terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Quem discordar ou for suspeito de discordar é exonerado

É um mau princípio e dificilmente se acreditaria há décadas que se tornasse um critério de governação numa democracia sustentável. Porém, no dia 30 de janeiro, o novel Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, “despediu” a Procuradora-Geral interina do país, Sally Yates, por haver ordenado aos advogados do Ministério Público que não defendessem a proibição de entrada de refugiados e outros viajantes de países muçulmanos.
Com efeito, um decreto da Administração da Casa Branca, do passado dia 27 de janeiro, proíbe a entrada no país de todos os refugiados por um período mínimo de 120 dias e de refugiados sírios por tempo indefinido, bem como a de cidadãos de sete países muçulmanos – Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen – durante 90 dias.
Em comunicado, a Casa Branca aduziu que Sally Yates, membro da administração Obama, é “fraca nas fronteiras e muito fraca em [relação à] imigração ilegal” e criticou a democrata por não ter confirmado a nomeação do seu Procurador-Geral, Jeff Sessions. Em concreto, segundo o texto do predito comunicado, a ex-Procuradora-Geral interina é acusada de haver traído o Departamento de Justiça “ao recusar fazer cumprir uma ordem legal para proteger os cidadãos dos Estados Unidos. Por isso, “o Presidente Trump dispensou Yates das suas funções”.
Por consequência, o Procurador federal Dana Boente assumirá as funções de Procurador-Geral interino “até o senador Jeff Sessions ser finalmente confirmado pelo Senado, onde está a ser erradamente retido pelos senadores democratas por motivos estritamente políticos”.
Do lado de Yates, está a responsabilidade, não de garantir a eficácia das decisões do Presidente, que não é o legislador do Estado Federal (é-o o Congresso), mas a de “garantir que a posição do Departamento de Justiça é não só legalmente defensável, como reflete o nosso ideal do que a lei deve ser, tendo em consideração todos os factos”. Nestes termos, considera-se não convencida de que “a defesa da ordem executiva” seja consistente com estas responsabilidades, nem de que “a ordem executiva” seja legal.
Assim, em mensagem ao pessoal do Departamento de Justiça, a Procuradora-Geral interina, democrata, expressava dúvidas sobre a legalidade e moralidade do decreto de Trump, que já suscitou protestos em massa, e garantia que, enquanto fosse Procuradora-Geral, o Departamento de Justiça “não iria apresentar argumento em defesa da ordem executiva”, até se convencer de que era apropriado fazê-lo.
Esta diretiva de Yates significa que o Governo norte-americano, pelo menos por agora, não tem representação autorizada nos tribunais no âmbito destes casos.
Em contraponto, para a Casa Branca, que enfrenta múltiplos processos na Justiça e a oposição em todo o mundo devido à ordem emitida para banir migrantes de sete países de maioria muçulmana, a decisão de Yates foi ato um ato desafiante. E o Presidente não esteve com mais contemplações: as suas ordens são para cumprir; e quem não concorda sai de cena.
É a não aceitação da divisão dos poderes e o consequente escrutínio no Estado de direito democrático. É a manifestação típica da autocracia, que despreza e elimina os adversários. Isto para não falar da falta de respeito pelos direitos humanos e pela liberdade de circulação que o decreto compagina, a par da interrupção de situações legítimas de relação laboral e de boa relação familiar – já denunciada por muitas instâncias internacionais.
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Mas o Presidente Trump não se ficou por aqui. No mesmo dia em que exonerou Yates, também substituiu o chefe interino da Secretaria de Imigração e Alfândega, da administração de Obama, por motivo da oposição às referidas controversas ordens relacionadas com a imigração.
Não foram invocadas razões específicas para a substituição de Daniel Ragsdale, anunciada uma hora depois de Trump ter “despedido” Sally Yates, por quebrar a hierarquia acerca de uma proibição de entrada nos Estados Unidos de viajantes de sete países de maioria muçulmana. Mas, a este respeito, o Secretário da Segurança Interna, John Kelly, adiantou, em comunicado, que o substituto de Ragsdale, Thomas Homan, ajudará a “garantir que aplicamos as nossas leis de imigração no interior dos Estados Unidos, de forma consistente com os interesses nacionais”.
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Entretanto, o novo Procurador-Geral interino dos EUA, horas depois de a sua antecessora ter sido afastada por desafiar a controversa ordem de Donald Trump sobre imigração, declarou comprometer-se a defender a dita ordem e a promover o seu cumprimento. O procurador federal Dana Boente foi nomeado para o cargo depois de Trump ter despedido Sally Yates, a qual transitara da administração de Obama e ocupava o lugar enquanto o novo procurador, Jeff Sessions, não fosse confirmado. Yates tinha instruído os advogados do Ministério Público a não defenderem a proibição de entrada de refugiados e outros viajantes de países muçulmanos.
Ao caso, Dana Boente referiu em comunicado:
“Com base na análise do Gabinete de Assessoria Jurídica, que concluiu que a ordem executiva é legal (...) e foi adequadamente elaborada, rescindo a antiga Procuradora-Geral interina Sally Q. Yates, a 30 de janeiro de 2017, guiando e direcionando os homens e mulheres do Departamento de Justiça a cumprirem o nosso dever e defenderem as ordens legais do nosso Presidente” comunicado.
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Neste contexto, o ex-presidente norte-americano Barack Obama, que deixou a Casa Branca há 10 dias, mostrou-se sensibilizado com o ativismo político que sai à rua, bem como com o nível de adesão às manifestações que se têm sucedido por todo o país e um pouco por todo o mundo, e discorda de quaisquer medidas de discriminação que tenham por base escolhas religiosas.
Nas palavras da sua porta-voz, Kevin Lewis, Obama, “discorda profundamente da noção de discriminação contra pessoas por causa da sua fé ou religião”. Diz Lewis:
“Cidadãos a exercerem o seu direito constitucional à manifestação e organização e a serem ouvidos pelos governantes é exatamente o que deve acontecer quando os valores da América estiverem em cheque”.
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Obviamente que Obama não está sozinho e espera-se que a onda se agigante até neutralizar a eficácia das medidas de Trump, que passa a vida a construir “muros” físicos e imateriais.
Assim, o Secretário-Geral da ONU criticou hoje duramente a ordem executiva de Donald Trump que impede a entrada de cidadãos de sete países muçulmanos nos Estados Unidos, afirmando que tais medidas “cegas” arriscam ser “ineficazes” na luta antiterrorista. Com efeito, segundo António Guterres, os países “têm o direito, mesmo a obrigação, de controlar as suas fronteiras para impedir a entrada de membros de organizações terroristas”. Porém, o Secretário-Geral sustenta que as medidas adotadas para tal fim “não podem ter como base qualquer forma de discriminação em função da religião, origem étnica ou nacionalidade”. E adiantou que tal discriminaçãodesencadeia uma ansiedade e uma raiva generalizadas que podem facilitar a propaganda das organizações terroristas que todos queremos combater”, pois, “medidas cegas, não fundamentadas numa inteligência sólida, tendem a ser ineficazes pois correm o risco de serem ultrapassadas pelos atuais sofisticados movimentos terroristas globais”.
Evocando a idiossincrasia dos EUA nesta matéria, António Guterres, presente em Adis Abeba (Etiópia), onde participou na abertura da cimeira da União Africana (UA), recordou que os Estados Unidos têm “uma grande tradição” de proteção de refugiados e disse esperar “firmemente” que esta volte a ser uma das prioridades do governo de Donald Trump.
Atendendo a que “a proteção dos refugiados deve ser garantida”, a que o acesso dos refugiados a um lugar onde estejam seguros é extremamente importante” e a que “Os EUA têm uma grande tradição na proteção de refugiados”, Guterres espera que “esta medida seja apenas temporária”.
Por seu turno, o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o jordano Zeid bin Ra'ad Zeid al-Hussein, declarou que a medida de Trump era ilegal e classificou-a como “mesquinha” – diapasão por que afinaram Ferro Rodrigues, Presidente da Assembleia da República de Portugal, e Jorge Sampaio antigo Presidente da República Portuguesa e ex-responsável pelo diálogo entre civilizações e culturas, bem como o nosso chefe da diplomacia.
Também Donald Tusk, Presidente do Conselho Europeu, qualificou como “preocupantes” as posições da administração Trump, que “parecem colocar em causa os últimos 70 anos de política externa norte-americana”. Com efeito, em carta enviada a 27 chefes de Estado e de Governo da UE, como um contributo para o debate sobre o futuro da Europa que terá lugar na reunião informal do próximo dia 4 de fevereiro em Malta (sem o Reino Unido), Tusk aborda as “ameaças” com que a UE se confronta atualmente, apontando que a primeira se prende com “a nova situação geopolítica” mundial, destacando “a mudança em Washington”. E escreve:
“Uma China crescentemente, chamemos-lhe assim, assertiva, especialmente nos mares; uma política agressiva da Rússia face à Ucrânia e aos seus vizinhos; guerras, terror e anarquia no Médio Oriente e em África, com o islamismo radical a desempenhar um grande papel, bem como declarações preocupantes da nova administração norte-americana tornam, em conjunto, o nosso futuro altamente imprevisível”.
Tusk sublinha a mudança política operada nos EUA, afirmando que “em particular coloca a União Europeia numa situação muito difícil, com a nova administração a parecer por em causa os últimos 70 anos de política externa norte-americana”. Porém, sustentando-se no lema “unidos prevaleceremos, divididos cairemos”, entende que a UE deve tirar partido da “mudança na estratégia comercial dos EUA” intensificando as conversações com outros parceiros. E não deixa de lembrar como outras ameaças o crescimento dos movimentos anti-UE, nacionalistas e xenófobos, bem como a perda de fé no projeto europeu mesmo entre os europeístas. Mas, declarando que, “num mundo cheio de tensões e confrontos, o que é necessário é a coragem, a determinação e a solidariedade política dos europeus”, remete para o título da missiva no original em inglês – “United we stand, divided we fallconcluindo:
“Não podemos render-nos àqueles que pretendem enfraquecer ou invalidar o laço transatlântico, sem o qual a paz e ordem globais não podem sobreviver. Devemos lembrar aos nossos amigos norte-americanos o seu próprio lema”.
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Tendo Donald Trump, em consequência do enunciado em companha eleitoral, ultrapassado já todas as linhas vermelhas da governança, resta saber se o movimento de rua e a postura das grandes instâncias internacionais e dos diversos países conseguirão repor os níveis de justiça na garantia da democracia e dos direitos humanos e na eficácia da solidariedade entre os povos. Esperemos que sim!

