Milhares de pessoas manifestam-se hoje em todo o mundo
em prol da ciência e contra aqueles que, como Donald Trump, optam pelos “factos
alternativos” e pelo negacionismo climático. O grande escopo é sensibilizar a
sociedade para a importância e o valor da ciência para a vida no dia a dia de
todos na comunidade.
A
ideia nasceu nos EUA para afirmar os valores da ciência atacados pela
administração Trump, mas o movimento globalizou-se. Começou por um grupo de
cientistas no Facebook que, inspirado pela
Marcha das Mulheres, que juntou, em janeiro, milhões em várias cidades dos
Estados Unidos contra a administração norte-americana, propôs uma manifestação
em Washington, em defesa da ciência. Mas rapidamente a ideia ganhou asas e galgou
o mundo.
O
alvo imediato são as políticas anticientíficas de Trump e as consequências
delas no nosso mundo. E a marcha saiu hoje à rua não só em Washington. Os
cientistas desfilam em mais de 600 cidades por todo o mundo, incluindo em
Lisboa – e aqui com participantes de peso, como Carlos Moedas, comissário
europeu para a Investigação, Ciência e Inovação,
a cientista Maria Mota e o cientista e deputado pelo PS Alexandre
Quintanilha.
A
ideia da manifestação é fazer uma festa global e de peso em prol da ciência e
deixar um aviso esclarecedor: sem ciência não há democracia. A marcha pretende,
pois, “defender o papel vital da ciência na nossa saúde, nas economias e nos
governos”, como se pode ler no site internacional marchforscience.com. E, sem quaisquer referências explícitas à
administração norte-americana a iniciativa surge como “celebração da ciência”
enquanto “pilar da liberdade humana e da prosperidade”, mas a atitude “anticientífica”
“do atual Presidente dos Estados Unidos vislumbra-se nas entrelinhas e
explicará a adesão que o movimento ganhou tão depressa. O enunciado que o
espelha é vertido na seguinte questão:
“Face a uma alarmante
tendência para desacreditar o consenso científico e restringir as descobertas
científicas, devemos perguntar-nos: podemos dar-nos ao luxo de não sair em sua
defesa?”.
Os
sinais que se têm avolumado, já eram visíveis antes de Trump ser presidente,
quando ainda em campanha se referiu às alterações climáticas “como uma invenção
da China”, passando por cima de toda a fundamentação científica da questão, não
tendo melhorado como presidente.
Logo
em janeiro emitiu uma ordem a impedir os funcionários da EPA (agência nacional de proteção ambiental) e do Departamento de Agricultura de
partilharem publicamente as suas investigações, inclusive nas redes sociais. E colocou Scott Pruitt à frente da
mesma EPA, que tem ligações próximas a empresários de companhias petrolíferas,
enquanto ele próprio dispensou os tradicionais conselheiros científicos da Casa
Branca. Além disso, a sua proposta de orçamento prevê cortes massivos nas
verbas federais para a investigação científica que, a serem aprovados, afetarão
instituições como os National Institutes of Health, a EPA ou a NASA.
Os
cientistas decidiram, pois, sair à rua para mostrar o valor e o peso da
ciência, contagiando companheiros de profissão e simpatizantes por todo o
mundo. As primeiras marchas mundiais arrancaram na Austrália e na Nova
Zelândia. E milhares de manifestantes expressam-se contra “os ataques à
ciência” neste sábado em mais de 600 cidades espalhadas pelo mundo, de Melburne
a Nova Iorque, passando por Tóquio, Lisboa, Berlim ou Buenos Aires.
Em Melburne, o ex-ministro da Ciência Barry Jones acusou os políticos de se
deixarem guiar por “notícias falsas” e “factos alternativos”, numa alusão ao
atual presidente norte-americano e aos seus conselheiros. Citado pelo jornal
australiano “The Age”, lamentou que
“os políticos sejam conduzidos por opiniões e não pelo conhecimento” e que
“deixem de perguntar se é verdadeiro, preferindo saber se vende bem”.
