domingo, 23 de abril de 2017

Foi há 9 anos aprovado o novo regime de autonomia das escolas

Fez hoje, dia 22 de abril, 9 anos que foi publicado o Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão das escolas (ou agrupamentos de escolas), em vigor, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho.
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O regime de autonomia revogado
O novo regime de autonomia enterrou a administração e gestão democráticas da escola, ao revogar o Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio.
No âmbito desse regime, criou-se a assembleia de escola, a quem incumbia a definição das linhas orientadoras da atividade da escola e se constituía como o órgão de participação e representação da comunidade educativa, devendo estar salvaguardada na sua composição a participação de representantes dos docentes, dos pais e encarregados de educação, dos alunos (alunos no ensino secundário), do pessoal não docente e da autarquia local. Com um número máximo de 20 elementos na sua composição, em que o número de docentes não podia ser superior a 50% da totalidade dos seus membros, era presidida por um docente eleito pelo plenário.
O regime previa, para a direção executiva, opção por órgão colegial (conselho executivo) ou por órgão unipessoal (diretor). E “os membros do conselho executivo ou o diretor eram eleitos em assembleia eleitoral, a constituir para o efeito, integrada pela totalidade do pessoal docente e não docente em exercício efetivo de funções na escola, por representantes dos alunos no ensino secundário, bem como por representantes dos pais e encarregados de educação”.
E a composição do conselho pedagógico era da “responsabilidade de cada escola, a definir no respetivo regulamento interno”, devendo este salvaguardar “a participação de representantes das estruturas de orientação e dos serviços de apoio educativo, das associações de pais e encarregados de educação, dos alunos no ensino secundário, do pessoal não docente e dos projetos de desenvolvimento educativo, num máximo de 20 membros”. E o nervo duro deste órgão era constituído pelos coordenadores de departamento curricular, eleitos de entre os docentes que integrassem o respetivo departamento. Por outro lado, o diretor ou o presidente do conselho executivo era membro do conselho pedagógico, mas não era necessariamente o presidente deste órgão, cuja eleição em plenário poderia recair noutro elemento docente. E também os coordenadores de diretores de turma eram eleitos pelos colegas diretores de turma.
Só o conselho administrativo é que era constituído por elementos por inerência de funções: o diretor (ou o presidente do conselho executivo), que presidia, um dos adjuntos do diretor (ou um dos vice-presidentes do conselho executivo) e o chefe dos serviços de administração escolar.
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O novo regime de autonomia
Porém, o Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, cujo projeto foi amplamente contestado, parece ter descoberto a pólvora ao criar o conselho geral como órgão de direção estratégica.
Sobre as suas atribuições não se vê grande diferença em relação às da anterior assembleia de escola. Mas a composição prejudica a representação dos docentes, impondo que o somatório dos elementos representantes dos docentes e do pessoal não docente não possa ser superior a 50% da totalidade dos elementos que compõem o conselho, cujo número tem de ser ímpar e não pode exceder o número de 21. E não é autorizada a opção por um órgão colegial para a administração e gestão: impõe-se o figurino único do diretor, que preside ao conselho pedagógico por inerência, basicamente com as atribuições do antigo conselho executivo ou do antigo diretor.
E o diretor é eleito pelo conselho geral após procedimento concursal a que podem ser opositores candidatos professores que reúnam determinadas condições. Vá lá, foi ultrapassada a ideia de Durão Barroso, que entendia que o diretor podia não ser professor (professor podia não saber gerir).
Os coordenadores de departamento curricular, que integram o conselho pedagógico, eram, na versão de 2008, designados pelo diretor, de entre os docentes titulares do respetivo departamento. O número de departamentos do agrupamento de escolas não podia ser superior a 6: quatro nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e no ensino secundário, um na educação pré-escolar e um no 1.º ciclo do ensino básico. E este conselho teria um máximo de 15 elementos.
