terça-feira, 30 de abril de 2019

CGD: cruzamento de faltas de memória com acusação de ‘nesciência’


António de Sousa presidia ao Conselho de Administração da CGD (Caixa Geral de Depósitos) quando Almerindo Marques, um dos membros daquele Conselho, se demitiu por discordância da política de concessão de crédito do banco público. Em audição na 2.ª CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) à gestão da CGD, o antigo presidente descredibilizou as críticas, aduzindo que aquele ex-administrador não participava nas reuniões do Conselho de Crédito:
Almerindo Marques não tinha nenhum pelouro de crédito. Não sei sequer se alguma vez foi a algum Conselho de Crédito. (…) Ele próprio dizia – e era verdade – que estava muito ocupado porque tinha a responsabilidade de todo o backoffice. Não quer dizer que todos os administradores fossem sempre, mas havia dois que normalmente não iam: Almerindo Marques e Vítor Fernandes [responsável pelo pelouro dos seguros].”.
Assim, para António de Sousa, a base das críticas estava no que diziam àquele administrador “outros diretores ou pessoas que ele respeitava dentro do banco”, o que julgou suficiente para acusar a administração de falta de rigor na concessão de crédito e, por conseguinte, antes de se demitir em 2002, transmitir estes alertas por cartas ao BdP/Banco de Portugal (então liderado por Vítor Constâncio), ao Ministério das Finanças (liderado por Guilherme d’Oliveira Martins) e ao Presidente da República (Jorge Sampaio).
No final de março passado, na audição de Vítor Constâncio, o ex-governador do BdP afirmou não se recordar da carta que lhe foi entregue por Almerindo Marques alertando para problemas na concessão de crédito. “Não me lembro – disse – Isso terá sido quando? Há 12 anos? Tanto papel que recebi, tanto relatório que li” – entre 2000 e 2010.
Sousa confessou ter sabido da existência das cartas, apesar de nunca as ter visto fisicamente, porque lhe foi dada a conhecer tanto por Oliveira Martins como por Constâncio (este falou-lhe duma carta, que não mostrou: sabia o que se passava na CGD), com quem tinha “contactos frequentes”.
Os contactos com o BdP, segundo António de Sousa eram constantes, especialmente com os departamentos de supervisão bancária e com o então vice-governador do banco central, António Marta que já faleceu.
Porém, Sousa disse à CPI não se lembrar do teor da carta em questão. E, questionado sobre se havia pressões para a concessão de créditos apesar do risco elevado, rejeitou que tenha havido critérios políticos e reconheceu que pode ter havido critérios estratégicos para conquistar clientes (sublinhei).
Esta desvalorização dos alertas de Marques revela a desatenção com que a CGD era gerida, pois, sempre que surgem alertas em relação a atos duma administração, eles devem ser estudados a nível da sua veracidade e do seu teor.
Ora, na CGD parece ter acontecido um pouco de tudo: produção de falta de memória a muita gente; gente que ultrapassou os pareceres do Conselho de Crédito sem aduzir razões que validassem as decisões em contrário; gente que ia às reuniões só para fazer número que garantisse o quórum; gente que aceitava pacificamente que, estando algum administrador na reunião do Conselho de Crédito, este não emitisse parecer que o contraditasse (o que Sousa denomina de consenso); administradores que cediam a objetivos de política governamental (embora não o assumam); administrações que se moviam mais pela obesidade da carteira de clientes ou do sucesso concorrencial sem o suficiente cálculo prudencial dos riscos; gente que não aceitou pacificamente a criação do departamento de gestão de risco; e gente que não exigia fundamentação nas atas que aprovavam os créditos em causa.            
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Sousa, ao chegar à liderança do banco estatal em março de 2000 (que manteve até 2004),  criou o departamento de gestão de risco do banco, que na altura ficou a liderar. Mas agora sublinha:
O risco na banca portuguesa, e em geral na altura, não tinha a importância que veio a ter, em consequência da crise financeira. (…) Como qualquer alteração profunda numa organização, inevitavelmente criou ondas de choque e reações substanciais. A criação de um departamento que ia ter a possibilidade de contrapor não foi igualmente bem aceite por toda a gente dentro da instituição. É normal porque havia uma estrutura instalada e era relativamente novo em Portugal.”.
Ora, justamente em relação à existência e eficácia desse departamento é que a deputada socialdemocrata Margarida Mano questionou António de Sousa se, face aos desenvolvimentos que impulsionou no atinente à gestão de risco, tinha ficado surpreendido que o conselho de administração tenha ignorado os pareceres do departamento de risco na concessão de crédito. Com efeito, segundo as conclusões da auditora EY no relatório sobre a gestão do banco entre 2000 e 2015, a CGD aprovou a concessão de 13 créditos que mereceram parecer desfavorável da Direção Global de Risco, sem que a administração tenha apresentado qualquer justificação para essa decisão. E estas 13 operações, a maioria das quais com o aval de António de Sousa ou de Carlos Santos Ferreira, acabaram por resultar em perdas de 48 milhões de euros. Nas avaliações das operações de reestruturação, mereceram chumbo, mas avançaram na mesma e o banco perdeu quase dez vezes mais.
A isto, o antigo presidente justificou que havia “conversas frequentes” entre administração e gestão risco que acabavam, maioritariamente, por chegar a consenso. E explicou:
Num banco, a responsabilidade é do conselho de administração e tem de ter capacidade última de tomada de decisão. Já se questionou se o parecer de risco deve ou não ser vinculativo. Não deve porque a responsabilidade é do conselho de administração.”.
E acrescentou:
O relatório da EY foca-se muito nas operações e, muitas vezes, não só pode analisar só uma operação, mas a relação complexa com o cliente”.
É óbvio que ninguém exige que um parecer dum departamento de consulta seja vinculativo, mas – Sousa sabe-o – impedi-lo, condicioná-lo ou ultrapassá-lo facilmente sem apresentar razões de monta, escudando-se na responsabilidade da administração, é superficial e pode vir a ser perdulário. É caso para perguntar para que se criam tais departamentos. 
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Também a falta de memória atacou José Pedro Cabral dos Santos, ex-diretor do negócio de grandes empresas da CGD, que não se recorda de qual foi o administrador que defendeu o avanço da concessão de créditos de 350 milhões de euros à Fundação José Berardo contra a opinião expressa pela Direção-Geral de Riscos do banco público. Na verdade, esta direção-geral, na avaliação que fez ao negócio em 2007, manifestou-se contra a operação por causa da inexistência dum aval e pelas reduzidas garantias associadas. Mas o crédito avançou.