Exibindo cartazes com as palavras “Ciência
e não silêncio”, milhares de cientistas desfilaram em Sydney, lembrando que
“não há plano B” para o Planeta. Numa
das palestras durante a manifestação, a investigadora Angela Maharaj, do
Climate Change Research Centre, da Universidade de New South Wales, afirmou que
a ignorância dos políticos sobre as alterações climáticas “é um embaraço
inacreditável”.
***
Lisboa,
onde a marcha está a ser organizada por Gil Costa, neurocientista, Joana Lamego,
bióloga, e o neurocientista Eric Dewitt, oriundo dos EUA e há 5 anos a
trabalhar em Portugal, na Fundação Champalimaud, é uma das mais de 600 cidades
onde hoje há festa pela ciência.
Gil
Costa sintetiza:
“O objetivo é dar apoio
aos cientistas americanos que enfrentam ameaças, como cortes no financiamento,
mas também dar visibilidade à ciência, fomentar a cultura científica e deixar a
mensagem de que a ciência é um valor essencial na democracia sem o qual não há
decisões políticas e sociais informadas”.
Segundo
este promotor da marcha, a ciência é um valor democrático, que faz melhores
cidadãos, e a comunidade científica não pode perder a solidariedade com o que
acontece nos outros países, porque depende da colaboração internacional.
Para
Carlos Moedas, a “marcha não é contra o que quer que seja, mas antes uma
afirmação positiva, uma iniciativa cidadã em defesa do papel da ciência nas
nossas sociedades”. E o Comissário Europeu sublinha que “este movimento nasce
na sociedade civil” e que a Europa, com os seus sucessos nesta área, “tem boas
razões para marchar pela ciência”.
Por
seu turno, o americano Eric Dewitt, um dos organizadores da marcha em Lisboa,
não esquece as ameaças que pairam sobre a ciência e os cientistas no seu país e
espera que a “energia desta marcha” sirva para “a consciencialização da
importância da ciência na construção das sociedades desenvolvidas e
democráticas”.
Na
marcha, que começou às 14 horas, no Largo de São Mamede, e se dirigiu ao Largo
do Carmo, para terminar com a Festa da
Ciência no Chiado, participam, além dos mencionados, investigadores como
Elvira Fortunato, diretora do CENIMAT (Centro
de Investigação de Materiais) e conselheira científica da Comissão Europeia, e políticos como o Ministro
Manuel Heitor.
A
iniciativa – que, em Portugal, partiu de um grupo de cientistas que trabalham
no país, que se associou ao movimento à escala global em prol da ciência,
depois de a administração norte-americana ter ameaçado com cortes a entidades
que fazem investigação – conta com o apoio explícito da Secretária de Estado da
Ciência, Maria Fernanda Rollo, do cientista e deputado do PS Alexandre
Quintanilha, do Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Paulo
Ferrão, e da presidente da Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura
Científica e Tecnológica, Rosalia Vargas, além de vários investigadores.
Elvira
Fortunato, a ‘mãe’ do transístor de papel e diretora do CENIMAT, lembrou, em
declarações à Lusa, que a “ciência e
a tecnologia são os pilares do desenvolvimento de qualquer sociedade” e que “o
investimento em ciência é um investimento no futuro, para que todos possam
viver num mundo melhor”. Por outro lado, é preciso, segundo ela, passar “a
mensagem de que a investigação científica é pertença de todos e é para todos”.
A
marcha terminou com a Festa da Ciência,
no Chiado – espaço de debate e divulgação do trabalho de cientistas que trabalham
em Portugal – e constou de diversos eventos com
cientistas: atividades de física, debates de sociologia e de ceticismo na
sociedade, curtos stand-ups de
ciência, cientistas espalhados por cafés, prontos a serem descobertos à espera
de uns dedos de conversa.
Mas não
se pense que a marcha é simples efeméride, fruto do momento. Ao invés, estabelece
um quadro teórico estruturado em: missão,
princípios e objetivos, como se pode conferir no site:
Em termos da missão,
Defende-se
que “a ciência deve ser
financiada publicamente e que a sua comunicação à sociedade deve ser eficaz”,
pois uma e outra (ciência e comunicação) são “pilares
fundamentais da liberdade e da prosperidade”. Por isso, vem o apelo à “união
entre cientistas e não cientistas, baseada na diversidade e independente
de partidos políticos, para juntos se defender a importância da ciência
enquanto veículo de promoção e desenvolvimento do bem comum”.