2017.01.31 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Aperfeiçoamento do acordo ortográfico da Língua Portuguesa

Recentemente, a Academia de Ciências de Lisboa (ACL) aprovou por maioria (18-5) um texto sob o títuloSugestões para o aperfeiçoamento do acordo ortográfico da Língua Portuguesa”, que enviou à Assembleia da República para os devidos efeitos.
A este respeito, em artigo adrede publicado pelo JN, Lúcia Vaz Pedro, Professora de Português e formadora para a área da língua portuguesa, estranha que, em vez de texto sério, tenha surgido “uma brincadeira com as palavras da nossa língua”.
Por mim, fiquei com a ideia de que os redatores do instrumento de trabalho ou não leram o texto do acordo ou confundiram questões das suas Bases com aspetos a resolver em vocabulário decorrente do acordo e, consequentemente, de dicionarização, até porque os elementos que ilustram algumas Bases do acordo são mal selecionados e outros não correspondem aos ditames da respetiva base. Além disso, se excetuarmos alguns pontos das Bases IV, IX, XV, XVI e XVII, as outras das XXI Bases ou são anódinas ou consagram a prática já corrente há muitos anos (ninguém pensa excluir nos termos do acordo as novas consoantes K, W e Y) ou repetem doutrina de ortografia sempre ensinada nas escolas, sobretudo no atinente à estrutura das palavras.
Assim, segundo Lúcia Pedro, o escopo do “forte contributo” a “uma maior regularização” fica em causa e aquém das expectativas. Com efeito, ao invés de contribuir para a melhoria do texto das Bases, que pudesse ser assinado por todos os países signatários, “introduziu novos aspetos que contrariam os objetivos iniciais: reduzir ao mínimo possível as diferenças existentes”.
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Começando pela Base IV (das sequências consonânticas), o único ponto de contestação é o 2.º, alínea b) referente à abolição gráfica das consoantes mudas c e p das sequências interiores cç, ct, e pt, que as suprime nos casos em que são invariavelmente mudas nas pronúncias cultas da língua. Se a razão é etimológica, muito teríamos que restaurar, obviamente sem vantagem. Se é uma razão estética a ferir o uso gráfico da língua, porque se admite a grafia “stresse” ou todas as licenças da Base I? Aliás, deveria ser pacífica a disposição das alíneas c) e d) que permitem a dupla grafia conforme tal prolação das mesmas consoantes se verifique ou não nas pronúncias cultas da língua. Depois, ninguém mandou que os portugueses escrevam, por exemplo, fato em vez de facto. Porém, estranho que em Portugal não se possa escrever cacto e peremptório. Mas esta deveria ser uma questão de vocabulário.
Passando à Base IX (da acentuação das palavras paroxítonas), merecem-nos atenção os pontos 3.º. 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 9.º. Quanto ao ponto 3.º, não se percebe por que motivo devia regressar o acento agudo ou o acento circunflexo para os ditongos “ei” e “oi”, se as realizações cultas oscilam entre a pronúncia descaracterizada, fechada ou aberta. Nem colhe a objeção da ACS com palavras como blêizer, em que sem o acento a palavra se tornaria oxítona por terminar em -r. Não podemos esquecer que apenas as palavras terminadas em -a, -e, -o, seguidas ou não de -s, são paroxítonas por natureza. Admito que a base poderia explicitar isto.
Não vejo mal em ser facultativa a distinção por acento agudo entre a 1.ª pessoa do plural do pretérito perfeito dos verbos da 1.ª conjugação (com acento) e a mesma do presente do indicativo (sem acento), do ponto 4.º (cantámos/cantamos) ou a distinção por acento circunflexo entre a 1.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo (dêmos, com acento) e a mesma do pretérito perfeito do indicativo do mesmo verbo (demos, sem acento). Idem, de fôrma (nome) e forma (nome e 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo ou 2.ª do imperativo do verbo formar), da alínea b) do ponto 6.º. Tornar tal distinção imperativa levaria à marcação de erro ortográfico, sem necessidade. Mas desfaçam-se dúvidas: sempre se disse da obrigatoriedade de distinguir por acento circunflexo a 3.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo do verbo pôr (com acento) e a mesma pessoa do presente do indicativo (sem acento), da alínea a) do ponto 6.º. E ninguém mandou que os portugueses escrevam o infinitivo do verbo pôr sem acento. Ao invés, a distinção entre pôr (verbo) e por (preposição) constitui-se explicitamente como exceção ao ponto 3.º da Base VIII.
Entendo que, no português europeu, devia excecionar-se a distinção entre pára (verbo) e para (preposição), dado o uso frequentíssimo da preposição (ponto 9.º). De resto, não se percebe a pretensão tão diferenciadora da ACS (foi sob a sua égide que se preparou o texto de 1986, que evoluiu – e bem – para o de 1990), como não se percebe a vantagem da opção pelo regresso do acento circunflexo à 3.ª pessoa do plural das formas verbais do presente do indicativo ou do conjuntivo: creem/descreem, leem, releem, tresleem, veem, preveem e reveem (indicativo); deem, desdeem e redeem (conjuntivo).
É certo que a supressão das letras c e p pode criar homografias. Não obstante, elas já existem e deslindam-se pelo contexto. Diz a mencionada colunista do JN:
“Porém, urge salientar um aspeto que nos parece ter sido esquecido pela Academia: em 1945, suprimiu-se o acento circunflexo nas palavras homógrafas, que passaram a ser distinguidas pelo seu contexto. Nós usámo-las todos os dias e sem acento, se soubermos escrever com correção, como é o caso de colher (nome); colher (verbo); molho (nome com o aberto e com o fechado e significados diferentes); este (ponto cardeal); este (determinante ou pronome demonstrativo), entre outras.”.