Presente na segunda CPI à recapitalização e gestão da CGD, Cabral dos Santos explicou, pelo recurso à memória, que a operação fora aprovada por se ter considerado que “se podia prescindir do aval em função da qualidade das contas da Fundação José Berardo”. Todavia, pressionado por Virgílio Macedo, deputado do PSD, o ex-diretor não conseguiu precisar quem é que defendeu que se prescindisse do aval. Nem mesmo, quando o deputado lhe quis avivar a memória recordando-lhe que nas reuniões que debateram o crédito a Berardo, em sede de Comissão Alargada de Crédito da CGD, estavam presentes, entre outros, Armando Vara, Francisco Bandeira, Santos Ferreira ou Celeste Cardona, conseguiu Cabral dos Santos lembrar-se de quem defendeu, de forma legítima, as operações.
O mesmo ex-diretor da CGD já tinha explicado que nem sempre cabia à sua direção emitir recomendações sobre operações que analisava, como foi o caso dos créditos a Berardo. E disse:
Nas situações em que a Direção-geral de Empresas tinha uma atuação reativa – ou seja, análises a eventuais negócios a pedido dos clientes –, a única coisa que se fazia era emitir pareceres para que o conselho [alargado de crédito] decidisse”.
Sublinhando que na altura não existia qualquer regra em vigor no banco que exigisse um rácio de cobertura de 120% em garantias, pelo que se considerou que o rácio de 105% era suficiente para ‘blindar’ a operação, disse que o grande problema foi a queda brutal dos títulos do BCP. Assim, como lembrou aos deputados, dada a queda das ações do BCP compradas por Berardo, a CGD acabou por exigir 11 reforços de garantias ao empresário até junho de 2008, mas que o “acumular da desvalorização” destes títulos continuou, levando ao “primeiro incumprimento de juros da Fundação José Berardo em novembro de 2008”.
E Cabral dos Santos, embora admita que Joe Berardo era um cliente que sempre teve grande atenção da parte da Caixa, recusou que este cliente tenha tido acesso a qualquer tipo de tratamento privilegiado no banco. São estas as suas palavras a este propósito:
Que eu conheça, a Metalgest e a Fundação nunca tiveram qualquer privilégio de tratamento na Caixa, muito menos à margem das regras”.
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Há, no meio de tido isto uma acusação/desculpa de António de Sousa ao seu antecessor: “administradores não entenderam bem o que estavam a assinar” em operação ruinosa da CGD
Refere-se à “Boats Caravelas”, uma das operações mais ruinosas, iniciada em 1999, quando o banco era presidido por João Salgueiro. Porém, o seu sucessor António de Sousa provisionou (“imparizou”) a totalidade do montante do valor (447 milhões de euros) e as perdas ascenderam a 340 milhões em 2005/2006. Agora diz que houve administradores que aceitaram a operação sem compreenderem a complexidade e risco associados. Tratava-se de um credit default swap, ou seja, um contrato celebrado entre a CGD e o banco suíço Crédit Suisse em que as duas instituições dividiam o risco sobre a carteira de ativos. Como explicou o antigo presidente da Caixa, a operação significava que a CGD tomava instrumentos, as obrigações “Boats Caravela”, que continham um conjunto de créditos. Na primeira tranche, a perda era responsabilidade do Crédit Suisse. No nível intermédio, a mezzanine, a responsabilidade passava para a Caixa e, na última, era novamente da instituição internacional. E Sousa refere:
O problema aconteceu logo no início porque acabou logo [atingindo o limite máximo rapidamente] e a responsabilidade passou para a CGD. Porque é que se faz uma operação destas? Porque pelo meio o que havia era o pagamento de uma taxa de juro substancial que permitia ter lucros para compensar outras operações que tinham dado prejuízo.”.
Aliás, também foi esta a conclusão da EY. Com efeito, apesar de a operação ter sido começada em dezembro de 1999, é feita referência às “Boats Caravela” no relatório da auditora à gestão do banco público entre 2000 e 2015 devido ao impacto que veio a ter nas contas. A EY explicou que os motivos inerentes à operação são meramente contabilísticos, com a necessidade de eliminar uma menos valia potencial transitória numa carteira de obrigações de taxa fixa. E acrescentou que houve uma tomada de operação com um risco elevado, sem evidência de análise de suporte nem conhecimento para os riscos inerentes à operação – do que resultou uma perda de 340 milhões de euros.
Embora não diga quem terá sido o ideólogo da operação, porque a mesma nunca lhe foi explicada quando sucedeu a Salgueiro, Sousa adianta apenas saber que “foi feita num prazo relativamente curto” e que não sabe se foram analisados os riscos inerentes a esta operação.
Durante a audição, Sousa afirmou que, em quase todos os conselhos onde esteve, “as decisões finais acabaram por ser consensuais” entre o que chegava do parecer do risco e da decisão do conselho alargado de crédito. Isto porque em muitas operações se faziam acertos para a aprovação de alguns dos financiamentos. E recorda que muitas das operações da Caixa derivaram de um ambiente decorrente de algumas privatizações. “A CGD foi o banco português que mais financiou operações de privatização” – disse.
A este respeito a posição da CGD no BCP voltou à baila e António de Sousa sublinhou que a participação de 8% que o banco público teve no BCP “teve importância, era possível, mas penalizou o rácio de capital da CGD”. E disse que foram operações que fizeram parte de uma estratégia do Governo em utilizar a Caixa para a defesa dos centros de decisão que aconteceram em vários governos. Mas, “temos de ter consciência que isso tem custos pesados” – observou.
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De quem assegura que não houve pressões políticas só pode dizer-se que não sabe que a estratégia do Governo é política. Aliás, um gestor público deveria saber que as privatizações resultaram de opção ou de imposição política. Ora quem não sabe, quem não se lembra é inimputável. Ora, se a procissão continuar como começou e como está (Sousa foi o primeiro líder da CGD a ser ouvido; a seguir, virão outros), a CPI cai no buraco, apesar das denúncias de Almerindo Marques, do antigo ROC e do antigo presidente do Conselho Fiscal – boas exceções.
E anda o negro dum trabalhador ou pequeno empresário – branco ou de cor – a fazer o pino ante dirigentes locais da CGD para mostrar que é digno do crédito e paga pela medida grande se não cumprir atempadamente! Há portugueses bem mais iguais que outros…
2019.04.30 – Louro de Carvalho 

PSOE venceu as eleições de 2019 em Espanha sem maioria absoluta


Vencedores e vencidos das eleições legislativas de 2019 em Espanha saíram às ruas para celebrar ou para lamber as feridas e repensar estratégias políticas.
Os socialistas tiveram noite eleitoral de festa. E Álvaro Cáceres, apoiante do PSOE, vincou:
Sinto-me muito bem. É um orgulho. Depois do mau bocado que os socialistas atravessaram, dos problemas de há dois anos, parecia que íamos desaparecer, que íamos ser o PASOK da Grécia. No final, ter um Governo socialista, progressista, é uma grande alegria.”.
Nascido na capital espanhola em 1972, Pedro Sánchez, o líder, fez a licenciatura de Ciências Económicas e Empresariais na Universidade Complutense de Madrid, em 1995.