Na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho, o conselho pedagógico pode ter um número máximo de 17 elementos e o número de departamentos curriculares será definido por cada agrupamento conforme estabelecido no respetivo regulamento interno. Além disso, os coordenadores de departamento curricular, em vez de designados pelo diretor, são eleitos pelos docentes que integram o respetivo departamento a partir duma lista de três elementos proposta pelo diretor, obedecendo a determinados requisitos que têm a ver com a formação específica e/ou experiência em supervisão ou coordenação pedagógica.
Também para a composição do conselho geral, basta que os representantes do corpo docente sejam docentes de carreira. Note-se que, a partir das alterações feitas ao estatuto da carreira docente (ECD) pelo Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de junho, desfez-se a divisão da carreira entre professores e professores titulares.
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A contestação ao novo regime de autonomia ficou esbatida com algumas alterações que o texto definitivo introduziu, por exemplo, a atinente à anulação da impossibilidade de o conselho geral ser presidido por um dos representantes do corpo docente. Todavia, o fator de maior esbatimento da contestação foi liderado pela própria Ministra da Educação em cruzada pelo país a convencer os então presidentes do conselho executivo da bondade do novo projeto do regime de autonomia (o preâmbulo do decreto o diz), acenando-lhes com a possibilidade da sua integração na maioria dos casos no novo regime, com mais poder e mais carga remuneratória. Além disso, organizou seminários/retiros administrativos no complexo do ME no Centro de Caparide. 
Em termos estruturais, através da aprovação do Decreto Regulamentar n.º 32/2007, de 29 de março, criou o Conselho de Escolas (CE), constituído por representantes de presidentes de escola, ora diretores, de cada uma das zonas pedagógicas e que funciona como órgão consultivo do Ministério da Educação (ME).
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O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril
Entretanto, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, é elucidativo quanto às intenções do Governo e diligências e ambições do ME – perdeu os docentes, e ganhou os pais.
Para responder, em condições de qualidade e equidade, do modo mais eficaz e eficiente possível, à missão de serviço público confiada à escola, impõe-se organizar a sua governação.
Pretende-se o “reforço da participação das famílias e comunidades na direção estratégica dos estabelecimentos de ensino e no favorecimento da constituição de lideranças fortes” e o reforço da “eficácia da execução das medidas de política educativa e da prestação do serviço público de educação”. Assim, como experiência, o ME “estabeleceu a prática de reunir regularmente com os conselhos executivos”, neles “delegou competências da administração educativa” e atribuiu-lhes funções “na contratação e na avaliação de desempenho do pessoal docente”; promoveu a celebração de contratos de autonomia na sequência do procedimento de avaliação externa de escola; e instituiu o CE, órgão consultivo que assegura a representação das escolas junto do ME.
Foi profundamente alterado o ECD para dotar a escola “de um corpo de docentes reconhecido”, com mais experiência, autoridade e formação, que “assegure em permanência funções de maior responsabilidade”. A criação da categoria de professor titular, a que é reservada a atividade de coordenação e supervisão, contribuiu para “a capacidade de organização das escolas em função da missão de serviço público que lhes está confiada”.
Com o novo regime de autonomia reforça-se a participação das famílias e comunidades na direção estratégica da escola e promove-se a abertura da escola ao exterior e a sua integração na comunidade local. Assim, têm de assegurar-se “os direitos de participação dos agentes do processo educativo”, nomeadamente do pessoal docente”, e a efetiva capacidade de intervenção de quantos mantêm “interesse legítimo na atividade e na vida de cada escola”. Tal intervenção “constitui também um primeiro nível, mais direto e imediato, de prestação de contas da escola relativamente àqueles que serve”. A isto vem o conselho geral, o órgão colegial a quem o diretor presta contas e a quem incumbe aprovar as regras fundamentais de funcionamento da escola (regulamento interno), as decisões estratégicas e de planeamento (projeto educativo, plano de atividades…) e o acompanhamento da sua concretização (relatório anual de atividades).