Como princípios, enunciam-se os seguintes:
- Ciência que serve o bem-comum.
Como processo e ferramenta de descoberta (e não um produto), permite expandir e rever constantemente o conhecimento acerca do
Universo. Como tal, serve o interesse de todos e não só o dos poderosos. É,
pois, dever de membros de sociedades livres proteger “o direito ao acesso ao
conhecimento, à possibilidade de aprender, interagir e até de moldar o
conhecimento científico”.
- Educação científica
de ponta. Apoia-se uma educação
científica que promova o pensamento crítico em crianças e adultos, que os leve
a fazer perguntas e a avaliar o mundo a partir de factos baseados em evidências
comprovadas. Com efeito, a ciência não deve estar apenas ao dispor de alguns.
Cada um tem direito a educação que apoie a aprendizagem do método científico e
dos conhecimentos científicos, que, em conjunto com as Artes e as
Humanidades, ajude a construir um conhecimento adequado do mundo. A ciência
requer perspetivas diversas, pelo que é urgente trabalhar em conjunto com as gerações
futuras e levar a nova geração a incluir grupos historicamente
sub-representados na ciência.- Comunicação aberta e transparente,
e divulgação pública inclusiva. É um direito
público o acesso a informação baseada em factos comprovados cientificamente.
Impedir o acesso aos dados obtidos a partir da investigação financiada por
fundos públicos limita a liberdade e a capacidade de estarmos
corretamente informados antes de tomarmos decisões. E a promoção duma eficaz
comunicação pública dos resultados obtidos a partir da investigação
científica é um princípio básico da nossa sociedade.
- Políticas e
regulamentações que sirvam o interesse público, baseadas em factos. A ciência observa e questiona o mundo. A compreensão do mundo
encontra-se em desenvolvimento constante, originando novas questões e respostas.
A ciência enquanto método de melhoria da forma de observar o mundo e responder
às questões decorrentes da observação, permite construir um corpus de conhecimento baseado em factos, que
deve utilizado para desenvolver políticas e regulamentações que sirvam o
interesse público. Assim, as decisões que afetam a vida dos cidadãos devem
utilizar informação baseada no consenso científico.
- O financiamento da investigação científica e das suas aplicações. O Orçamento de Estado (OE) deve refletir o papel vital que a ciência tem como suporte da democracia. Defende-se uma adequada dotação financeira do OE para apoio à investigação e emprego científicos e para o apoio à aplicação da ciência em políticas de gestão. Este financiamento não deve ser limitado a áreas de investigação específicas, mas ser inclusivo das diversas disciplinas do conhecimento.
- Humanizar a ciência. A ciência é, antes de tudo, um processo humano, conduzido, aplicado e apoiado por um conjunto alargado de pessoas. O método científico não é um processo abstrato independente da cultura ou da comunidade a que pertence cada um dos seus agentes; é, antes, um empreendimento levado a cabo por pessoas que pretendem expandir o conhecimento do mundo com o intuito de construir uma sociedade melhor e mais informada.
- Apoiar os cientistas. É necessária a união no apoio aos cientistas. Há que falar por eles quando forem silenciados, protegê-los quando forem ameaçados e apoiá-los quando sintam que não podem servir as instituições. Deve ser permitida aos cientistas, tanto no setor público como no privado, a comunicação livre dos resultados, sem qualquer distorção ou medo de represálias.
- Defender uma ciência aberta, inclusiva e acessível a todos. Urge o esforço para destruir quaisquer barreiras na comunidade. A carreira científica deve ser uma opção para qualquer pessoa apaixonada pela descoberta. Processo e resultados científicos devem estar acessíveis a todos. O método científico ajuda a informar os processos de decisão de todos, desde as decisões que se tomam enquanto consumidores até às políticas que se adotam através do debate público. Juntar cientistas num evento público para o debate à volta do mundo é dar voz ao apoio pela livre disponibilidade da ciência.