Fã de basquetebol e do Club Atlético de Madrid, começou a carreira política ainda na universidade, quando tinha 21 anos, em 1993, ao ingressar no PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) depois da vitória de Felipe González nas eleições daquele ano.
Em 2014, tornou-se secretário-geral do partido e, em 2016, candidatou-se à presidência do Governo. Os resultados obtidos não foram os que queria e renunciou ao cargo partidário, nesse ano, em outubro. Três anos depois, voltou em força para a mesma posição. Mais tarde, através da moção de desconfiança (censura) a Mariano Rajoy, tornou-se presidente do Governo espanhol.
Para o PP, a noite foi de desaire, com o pior resultado de sempre. E Carolina Fernandez referiu:
Espero que Pedro Sánchez não pactue com os independentistas. Em relação ao resto, todos podem Governar melhor ou pior, mas o que não suporto é que os socialistas e Pedro Sánchez partam Espanha.”.
A direção do PP reuniu-se hoje, dia 29 para analisar a derrota eleitoral em que perdeu pelo menos metade dos deputados. Participaram na reunião Pablo Casado, o líder do partido, e os seus mais fiéis colaboradores. E, no dia 30, haverá uma reunião do Comité Executivo Nacional, que integra os presidentes dos ramos autonómicos do PP, num total de 90 dirigentes encabeçados pelo próprio Casado e o secretário-geral, Teodoro García Egea.
Para os apoiantes do Vox, a noite foi de comemorações com a entrada na Congresso. Assim, a extrema-direita regressa ao Parlamento espanhol passadas quatro décadas.
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Cerca de 37 milhões de eleitores votaram a 28 de abril, em Espanha, para a eleição de 350 deputados ao Congresso (248 são eleitos pelo método de representação proporcional e os dois – de Ceuta e Melilha – pelo sistema maioritário) e 208 senadores (do total de 266) das Cortes Gerais. Para o Senado, 208 assentos são eleitos com votação em lista parcialmente aberta, com os eleitores a votar em candidatos em vez de nos partidos.
Com 99% dos votos contados, Pedro Sánchez teria condições para formar uma “gerigonça” governativa à espanhola (coligando-se com outros partidos como o ‘Unidas Podemos’, os nacionalistas bascos ou os independentistas catalães), mas a vice-presidente do partido vencedor declarou preferência por governo minoritário que negoceie medida a medida. Face aos resultados eleitorais, PSOE vence, para já, com 28,7% e 123 deputados nas Cortes Gerais, sem maioria absoluta (176 deputados).
O ‘Vox’ (extrema-direita – Nuno Melo diz que não) conseguiu entrar pela primeira vez no Parlamento, pela porta da frente, com 20 deputados (10,2%). O grande derrotado da noite foi o PP, com 16,7%, passando dos atuais 137 deputados para 66, mas que se mantém como segunda força política do país. A terceira força é o ‘Ciudadanos’, com 57 deputados (15,85%) seguida de perto pelo partido de esquerda ‘Unidas Podemos’, com 35 deputados (11,95%)
Às 19 horas, as primeiras projeções já davam a vitória sem maioria absoluta do PSOE e a queda abrupta do PP, que perdia 69 deputados. Já uma hora antes, a taxa de participação nas eleições rondava os 60%, 9,50% mais do que nas eleições de 26 de junho de 2016 – mas, desta feita, chegou a perto do 75% – e a segunda maior taxa de participação na história da democracia espanhola, ficando atrás das eleições de 1982, onde 80% dos eleitores votaram. Na Catalunha, a afluência de eleitores bateu recordes, com 64,19% de votantes até às 18 horas locais, mais 17,81% do a que registada há três anos.
As urnas abriram às 9 horas locais e encerraram às 20, período em que os espanhóis escolheram entre o PSOE, PP, Cidadãos, Unidas Podemos e, pela 1.ª vez, um partido de extrema-direita.
Os estudos de opinião apontavam para 5 partidos a obter mais de 10% dos votos: o PSOE (socialista operário, de Pedro Sánchez), o favorito com cerca de 30%, mas longe da maioria absoluta; o PP (Partido Popular, de direita, de Pablo Casado) com quase 20%; e ‘Ciudadanos’ (direita liberal, liderado por Alberto Rivera), ‘Unidas Podemos’ (extrema-esquerda, de Pablo Iglesias); e ‘Vox’ (extrema-direita, de Santiago Abascal) – que ficariam entre os 10% e 15%.
A futura composição da câmara baixa das Cortes Gerais está assim repartida pelos 5 partidos mais votados e por outros partidos regionais mais pequenos, como os separatistas catalães e os nacionalistas bascos. Assim, a tarefa governativa não vai ser fácil, mesmo que à partida conte com o apoio do ‘Unidas Podemos’, o principal parceiro que o apoiou no Parlamento desde junho de 2018, quando afastou o Governo do PP, mas que parece não quer repetir a experiência.
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Discursando da sede do PSOE, em Madrid, Sánchez disse que os resultados mostram que o partido “não é muleta” do Partido Popular (PP, de direita). E expressou que a vitória do partido socialista nestas eleições transmitiu a “mensagem perentória” à Europa e ao mundo de “que se pode ganhar ao autoritarismo”. Na sua intervenção, várias vezes interrompida por gritos de apoiantes, o candidato socialista e atual presidente do Governo espanhol, prometeu “respeitar a Constituição” e contribuir para a “convivência política”. Assim o afirmou perante milhares de apoiantes, acrescentando que o Governo socialista será de “todos os espanhóis” e enfatizou:
Trata-se de ganhar as eleições e de governar Espanha (...). Vamos governar Espanha!”.
O líder socialista prometeu um Governo “pró-Europa, para fortalecer a Europa”, e construir “uma Espanha plural”, assumindo como prioridades o combate à injustiça social e à corrupção.
Para o secretário-geral do PSOE, estas eleições mostraram que Espanha “tem uma democracia sólida” e que acedeu “em defesa do seu futuro e de mais direitos e liberdades”.
O PSOE teria, para governar em coligação, de se entender com os partidos independentistas catalães (Esquerda Republicana da Catalunha com 15 deputados e Juntos pela Catalunha com 7) os mesmos que ajudaram Sánchez a chegar a Primeiro-Ministro, mas que em fevereiro foram os principais responsáveis pela sua queda e pela marcação das eleições. Poderia também explorar uma coligação pós-eleitoral com o ‘Ciudadanos’, apesar de os dois partidos terem, antes das eleições, repetido que não se aliariam, preferindo associar-se a movimentos dentro do seu bloco político, um de esquerda e o outro de direita.