Para garantir a participação a todos os interessados, nenhum dos grupos representados tem a maioria dos lugares. E, embora as escolas determinem a composição deste órgão, todos os interessados devem estar representados e os corpos representativos dos profissionais que exercem a atividade na escola não podem, em conjunto, deter a maioria dos lugares no conselho.
Com o decreto-lei, procura-se também o reforço das lideranças das escolas. É certo que, sob o regime anterior, “emergiram boas lideranças e até lideranças fortes e existem até alguns casos assinaláveis de dinamismo e continuidade”, mas o enquadramento legal vigente “em nada favorecia a emergência e muito menos a disseminação desses casos”. Por isso, impunha-se “criar condições para que se afirmem boas lideranças e lideranças eficazes”, de modo que “em cada escola exista um rosto, um primeiro responsável, dotado da autoridade necessária para desenvolver o projeto educativo” (o diretor) e “executar localmente as medidas de política educativa”. A ele poderão “ser assacadas as responsabilidades pela prestação do serviço público de educação e pela gestão dos recursos públicos postos à sua disposição”.
A este é confiada a gestão administrativa, financeira e pedagógica” e “a presidência do conselho pedagógico”. Ora, exercendo competências na gestão pedagógica, “o diretor deve ser recrutado de entre docentes do ensino público ou particular e cooperativo qualificados para o exercício das funções, seja pela formação ou pela experiência na administração e gestão escolar”.
Para reforçar a liderança e conferir maior eficácia e mais responsabilidade ao diretor, cabe-lhe designar os coordenadores dos departamentos curriculares, “principais estruturas de coordenação e supervisão pedagógica”.
Finalmente, o último objetivo é o reforço da autonomia das escolas. Ora a autonomia “constitui não um princípio abstrato ou um valor absoluto, mas um valor instrumental, o que significa que do reforço da autonomia das escolas tem de resultar uma melhoria do serviço público de educação”. Devem, pois, criar-se as condições para tal, dando maior capacidade de intervenção ao diretor e “instituindo um regime de avaliação e de prestação de contas”, já que “a maior autonomia tem de corresponder maior responsabilidade”.
A prestação de contas organiza-se, de forma mais imediata, “pela participação determinante dos interessados e da comunidade no órgão de direção estratégica e na escolha do diretor”, bem como pelo “desenvolvimento de um sistema de autoavaliação e avaliação externa”. Com estas condições preenchidas “é possível avançar de forma sustentada para o reforço da autonomia”.
Essa autonomia exprime-se, em primeiro lugar, na faculdade de auto-organização da escola, domínio em que o presente diploma “estabelece um enquadramento legal mínimo, determinando apenas a criação de algumas estruturas de coordenação de 1.º nível (departamentos curriculares) com assento no conselho pedagógico e de acompanhamento dos alunos (conselhos e diretores de turma)”. Quanto ao mais, “é dada às escolas a faculdade de se organizarem, de criarem estruturas e de as fazerem representar no conselho pedagógico”, para o que se estipula um número limitado de membros, por razões de operacionalidade.
Para a transferência de competências o regime jurídico ora aprovado mantém o princípio da contratualização da autonomia, estabelece os princípios fundamentais, mas flexibiliza e deixa os procedimentos administrativos para regulamentação posterior. Constitui um princípio fundamental a associação entre a transferência de competências e a avaliação externa da capacidade da escola para o seu exercício, para garantia da sustentabilidade da autonomia e do princípio da responsabilidade e da prestação de contas pelos recursos utilizados no serviço público, bem como das condições de equidade e qualidade do seu efetivo exercício.
