Foi
promulgada, na manhã do passado dia 1 de abril, no Vaticano, a Carta Pastoral,
em forma de “Motu Proprio”, Sanctuarium in Ecclesia, assinada no passado dia 11 de fevereiro, Memória
Litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, que transfere as competências sobre os Santuários
da Congregação do Clero para o
Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, alterando o n.º 1 do
artigo 97.º da Constituição Apostólica Pastor
Bonus, com vista a aumentar e orientar a atenção que a Igreja Católica dedica aos Santuários de todo o
mundo.
O documento pontifício vem estruturado em duas
partes: uma doutrinal e histórica desenvolvida em cinco pontos; e outra
normativa distribuída por sete alíneas.
Na primeira parte, o primeiro ponto começa por
afirmar que “o Santuário possui na Igreja um grande valor simbólico” e a
condição de peregrino constitui uma
profissão de fé genuína.
Depois,
considera que, pela contemplação das imagens sagradas, se robustece a esperança
de sentir mais intensa a proximidade de Deus “que abre o coração à confiança de
ser escutado e atendido nos desejos mais profundos”. Ali, a piedade popular,
enquanto “autêntica expressão da ação missionária espontânea do povo de Deus”,
encontra um lugar privilegiado onde pode “exprimir a bela tradição da oração,
da devoção e da entrega à misericórdia de Deus – inculturadas na vida de cada
povo”.
E o texto
não deixa de referir, em jeito de verificação histórica que, desde os primeiros
séculos se evidenciou a peregrinação aos lugares onde Cristo viveu, anunciou o
mistério do amor do Pai e, sobretudo, ao túmulo vazio, o sinal tangível da sua
ressurreição. A seguir, os peregrinos puseram-se a caminho rumo aos lugares em
que, segundo tradições diversas, se encontravam os túmulos dos apóstolos. E, ao
longo dos séculos, a peregrinação foi-se estendendo aos sítios “onde a piedade
popular tocou com a sua mão a misteriosa presença da Mãe de Deus, dos Santos e
dos Beatos”.
Num
segundo ponto, talvez a contrariar a ideia meramente devocional e pietista com
que alguns leem o devir dos Santuários, Francisco que eles permanecem, desde
sempre, como sinais de evangelização e da fé simples e humilde dos fiéis, que
ali encontram a dimensão da sua devoção e da presença divina. Deixemos falar o
texto:
“Os Santuários permanecem até aos nossos dias em
qualquer parte do mundo como sinal peculiar da fé simples e humilde dos
crentes, que ali encontram a dimensão fundamental da sua existência de crentes.
Ali experimentam de modo profundo a vizinhança de Deus, a ternura da Virgem
Maria e a companhia dos Santos: uma experiência de verdadeira espiritualidade
que não pode ser desvalorizada sob pena de mortificar a ação do Espírito Santo
e a vida da graça. Muitos Santuários foram de tal modo entendidos como parte da
vida das pessoas, das famílias e da comunidade que plasmaram a identidade de
gerações inteiras a ponto de influenciarem a história de algumas nações.”.
E
sobre os elementos fautores da evangelização nos Santuários e a partir deles,
podemos ler:
“A grande afluência de peregrinos, a oração humilde
e simples do povo de Deus, a par das celebrações litúrgicas, a concessão de
tantas graças que muitos crentes asseguram ter ali recebido e a beleza natural
destes lugares permitem verificar como os Santuários, na variedade das suas
formas exprimem uma oportunidade para a evangelização do nosso tempo”.
Em
terceiro lugar, não obstante a crise de fé que alastra pelo mundo, os Santuários
são encarados como espaços sagrados, verdadeiros refúgios, onde os peregrinos
encontram paz, silêncio e contemplação, numa pausa da sua vida frenética, e os
fiéis recebem a força e a ajuda espiritual para o seu caminho eclesial e
pastoral. Na verdade, um desejo escondido nos escaninhos do coração pode fazer
surgir em muitos a nostalgia de Deus, pelo que “os Santuários podem servir para
alguns se descobrirem a si mesmos e encontrarem a necessária força para a sua
própria conversão”. Ali, os fiéis podem receber um sustentáculo para a sua
caminhada quotidiana na paróquia e na comunidade cristã.
A
osmose entre a peregrinação ao Santuário e a vida de todos os dias constitui
“um válido contributo para a pastoral porque lhe permite reavivar o compromisso
de evangelização mediante um testemunho mais convicto”. Por isso, a caminhada
para o santuário e a participação na sua espiritualidade são já ato de
evangelização, que merece ser valorizado pelo seu intenso valor pastoral.
Num
quarto ponto, o documento papal sustenta que, por sua natureza, o Santuário é o
lugar sagrado onde se pode ouvir a Palavra de Deus, participar nos Sacramentos
e fortalecer a ação evangelizadora e catequética, pois nos Santuários, os
enfermos, os pobres, os marginalizados, as pessoas necessitadas encontram
refúgio e coragem. Com efeito, o texto refere:
“Pela sua própria natureza, o Santuário é um lugar sagrado onde a
proclamação da Palavra de Deus, a celebração dos Sacramentos, em particular o
da Reconciliação e o da Eucaristia, e o testemunho da caridade exprimem o
grande compromisso da Igreja na evangelização; e, por isso, se carateriza como
genuíno lugar de evangelização, onde desde o primeiro anúncio até à celebração
dos sagrados mistérios se torna manifesta a poderosa ação com que opera a
misericórdia de Deus na vida das pessoas”.