As eleições ficam ainda marcadas pelo resultado do conjunto de partidos de direita que não conseguiram repetir a maioria absoluta conseguida na região da Andaluzia, em dezembro passado, que expulsou o executivo regional socialista no poder há 38 anos. E a extrema-direita do Vox conseguiu a subida eleitoral que as sondagens já previam, dos 0,2% da votação de junho de 2016, sem eleger nenhum deputado, consegue agora 11,0% e 24 lugares. Regista-se também a acentuada descida do PP, o partido que até há pouco alternava com o PSOE na condução do executivo, de 33,0% em 2016 para 16,7% agora. O PSOE sobe dos 22,7% que obteve em 2016 para 28,8% agora (de 85 para 122 deputados), o PP baixa de 33,0% para 16,7% (de 137 para 66), o Unidas Podemos desce de 21,1% para 14,3% (de 71 para 42), o Ciudadanos sobe de 13,1% para 15,8% (de 32 para 57) e o Vox de 0,2% para 10,2 (de zero para 24).
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As opções diversificadas do eleitorado de Espanha espelharam-se nos resultados das urnas e nas capas de jornais. Sem maiorias, o país acordou para um cenário de incerteza, que surpreendeu, apesar de tudo, uma parte dos eleitores.
Após a vitória relativa do PSOE, a dúvida agora é sobre que as forças políticas viabilizarão as opções governativas dos socialistas. O entendimento preferencial – governativo ou de incidência parlamentar, a ver vamos – será entre o PSOE e o Podemos, porque o eleitorado do PSOE não quer governar com o Ciudadanos e o Ciudadanos disse que não faria pacto com o PSOE. Uma das vitórias políticas coube ao Vox, partido que passou de zero para 24 deputados e traz de volta a extrema-direita às Cortes. Será uma voz relevante no Congresso, mas sem força de decisão. Há diversas opiniões que têm de ser respeitadas, de um lado e de outro. Mas, apesar da divisão do eleitorado, foi Sánchez quem, num mandato de 8 meses, capitalizou mais votos. E conseguiu-o aumentando as reformas e implementando muitas medidas sociais que tinham sido congeladas pelo PP. Agora deixou a porta aberta para todas as formações, sendo vários os cenários possíveis. Mas o mais importante é que o próximo governo dê estabilidade ao país.
Por outro lado, sobressai a entrada do feminismo em pleno na campanha eleitoral para as eleições gerais. Após a greve e os protestos que marcaram o Dia Internacional da Mulher, em Espanha, os partidos de esquerda reclamam mais direitos para a mulher enquanto os mais conservadores criticam o chamado “feminismo radical”. E o voto feminino terá alterado o desfecho destas eleições. Uma sondagem recente revelava que as mulheres representavam 60% dos eleitores indecisos. A euronews falou com várias jovens espanholas. E uma delas opinava que “as pessoas têm de se informar melhor sobre o que é o feminismo”, enquanto outra referia que “uma em cada três mulheres assassinadas [um terço] não tinha denunciado a violência, mas os outros dois terços tinham-na denunciado e ninguém fez nada”.
No ano passado, uma multidão de pessoas saiu à rua em Espanha para criticar a clemência da justiça espanhola no caso “La Manada”, um grupo de 5 homens que violou, em grupo, uma jovem de 18 anos, em Pamplona. Essa sensibilidade vem na linha da onda de “mobilizações que começou com os protestos de 15 de março de 2011 e que mostra uma sociedade mais ativa e participativa” – um movimento mobilizador que as pessoas consideram prioritário.
Outro dos temas a marcar o debate político foi a luta contra a violência conjugal. A Fundação Anna Bella fez várias propostas. Beberly Barragán, responsável da Fundação, explicou:
Dentro do pacto de Estado, as nossas principais propostas têm a ver com o facto de uma mulher não precisar de denunciar a violência para integrar um abrigo. Por outro lado, é importante apoiar a inserção laboral das mulheres e dar formação às pessoas que participam no processo de ajuda às vítimas de violência de género. Elas devem ter uma formação intensiva sobre tudo o que tem a ver com os maus tratos.”.
A nível laboral, uma das várias formas de discriminação contra as mulheres é a desigualdade salarial. Segundo o Eurostat, as mulheres ganham menos 15% do que os homens. Porém, a responsável da Organização Kelly fala de outras formas de discriminação laboral:
Não é só a diferença salarial. Mas há trabalhos específicos que estão associados às mulheres, como a limpeza e os cuidados, onde persistem condições de exploração laboral que não parecem do século XXI. Há mulheres que passam o dia a limpar o chão de joelhos.”.
Ora, os partidos de esquerda integraram os direitos das mulheres no programa político. O partido ‘Podemos’ fez uma aliança eleitoral com a Esquerda Unida e chamou à coligação ‘Unidas Podemos’. O PSOE incluiu no programa eleitoral uma secção intitulada “Espanha Feminista”, com propostas de modificações do código penal para reforçar a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica. O Vox, novo partido de extrema-direita, afirma-se contra as alterações propostas para proteger as vítimas de violência. E Cristina Monge explicou:
Do lado dos conservadores, é um pouco assustador ver propostas da extrema-direita como as do Vox que questionam temas básicos como o direito ao aborto. Algo que estava bem estabelecido na sociedade espanhola volta a ser debatido publicamente e os direitos das mulheres são questionados. No meio, temos o partido Ciudadanos, que não quis faltar à mobilização de 8 de março e apostou no discurso do feminismo liberal que é algo que gera muita polémica porque, do ponto de vista teórico e filosófico, é difícil de entender o que é o feminismo liberal.”.
Com 11 mulheres e 6 homens, os socialistas reivindicam o estatuto de governo mais feminista da história de Espanha. Mas, nos lugares cimeiros das listas de candidatos dos vários partidos ao Congresso, há poucas mulheres. E a analista Cristina Monge afirmou:
O facto de haver listas paritárias é um detalhe porque não conduz a uma maior participação das mulheres nem a uma maior presença das mulheres em posições de responsabilidade no interior dos partidos políticos”.
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Das eleições de 2016  resultou em um Parlamento fragmentado. Desde a redemocratização da Espanha, na década de 1970, ambos os partidos alternaram no leme do país. Após semanas de impasse, Mariano Rajoy (do PP), Primeiro-Ministro desde 2011, obteve apoio suficiente para formar governo. Mas a permanência do PP ao leme foi prejudicada pela crise constitucional da questão catalã e pelos escândalos de corrupção e protestos em massa, culminando na queda de Rajoy (junho de 2018). Sanchez (do PSOE) obteve os votos necessários e tornou-se o sucessor de Rajoy, mas, mercê da minoria parlamentar, o Governo era frágil. E Sánchez convocou as eleições de 2019 após a derrota da sua proposta orçamentária pelos parlamentares.
