Fez
hoje, dia 22 de abril, 9 anos que foi publicado o Decreto-Lei n.º 75/2008, de
22 de abril, que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão das
escolas (ou agrupamentos de escolas), em vigor, com a redação que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei
n.º 137/2012, de 2 de julho.
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O
regime de autonomia revogado
O
novo regime de autonomia enterrou a administração e gestão democráticas da
escola, ao revogar o Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio.
No
âmbito desse regime, criou-se a assembleia de escola, a quem incumbia a
definição das linhas orientadoras da atividade da escola e se constituía como o
órgão de participação e
representação da comunidade educativa, devendo estar salvaguardada na sua
composição a participação de representantes dos docentes, dos pais e
encarregados de educação, dos alunos (alunos no ensino secundário), do pessoal não docente e da
autarquia local. Com um número máximo de 20 elementos na sua composição, em que
o número de docentes não podia ser superior a 50% da totalidade dos seus
membros, era presidida por um docente eleito pelo plenário.
O
regime previa, para a direção executiva, opção por órgão colegial (conselho
executivo) ou por órgão
unipessoal (diretor).
E “os membros do conselho executivo ou o diretor eram eleitos em assembleia
eleitoral, a constituir para o efeito, integrada pela totalidade do pessoal
docente e não docente em exercício efetivo de funções na escola, por
representantes dos alunos no ensino secundário, bem como por representantes dos
pais e encarregados de educação”.
E
a composição do conselho pedagógico era da “responsabilidade de cada escola, a
definir no respetivo regulamento interno”, devendo este salvaguardar “a
participação de representantes das estruturas de orientação e dos serviços de
apoio educativo, das associações de pais e encarregados de educação, dos alunos
no ensino secundário, do pessoal não docente e dos projetos de desenvolvimento
educativo, num máximo de 20 membros”. E o nervo duro deste órgão era
constituído pelos coordenadores de departamento curricular, eleitos de entre os
docentes que integrassem o respetivo departamento. Por outro lado, o diretor ou
o presidente do conselho executivo era membro do conselho pedagógico, mas não
era necessariamente o presidente deste órgão, cuja eleição em plenário poderia
recair noutro elemento docente. E também os coordenadores de diretores de turma
eram eleitos pelos colegas diretores de turma.
Só
o conselho administrativo é que era constituído por elementos por inerência de
funções: o diretor (ou o presidente do conselho executivo), que presidia, um dos adjuntos
do diretor (ou um dos vice-presidentes do conselho executivo) e o chefe dos serviços de
administração escolar.
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O
novo regime de autonomia
Porém,
o Decreto-Lei
n.º 75/2008, de 22 de abril, cujo projeto foi amplamente contestado, parece ter
descoberto a pólvora ao criar o conselho geral como órgão de direção
estratégica.
Sobre as suas atribuições não se vê grande diferença em relação às da anterior
assembleia de escola. Mas a composição prejudica a representação dos docentes,
impondo que o somatório dos elementos representantes dos docentes e do pessoal
não docente não possa ser superior a 50% da totalidade dos elementos que
compõem o conselho, cujo número tem de ser ímpar e não pode exceder o número de
21. E não é autorizada a opção por um órgão colegial para a administração e
gestão: impõe-se o figurino único do diretor, que preside ao conselho
pedagógico por inerência, basicamente com as atribuições do antigo conselho
executivo ou do antigo diretor.
E o diretor é eleito pelo conselho geral após procedimento concursal a que
podem ser opositores candidatos professores que reúnam determinadas condições.
Vá lá, foi ultrapassada a ideia de Durão Barroso, que entendia que o diretor
podia não ser professor (professor podia não
saber gerir).
Os coordenadores de departamento curricular, que integram o
conselho pedagógico, eram, na versão de 2008, designados pelo diretor, de entre
os docentes titulares do respetivo departamento. O número de departamentos do
agrupamento de escolas não podia ser superior a 6: quatro nos 2.º e 3.º ciclos
do ensino básico e no ensino secundário, um na educação pré-escolar e um no 1.º
ciclo do ensino básico. E este conselho teria um máximo de 15 elementos.