E, citando Wiitgenstein, sustenta:
“A unidade de sentido é a frase, o que corrobora a tese de que a homografia não é argumento para se conservar a acentuação, exceto, na nossa perspetiva, em casos muito excecionais, como é o da forma verbal para e da preposição para, dada a frequência da sua utilização. Além disso, utilizar o acento nas palavras paroxítonas com vogal tónica aberta ou fechada, que são homógrafas, seria recuar ao modelo de 1911 e não é isso que se pretende.”
Ao sugerir o regresso de alguns acentos e das letras c e p para evitar homofonias que podem conduzir a ambiguidades, a ACL usa “um argumento que reduz a palavra à sua existência solitária”, quando as palavras pertencem ao texto, à frase e a sua grafia deve obedecer ao critério fixado pela Base IV do acordo ortográfico. Por outro lado, tal sugestão “criará mais diversidade, ambiguidade, confusão, face ao que tem vindo a ser ensinado nas escolas”.
Assim, se limpo o teto (úbere) da vaca, distingo o candeeiro suspenso do teto (cobertura interior da casa); sei de cor a cor do meu cabelo. Mas como distingo escatologia (tratado dos últimos tempos) de escatologia (coprologia)?
Atentemos, agora, no ponto 3, sobre o emprego do hífen.
No atinente às Bases XV, XVI e XVII, que tratam da hifenização, convém esclarecer:
Na Base XVII, o que difere da reforma de 1945 é a supressão do hífen nas ligações da preposição de às formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver: hei de, hás de, há de, hão de. Para quê lá o hífen?
Depois, a ACL aborda a situação das unidades semânticas – verdadeiros compostos – que terão de utilizar o hífen, correndo o risco de confusão com simples locuções que, segundo a Base XV, o perdem. Ora, ao dizer-se que se deve suprimir os hífenes nos compostos ligados por preposição (excluindo as espécies botânicas e zoológicas), é de ter em conta os que formam uma unidade de sentido. Sendo assim, compostos como “colher-de-sopa” (sinónima de concha), deverá manter o hífen, para evitar ambiguidade do tipo colher de sopa de ervilhas (sem hífenes, pois cada palavra do segmento tem o seu sentido). Idem, para pés-de-galinha (rugas), pé-de-atleta (micose) ou pó-de-arroz (produto cosmético). Estes e outros casos, para os quais o acordo não pode dar resposta cabal, deveriam ser objeto dos vocabulários e dicionários.
De facto, como refere Lúcia Pedro, muito se fala do hífen, mas é fundamental o conhecimento do sentido das palavras em determinados contextos e das regras inerentes à sua escrita, sendo que não há “nenhum programa informático capaz de interpretar essas diversidades”.
Também as locuções gramaticais (pronominais, adverbiais, prepositivas, conjuncionais) já não tinham hífenes na norma de 1945, pelo que a ACL nada acrescenta neste aspeto (a fim de, a par de, à parte; à vontade, abaixo de, acerca de, acima de, apesar de, ele próprio, por conseguinte, visto que).
Mais: só pode entender-se como gralha o caso constante do texto da ACL, quando omite um e em rescrita, visto defenderem, como já estava determinado anteriormente, o não emprego de hífen nas formações com os prefixos pre- e re-, mesmo nos encontros de vogais iguais ou quando o segundo elemento é iniciado por h, como em preencher (pre-+encher), reescrita (re-+escrita), reabilitar (re-+habilitar).
Não se vê vantagem na opção pretendida de voltar a grafar co-réu (corréu), co-utente (coutente) e co-herdeiro em vez de coerdeiro.
Já no referente às palavras formadas pelo prefixo pan- e em que o segundo elemento começa por b ou p, parece justa a sugestão da ACL no sentido de a passagem de pan a pam (como em pambalcânico, pambrasileiro, pamplegia, pampsiquismo, ) visto que que a aglutinação ortográfica implica uma leitura indesejada ou violação das restrições contextuais visuais (nb ou np) da ortografia do português.
Segundo a Base XVI, quando o segundo elemento começa por h ou pela mesma vogal com que termina o prefixo, deve utilizar-se o hífen. Tal sucede nas formações por recomposição, isto é, com elementos não autónomos ou falsos prefixos de origem grega e latina, tais como aero-, agro-, arqui-, auto-, bio-, eletro-, geo-, hidro-, inter-, macro-, maxi-, micro-, mini-, multi-, neo-, pluri-, proto-, pseudo-, retro-, semi-, tele-. Exemplos: arqui-hipérbole, arqui-irmandade, auto-observação, eletro-higrómetro, eletro-ótica, geo-história, micro-ondas, neo-helénico, semi-hospitalar, semi-interno. Porém, a ACL sugere:
“Nos elementos de natureza substantiva, provenientes do grego ou latim, em que não se empregava hífen e que, com a aplicação das novas regras ortográficas, passam a ser hifenizados quando há encontros de vogais iguais, recomenda-se o uso preferencial das grafias com elisão da vogal do radical que coincide com a do elemento imediato, como em radiopaco. Não se admitem, porém, as formas com acento no primeiro elemento.”.
É certo que os militares gostam de escrever “contralmirante” (por contra-almirante) e os músicos vulgarizaram contralto (por contra-alto). E vamos escrever “microndas” contra a prolação pronuncial useira e vezeira?
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Esperava que a ACL olhasse para a reforma ortográfica com melhores olhos de ver, sugerindo alguns aperfeiçoamentos sem a indesejada postura iconoclasta ou contraiconoclasta, mostrasse que os subscritores do documento enviado à AR e ao MC (Ministério da Cultura) tinham conhecimento aprofundado das bases do acordo e, sobretudo, um propósito de enriquecimento especificador ao nível do vocabulário/prontuário e mesmo um dicionário, que não deveria demorar tantos anos a elaborar como o primeiro da ACL. Olhem para a Porto Editora!