E, sobre a
força da espiritualidade própria de cada Santuário, o documento aduz:
“Através da espiritualidade própria de cada Santuário, os peregrinos são
conduzidos com a pedagogia de evangelização a um compromisso cada vez mais
responsável seja na sua formação cristã, seja no necessário testemunho de
caridade que o carateriza. Ademais, o Santuário contribui não pouco para o
compromisso catequético da comunidade cristã: com efeito, transmitindo, de modo
coerente com os tempos, a mensagem que deu início à sua fundação, enriquece a
vida dos crentes oferendo-lhes as razões para um compromisso na fé mais maduro
e consciente. Enfim, no Santuário, escancaram-se as portas aos doentes, às
pessoas débeis, aso pobres, aos marginalizados, aos refugiados, aos
migrantes.”.
Enfim, o quinto ponto do “Motu Proprio” põe em destaque a
vocação dos Santuários, que continuam a dar impulso à nova evangelização, na
sociedade e na Igreja, e ao desenvolvimento da pastoral devocional. Diz o
texto:
“À luz
destas considerações, torna-se evidente que os Santuários são chamados a
desempenhar um papel relevante na nova evangelização da sociedade de hoje e que
a Igreja é chamada a valorizar pastoralmente as moções do coração que se
exprimem através das peregrinações aos Santuários e a outros lugares de
devoção”.
***
Na
segunda parte da Carta Pastoral, vêm as determinações normativas. Além da
transferência de competências sobre os Santuários, constantes do mencionado n.º
1 do art.º 97.º da Constituição Apostólica “Pastor
Bonus”, também se transfere para o Pontifício Conselho para a Promoção da
Nova Evangelização a matéria referida no art.º 151.º da mesma Constituição
Apostólica, que era competência do Pontifício Conselho da Pastoral para os Migrantes e
os Itinerantes e que é do
teor seguinte:
“Empenha-se por que as viagens empreendidas por motivos de piedade ou de
estudo ou de lazer favoreçam a formação moral e religiosa dos fiéis, e assiste
as Igrejas locais para que todos aqueles que se encontram fora do próprio
domicilio possam usufruir de uma assistência pastoral adequada” (sic).
Assim, querendo favorecer o desenvolvimento da pastoral nos
Santuários da Igreja, o Santo Padre decidiu transferir para o Pontifício
Conselho para a Promoção da Nova Evangelização as competências, as tarefas que
até agora eram atribuídas à Congregação para o Clero e as que se referem às
deslocações em razão da piedade popular.
Por
conseguinte, se estabelece para o futuro que será competência do Pontifício Conselho para a
Promoção da Nova Evangelização:
a) A ereção de Santuários internacionais e a aprovação
dos respetivos estatutos, observando as normas dos can. 1232-1233 do CIC (Código de
Direito Canónico);
b) O estudo e a determinação de medidas que favoreçam
o desempenho evangelizador dos Santuários e o cultivo da religiosidade popular
nos mesmos;
c) A promoção de uma pastoral orgânica dos Santuários
como centros propulsores da nova Evangelização;
d) A promoção de encontros nacionais e internacionais
para favorecer uma obra comum de renovação da pastoral da piedade popular e da
peregrinação a lugares de devoção;
e) A promoção da formação específica dos operadores
dos Santuários e dos lugares de piedade e devoção;
f) A vigilância para que seja oferecida aos
peregrinos, nos lugares de percurso e paragem, uma coerente e sustentável assistência
espiritual e eclesial que permita o maior fruto pessoal destas experiências;
g) A valorização cultural e artística dos Santuários segundo
a via pulchritudinis qual modalidade peculiar da evangelização
da Igreja.
***
Portanto, o Papa Francisco estabelece as novas tarefas do
Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, entre as quais
se conta: a criação de novos Santuários e a aprovação dos seus estatutos; a
criação de instrumentos para favorecer a evangelização e a religiosidade
popular; a promoção de encontros nacionais e internacionais para a renovação da
pastoral da piedade e devoção popular; a prestação da assistência espiritual e
eclesial aos peregrinos; e a maior valorização cultural e artística dos
Santuários.
***
Enfim, sem
descurar o valor de silêncio e refúgio do Santuário, importa que ele não seja
um mero pretexto de turismo religioso e eventualmente de investigação ou um
reduto da piedade mal entendida num sentido quase supersticioso ou beatério,
mas um espaço de proximidade de e com Deus, um lugar teológico de evangelização
e catequese conducentes à celebração da fé e da vida na oração, sacramentos e
testemunho e rampa de lançamento duma sólida pastoral da caridade em prol da
justiça de rosto humano.
Por outro
lado, o Santuário, em vez de repositório da acumulação de capitais, como é
entendido por vezes, tem de ser motor de cultura, de arte e de erudição – a par
da aceitação da fé genuína da simplicidade e da singeleza que pretendem ser
acolhidas e esclarecidas, na certeza de que a presença no Santuário, embora
forte e marcante, é efémera. Na verdade, o lugar do crente é o da vida
quotidiana, sem se apegar demasiado a ela, para a qual pode haurir força
naquele lugar privilegiado de promoção da espiritualidade.
2017.04.03 – Louro de Carvalho
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