Na redação dada pelo Decreto-Lei
n.º 137/2012, de 2 de julho, o conselho pedagógico pode ter um número máximo de
17 elementos e o número de departamentos curriculares será definido por cada
agrupamento conforme estabelecido no respetivo regulamento interno. Além disso,
os coordenadores de departamento curricular, em vez de designados pelo diretor,
são eleitos pelos docentes que integram o respetivo departamento a partir duma
lista de três elementos proposta pelo diretor, obedecendo a determinados
requisitos que têm a ver com a formação específica e/ou experiência em
supervisão ou coordenação pedagógica.
Também
para a composição do conselho geral, basta que os representantes do corpo
docente sejam docentes de carreira. Note-se que, a partir das alterações feitas
ao estatuto da carreira docente (ECD) pelo Decreto-Lei n.º 75/2010,
de 23 de junho, desfez-se a divisão da carreira entre professores e professores
titulares.
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A
contestação ao novo regime de autonomia ficou esbatida com algumas alterações
que o texto definitivo introduziu, por exemplo, a atinente à anulação da
impossibilidade de o conselho geral ser presidido por um dos representantes do
corpo docente. Todavia, o fator de maior esbatimento da contestação foi
liderado pela própria Ministra da Educação em cruzada pelo país a convencer os
então presidentes do conselho executivo da bondade do novo projeto do regime de
autonomia (o preâmbulo do decreto o diz), acenando-lhes com a
possibilidade da sua integração na maioria dos casos no novo regime, com mais
poder e mais carga remuneratória. Além disso, organizou seminários/retiros
administrativos no complexo do ME no Centro de Caparide.
Em
termos estruturais, através da aprovação do Decreto Regulamentar n.º 32/2007,
de 29 de março, criou o Conselho de Escolas (CE), constituído por representantes
de presidentes de escola, ora diretores, de cada uma das zonas pedagógicas e
que funciona como órgão consultivo do Ministério da Educação (ME).
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O
preâmbulo do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril
Entretanto,
o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, é elucidativo quanto às
intenções do Governo e diligências e ambições do ME – perdeu os docentes, e
ganhou os pais.
Para responder, em condições de qualidade e equidade, do modo mais eficaz e
eficiente possível, à missão de serviço público confiada à escola, impõe-se
organizar a sua governação.
Pretende-se
o “reforço da participação das famílias e comunidades na direção estratégica
dos estabelecimentos de ensino e no favorecimento da constituição de lideranças
fortes” e o reforço da “eficácia da execução das medidas de política educativa
e da prestação do serviço público de educação”. Assim, como experiência, o ME “estabeleceu
a prática de reunir regularmente com os conselhos executivos”, neles “delegou competências
da administração educativa” e atribuiu-lhes funções “na contratação e na
avaliação de desempenho do pessoal docente”; promoveu a celebração de contratos
de autonomia na sequência do procedimento de avaliação externa de escola; e
instituiu o CE, órgão consultivo que assegura a representação das escolas junto
do ME.
Foi
profundamente alterado o ECD para dotar a escola “de um corpo de docentes
reconhecido”, com mais experiência, autoridade e formação, que “assegure em
permanência funções de maior responsabilidade”. A criação da categoria de
professor titular, a que é reservada a atividade de coordenação e supervisão,
contribuiu para “a capacidade de organização das escolas em função da missão de
serviço público que lhes está confiada”.
Com o novo
regime de autonomia reforça-se a participação das famílias e comunidades na
direção estratégica da escola e promove-se a abertura da escola ao
exterior e a sua integração na comunidade local. Assim, têm de assegurar-se “os
direitos de participação dos agentes do processo educativo”, nomeadamente do
pessoal docente”, e a efetiva capacidade de intervenção de quantos mantêm “interesse
legítimo na atividade e na vida de cada escola”. Tal intervenção “constitui
também um primeiro nível, mais direto e imediato, de prestação de contas da
escola relativamente àqueles que serve”. A isto vem o conselho geral, o órgão colegial
a quem o diretor presta contas e a quem incumbe aprovar as regras fundamentais
de funcionamento da escola (regulamento interno), as decisões estratégicas e de planeamento (projeto
educativo, plano de atividades…) e o
acompanhamento da sua concretização (relatório anual de atividades).