2017.01.30 – Louro de Carvalho

domingo, 29 de janeiro de 2017

Homenagem ao “Apóstolo de Fátima”

A 28 de janeiro de 2017, o Santuário da Cova da iria acolheu uma eclesial homenagem ao Padre (Cónego) Manuel Nunes Formigão em torno da cerimónia de trasladação dos restos mortais do conhecido como 'o apóstolo de Fátima´, do cemitério local para um mausoléu construído na Casa de Nossa Senhora das Dores.
A celebração em memória deste sacerdote e servo de Deus – a caminho da beatificação e da canonização – começou com a concentração de centenas de pessoas na casa das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima, `Espaço Padre Formigão, Casa do Apóstolo de Fátima´, na Rua Francisco Marto, seguida de cortejo para o cemitério da freguesia de Fátima. Daí, a urna foi transportada processionalmente para a monumental Basílica da Santíssima Trindade onde decorreu a celebração eucarística sob a presidência do Bispo de Leiria-Fátima, Dom António Augusto dos Santos Marto. Depois, os restos mortais do Padre Formigão foram colocados no mausoléu construído para o efeito na Casa de Nossa Senhora das Dores, de Fátima, num espaço que pode ser visitado diariamente e onde estão também alguns objetos que atravessaram a sua vida desde fotografias, paramentos a objetos pessoais como os óculos ou o relógio que usava.
Na cerimónia participaram também o Núncio Apostólico, Dom Rino Passigato, o Bispo de Bragança-Miranda, Dom José Cordeiro, e o bispo emérito de Leiria-Fátima, Dom Serafim Ferreira Silva, bem como o reitor do Santuário de Fátima, Padre Carlos cabecinhas, entre outros sacerdotes.
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Na homilia, o prelado diocesano de Leiria-Fátima destacou esta figura sacerdotal que “se rendeu ao mistério e à revelação do amor de Deus, da beleza da sua santidade tal como brilhou aos pastorinhos de Fátima”. Dom António Marto recordou o Padre Manuel Formigão como alguém que “captou de uma maneira admirável para o seu tempo a dimensão reparadora da vivência da fé tão sublinhada na mensagem de Fátima”. E, reproduzindo as palavras de Dom António Ribeiro, que foi cardeal patriarca de Lisboa, disse: “Sem ele, Fátima não seria o que é presentemente”. E especificou:
“A ele devemos, sem dúvida, a garantia da autenticidade dos acontecimentos e das testemunhas, da sinceridade dos videntes e da verdade das suas afirmações, a divulgação da mensagem através de escritos, a fundação da Voz da Fátima e dos Servitas. Queremos exprimir a nossa gratidão a ele e a Deus que o escolheu para esta missão. E pedimos a Nossa Senhora e aos pastorinhos a sua intercessão para que ele possa aceder em breve à veneração dos altares.”.
Ainda durante a homilia, o Bispo traçou um paralelo entre São Tomás de Aquino, cujo dia se celebrava naquele dia, e o Padre Manuel Formigão, e apresentou-os como testemunhas de uma fé “orante, adorante e eucarística”, em que assentou toda a sua espiritualidade.
Porém, referindo-se em especial ao Padre Formigão, assegurou que “de facto, Nossa Senhora veio à busca de colaboradores para a reparação do pecado do mundo e seus estragos e destruições na relação com Deus, com os outros e com o mundo como casa comum” e este sacerdote “entendeu a reparação como adesão plena à vontade de Deus: aceitar a vontade de Deus e colaborar com Ele nos acontecimentos da vida quotidiana e do mundo mesmo que isso exija sacrifício e renúncia”.
Dom António Marto explicitou bem o sentido da reparação para `o apóstolo de Fátima´: “Reparar quer dizer pois recompor, refazer, reconstruir, ‘re-sanar’, tecer de novo o que se rompeu, renovar o mundo, a começar pelo coração de cada um na relação com Deus, com os outros e entre os povos”. E concluiu, indicando o modo como isto se realiza:
“Isto realiza-se na oração e adoração como expressão de amor a Deus e da comunhão dos santos em que oramos uns pelos outros; mas realiza-se também no trabalho de evangelização e na caridade cuidando e curando as feridas, as chagas, os sofrimentos da humanidade”.
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O Padre Manuel Nunes Formigão nasceu em Tomar, a 1 de janeiro de 1883, e entrou, aos 12 anos no Seminário Patriarcal em Santarém, onde realizou os estudos eclesiásticos. Terminada ali a sua formação e “tendo em conta a sua sagacidade intelectual e grande vida de piedade, foi enviado para Roma, onde obteve, em 1909, o grau académico de Doutor em Teologia e Direito Canónico pela Pontifícia Universidade Gregoriana”, depois de ter sido ordenado presbítero a 4 de Abril de 1908, também em Roma.
De passagem pelo Santuário de Lourdes, em 1909, comprometeu-se a divulgar a devoção mariana em Portugal, compromisso que Nossa Senhora lhe aceitou em 1917. Com efeito, acompanhou as Aparições de Fátima desde setembro de 1917, sendo um dos primeiros a interrogar os Pastorinhos, primeiro com ceticismo, mas, depois, convencido da sinceridade das crianças e progressivamente certo de que era verdade o que elas lhe contavam.
Na verdade, a 13 de setembro de 1917 foi pela primeira vez à Cova da Iria, como simples curioso e “profundamente cético relativamente aos factos que se diziam ali estarem a acontecer”. Não se aproximou do local das aparições e saiu de Fátima ainda “mais cético, pois não presenciou nada de invulgar, apenas notando a diminuição da luz solar por altura das supostas aparições, mas facto que não deu qualquer importância”.
No entanto, voltou a Fátima, em concreto a Aljustrel, no dia 27 desse mesmo mês, a fim de interrogar, em separado, os três videntes. A este sucederam-se outros interrogatórios nas semanas seguintes (1917-1919), nomeadamente o efetuado no dia 13 de outubro, horas depois da última aparição e depois de ter sido testemunha, juntamente com mais de 60 mil pessoas, do assombroso fenómeno solar, que o povo apelidou de “Milagre do Sol”.
