncia ou na ocasião da sua renúncia, ou seja, um tempo de vida
mais em recolhimento, de vida de mais intensa oração, de reflexão e também de
diálogo com as pessoas com as quais entra em contacto, embora dessa forma mais
reservada, mas um diálogo sempre muito concentrado, a este ponto, nos temas
essenciais da vida, do sentido da vida, da história, porque é evidente o clima
de preparação para o encontro com o Senhor”.
Em relação às múltiplas manifestações de afeto em torno destes 90 anos de
Bento XVI, Lombardi assente que se poderá dizer, de certo modo, que após a
renúncia ao exercício do ministério petrino (nestes anos), muitos releram e também compreenderam melhor o
Pontificado, o que ele quis testemunhar. Na verdade, “vê-se a grande coerência,
a linearidade e a coerência desta vida dedicada ao serviço da Igreja de vários
modos, com diferentes funções, mas sempre com esta atitude de buscar a verdade
do exercício da inteligência da fé e na fé, ao serviço da Igreja, do povo de
Deus, de uma compreensão mais profunda da relação entre fé e razão, também em
diálogo com a cultura hodierna e com o mundo que nos rodeia”.
E Frederico
Lombardi faz ao Papa emérito, pelos seus 90 anos, os seguintes votos:
“Que possa viver este tempo em completa serenidade,
com todo o fruto e a alegria da união com Deus que alguém possa desejar; que
essa mensagem de alegria e de paz na preparação para o encontro com Deus seja
acolhida pela comunidade da Igreja como uma riqueza; e que a comunidade da
Igreja sinta a sua atenção e a sua oração como rica, frutuosa não só para o seu
sucessor, mas para todos nós que – ao menos por ora – continuamos caminhando no
tempo, sentindo, porém, a sua presença como uma presença de serviço espiritual”.
Já no passado dia 11 de fevereiro, Lombardi salientava o binómio “Unidade e fraternidade” de Bento XVI com Francisco. Com efeito, ao evocar o 4.º aniversário da declaração de renúncia, o jesuíta Presidente da “Fundação Ratzinger – Bento XVI” dizia desse ato:
Já no passado dia 11 de fevereiro, Lombardi salientava o binómio “Unidade e fraternidade” de Bento XVI com Francisco. Com efeito, ao evocar o 4.º aniversário da declaração de renúncia, o jesuíta Presidente da “Fundação Ratzinger – Bento XVI” dizia desse ato:
E explicitou:
“O
modo com o qual [Bento XVI] viveu e vive nestes quatro anos corresponde ao que
havia dito, ou seja, ‘viver na oração e retirado, do ponto de vista espiritual
e com extrema discrição, o seu serviço de acompanhamento, na oração, da vida da
Igreja e em solidariedade com a responsabilidade do seu Sucessor’. É o que está
acontecendo em plenitude. No entanto, o Papa emérito está muito lúcido, mental
e espiritualmente, não obstante, com o passar do tempo, as suas forças
enfraquecem, como toda a pessoa idosa. Contudo, as suas orações são coerentes
com o seu encontro com Deus, onde a presença divina ocupa o centro da sua
existência, como ele afirmou no seu livro “Conversas
finais”. Eis o belíssimo testemunho que ele dá ao mundo contemporâneo.”.
E sobre o que mais o chama a atenção sobre a relação entre os dois
– Bento e Francisco –, neste período inédito da história da Igreja, assegura:
“É
inédito mas foi vivido com extrema serenidade e normalidade, porque a motivação
e o modo em que aconteceu, foi extremamente linear com o que Bento XVI havia
dito, na sua discreta e serena proximidade espiritual, ao seu Sucessor, ao qual
prometeu obediência, respeito e apoio. De facto, o Papa Francisco mantém uma
relação muito íntima e frequente com o Papa emérito, mediante visitas e
telefonemas. São sinais de familiaridade, de respeito e de apoio espiritual: é
um belo exemplo de unidade da Igreja, na sua variedade e diversidade.”.
***
Além destes testemunhos e, entre as múltiplas
iniciativas tomadas a propósito dos 90 anos de Bento XVI, é de assinalar que diversas
publicações homenageiam Joseph Ratzinger, na celebração da efeméride. Entre as
tantas obras que chegam às livrarias nestes dias, está “Bento XVI. A arte é uma porta para o infinito. Teologia Estética por um
Novo Renascimento”. O livro será apresentado a 22 de abril, às 11 horas, no
Palácio da Chancelaria, em Roma. Os autores são o vaticanista Alessandro
Notarnicola e Monsenhor Jean Marie Gervais, Prefeito coadjutor do Capítulo
Vaticano, expoente da Penitenciaria Apostólica e fundador de “Tota Pulchra”.
Surgido como homenagem desta Associação cultural a
Bento XVI, o livro apresenta-se como um manual de arte com comentários do
artista Bruno Ceccobelli, que realizou, para a ocasião, 10 mesas-redondas
inéditas inspiradas em pronunciamentos do Papa emérito sobre arte.
O prefácio é assinado pelo Cardeal Angello Comastri,
Vigário-Geral do Papa para a Cidade do Vaticano, Arcipreste da Basílica de São
Pedro e Presidente da Fábrica de São Pedro.
Outra publicação que homenageia Bento XVI é “Bento XVI – Imagens de uma vida”, da
pena de Maria Giuseppina Buonanno e Luca Caruso, numa publicação da Paulus.
***
Bem o merece o intelectual, o professor, o sacerdote, o pontífice,
o homem de fé e diálogo – cujo pontificado merece atenção e estudo!
2017.04.11
– Louro de Carvalho
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