segunda-feira, 24 de abril de 2017

No âmbito das liberdades fundamentais…

No passado dia 21 de abril, a Assembleia da República aprovou, por maioria, o Projeto de Resolução n.º 775/XIII, que “recomenda ao Governo uma atuação firme, ativa e global na defesa da liberdade religiosa”.
O projeto mereceu a aprovação com os votos a favor do PSD, do CDS-PP e de 1 Deputado do PS; a abstenção do PS, do BE e do PAN; e o voto contra do PCP e do PEV.
Dei-me ao cuidado de ler o preâmbulo e os itens do Projeto de Resolução e não fiquei a perceber as razões por que dois partidos com assento parlamentar votaram contra e três se abstiveram ou qual o ponto ou os pontos do Projeto que merece(m) reparo aos opositores ou aos abstencionistas.
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Na verdade a DUDH (Declaração Universal dos Direitos Humanos), a que Portugal se encontra vinculado, estabelece, no n.º 1 do seu art.º 2.º, que “todo o ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.
E, no seu art.º 18.º, estipula que “todo o ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; direito que “inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.
Por seu turno, a CRP (Constituição da República Portuguesa), a que está vinculado o Estado e, consequentemente, os órgãos do poder político, estabelece como uma das tarefas fundamentais do Estado, a na alínea b) do art.º 9.º “garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático”. E a liberdade religiosa é um destes direitos e liberdades fundamentais.
Por outro lado, o art.º 13.º estabelece que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. Sublinho religião por ser este elemento que vem ao caso nesta reflexão.
E, ao art.º 41.º consagra explicitamente a “liberdade de consciência, de religião e de culto”, estabelecendo, no seu n.º 1, que “a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável”; no n.º 2, que “ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa”; e até, no n.º 3, que “ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder”.
Ora, ninguém de bom senso admite que os preceitos constitucionais e as cláusulas da DUDH sejam concebidos unicamente para figurarem no papel ou que possam entender-se no quadro de um respeito passivo e anódino (Sou livre apenas se estiver calado e quietinho, feito mosca morta?).
A CRP, no art.º 41.º, referido, embora estipule a separação das Igrejas e outras comunidades religiosas do Estado, estabelece, no n.º 5, a garantia da “liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respetiva confissão”, bem como da “utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas atividades”.
Além disso, num dos considerandos da DUDH, pode ler-se inequivocamente que “os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal dos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades”. Trata-se, pois, de uma atitude proativa, solidária e cooperante.
Depois, a DUDH é proclamada como “o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade”, tendo sempre em mente a DUDH, “se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito desses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição”.
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Nestes termos, não percebo como se dividiram os representantes do povo na Casa da Democracia na apreciação do sobredito Projeto de Resolução. Se fosse uma lei, entenderia que alguns aspetos técnicos ou até ideológicos pudessem constituir discrepância. Num texto que só faz recomendações ao Governo tal discrepância de postura é politicamente incompreensível. Não se pode argumentar com a laicidade ou a aconfessionalidade do Estado, quando está em causa um dos itens das garantias, direitos e liberdades fundamentais, importante como a liberdade de pensamento, informação e expressão, a liberdade de imprensa ou a liberdade de associação. Será por a iniciativa ter partido do CDS/PP? É mau, muito mau. Será porque, na crise de liberdade de imprensa e de expressão, todos e todas são “Charlie Hebdo”, mas, na perseguição religiosa, ninguém quer ser “cristão”, “judeu”, “budista” ou “muçulmano”? Mas os detentores do poder político não podem entrar neste género de diferenciação mesquinha.
Será que os deputados proponentes estão a mentir quando asseguram:
“Têm sido várias as iniciativas adotadas pelo Parlamento com o objetivo de promover e proteger a liberdade religiosa como direito fundamental e corolário da dignidade humana, por vezes tão esquecida nos debates e reflexões internacionais, apesar da sua enorme relevância e atualidade. (…) Deputados de diferentes correntes políticas constituíram um Grupo Parlamentar de Solidariedade com os Cristãos Perseguidos no Mundo e a AR reconheceu recentemente a morte e perseguição de minorias religiosas no Médio Oriente, além de ter realizado diversas audições sobre o tema da liberdade religiosa.”?
De facto, “não é possível ignorar a aceleração do declínio do pluralismo religioso e a ação persecutória cometida, todos os dias, contra aquelas comunidades, sobretudo em regiões de África e do Médio Oriente” – refere o preâmbulo do Projeto.