Jacinta deixa-lhe uma mensagem de Nossa senhora, ao morrer; e, nas suas palavras, viu o desejo de Nossa Senhora da fundação de uma congregação religiosa cujo carisma fosse a reparação.
Tornou-se, pois, um dos principais impulsionadores da investigação sobre a veracidade dos factos e da mensagem deixada em Fátima por Nossa Senhora. Em 1922, passou a integrar a comissão do processo canónico de investigação às aparições e, em 1928, assistiu à primeira profissão religiosa da Irmã Lúcia, em Tuy, que lhe comunicou a devoção dos primeiros sábados e lhe pediu que a divulgasse.
Considerado um dos obreiros do Santuário de Fátima, a ele se deve, entre muitas outras coisas, a fundação, em 1924, dos Servitas de Nossa Senhora de Fátima (graças à sua experiência de servita de Nossa Senhora em Lurdes) e do jornal A Voz da Fátima (1922). Fundou a revista “Stella” (1937), o jornal “Mensageiro de Bragança” (1940) e o Almanaque de Nossa Senhora de Fátima (1943). E foi também o fundador da Congregação das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima (1926), como resposta à acima aludida sugestão da Jacinta, para “reparar as ofensas que se cometem contra o amor de Deus”, especialmente pela missão da adoração no Sagrado Lausperene no Santuário. A 11 de abril de 1949, esta congregação foi reconhecida por direito diocesano e, a 22 de agosto do mesmo ano, ocorreram as primeiras profissões canónicas das Religiosas.
Produziu dezenas de artigos e livros sobre as Aparições, que lhe valeram o epíteto de “Apóstolo de Fátima”. Diga-se, a título de exemplo, que, em 1921, escreveu o livro “Os Episódios Maravilhosos de Fátima”; em 1928, “As Grandes Maravilhas de Fátima” (a sua obra mais importante); em 1930, “Fátima, o Paraíso na Terra”; em 1931, “A Pérola de Portugal”; em 1936, “Fé e Pátria”; e, em 1956, sonetos compilados na “Ladainha Lauretana”.
Faleceu a 30 de janeiro de 1958, precisamente na casa onde foi sepultado agora, no ano do centenário das Aparições.
No ano 2000, a 16 de novembro, a Conferência Episcopal Portuguesa concedeu a anuência para a introdução da causa de Beatificação e Canonização do ‘Apóstolo de Fátima’. O processo foi oficialmente aberto a 15 de setembro de 2001, festa litúrgica de Nossa Senhora das Dores, padroeira da congregação, e foi encerrada a sua fase diocesana a 16 de abril de 2005. Agora, a Congregação para a Causa dos Santos está a avaliar a vida, virtudes e fama de santidade do sacerdote para que possa ser declarado venerável, em seguida, beato e, finalmente, canonizado.
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Na cerimónia da trasladação também usou da palavra o postulador da causa, Monsenhor Arnaldo Pinto Cardoso (sucedeu a Saturino Gomes), para sublinhar a “decisiva influência” que teve a mensagem de Fátima no cónego Formigão, depois do contacto com os pastorinhos. E disse:
“Em tempos difíceis e adversos, o Padre Formigão soube acolher os pastorinhos, interpretar as suas declarações, divulgar os acontecimentos, apropriar a mensagem, aconselhar os bispos responsáveis, viver com os fiéis as peregrinações à Cova da Iria”.
E, estabelecendo o paralelo com os tempos de então, o postulador concluiu:  
“Como há cem anos, também hoje se respira o ar das guerras, sentem-se os efeitos do ódio, em muitos lugares a igreja é perseguida. O homem precisa de ser regenerado e de se abrir ao bem, à verdade e à justiça. E Deus, ofendido de tantas maneiras, necessita de ser reparado das ofensas. Parece que voltámos aos tempos de Formigão.”.
Ora, falando de reparação, é de recordar o que Pinto Cardoso escreveu a 11 de março de 2016, no L’ Osservatore Romano sobre misericórdia e reparação a propósito do Padre Formigão:
Se a misericórdia representa o coração do Evangelho, como recorda o Papa Francisco, por sua vez, a reparação é o centro da mensagem de Fátima, como demonstram a vida e as obras do padre Manuel Nunes Formigão (1883-1958) o apóstolo das aparições da Cova da Iria. Que relação existe entre o dom da misericórdia e o significado da reparação, do modo como a promoveu o padre Formigão?
A importância da reparação na vida e na obra do padre Formigão deve-se a diversos fatores de ordem nacional e eclesial. Em primeiro lugar, à sua amarga experiência nacional, a partir do regicídio (1908), ocorrido enquanto ele se encontrava em Roma. Em seguida, à decisiva influência que teve sobre ele a mensagem da Virgem, depois dos colóquios íntimos e misteriosos com os três pastorinhos. É preciso acrescentar que, na 1.ª metade do século XX, estava em forte expansão a prática devocional que consistia em aliviar os sofrimentos do Coração de Jesus. Então, compreendemos que o movimento de reparação não foi invenção do padre Formigão, mas um modo de ser cristão, fruto de uma herança secular, teológica e pastoralmente consolidada, que readquiriu maior vigor com as aparições de 1917.
Neste contexto, Formigão sofreu muito pela perseguição da Igreja promovida pelo regime republicano, pela participação militar na grande guerra, pelas agitações populares. Temendo calamidades maiores, o seu pensamento, sobretudo depois da mensagem de Jacinta, uma dos três pastorinhos, concentrou-se no facto de que pudesse tratar-se de sinais divinos face às infidelidades de todo um povo.
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Formigão, ora homenageado e a caminho dos altares, é o apóstolo de Fátima (não desmentido) pela investigação, descoberta e divulgação dos factos e da mensagem e pela implementação da obra fatimita, obra que se impôs à Igreja não como verdade dogmática mas como estilo de vida.