Para
garantir a participação a todos os interessados, nenhum dos grupos representados
tem a maioria dos lugares. E, embora as escolas determinem a composição deste
órgão, todos os interessados devem estar representados e os corpos
representativos dos profissionais que exercem a atividade na escola não podem,
em conjunto, deter a maioria dos lugares no conselho.
Com o
decreto-lei, procura-se também o reforço das lideranças das escolas.
É certo que, sob o regime anterior, “emergiram boas lideranças e até lideranças
fortes e existem até alguns casos assinaláveis de dinamismo e continuidade”,
mas o enquadramento legal vigente “em nada favorecia a emergência e muito menos
a disseminação desses casos”. Por isso, impunha-se “criar condições para que se
afirmem boas lideranças e lideranças eficazes”, de modo que “em cada escola
exista um rosto, um primeiro responsável, dotado da autoridade necessária para
desenvolver o projeto educativo” (o diretor) e “executar localmente as medidas de política
educativa”. A ele poderão “ser assacadas as responsabilidades pela prestação do
serviço público de educação e pela gestão dos recursos públicos postos à sua
disposição”.
A este é
confiada a gestão administrativa, financeira e pedagógica” e “a presidência do
conselho pedagógico”. Ora, exercendo competências na gestão pedagógica, “o
diretor deve ser recrutado de entre docentes do ensino público ou particular e
cooperativo qualificados para o exercício das funções, seja pela formação ou
pela experiência na administração e gestão escolar”.
Para reforçar
a liderança e conferir maior eficácia e mais responsabilidade ao diretor, cabe-lhe
designar os coordenadores dos departamentos curriculares, “principais
estruturas de coordenação e supervisão pedagógica”.
Finalmente,
o último objetivo é o reforço da autonomia das escolas. Ora a
autonomia “constitui não um princípio abstrato ou um valor absoluto, mas um
valor instrumental, o que significa que do reforço da autonomia das escolas tem
de resultar uma melhoria do serviço público de educação”. Devem, pois, criar-se
as condições para tal, dando maior capacidade de intervenção ao diretor e “instituindo
um regime de avaliação e de prestação de contas”, já que “a maior autonomia tem
de corresponder maior responsabilidade”.
A prestação
de contas organiza-se, de forma mais imediata, “pela participação determinante
dos interessados e da comunidade no órgão de direção estratégica e na escolha
do diretor”, bem como pelo “desenvolvimento de um sistema de
autoavaliação e avaliação externa”. Com estas condições preenchidas “é possível
avançar de forma sustentada para o reforço da autonomia”.
Essa
autonomia exprime-se, em primeiro lugar, na faculdade de auto-organização da
escola, domínio em que o presente diploma “estabelece um enquadramento legal
mínimo, determinando apenas a criação de algumas estruturas de coordenação de
1.º nível (departamentos curriculares) com
assento no conselho pedagógico e de acompanhamento dos alunos (conselhos e
diretores de turma)”. Quanto
ao mais, “é dada às escolas a faculdade de se organizarem, de criarem
estruturas e de as fazerem representar no conselho pedagógico”, para o que se
estipula um número limitado de membros, por razões de operacionalidade.
Para a
transferência de competências o regime jurídico ora aprovado mantém o princípio
da contratualização da autonomia, estabelece os princípios fundamentais, mas
flexibiliza e deixa os procedimentos administrativos para regulamentação
posterior. Constitui um princípio fundamental a associação entre a
transferência de competências e a avaliação externa da capacidade da escola
para o seu exercício, para garantia da sustentabilidade da autonomia e do
princípio da responsabilidade e da prestação de contas pelos recursos
utilizados no serviço público, bem como das condições de equidade e qualidade do
seu efetivo exercício.