A crise catalã e a do PP resultaram no C’s disparando para o 1.º lugar nas pesquisas de opinião, colocando em risco a posição do PP como partido hegemónico no espectro do centro-direita espanhol. Em fins de maio de 2018, a Audiência Nacional concluiu que o PP lucrou com um esquema ilegal de propinas em contratos no julgamento do caso Gürtel, devido à existência duma estrutura de contabilidade e financiamento ilegal a funcionar paralelamente à oficial do partido desde 1989. O PSOE apresentou moção de desconfiança contra Rajoy, e o C’s retirou-lhe o apoio exigindo a imediata convocação de eleições antecipadas. Uma maioria absoluta de 180 deputados votou pelo afastamento de Rajoy, substituindo-o no cargo por Pedro Sánchez, do PSOE. Rajoy retirou-se da vida política, dando lugar a Pablo Casado. Sánchez compôs um gabinete pró-europeu e com maioria feminina, pela primeira vez na história do país e tornou-se o primeiro chefe de governo espanhol a governar apesar de o seu partido ter perdido as eleições.
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Enfim, a participação eleitoral mostra que os cidadãos não estão per se distanciados da política. Basta que os partidos debatam com clareza os temas que afligem a sociedade, como fizeram os espanhóis e estejam atentos aos sinais dos tempos (como o avanço do feminismo, a sensibilidade contra a violência conjugal, doméstica, no namoro, a criminalidade organizada, a corrupção, a luta pelos direitos humanos, etc.). E o eleitorado vai às urnas. Também se precisa de um povo que exija o necessário!
2019.04.29 – Louro de Carvalho 

domingo, 28 de abril de 2019

As credenciais do Ressuscitado


Jesus ressuscitou, o que significa para os crentes que triunfou da morte, do pecado e da morte. A verdade que Jesus é no sentido mais vital e existencial triunfou sobre a mentira cujo pai é o demónio, que é também o autor do mal e da escravização. E, possuidor destas arras de triunfo, o Senhor Jesus desceu à morada dos mortos a oferecer a salvação a todos aqueles que a esperavam consciente ou inconscientemente. Isto para dizer que a ação redentora de Cristo não se aplica apenas aos que se aproximassem do mistério apenas depois de Ele ter entregado o seu espírito nas mãos do Pai, mas a todos e todas, em qualquer tempo ou lugar em que vivam. 
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Porém, com que sinais Se mostra o Ressuscitado? Ou seja, quais são as credenciais ou os recursos instrumentais que o Senhor mostra para que acreditemos?
Os evangelistas apontam o túmulo vazio, mas o Evangelho de João aponta, além disso, a boa ordem espelhada nos panos de linho espalmados no chão e no “lenço que […] tivera em volta da cabeça” e que “não estava espalmado no chão juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posição” (vd Jo 20,4.7). Mas, quando apareceu a Maria Madalena, ela só O reconheceu quando Ele disse o nome “Maria”. E Jesus incumbiu-a de uma tarefa: “Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: ‘Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus’.” (cf Jo 20,16.17-18).
O Evangelho de Marcos apresenta um jovem de túnica branca a dizer às mulheres que não se assustassem e fossem dizer a Pedro e aos outros discípulos que Ele ressuscitou e que os precede na Galileia (vd Mc 16,6-7).    
O Evangelho de Mateus apresenta o terramoto como aquando da morte na cruz e um anjo resplandecente, que anuncia a ressurreição; e o Mestre que usa da palavra a saudar as mulheres que tinham ido ao túmulo, lhe estreitaram os pés, quando Se lhes deu a conhecer, se prostraram diante d’Ele e a quem mandou: “Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão” (cf Mt 28,9.10).
Por sua vez, Lucas apresenta dois homens de trajes resplandecentes, que lembram às mulheres o teor da promessa: “Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na Galileia, dizendo que o Filho do Homem havia de ser entregue às mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia” (Lc 24,6-7).
Para já, apontamos como sinais do Ressuscitado: o sepulcro vazio; a boa ordem dos elementos deixados no túmulo; o resplendor de anjo, jovem e homens (Quem não se lembra da transfiguração a prenunciar a ressurreição gloriosa?); a palavra; o apelo ao abandono do medo, quer por parte de Jesus, quer por parte dos que testemunharam a ressurreição junto das mulheres; o terramoto; a promessa da ressurreição; a pronúncia do nome da interlocutora (Deus conhece o nome de cada um de nós e chama-nos pelos nossos nomes); a referência à Galileia, onde tudo começou e aonde é preciso voltar para refazer a caminhada à luz da nova realidade; e a afirmação da fraternidade entre Jesus e os discípulos (ide, ou vai, dizer aos meus irmãos; o meu Pai que é vosso Pai… Antes, os discípulos eram servos; na Ceia, passaram a ser amigos; e, com a ressurreição, passaram a ser irmãos). 
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Mas há mais. O Evangelho de Lucas apresenta-nos o episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-34). Ao caminharem abatidos e circunspectos, apareceu-lhes Jesus, que lhes explicou tudo o que havia de acontecer ao Messias, “começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas”. Porém, eles, apesar de lhes arder o coração, quando Ele lhes falava pelo caminho e lhes explicava com detalhe as Escrituras, não O reconheceram. Só O reconheceram quando “se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, lho entregou”.      
E, segundo Lucas, quando apareceu aos Onze (Lc 24,36-43), além de os saudar com a paz, para que O reconhecessem, mostrou as marcas da sua Paixão e Morte, dizendo:
Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho. 
E comeu diante deles um pedaço de peixe assado que Lhe deram.
Por seu turno, João, no capítulo 21 do seu Evangelho, apresenta Jesus que aparece aos discípulos na margem do lago. Foi João que O reconheceu ao ver a enorme quantidade de peixes (a pesca que resultou foi lançada à ordem do aparecido, lembrando a pesca milagrosa de outrora em que Simão Pedro era vocacionado para a pesca de homens). E todos O reconheceram quando “ao saltarem para terra, viram umas brasas preparadas com peixe em cima e pão” – reconhecimento corroborado quando Ele “Se aproximou, tomou o pão e lho deu, fazendo o mesmo com o peixe”.      
E a segunda parte do capítulo 20 do Evangelho de João (Jo 19,20-29) tem uma súmula especial das marcas com que o Ressuscitado Se apresentou: pôs-Se no meio dos discípulos (que estavam em casa com as portas fechadas); saudou-os desejando-lhes a paz; mostrou-lhes as mãos e o peito; renovou o desejo de paz; proferiu o envio; insuflou o sopro do Espírito Santo; e confiou-lhes o encargo da oferta do perdão dos pecados.
Fica bem claro que o Ressuscitado aparece e fala. Explica, faz o milagre como dantes, come com os discípulos, pronuncia a bênção como na Ceia, dá a paz, mostra as marcas da Paixão. E, como a Páscoa não pode ficar realidade privativa dum grupo, envia-os a seguir as moções do Espírito Santo (rezando e falando) e a oferecer o dom pelo qual veio ao mundo, o do perdão.    