2017.01.29 – Louro de Carvalho

sábado, 28 de janeiro de 2017

Cimeira de países do sul da Europa discute o futuro da UE

Sete países do sul da Europa, em que se inclui Portugal, concordaram hoje, 28 de janeiro, na necessidade de cooperação para alcançar uma União Europeia “forte e unida”, capaz de devolver a esperança aos cidadãos e combater populismos, neste momento de instabilidade.
A união económica e monetária, as migrações e a segurança e defesa foram temas que estiveram em cima da mesa neste encontro onde os países procuraram concertar posições para as próximas cimeiras europeias num contexto em que a UE está confrontada pela primeira vez com a saída de um Estado-membro, o Reino Unido.
Nesta perspetiva, os chefes de Estado e de Governo de Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Chipre e Malta reuniram-se em Lisboa, pela segunda vez, e transmitiram uma mensagem de união e de confiança no futuro da UE, que querem levar às próximas cimeiras europeias, em La Valletta (a 3 de fevereiro) e em Roma (a 24 e 25 de março).
Nos termos da Declaração de Lisboa, divulgada no final da cimeira, os subscritores – Presidentes de França, François Hollande, e de Chipre, Nikos Anastasiades; e primeiros-ministros de Portugal, António Costa, de Espanha, Mariano Rajoy; de Itália, Paolo Gentiloni, da Grécia, Alexis Tsipras, e de Malta, Joseph Muscat (que assegura a presidência rotativa do Conselho Europeu) – confirmam o objetivo “de aumentar a nossa cooperação e de contribuir para uma União Europeia forte e unida” e declaram acreditar “que, num mundo confrontado com incertezas e instabilidade crescentes, seremos mais fortes agindo juntos”, pois consideram que “enfraquecer a Europa não é uma opção”.
Por outro lado, revisitaram o núcleo fundador da UE, ao reclamarem que esta deve defender os seus valores de “liberdade, democracia, Estado de Direito e respeito e proteção de todos os direitos humanos” e responder com prontidão, visando a eficácia, aos “desafios comuns que os Estados-membros estão a enfrentar”, apresentando as adequadas “respostas para as preocupações reais” dos cidadãos. E inferem que tais respostas passam pelo “emprego, crescimento económico e coesão social, proteção às ameaças do terrorismo e incerteza, um futuro melhor para as gerações mais jovens, através da educação e de empregos, e um papel central da cultura e educação nas sociedades”.
No termo da cimeira, o primeiro-ministro italiano registou a “convergência muito importante” entre os países do sul da Europa, que representam cerca de 40% da UE, assegurando:
“Há uma mensagem de esperança: não é necessário que 2017 seja um ano de crise para a União Europeia ou um ano de adiamentos, em que há um compasso de espera. O mundo não espera por nós, há crises e as crises não podem esperar”.
E afiançou que os preditos sete países têm “um empenho fortíssimo” na participação nas próximas reuniões e na elaboração do “roteiro da esperança, da confiança e da perspetiva de paz e do futuro da Europa”.
Por seu turno, o Presidente francês disse aos jornalistas, após a fotografia de família da Cimeira, que a Europa deve responder ao Presidente norte-americano mostrando que “não é protecionista nem fechada”, mas “uma força, uma garantia, uma proteção e um espaço de liberdade e de democracia”, pois “tem valores e tem princípios”.
Lamentou que os discursos que escutamos nos Estados Unidos encorajem “o populismo extremista” e “a ideia de que já não há Europa, de que já não é necessário estarmos juntos, de que é necessário pôr em causa o acordo sobre o clima, o protecionismo”. E insistiu:
“Quando há declarações do Presidente dos EUA sobre a Europa e a falar do modelo do 'Brexit', penso que devemos responder-lhe. Quando o Presidente dos EUA evoca o clima para dizer que não está convencido da utilidade do acordo [de Paris, sobre alterações climáticas], devemos responder-lhe. Quando ameaça com medidas protecionistas, que podem destabilizar as economias, não somente as europeias, mas as economias dos principais países do mundo, devemos responder-lhe. Quando ele recusa acolher refugiados, depois de a Europa ter cumprido o seu dever, devemos responder-lhe”.
Recorda que o desafia que agora se coloca à UE é afirmar os seus “valores, princípios e interesses” e que isso é o que estará em causa em 25 de março, quando se assinalarão, em Roma, os 60 anos da assinatura dos tratados fundadores do bloco europeu. E esclareceu:
“Perante as adversidades, perante os desafios é que vemos se uma união é sólida, se é capaz de determinar o seu futuro. A Europa está perante uma prova de verdade e de escolhas. Haverá outras ocasiões e é o momento de saber o que fazemos juntos e porque o fazemos”.
Disse o Presidente francês que a lucidez deve convencer os europeus a irem mais longe juntos” e que definir o futuro da Europa é “uma responsabilidade para com as gerações futuras”. E, afirmando que ainda esta noite terá uma conversa com Donald Trump – que também deverá falar, ainda hoje, com a chanceler alemã, Angela Merkel, considerou:
“Devemos afirmar as nossas posições e promover um diálogo firme sobre o que pensamos, mas também com a preocupação de resolvermos os problemas do mundo. O que se passa na Síria, no Iraque, o combate ao terrorismo, as relações com a Rússia, tudo merece um diálogo, mas em primeiro lugar é preciso ideias claras.”.
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À margem da cimeira, António Costa reuniu-se com os seus homólogos de Malta – país que exerce, neste semestre, a presidência europeia – e de Itália, precisamente para debater as reuniões de La Valletta e Roma. Também Rajoy e Tsipras mantiveram um encontro bilateral. Antes da fotografia de família, o Presidente francês e o primeiro-ministro grego ficaram um pouco para trás, a conversar, enquanto os restantes cinco dignitários os aguardavam para a imprescindível fotografia de família. Após este momento, prosseguiram para um almoço de trabalho, tendo o encerramento da cimeira ocorrido pelas 15 horas.
O Governo português pretendia preparar as próximas cimeiras informais, previstas para a capital maltesa, La Valletta, no próximo dia 3, e para Roma, a 24 e 25 de março, ocasião que culmina o roteiro traçado em setembro passado em Bratislava, assinalando o 60.º aniversário da assinatura dos tratados fundadores da construção europeia.
A cimeira de Bratislava de setembro de 2016 traçou um roteiro para refletir sobre o futuro da UE, que pela primeira vez perder um Estado-membro – o Reino Unido, que deverá acionar o artigo 50.º do Tratado de Lisboa até ao final de março, desencadeando assim o processo de saída do bloco comunitário. Os dirigentes europeus estabeleceram, então, um prazo de 6 meses para dar um novo fôlego à UE, impulsionado por França e pela Alemanha, desejosos de mostrarem a sua união para ultrapassar o 'Brexit', prontos que estão para iniciar as negociações com vista à saída do Reino Unido da UE, que esperam que se mantenha como “um parceiro próximo”.
Nesta situação, as prioridades incluem a proteção das fronteiras exteriores, a luta contra o terrorismo, o relançamento da defesa europeia e a atenção aos problemas do mundo.
A Cimeira de países do sul da Europa, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, é a segunda cimeira deste grupo de países, mas é a primeira em que participam todos os dirigentes, já que na primeira reunião, de setembro, em Atenas, o chefe do Governo espanhol não participou por estar em governo de gestão.
De acordo com o gabinete do primeiro-ministro, o objetivo não é constituir “um clube à parte”, mas procurar uma “concertação de posições” entre países que partilham “uma perspetiva comum sobre vários temas da agenda europeia”. À luz desta perspetiva, não se percebe muito bem a tirada de divisionismo na Europa lançada por Passos Coelho a propósito do evento.
Na declaração conjunta final, os governantes referiram-se às declarações da primeira-ministra britânica, Theresa May, que no passado dia 17 de janeiro apresentou a posição do Reino Unido sobre o ‘Brexit' (saída do Reino Unido da UE), reiterando que, logo que haja luz verde do Parlamento do Reino Unido, acionará o artigo 50.º do Tratado de Lisboa, relativo à saída voluntária de um país do bloco europeu, processo que iniciará o abandono da União Europeia por Londres.
O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, anunciou, em Lisboa, que a próxima cimeira de sete países do sul da Europa, incluindo Portugal, decorrerá em Espanha, em abril. E, segundo o texto da declaração conjunta final, Chipre será o país que acolherá a cimeira seguinte, no verão.
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Parece que estas iniciativas já deveriam ter sido tomadas há muito mais tempo, sobretudo nos tempos da intervenção demolidora da troika, a ver se estes países do sul europeu respiravam um pouco melhor num contexto de crise. Era necessário desmistificar a inevitabilidade imposto pelos credores institucionais e estoicamente rubricado pelas autoridades portuguesas que juraram ir além da imposição da troika. E ficou demonstrado que o caminho, embora dificilmente fosse de outro jaez, ao menos poderia ter sido menos escolhoso.
Por outro lado, haviam de ter respondido à sobranceria dos dirigentes alemães e nórdicos, quando os países do sul e mais periféricos estavam sob vigilância europeia, já que alguma união faz sempre alguma força.