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O
Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho
Aludindo
expressamente aos objetivos educacionais consignados na CRP (Constituição
da República Portuguesa)
e na LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo), refere que o Governo assume a
educação como “serviço público universal”, visa “a substituição da facilidade pelo
esforço, do dirigismo pedagógico pelo rigor científico,
da indisciplina pela disciplina, do centralismo pela autonomia” e pretende o
aperfeiçoamento do sistema educativo. Assim, a revisão do regime de autonomia
dotará o ordenamento jurídico de normas promotoras do reforço progressivo da
autonomia e de maior flexibilização organizacional e pedagógica das escolas,
condições essenciais para a melhoria do sistema público de educação – para o
que se estipula “a reestruturação da rede escolar, a consolidação e alargamento
da rede de escolas com contratos de autonomia, a hierarquização no exercício de
cargos de gestão, a integração dos instrumentos de gestão, a consolidação de
uma cultura de avaliação e o reforço da abertura à comunidade”.
O
aprofundamento da autonomia decorrerá da celebração de contratos de autonomia
entre a escola, o MEC (Ministério da Educação e Ciência) e outros parceiros da
comunidade “em domínios como a diferenciação da oferta educativa, a
transferência de competências na organização do currículo, a constituição de
turmas, a gestão de recursos humanos”. Ademais, proceder-se-á à reorganização
da rede escolar através do agrupamento e agregação de escolas para garantir e
reforçar a coerência do projeto educativo e a qualidade pedagógica das escolas,
proporcionar aos alunos duma dada área geográfica um percurso sequencial e articulado
e, assim, “favorecer a transição adequada entre os diferentes níveis e ciclos
de ensino”.
Mantendo-se
os órgãos de administração e gestão, reforça-se a competência do conselho
geral, atenta a sua legitimidade de “órgão de representação dos agentes de
ensino, dos pais e encarregados de educação e da comunidade local,
designadamente de instituições, organizações de caráter económico, social,
cultural e científico”. Procede-se ao “reajustamento do processo eleitoral do
diretor”, conferindo-lhe maior legitimidade com o reforço da exigência de
requisitos para o exercício da função e consagram-se mecanismos de responsabilização
nos cargos de direção, de gestão e de gestão intermédia. Com a atual
constituição do conselho pedagógico, só com docentes, confere-se-lhe caráter
estritamente profissional. Atendendo à sua importância na organização escolar e
em particular na avaliação do desempenho docente, o decreto-lei reforça os
requisitos de formação, bem como de legitimidade eleitoral do coordenador de
departamento. Considerando a complexidade da administração e gestão escolar,
promove-se a simplificação e integração dos instrumentos de gestão estratégica,
de modo que estes sejam facilmente apreendidos por toda a comunidade educativa
e proporcionem melhores condições de eficácia.
O
mecanismo de aprofundamento da autonomia processa-se em conexão com processos
de avaliação orientados para a melhor qualidade do serviço público de educação,
reforçando-se a valorização da cultura de autoavaliação e de avaliação externa
com a introdução de mecanismos de autorregulação e melhoria dos desempenhos
pedagógicos e organizacionais.
***
Enfim,
tanta afirmação de autonomia para tudo ficar quase na mesma e mais regulado ao milímetro
no quotidiano! O conselho geral ganhou competências na avaliação interna e na
autorização de férias do diretor e como órgão de recurso na avaliação de
desempenho dos docentes. As malhas do recrutamento do diretor não ultrapassam o
problematismo burocrático. Eleger o coordenador de departamento a partir duma
lista de três nomes proposta pelo diretor não deixa de ser um luxo sem sentido,
bem como poder ser alargado o número de departamentos sem qualquer mais-valia
para a qualidade da educação. E como se pode falar de simplificação na escola?
De
resto, é de perguntar em que é que melhorou substancialmente o regime com o
novo decreto-lei. Aumentou o volume do ensino particular e cooperativo,
descredibilizou-se a escola pública, que passou grosso modo, à imagem da privada, a preparar os alunos para o
exame, o teste ou a classificação (escolas do sistema educativo
quase iguais a escolas de condução)
e o clima escolar ficou cada vez mais denso.
Volta,
Decreto-lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, que estás perdoado!
2017.04.22 – Louro de Carvalho
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