Depois, aponta a grande frequência de relatos e testemunhos denunciadores da ação seletiva e genocida “pelos movimentos radicais e fundamentalistas, comandados pelo preconceito, ódio e violência”, de modo que “são alvo de perseguição, massacres e matança” os que “não seguem os seus ditames”. Mais: nos últimos dois anos, houve “um agravamento trágico das perseguições e execuções sobre os cristãos e outras minorias, intoleráveis e incompatíveis com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional”.
Ora, sendo Portugal país membro do CDH (Conselho de Direitos Humanos) da ONU, não pode permanecer indiferente ante “situações de extrema violência”, com graves consequências para a paz e estabilidade regionais”. O CDH da ONU é “a sede institucional apropriada para dar voz ao agravamento das violações e execuções seletivas e discriminadas contra as comunidades cristãs e outras minorias étnicas e religiosas” – assunto não secundarizável no plano político. E a presença de Portugal no CDH é uma oportunidade e responsabilidade, porque proporciona a capacidade de intervenção acrescida no Conselho. Assim, “Portugal deve pugnar por uma comunidade internacional mais atuante e vigilante contra as situações em que a intolerância e a perseguição se sentem de forma mais dramática, e para a mobilização de uma consciência universal para a crescente degradação dos direitos humanos e liberdades civis”.
Também no Conselho Europeu e, sobretudo, no CNE (Conselho dos Negócios Estrangeiros), devemos marcar “o empenho na defesa e promoção da liberdade religiosa”, garantindo uma “agenda europeia de proteção dos direitos humanos forte, independente e exigente”. Mais: Portugal pode desempenhar, no Conselho Europeu, “papel ativo na mobilização dos Estados-Membros da UE no seu conjunto para uma resposta integrada e coletiva na proteção de minorias religiosas e na neutralização daqueles movimentos extremistas”, criando “plataformas de consenso” que elevem a eficácia e visibilidade da “política externa de direitos humanos da UE”.
Por isso, é recomendado ao Governo o seguinte (Referem-se de forma livre e sem acessórios os 6 itens):
1. Redobre os esforços de condenação e denúncia, no quadro do CDH da ONU, como membro deste órgão e no cumprimento do último ano do seu mandato, das práticas cometidas contra as pessoas, em função da sua filiação étnica ou religiosa;
2. Apoie e contribua ativamente, no âmbito do CDH, para a elaboração do trabalho desenvolvido pelo Relator Especial para a Liberdade de Religião e Crença, incrementando a visibilidade e o impacto dos relatórios anuais e temáticos dedicados à proteção e promoção desta liberdade;
3. Prepare e faça agendar, até ao final do mandato de Portugal no CDH, um debate especial ou a apreciação de relatório sobre as situações de violação da liberdade religiosa no mundo, com destaque para as mais graves e violentas, e faça adotar as recomendações adequadas, as quais, entre outros efeitos, deverão ser presentes à Assembleia Geral da ONU;
4. Reafirme, no âmbito do Conselho Europeu, as orientações da Resolução Comum do Parlamento Europeu, adotada em Estrasburgo, a 4 de fevereiro de 2016, sobre o assassínio sistemático e em massa das minorias religiosas pelo denominado EIIL/Daesh, exigindo a prossecução das linhas constantes dos Considerandos E, L e M e a urgência de concretização das recomendações dos Pontos 4, 6, 9 e 101;
5. Coloque na agenda da próxima reunião CNE da UE a discussão do declínio da liberdade religiosa no Mundo e do agravamento da perseguição aos cristãos no Médio Oriente e em África, reforçando a necessidade de medidas concretas para a proteção destas comunidades e de elevar a visibilidade e eficácia da política externa de direitos humanos da UE;
6. Considerando que o Conselho da Europa tem vindo a alargar a ação a uma diversidade significativa de áreas e que constitui uma plataforma privilegiada e insubstituível do diálogo pan-europeu, o Governo contribua para que o Conselho confira maior importância à liberdade religiosa e à proteção de minorias religiosas e étnicas, nomeadamente os cristãos, como domínio prioritário da sua atividade; e crie as condições para que este debate se possa traduzir na adoção de medidas concretas destinadas à proteção estas populações desprotegidas e vulneráveis.
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Digam em que é que discordam de substancial na formulação do Projeto de Resolução. E, se algum pormenor agiganta o prurido ideológico, poderiam denunciá-lo em declaração de voto. Ou será este um tema fraturante? Será que o voto favorável poria em causa algum dos países perseguidores? Grande Mário Soares, declarou como Presidente que os direitos humanos eram para respeitar em todo o mundo, mesmo na Guiné-Bissau!
Como querem mobilizar os cidadãos para a causa pública se os nossos representantes, a quem pagamos, não são capazes de lutar expressa e ativamente por todos os meios ao alcance pelas garantias, direitos e liberdades dos cidadãos? Como é que partido(s) que suportam o Governo se refugiam na abstenção? Que eficácia terá assim uma recomendação sem que partido(s) que apoia(m) o Governo não revelam força persuasiva? De que vale na prática a propalada aprovação do Projeto?
Mas eu vou votar e não desisto da crítica! Prometo-o na véspera do Dia da Liberdade…

2017.04.24 – Louro de Carvalho 

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