2017.01.28 – Louro de Carvalho

No cinquentenário do falecimento do 1.º Bispo da Beira (sem medo)

Natural de Milheirós de Poiares, D. Sebastião Soares de Resende nasceu a 14 de junho de 1906 e faleceu a 25 de janeiro de 1967, no Paço Episcopal da cidade da Beira, Moçambique.
O mais novo de seis filhos recebeu, no leite materno, a fé cristã que o impeliria à dignificação de seres humanos tão desprezados como os indígenas moçambicanos.
Na adolescência, ainda foi levantada a hipótese de o pequeno se tornar barbeiro, profissão a que estavam ligadas tarefas de agente de medicinas populares. Porém, a influência do abade Serafim José dos Reis, pároco da freguesia falou mais alto e Sebastião ingressou no seminário de Vilar no Porto, contra a vontade do pai, onde fez os estudos preparatórios, após o que deu entrada no Seminário Maior para cursar Teologia. Aluno sempre distinto, foi ordenado sacerdote aos vinte e dois anos, a 21 de outubro de 1928.
Graças à inteligência superior de que era dotado, foi enviado para Roma, onde se licenciou em Teologia e se doutorou em Filosofia, na Pontifícia Universidade Gregoriana. Fez também, em Bérgamo, o curso de Ciências Sociais. Terá sido nesta saída do país que, de passagem pelo Santuário de Lurdes, se deixou tocar por uma “inspiração interior” para tudo fazer “com ânimo cristão, mais eclesiástico”, como confidenciava em carta ao padre Dias de Pinho, seu amigo e conterrâneo.
Terminada a formação na Itália, em 1933, o doutor Sebastião é chamado para o ensino no Seminário Maior do Porto. Um ano depois é nomeado vice-reitor. Em 1935 é feito, com o futuro bispo Dom António Ferreira Gomes, cónego da Sé Catedral do Porto.
Segundo o historiador Pedro Ramos Brandão, o interesse intelectual de Soares de Resende centrava-se então nos estudos em torno da história teológica portuguesa e o pensamento católico português. Era conhecido pelo seu tomismo inabalável, bom suporte da Teologia, que ele considerava decadente em Portugal, dada a ausência duma Faculdade de Teologia. A garra de investigador-estudioso levou-o a travar-se de razões com alguns nomes da literatura nacional, designadamente Aquilino Ribeiro, no suplemento “Letras e Artes” do diário católico Novidades.
O ponto de partida da polémica com o aludido escritor beirão está na publicação por este, em 1940, duma tradução do latim da obra de António de Gouveia Em prol de Aristóteles. Queixa-se Sebastião Resende do mau tratamento da figura de Gouveia, que sai “apoucada” do prefácio que Aquilino antepõe à tradução.
O autor do Malhadinhas responde, em carta ao Diretor, que a escolástica decadente é que deve ser criticada e garante, citando o seu próprio prefácio, que tem alta estima pela larga cultura de António de Gouveia, considerando abstrusa e esterilizante a dialética da escolástica decadente. Mais diz que aprecia o Organon de Aristóteles e defende-se de alguns dos termos utilizados no seu prefácio como “Ponte dos asnos” em que diz estarem os estudantes de teologia sentados sobre os calcanhares ou em fachas de palha. Diz que não é sua a referência e que, se assim estavam os estudantes, era por não haver melhor. Sebastião Resende contra-ataca e declara que o seu escopo era defender a escolástica. Ponto por ponto argumenta acerca da razoabilidade da sua crítica anterior, pondo em contradição o que Aquilino agora diz com o que está noutros passos do prefácio. Aquilino vem, na semana seguinte, tecer novas considerações, reafirmando que se referia à dialética decadente e que o Organon é “código assombroso” no método, mas é “disciplina formal, engenhosa, mas estéril”, do ponto de vista pedagógico, “enquanto matéria levada na Universidade de Paris até à exaustão”. E o que quer atingir é a “viciação que sofreu nas escolas a lógica aristotélica”. No final, declara que teve “prazer em travar conhecimento” com Sebastião Resende, “a cuja cortesia, agilidade mental, ardor combativo, rendo preito cordial”. E o crítico professor do Seminário do Porto vem a concluir a discussão, salientando o prazer intelectual da discussão serena, da polémica orientada pela inteligência. Mas não deixa de contestar uma afirmação de Aquilino que atribui a dita “viciação” a um gérmen já presente na lógica de Aristóteles. Esta lógica, por ser mal usada, não passa a ser má; outros, como reconhece o próprio Aquilino, usaram-na bem.
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Em 1940, a Igreja Católica assina com o Estado a Concordata e o Acordo Missionário, de que resultou a criação de novas dioceses no Ultramar. Moçambique ficara reduzido a Prelazia (diocese única) desde 1783, tendo até aí vivido na dependência de Goa. Entre as novas dioceses está a Beira, que se transformaria num estratégico centro económico e social. Mas só 3 anos após a criação da diocese é que Pio XII nomeia 1.º Bispo da Beira Sebastião Soares de Resende, então com 37 anos.
A 3 anos da inauguração da TAP, o Bispo, que fora ordenado na Sé do Porto por Dom Agostinho de Jesus e Sousa, Bispo do Porto (coadjuvado por Dom António Antunes, bispo de Coimbra, e Dom Rafael Maria da Assunção, bispo titular de Limira), vê-se obrigado a viajar ainda de navio até à sua nova terra de (pro)missão, aonde chega a 30 de novembro de 1943. Ficou-lhe na memória a brisa da tarde no foral do Macúti, após os cumprimentos formais ao governador e ao presidente da Câmara da Beira. O professor reservado e austero passa a bispo missionário, próximo e aberto à condição humana. Tem agora pela frente 1 milhão e 700 mil pessoas. Os católicos nativos são pouco mais de 32 mil. Os europeus não chegam aos 4 mil.
Os primeiros contactos no terreno impõem à consciência do prelado a opção por condições exequíveis para fazer avançar um projeto evangelizador. Tornava-se imprescindível recrutar mais braços. Da metrópole chegavam poucos e mal preparados, restando a alternativa de menor agrado do governo: missionários estrangeiros. Os padres de Burgos e os padres Brancos são os que respondem em maior número. A criação de novas missões e estruturas de apoio (seminário, creches, escolas primárias, colégios, hospitais, centro de formação de professores…) às populações era outra prioridade pastoral. Cáustico, o Bispo deixou, no seu diário pessoal, recados à navegação:
“As autoridades portuguesas querem o preto selvagem para continuar a ser animal de carga. Mas as missões hão de ir, quer queiram quer não”.
A escrita foi a arma de que se serviu. A um ritmo quase anual, Dom Sebastião publicou 15 Cartas Pastorais – tormento para a polícia política e poderes estabelecidos, mas também para membros do episcopado. Completaram as Cartas Pastorais as intervenções na imprensa, sobretudo na Voz Africana e no Diário de Moçambique (este criado por ele no Natal de 1950).
Não lhe deu tréguas a PIDE, impondo, por três vezes, o encerramento do jornal (a polícia do regime, sobre o bispo, recolheria nos seus arquivos um processo de 400 páginas). Um dos meios utilizados para a evangelização foi ainda a Rádio Pax, gerida pelos missionários franciscanos.
Um dos investimentos maiores de Dom Sebastião dar-se-ia no setor do ensino e da educação. Não suportaria por muito tempo o “ensino rudimentar”, de dois anos, destinado às populações indígenas, tendo como disciplinas obrigatórias a Língua Portuguesa e a História de Portugal. Salazar defendia que a “portugalização” se faria assim. Porém, o Bispo da Beira preconizava uma “educação igual e geral para todos, quer fossem indígenas ou europeus”. Para tanto, teve o prelado de bater-se, não só contra o governo de Lisboa, mas também contra a hierarquia católica. Foi com dificuldade que o Bispo da Beira conseguiu manter a diferença entre ensino e catequização. A Igreja corria assim o risco de se transformar numa extensão administrativa. O bispo reclamava que a instrução/ensino aperfeiçoa o homem e a catequese forma o cristão. Foram, pois, muitos os evangelizadores, sobretudo estrangeiros, que, recusando “portugalizar”, optaram pela aprendizagem das línguas autóctones, com natural aplauso do bispo missionário.