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O Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho
Aludindo expressamente aos objetivos educacionais consignados na CRP (Constituição da República Portuguesa) e na LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo), refere que o Governo assume a educação como “serviço público universal”, visa “a substituição da facilidade pelo esforço, do dirigismo pedagógico pelo rigor científico, da indisciplina pela disciplina, do centralismo pela autonomia” e pretende o aperfeiçoamento do sistema educativo. Assim, a revisão do regime de autonomia dotará o ordenamento jurídico de normas promotoras do reforço progressivo da autonomia e de maior flexibilização organizacional e pedagógica das escolas, condições essenciais para a melhoria do sistema público de educação – para o que se estipula “a reestruturação da rede escolar, a consolidação e alargamento da rede de escolas com contratos de autonomia, a hierarquização no exercício de cargos de gestão, a integração dos instrumentos de gestão, a consolidação de uma cultura de avaliação e o reforço da abertura à comunidade”.
O aprofundamento da autonomia decorrerá da celebração de contratos de autonomia entre a escola, o MEC (Ministério da Educação e Ciência) e outros parceiros da comunidade “em domínios como a diferenciação da oferta educativa, a transferência de competências na organização do currículo, a constituição de turmas, a gestão de recursos humanos”. Ademais, proceder-se-á à reorganização da rede escolar através do agrupamento e agregação de escolas para garantir e reforçar a coerência do projeto educativo e a qualidade pedagógica das escolas, proporcionar aos alunos duma dada área geográfica um percurso sequencial e articulado e, assim, “favorecer a transição adequada entre os diferentes níveis e ciclos de ensino”.
Mantendo-se os órgãos de administração e gestão, reforça-se a competência do conselho geral, atenta a sua legitimidade de “órgão de representação dos agentes de ensino, dos pais e encarregados de educação e da comunidade local, designadamente de instituições, organizações de caráter económico, social, cultural e científico”. Procede-se ao “reajustamento do processo eleitoral do diretor”, conferindo-lhe maior legitimidade com o reforço da exigência de requisitos para o exercício da função e consagram-se mecanismos de responsabilização nos cargos de direção, de gestão e de gestão intermédia. Com a atual constituição do conselho pedagógico, só com docentes, confere-se-lhe caráter estritamente profissional. Atendendo à sua importância na organização escolar e em particular na avaliação do desempenho docente, o decreto-lei reforça os requisitos de formação, bem como de legitimidade eleitoral do coordenador de departamento. Considerando a complexidade da administração e gestão escolar, promove-se a simplificação e integração dos instrumentos de gestão estratégica, de modo que estes sejam facilmente apreendidos por toda a comunidade educativa e proporcionem melhores condições de eficácia.
O mecanismo de aprofundamento da autonomia processa-se em conexão com processos de avaliação orientados para a melhor qualidade do serviço público de educação, reforçando-se a valorização da cultura de autoavaliação e de avaliação externa com a introdução de mecanismos de autorregulação e melhoria dos desempenhos pedagógicos e organizacionais.
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Enfim, tanta afirmação de autonomia para tudo ficar quase na mesma e mais regulado ao milímetro no quotidiano! O conselho geral ganhou competências na avaliação interna e na autorização de férias do diretor e como órgão de recurso na avaliação de desempenho dos docentes. As malhas do recrutamento do diretor não ultrapassam o problematismo burocrático. Eleger o coordenador de departamento a partir duma lista de três nomes proposta pelo diretor não deixa de ser um luxo sem sentido, bem como poder ser alargado o número de departamentos sem qualquer mais-valia para a qualidade da educação. E como se pode falar de simplificação na escola?
De resto, é de perguntar em que é que melhorou substancialmente o regime com o novo decreto-lei. Aumentou o volume do ensino particular e cooperativo, descredibilizou-se a escola pública, que passou grosso modo, à imagem da privada, a preparar os alunos para o exame, o teste ou a classificação (escolas do sistema educativo quase iguais a escolas de condução) e o clima escolar ficou cada vez mais denso.
Volta, Decreto-lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, que estás perdoado!

2017.04.22 – Louro de Carvalho  

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