- Relação com os cidadãos. Cientistas e apoiantes juntam-se a salientar a importância da relação entre laboratórios e sociedade. A ciência funciona melhor quando os cientistas interagem de maneira eficaz com as comunidades. E esta comunicação faz-se pela partilha dos resultados científicos com as comunidades e pela promoção da função que as comunidades devem ter na construção, na partilha e na participação no processo de investigação. E os cientistas inspiram-se nas comunidades para novas questões que o próprio processo científico levanta.
- Afirmar a Ciência como um valor democrático. A ciência é vital para o funcionamento das democracias, dá espaço à inovação, ao pensamento crítico, a melhor compreensão do mundo e a melhor qualidade de vida para todos. Marchando um pouco por todo o mundo, os manifestantes sentem que dão passos firmes para se tornarem mais ativos nas comunidades e na vida democrática. Lutam para que os líderes – tanto na ciência como na política – sigam os mais altos padrões de honestidade, justiça, e integridade. Juntos trabalham para assegurar que a comunidade científica sirva para fortalecer a democracia.
- O financiamento da investigação científica e das suas aplicações. O Orçamento de Estado (OE) deve refletir o papel vital que a ciência tem como suporte da democracia. Defende-se uma adequada dotação financeira do OE para apoio à investigação e emprego científicos e para o apoio à aplicação da ciência em políticas de gestão. Este financiamento não deve ser limitado a áreas de investigação específicas, mas ser inclusivo das diversas disciplinas do conhecimento.
- Humanizar a ciência. A ciência é, antes de tudo, um processo humano, conduzido, aplicado e apoiado por um conjunto alargado de pessoas. O método científico não é um processo abstrato independente da cultura ou da comunidade a que pertence cada um dos seus agentes; é, antes, um empreendimento levado a cabo por pessoas que pretendem expandir o conhecimento do mundo com o intuito de construir uma sociedade melhor e mais informada.
- Apoiar os cientistas. É necessária a união no apoio aos cientistas. Há que falar por eles quando forem silenciados, protegê-los quando forem ameaçados e apoiá-los quando sintam que não podem servir as instituições. Deve ser permitida aos cientistas, tanto no setor público como no privado, a comunicação livre dos resultados, sem qualquer distorção ou medo de represálias.
- Defender uma ciência aberta, inclusiva e acessível a todos. Urge o esforço para destruir quaisquer barreiras na comunidade. A carreira científica deve ser uma opção para qualquer pessoa apaixonada pela descoberta. Processo e resultados científicos devem estar acessíveis a todos. O método científico ajuda a informar os processos de decisão de todos, desde as decisões que se tomam enquanto consumidores até às políticas que se adotam através do debate público. Juntar cientistas num evento público para o debate à volta do mundo é dar voz ao apoio pela livre disponibilidade da ciência.
- Relação com os cidadãos. Cientistas e apoiantes juntam-se a salientar a importância da relação entre laboratórios e sociedade. A ciência funciona melhor quando os cientistas interagem de maneira eficaz com as comunidades. E esta comunicação faz-se pela partilha dos resultados científicos com as comunidades e pela promoção da função que as comunidades devem ter na construção, na partilha e na participação no processo de investigação. E os cientistas inspiram-se nas comunidades para novas questões que o próprio processo científico levanta.
- Afirmar a Ciência como um valor democrático. A ciência é vital para o funcionamento das democracias, dá espaço à inovação, ao pensamento crítico, a melhor compreensão do mundo e a melhor qualidade de vida para todos. Marchando um pouco por todo o mundo, os manifestantes sentem que dão passos firmes para se tornarem mais ativos nas comunidades e na vida democrática. Lutam para que os líderes – tanto na ciência como na política – sigam os mais altos padrões de honestidade, justiça, e integridade. Juntos trabalham para assegurar que a comunidade científica sirva para fortalecer a democracia.
E, por fim:
E, como objetivos, definiram-se
os seguintes:
E, por
fim:
***
É
boa a valorização da ciência acima de opiniões e caprichos. Porém, é forçoso não
esquecer que pode ter ela a última palavra na vida dos homens, palavra que deve
ser dada à ética e ao serviço do homem todo e de todos os homens. E livre-nos Deus
da pseudociência e da totalização da ciência!
2017.04.22 – Louro de Carvalho
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