segunda-feira, 3 de abril de 2017

Santuários: “espaços sagrados aonde ir em peregrinação evangelizadora”

Foi promulgada, na manhã do passado dia 1 de abril, no Vaticano, a Carta Pastoral, em forma de “Motu Proprio”, Sanctuarium in Ecclesia, assinada no passado dia 11 de fevereiro, Memória Litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, que transfere as competências sobre os Santuários da Congregação do Clero para o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, alterando o n.º 1 do artigo 97.º da Constituição Apostólica Pastor Bonus, com vista a aumentar e orientar a atenção que a Igreja Católica dedica aos Santuários de todo o mundo.
O documento pontifício vem estruturado em duas partes: uma doutrinal e histórica desenvolvida em cinco pontos; e outra normativa distribuída por sete alíneas.
Na primeira parte, o primeiro ponto começa por afirmar que “o Santuário possui na Igreja um grande valor simbólico” e a condição de peregrino constitui uma profissão de fé genuína.
Depois, considera que, pela contemplação das imagens sagradas, se robustece a esperança de sentir mais intensa a proximidade de Deus “que abre o coração à confiança de ser escutado e atendido nos desejos mais profundos”. Ali, a piedade popular, enquanto “autêntica expressão da ação missionária espontânea do povo de Deus”, encontra um lugar privilegiado onde pode “exprimir a bela tradição da oração, da devoção e da entrega à misericórdia de Deus – inculturadas na vida de cada povo”.
E o texto não deixa de referir, em jeito de verificação histórica que, desde os primeiros séculos se evidenciou a peregrinação aos lugares onde Cristo viveu, anunciou o mistério do amor do Pai e, sobretudo, ao túmulo vazio, o sinal tangível da sua ressurreição. A seguir, os peregrinos puseram-se a caminho rumo aos lugares em que, segundo tradições diversas, se encontravam os túmulos dos apóstolos. E, ao longo dos séculos, a peregrinação foi-se estendendo aos sítios “onde a piedade popular tocou com a sua mão a misteriosa presença da Mãe de Deus, dos Santos e dos Beatos”.
Num segundo ponto, talvez a contrariar a ideia meramente devocional e pietista com que alguns leem o devir dos Santuários, Francisco que eles permanecem, desde sempre, como sinais de evangelização e da fé simples e humilde dos fiéis, que ali encontram a dimensão da sua devoção e da presença divina. Deixemos falar o texto:
“Os Santuários permanecem até aos nossos dias em qualquer parte do mundo como sinal peculiar da fé simples e humilde dos crentes, que ali encontram a dimensão fundamental da sua existência de crentes. Ali experimentam de modo profundo a vizinhança de Deus, a ternura da Virgem Maria e a companhia dos Santos: uma experiência de verdadeira espiritualidade que não pode ser desvalorizada sob pena de mortificar a ação do Espírito Santo e a vida da graça. Muitos Santuários foram de tal modo entendidos como parte da vida das pessoas, das famílias e da comunidade que plasmaram a identidade de gerações inteiras a ponto de influenciarem a história de algumas nações.”.
E sobre os elementos fautores da evangelização nos Santuários e a partir deles, podemos ler:
“A grande afluência de peregrinos, a oração humilde e simples do povo de Deus, a par das celebrações litúrgicas, a concessão de tantas graças que muitos crentes asseguram ter ali recebido e a beleza natural destes lugares permitem verificar como os Santuários, na variedade das suas formas exprimem uma oportunidade para a evangelização do nosso tempo”.
Em terceiro lugar, não obstante a crise de fé que alastra pelo mundo, os Santuários são encarados como espaços sagrados, verdadeiros refúgios, onde os peregrinos encontram paz, silêncio e contemplação, numa pausa da sua vida frenética, e os fiéis recebem a força e a ajuda espiritual para o seu caminho eclesial e pastoral. Na verdade, um desejo escondido nos escaninhos do coração pode fazer surgir em muitos a nostalgia de Deus, pelo que “os Santuários podem servir para alguns se descobrirem a si mesmos e encontrarem a necessária força para a sua própria conversão”. Ali, os fiéis podem receber um sustentáculo para a sua caminhada quotidiana na paróquia e na comunidade cristã.
A osmose entre a peregrinação ao Santuário e a vida de todos os dias constitui “um válido contributo para a pastoral porque lhe permite reavivar o compromisso de evangelização mediante um testemunho mais convicto”. Por isso, a caminhada para o santuário e a participação na sua espiritualidade são já ato de evangelização, que merece ser valorizado pelo seu intenso valor pastoral.
Num quarto ponto, o documento papal sustenta que, por sua natureza, o Santuário é o lugar sagrado onde se pode ouvir a Palavra de Deus, participar nos Sacramentos e fortalecer a ação evangelizadora e catequética, pois nos Santuários, os enfermos, os pobres, os marginalizados, as pessoas necessitadas encontram refúgio e coragem. Com efeito, o texto refere:
“Pela sua própria natureza, o Santuário é um lugar sagrado onde a proclamação da Palavra de Deus, a celebração dos Sacramentos, em particular o da Reconciliação e o da Eucaristia, e o testemunho da caridade exprimem o grande compromisso da Igreja na evangelização; e, por isso, se carateriza como genuíno lugar de evangelização, onde desde o primeiro anúncio até à celebração dos sagrados mistérios se torna manifesta a poderosa ação com que opera a misericórdia de Deus na vida das pessoas”.