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Há, porém, uma outra marca do Ressuscitado: a compaixão pelo homem que não entende a generosa liberalidade de Deus. Coitado de quem se recusa a acreditar ou lança desafios a Deus que seriam intoleráveis na lógica do Antigo Testamento!
Tomé não estava com eles quando Jesus veio. E, quando os outros diziam ter visto o Senhor, respondeu que, se não visse o sinal dos pregos nas suas mãos e não metesse o dedo nesse sinal dos pregos e a mão no seu peito, não acreditaria. Mas Jesus respondeu ao desafio da incredulidade. Oito dias depois, estando as portas fechadas, veio, pôs-se no meio deles, saudou-os como na visita anterior e disse a Tomé: “Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas fiel.”.
Foi quando Tomé, caindo em si, exclamou: “Meu Senhor e meu Deus!”. Ao que Jesus replicou: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que creem sem terem visto!”.
Não é, pois, sem razão, que o II domingo da Páscoa é denominado o Dia da Divina Misericórdia. Com efeito, como o pastor zeloso é capaz de deixar as 99 ovelhas no deserto e vai à procura da ovelha perdida e, carregando-a ao ombro, chega ao pé dos amigos e insta-os à alegria pelo encontro, ou como o bom samaritano se abeirou do homem ferido e prostrado na valeta, também o Ressuscitado vem à procura do incrédulo para lhe mostrar a realidade da ressurreição através das marcas da Paixão e desafiando-o a ver e palpar.
Por isso, o Padre Laureano Alves dizia hoje na Igreja dos Passionistas, em Santa Maria da Feira, que as marcas da Morte do Senhor perduram para depois ressurreição. E eu acrescento “como dados instrumentais do apelo à fé e como garantia da certeza da nossa futura ressurreição. Na verdade, o Ressuscitado não é um fantasma nem outro homem que não o Crucificado, o que andou pelo mundo fazendo o bem. E, se o sinal eucarístico – da toma do pão, bênção e partilha – dado pelo Ressuscitado é eloquente, não podemos esquecer que esse sinal tem a marca da morte e da ressurreição, porque é corpo do Senhor entregue por nós e o seu sangue derramado por nós e pela multidão. E, não podemos deixar de vincar que, se a morte do Senhor causou o medo e a dispersão, o facto da ressurreição gera a alegria porque o Senhor está connosco.     
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Triunfando das limitações terrenas, o Ressuscitado aparece aos discípulos, agora irmãos, dando-lhes, na efusão do Espírito Santo, a paz e a alegria da salvação e a missão do anúncio a todos os homens.
No I domingo da Páscoa, a festa baseava-se nas notícias trazidas pelas mulheres que foram ao túmulo e nos apóstolos que foram verificar o fenómeno do túmulo vazio, tendo o discípulo amado visto e acreditado. Ouvimos o anúncio da Ressurreição do Senhor e com toda a Igreja deixamo-nos invadir pela alegria.

No II domingo, a festa baseia-se na realidade vivenciada pelo coletivo apostólico e na confissão de Tomé a quem Jesus condescendeu em mostrar as chagas pelas quais fomos curados.
Depois, temos a visão apocalíptica (Ap 1,9-19), em que João reconhece o Ressuscitado no Filho de homem vestido com longa túnica cingida de cinta de ouro. Ouve o Senhor dizer-lhe “Eu sou Aquele que vive. Aquele que possui a vida que domina a morte e liberta quem quer”. É o Rei, o Sacerdote, Aquele em quem e por quem somos ensinados. Por isso, a Igreja proclama com toda a certeza a ressurreição de Cristo, mostrando com a perícopa dos Atos dos Apóstolos (At 5,12-16) que, no cumprimento do que diz o Evangelho de Marcos, “o Senhor cooperava com eles [os apóstolos], confirmando a Palavra com os sinais que a acompanhavam”, se juntavam em massa “homens e mulheres, acreditando no Senhor, a ponto de trazerem os doentes para as ruas e os colocarem em enxergas e catres, a fim de que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles; e a multidão vinha também das cidades próximas de Jerusalém, transportando enfermos e atormentados por espíritos malignos, e todos eram curados”.
Porém, o Evangelho de João, ao mostrar-nos Tomé quer dizer-nos que nós somos como ele: temos muita dificuldade em acreditar sem ver, sem experimentar. Como Ele, queremos ter sinais de que o Senhor está vivo. Dificilmente nos basta a fé que vem pelo ouvido. Ora, é bom que recordemos a frase sentenciosa do Senhor: “Felizes aqueles que creem mesmo sem terem visto”.
O Evangelho diz-nos que, oito dias depois da primeira aparição de Jesus aos discípulos no dia da Sua Ressurreição, estando Tomé com eles, Jesus reaparece, saúda-os e aproxima-Se de Tomé como se viesse propositadamente para o convencer, lembrando-lhe as suas exigências, a sua necessidade de experimentar, propondo-lhe que o faça. Tomé reconhece-O imediatamente e prostra-se diante d’Ele, dizendo: “Meu Senhor e meu Deus” – um belo ato de adoração.
O incrédulo sincero não precisou de tocar o corpo de Cristo, bastou-lhe que Ele Se apresentasse e lhe propusesse fazê-lo para ficar convencido da realidade. O que convenceu Tomé não foi a experiência de meter as mãos nas chagas do Senhor, mas o modo modesto, humilde e cheio de dignidade como Jesus Se apresentou, uma presença muito particular do Senhor em que se estabeleceu a mútua comunicação pessoal, o encontro que deixa marcas no coração.
E o encontro com o Senhor capacita o apóstolo para, animado pelo Espírito Santo, rezar e ir ao encontro dos homens a pregar e a oferecer o perdão como o grande fruto da Páscoa!
2019.04.28 – Louro de Carvalho

sábado, 27 de abril de 2019

Beatas ou curto-circuito na origem do incêndio na Catedral de Notre-Dame


enquanto se aguarda o relatório final, que deve durar semanas (em Portugal os relatórios finais demoram meses e até anos), a investigação à origem do fogo na Catedral de Notre-Dame aponta para uma possível falha elétrica ou para negligência dos trabalhadores das obras de restauro e manutenção no exterior dos edifícios. São duas teorias que subsistem e que geram mais consenso entre os investigadores franceses responsáveis pela descoberta das origens do incêndio depois de se ter equacionado a tese de ação criminosa, que parece afastada de momento
Para tanto, os resíduos calcinados deverão ser analisados ao pormenor para detetar o menor indício da origem do fogo, continuando a ser privilegiada, assim, a tese da origem acidental.