Todavia, era o Estatuto do Indígena que mais afligia o prelado. As relações laborais ditadas pelos brancos defendiam a tese de que os negros estavam inexoravelmente destinados ao trabalho pesado nas colónias. Na Beira, a escravatura morava no algodão. E o Bispo denuncia:
“Nós cá dentro continuamos a vender pretos e a escravizá-los ao algodão, obrigando-os a fazer trabalhos debaixo de pancadaria, e isto é incrível e espantoso”.
Adriano Moreira terá sido o membro do governo de Salazar que melhor compreendeu as angústias do Bispo. O antigo ministro das Colónias andaria de braço dado com Dom Sebastião para a instauração do ensino técnico, politécnico e superior. Em agosto de 1962, são criados os Estudos Gerais de Moçambique e de Angola, integrados na universidade portuguesa.
O Bispo da Beira tinha a convicção de que, num futuro próximo, aquela colónia do Índico caminharia inevitavelmente para a autodeterminação e para a independência:
“Moçambique tem os seus direitos e, uma vez que seja possível, deve tornar-se independente, com negros e brancos a governar”.
O contacto com figuras, como John Kennedy e o arcebispo Fulton Sheen, de Nova Iorque, a quem solicitou apoio financeiro para as missões da diocese, deram-lhe a certeza da marcha da História, pelo que lutava, sem tréguas, contra todas as formas de exploração dos seres humanos.
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Teve ainda Dom Sebastião a dita de participar na preparação e na realização do Concílio Vaticano II, sendo um dos bispos mais interventivos e incisivos. Sobre o esquema “De Ecclesia”, insistiu na necessidade de tornar claro que os leigos venham inseridos dentro do povo de Deus e sustenta que “o estado de perfeição se identifica com o estado da vida cristã”, pelo que preferia a expressão “estado religioso”, para não contradizer o “chamamento universal à santidade”. Sobre “dioceses e províncias eclesiásticas”, considerava dever ser apenas pastoral o critério para a delimitação dos territórios, sendo multiplamente perigosos os critérios nacionais, sociais, económicos. Queria evitar o “racismo espiritual” e promover a possibilidade de o bispo conhecer bem o seu rebanho. No respeitante ao esquema do “apostolado dos leigos”, sugeria que o parágrafo I tivesse como título “formas de participação dos leigos na missão da Igreja” e pedia que se explicitasse melhor o fundamento doutrinal do princípio segundo o qual a vocação cristã é vocação ao apostolado. Sobre a Igreja no mundo contemporâneo (“De Ecclesia in mundo hujus temporis”), salientou três aspetos: a doutrina social da Igreja não pode ficar no papel, mas concorrer com auxílio e colaboração concreta para as questões sociais e económicas; os leigos devem ser formados nas questões políticas a fim de poderem, como cidadãos conscientes, cumprir a sua missão; não basta uma Igreja dos pobres, mas é necessária uma Igreja pobre, no espírito evangélico (em palavras e obras), porque será a nota de maior credibilidade para revelar o rosto de Cristo ao mundo. E, na última sessão do Concílio, sobre a “dignidade da pessoa humana”, apelou a que o Concílio tomasse uma posição firme e solene declarando que todos os homens não só são iguais, mas são irmãos. Sobre as missões, destaca a valorização da urgência da ação social. E, no atinente ao “ministério e vida dos presbíteros”, sustenta que o presbítero gera comunidade e que o padre religioso é mais sacerdote da Igreja e do Bispo que do seu Instituto.
– cf Carlos Azevedo, Perfil Biográfico de D. Sebastião Soares de Resende, LUSITANIA SACRA, V série, 6 (1994).  
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Estão em curso, neste mês de janeiro, duas grandes homenagens ao 1.º Bispo da Beira.
A paróquia de Milheirós de Poiares (Diocese do Porto) está a homenagear Dom Sebastião Soares de Resende, nos 50 anos da sua morte. O dia 25, o do falecimento do ilustre prelado, foi assinalado com a celebração de missa solene na igreja matriz presidida por dom António Augusto Azevedo, Bispo Auxiliar do Porto.
Mas a comemoração oficial decorre hoje, dia 28. A sessão comemorativa é orientada por Dom Carlos Azevedo, Delegado do Pontifício do Conselho para a Cultura, e preenchida por testemunhos de Dom Augusto César, Bispo Emérito de Portalegre e Castelo Branco e que foi Bispo de Tete, de Monsenhor Sebastião Brás, do cabido portucalense e sobrinho de Dom Sebastião, e do padre Joaquim Teles, que desenvolveu atividade pastoral em Moçambique. Depois, procede-se à colocação duma coroa de flores junto à estátua de Dom Sebastião Soares de Resende, situada no largo da Igreja de Milheirós de Poiares, e dá-se o descerramento da pintura a óleo de Dom Sebastião Soares de Resende, do pintor António Macedo.
A comemoração será finalizada com a celebração eucarística sob a presidência do Bispo do Porto, Dom António Francisco dos Santos.
Também a arquidiocese da Beira (antiga diocese da Beira) homenageia o seu primeiro bispo, como pode ler-se no jornal moçambicano “O País”:
Por ocasião da passagem dos 50 anos da morte do primeiro Bispo da Beira, Dom Sebastião Soares de Resende, a Igreja Católica na cidade da Beira iniciou neste domingo [dia 22 de janeiro] uma série de atividades com vista a imortalizar esta figura.
Dom Sebastião Soares de Resende perdeu a vida no dia 25 de janeiro de 1967, é considerado uma figura histórica e marcante para a comunidade católica, em Moçambique e no mundo inteiro. Dom Sebastião foi um grande defensor dos direitos dos homens e sobretudo da igualdade, independente[mente] da raça.
A Igreja Católica na Beira pretende com as celebrações da passagem de 50 anos de Dom Sebastião de Resende, que deverão terminar em Outubro deste ano, redescobrir esta figura que muito contribuiu para o bem-estar social em Moçambique.
“A sua boa visão vai iluminar também a nós a olharmos para frente, não só para os próximos meses ou anos, mas sim para a direção, rumo que o nosso povo deve ter. Ele tem propostas claras sobre o rumo que a nossa sociedade deve ter para poder crescer em Paz”, disse o Arcebispo da Beira, Dom Cláudio Dalla Zuanna.
Na Beira, as comemorações abrangem quase todo o ano de 2017, que lhe é formalmente dedicado.
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Este grande homem deixou expresso, no seu testamento, o seguinte:
“Agradeço a Deus, Trindade Santa”; “Peço perdão aos irmãos em Cristo e a todos os colaboradores e habitantes da Diocese, cristãos e não cristãos ”; “Quantos aos bens materiais, nada tenho a dispor, porque nada possuo”. “ Gostaria que em algum trajeto para a minha sepultura, os cristãos africanos pegassem no meu caixão ”. “O enterro deve ser simplicíssimo”. “ Gostaria que fosse sepultado em simples campa rasa para que seja mais calcado pelos visitantes ”. “Sobre a campa, uma pequena pedra por cima escrito, Dom Sebastião Soares de Resende primeiro Bispo da Beira ”.
“Aí ficarei e aí esperarei a ressurreição da carne para o juízo final ”.
(cfhttp://www.ucm.ac.mz/cms/node/1441, ac. 28.01.2017)
Lutou pelo Evangelho e pelo Homem, baniu o medo!

2017.01.28 – Louro de Carvalho