E, sobre a força da espiritualidade própria de cada Santuário, o documento aduz:
“Através da espiritualidade própria de cada Santuário, os peregrinos são conduzidos com a pedagogia de evangelização a um compromisso cada vez mais responsável seja na sua formação cristã, seja no necessário testemunho de caridade que o carateriza. Ademais, o Santuário contribui não pouco para o compromisso catequético da comunidade cristã: com efeito, transmitindo, de modo coerente com os tempos, a mensagem que deu início à sua fundação, enriquece a vida dos crentes oferendo-lhes as razões para um compromisso na fé mais maduro e consciente. Enfim, no Santuário, escancaram-se as portas aos doentes, às pessoas débeis, aso pobres, aos marginalizados, aos refugiados, aos migrantes.”. 
Enfim, o quinto ponto do “Motu Proprio” põe em destaque a vocação dos Santuários, que continuam a dar impulso à nova evangelização, na sociedade e na Igreja, e ao desenvolvimento da pastoral devocional. Diz o texto:
“À luz destas considerações, torna-se evidente que os Santuários são chamados a desempenhar um papel relevante na nova evangelização da sociedade de hoje e que a Igreja é chamada a valorizar pastoralmente as moções do coração que se exprimem através das peregrinações aos Santuários e a outros lugares de devoção”. 
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Na segunda parte da Carta Pastoral, vêm as determinações normativas. Além da transferência de competências sobre os Santuários, constantes do mencionado n.º 1 do art.º 97.º da Constituição Apostólica “Pastor Bonus”, também se transfere para o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização a matéria referida no art.º 151.º da mesma Constituição Apostólica, que era competência do Pontifício Conselho da Pastoral para os Migrantes e os Itinerantes e que é do teor seguinte:
Empenha-se por que as viagens empreendidas por motivos de piedade ou de estudo ou de lazer favoreçam a formação moral e religiosa dos fiéis, e assiste as Igrejas locais para que todos aqueles que se encontram fora do próprio domicilio possam usufruir de uma assistência pastoral adequada” (sic).
Assim, querendo favorecer o desenvolvimento da pastoral nos Santuários da Igreja, o Santo Padre decidiu transferir para o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização as competências, as tarefas que até agora eram atribuídas à Congregação para o Clero e as que se referem às deslocações em razão da piedade popular.
Por conseguinte, se estabelece para o futuro que será competência do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização:
a) A ereção de Santuários internacionais e a aprovação dos respetivos estatutos, observando as normas dos can. 1232-1233 do CIC (Código de Direito Canónico);
b) O estudo e a determinação de medidas que favoreçam o desempenho evangelizador dos Santuários e o cultivo da religiosidade popular nos mesmos;
c) A promoção de uma pastoral orgânica dos Santuários como centros propulsores da nova Evangelização;
d) A promoção de encontros nacionais e internacionais para favorecer uma obra comum de renovação da pastoral da piedade popular e da peregrinação a lugares de devoção;
e) A promoção da formação específica dos operadores dos Santuários e dos lugares de piedade e devoção;
f) A vigilância para que seja oferecida aos peregrinos, nos lugares de percurso e paragem, uma coerente e sustentável assistência espiritual e eclesial que permita o maior fruto pessoal destas experiências;
g) A valorização cultural e artística dos Santuários segundo a via pulchritudinis qual modalidade peculiar da evangelização da Igreja.
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Portanto, o Papa Francisco estabelece as novas tarefas do Pontifício  Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, entre as quais se conta: a criação de novos Santuários e a aprovação dos seus estatutos; a criação de instrumentos para favorecer a evangelização e a religiosidade popular; a promoção de encontros nacionais e internacionais para a renovação da pastoral da piedade e devoção popular; a prestação da assistência espiritual e eclesial aos peregrinos; e a maior valorização cultural e artística dos Santuários.
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Enfim, sem descurar o valor de silêncio e refúgio do Santuário, importa que ele não seja um mero pretexto de turismo religioso e eventualmente de investigação ou um reduto da piedade mal entendida num sentido quase supersticioso ou beatério, mas um espaço de proximidade de e com Deus, um lugar teológico de evangelização e catequese conducentes à celebração da fé e da vida na oração, sacramentos e testemunho e rampa de lançamento duma sólida pastoral da caridade em prol da justiça de rosto humano.
Por outro lado, o Santuário, em vez de repositório da acumulação de capitais, como é entendido por vezes, tem de ser motor de cultura, de arte e de erudição – a par da aceitação da fé genuína da simplicidade e da singeleza que pretendem ser acolhidas e esclarecidas, na certeza de que a presença no Santuário, embora forte e marcante, é efémera. Na verdade, o lugar do crente é o da vida quotidiana, sem se apegar demasiado a ela, para a qual pode haurir força naquele lugar privilegiado de promoção da espiritualidade.

2017.04.03 – Louro de Carvalho 

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