Segundo o The New York Times, as chamas terão tido origem ou num curto-circuito, ligado aos sinos eletrificados da Catedral, o que alguém já contestou pelo facto de a instalação elétrica ser muito recente, ou em beatas abandonadas pelos trabalhadores de restauro e manutenção que estavam a realizar obras de manutenção no exterior da igreja, o que a empresas responsáveis negam. No entanto, nada está a ser descartado e a investigação pode durar várias semanas. E, apesar de as autoridades terem confirmado que fumar, que é proibido pelas regras da empresa de andaimes contratada, estava a ser considerada como causa para o incêndio, o porta-voz da empresa rejeita que isso possa ter começado o fogo.
Só no passado dia 25, após se garantir a estabilidade da estrutura, houve autorização para os investigadores entrarem na Catedral, mas já foram interrogadas dezenas de pessoas, incluindo trabalhadores das obras, responsáveis das empresas de restauro (Europe Echafaudage e Le Bras Frères), funcionários da Catedral, arquitetos e trabalhadores governamentais.
Fonte governamental não identificada explicou que será difícil os investigadores encontrarem provas físicas, em virtude da intensidade do fogo e das toneladas de água utilizadas para o extinguir, as quais podem ter destruído muitas marcas que explicariam a origem do incêndio.
As mencionadas empresas de restauro garantiram à Reuters que seguiram os protocolos de segurança, segundo os quais é proibido fumar no local de restauro ou nas estruturas de apoio ao mesmo, mas a polícia encontrou beatas nos andaimes montados junto ao telhado da Catedral.
Após o incêndio que devastou parte do monumento, o Presidente Macron disse: “Juntos vamos reconstruir a Catedral”. E, no dia 24, o Primeiro-Ministro anunciou um concurso internacional de arquitetura para a reconstrução do pináculo da Catedral, um apoio fiscal às doações e um projeto de lei para uma subscrição nacional – com vista à reconstrução em 5 anos.
Algumas das famílias mais ricas de França e dos maiores grupos empresariais do país, bem como entidades de outros pontos do mundo, como foi noticiado nos dias subsequentes ao incêndio, contribuíram para o estabelecimento de um fundo de restauração, ao cuidado do Governo francês, que já conta com cerca de mil milhões de euros.  E o acontecimento gerou mensagens de pesar e de solidariedade de chefes de Estado e de Governo de vários países, incluindo Portugal, bem como do Vaticano e da ONU.
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Gonçalo Correia e Rita Dinis publicaram um texto no Observador, logo a 16 de abril, sob o título Incêndio em Notre Dame: o que é que já se sabe e o que falta saber”, de que se respigam os dados essenciais em conjugação com os referidos no Expresso on line a 26 de abril e com outras informações divulgadas posteriormente, incluindo a atuação do Padre Jean-Marc Fournier, o capelão da Corporação de Bombeiros de Paris.
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Nestes termos, o que se sabe é quando o incêndio começou e quando foram alertados os bombeiros, a zona onde começou, o momento em que foi dado como extinto, o número de vítimas, a reação das autoridades francesas, o que foi salvo, o que foi destruído e que tipo de reconstrução se prevê.
O fogo deflagrou por volta das 18,50 horas parisienses do dia 15 de abril, na catedral de Notre-Dame. Os bombeiros foram alertados por volta das 19 horas e deslocaram-se rapidamente para o local. Segundo o Le Parisien, por erro de indicação, os operacionais foram direcionados para o lado da Catedral que dá para o Sena, mas, à chegada ao local, o fogo já ia alto e não dava para atacar daquele lado.
As chamas começaram a ser vistas no pináculo, que estava a ser reparado. Devido às obras, havia 500 toneladas de andaimes, que estariam a ser servidos, a prazo, por três elevadores, onde pode estar a chave da causa do incêndio. Em menos de uma hora, a torre central cedeu. O Ministro da Cultura adiantava que tudo aponta para que o início do incêndio tenha ocorrido nos andaimes que serviam de apoio à obra.
Pelas 7,50 horas do dia 16, os bombeiros de Paris anunciaram que o incêndio estava extinto. No tweet lia-se que, “depois de mais de 9 horas de luta feroz, perto de 400 bombeiros de Paris venceram o incêndio aterrador”. Ou seja, o fogo foi completamente apagado cerca das quatro.
Ninguém morreu, mas registaram-se três feridos ligeiros: dois polícias e um bombeiro.
Logo a seguir à deflagração, um gabinete de crise, montado na câmara municipal de Paris, passou a coordenar as operações. Uma das primeiras decisões foi evacuar a Île de la Cité, onde fica a Catedral. E os moradores de habitações das proximidades foram enviados para Blancs Manteaux, na rua Vieille du Temple, para passar a noite, dormindo em camas cedidas por assistentes sociais; os turistas foram impedidos de circular nas proximidades da Catedral, sendo deslocados para outras zonas de Paris; todos os afetados pela evacuação receberam a visita de Anne Hidalgo, presidente da câmara parisiense; e, segundo o Le Figaro, durante a noite e madrugada, o combate ao fogo foi feito permanentemente por 400 a 500 bombeiros com 18 mangueiras de combate, alguns dos quais “empoleirados em braços mecânicos a uma altura de dezenas de metros”.
Foram salvas três das relíquias mais preciosas do interior da Catedral: a coroa de espinhos que se acredita conter fragmentos da imposta a Jesus Cristo na sua crucificação (com origem em Jerusalém, chegou a Paris por ação do rei Luís IX no século XIII); o ostensório do Santíssimo Sacramento; e a “túnica de São Luís”, peça que se acredita ter sido usada pelo mesmo rei francês quando morreu durante uma cruzada na Argélia.  
Além destas relíquias, soube-se, ainda durante a noite do incêndio, que ficaram imunes ao fogo 16 estátuas representando 12 apóstolos e os 4 evangelistas, pois tinham sido retiradas quatro dias antes do incêndio para restauro. E, na manhã do dia 16, os bombeiros de Paris anunciaram que “a estrutura da catedral foi salva e as principais obras de arte salvaguardadas, graças à ação combinada dos diferentes serviços do Estado”. O “grande órgão de Notre Dame”, o maior e mais antigo dos três órgãos desta catedral francesa (começou a ser feito no século XIII, embora só nos anos 1730 tenha ganho as proporções atuais), sobreviveu ao incêndio, mas algumas partes terão de ser restauradas. Há também imagens do interior da Catedral depois do incêndio, que indiciam que o altar está intacto e a cruz de Cristo no interior do templo continua no mesmo local.
O pináculo da torre central da Catedral de Notre-Dame colapsou menos de uma hora depois de o incêndio deflagrar, às 19h50 parisienses. Segundo o Le Figaro, “em algumas horas, uma boa parte do teto do edifício foi reduzido a cinzas”. As chamas destruíram a torre (o pináculo) e uma grande parte do telhado de madeira, além de parte do acervo artístico no interior. Assim, uma parte da abóbada foi derrubada e o cruzeiro e o transepto norte afundaram-se.
Pouco antes da meia-noite de 15 para 16, o Presidente francês declarou a intenção do Governo:
Vamos reconstruir Notre Dame porque é o que o povo francês espera que façamos, porque é o que a nossa história merece, porque é o nosso destino profundo”.
Macron anunciou a criação duma “coleta nacional” aberta a quem quiser contribuir com fundos para a reconstrução. O Ministro da Cultura francês Franck Riester assegurou por sua vez que “o Estado assumirá a sua parte de responsabilidade e fará o necessário” para a reconstrução mas lembrou que este “é um drama excecional” e defendeu que não se deve ignorar “a energia, vontade e entusiasmo de solidariedade” de todos, já que “precisamos de toda a gente” que quiser contribuir – o que suscitou nos dias subsequentes a onda de solidariedade material e diplomática de que se deu conta acima.  
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Em termos do que falta saber, temos as causas do incêndio, o seu impacto nas rosáceas e em algumas obras de arte e quanto tempo demorará a reconstrução.
Como foi dito, estão ainda por averiguar e revelar as causas do fogo. Sabe-se que as autoridades parisienses abriram um inquérito que tem, para já, como hipótese mais forte a “destruição involuntária por incêndio”, pois terá sido encontrada uma pista de que o incêndio terá sido acidental perto do teto, como refere o Le Figaro citando uma “fonte próxima do processo”. Segundo o mesmo jornal, foram ouvidos pelas autoridades durante a noite e madrugada todos os trabalhadores envolvidos nas obras de reparação do pináculo da Catedral, onde as chamas foram identificadas num primeiro.
Na sequência das audições, segundo o Le Parisien, surgiu uma nova pista que está a ser considerada pela investigação: na origem do fogo pode ter estado um problema elétrico nos elevadores das obras, ou seja, um curto-circuito. Fonte próxima do processo citada por aquele jornal diz que “os investigadores estão a estudar os elevadores que foram postos no local para auxiliar os trabalhos das obras”, porque “pode ter havido um curto-circuito”. É que havia 500 toneladas de andaimes servidos por três elevadores: um, ia até 24m do chão; outro chegava mais longe, ao telhado; e outro ainda chegava ao topo da torre. Dois desses elevadores, segundo o Le Parisien, já estavam a trabalhar no dia 11, quando as estátuas do pináculo foram retiradas. Mas Julien Le Bras, chefe da Europe Andaime, responsável pelas obras, assegurou que “o conjunto de dispositivos e procedimentos de segurança foi respeitado”.
Quanto ao impacto nas rosáceas e em algumas obras de arte, deve dizer-se que a rosácea norte foi salva, mas o estado das outras duas ainda é incerto, mercê da danificação dos vitrais. O The New York Times cita Benoist de Sinety, um bispo da Arquidiocese de Paris, que refere que o “calor intenso danificou” as rosáceas, ao passo que o jornalista francês Laurent Valdiguie, que esteve na catedral, revelou que pelo que viu haverá esperança mas também riscos para a “Rosácea Norte”, como refere o site noticioso Heavy. Os relatos são, pois, contraditórios e não há informação oficial sobre o estado dos vitrais, o mais famoso dos quais a “Rosa Sul”, com origem no século XIII, embora com restaurações e reconstruções ao longo do século XVIII e XIX. A este respeito, a agência de notícias francesa France-Presse escreveu:
A sobrevivência das três grandes rosáceas vitrais, cada uma das quais contando uma história bíblica, ainda é incerta. Pelo menos uma parece ter ficado intacta depois de os bombeiros terem passado horas a combater o incêndio.”.
André Finot, um porta-voz da Catedral, revelou à estação francesa BFM que “pelo que pôde ver”, as rosáceas mais antigas “continuavam lá” sem danos visíveis.
Todavia, estas informações carecem de confirmação oficial.
No atinente a obras de arte, os bombeiros referiram que as “principais” foram “salvaguardadas”, mas desconhecem-se quais ficaram intactas e se haverá obras artísticas que tenham sofrido danos, reversíveis ou irreversíveis.
Sobre o tempo da reconstrução, é de referir que ainda não é certo, mas deverá levar pelo menos entre três a 15 anos, dependendo do otimismo das estimativas (e do rigor de quem as faz). O Governo ainda não se comprometeu com um prazo para a reconstrução. Jack Lang, antigo Ministro da Cultura, alertou para a importância de o processo não demorar muitos anos:
Tem de ser feito num prazo curto, não de dez ou 15 anos, mas de três anos. Estou a ouvir desde ontem que vai demorar uma década, é uma piada!”.
Por outro lado, o tempo de reconstrução depende da base a partir da qual tiver de ser feita. Com efeito, a estrutura do edifício acusa, neste momento, algumas “vulnerabilidades” a ter em conta, nomeadamente na zona da abóbada, pelo que terá de se perceber se a estrutura se aguentará ou se será preciso uma reconstrução quase de raiz.
No dia 23, começaram os trabalhos para a cobertura e proteção da catedral. Em declarações à AFP, um responsável da comunicação da Notre-Dame revelou que os trabalhos começariam pelo coro e continuariam depois na nave. Em princípio, as prioridades fundamentais para as equipas envolvidas na recuperação da catedral são a degradação do edifício, provocada pelo fogo e pela grande quantidade de água utilizada no combate às chamas, e o estado das obras de arte no seu interior. Por isso, está prevista a instalação de um imenso “chapéu de chuva” para proteger o edifício das intempéries – instalação que se prolongará por semanas.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, como ficou dito, fixou um prazo de cinco anos para a conclusão dos trabalhos de reconstrução da Catedral. Este período de tempo é aceitável, de acordo com alguns peritos, mas demasiado curto segundo outros, em particular devido ao atraso nas avaliações globais. E vários arquitetos disseram à AFP que a fase prévia ao início efetivo dos trabalhos deverá ser a mais longa e complexa.
Ademais, será ainda necessário levar o concurso internacional de arquitetos anunciado para a reconstrução do pináculo que ruiu nos primeiros 90 minutos do incêndio e, em seguida, deverão ser aplicadas tecnologias modernas para a rápida instalação do estaleiro de obras.
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Segundo o Expresso on line, de 18 de abril, uma “Catedral efémera” de madeira substituirá Notre-Dame durante reconstrução. Não é decisão já tomada, mas está em equação a hipótese que Patrick Chauvet, reitor do edifício, gostava de ver concretizada.
A presidente da câmara de Paris, Anne Hidalgo, encorajou o projeto, disse Chauvet, adiantando que a autarca aceitou emprestar “uma parte da praça” para o efeito.
Chauvet precisou que a instalação da substituta provisória ocorrerá “rapidamente”, logo que se aceda à praça em frente à Catedral, ainda fechada.
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Enfim, urge honrar a memória e o destino da França, satisfazer as necessidades dos crentes e incrementar a cultura também pelo lado patrimonial e do espaço para a formação humanística.
2019.04.27 – Louro de Carvalho