Natural
de Milheirós de Poiares, D. Sebastião Soares de Resende nasceu a 14 de junho de
1906 e faleceu a 25 de janeiro de 1967, no Paço Episcopal da cidade da Beira,
Moçambique.
O
mais novo de seis filhos recebeu, no leite materno, a fé cristã que o impeliria
à dignificação de seres humanos tão desprezados como os indígenas moçambicanos.
Na
adolescência, ainda foi levantada a hipótese de o pequeno se tornar barbeiro,
profissão a que estavam ligadas tarefas de agente de medicinas populares. Porém,
a influência do abade Serafim José dos Reis, pároco da freguesia falou mais
alto e Sebastião ingressou no seminário de Vilar no Porto, contra a vontade do
pai, onde fez os estudos preparatórios, após o que deu entrada no Seminário
Maior para cursar Teologia. Aluno sempre distinto, foi ordenado sacerdote aos
vinte e dois anos, a 21 de outubro de 1928.
Graças
à inteligência superior de que era dotado, foi enviado para Roma, onde se licenciou
em Teologia e se doutorou em Filosofia, na Pontifícia Universidade Gregoriana.
Fez também, em Bérgamo, o curso de Ciências Sociais. Terá sido nesta saída do
país que, de passagem pelo Santuário de Lurdes, se deixou tocar por uma
“inspiração interior” para tudo fazer “com ânimo cristão, mais eclesiástico”,
como confidenciava em carta ao padre Dias de Pinho, seu amigo e conterrâneo.
Terminada
a formação na Itália, em 1933, o doutor Sebastião é chamado para o ensino no
Seminário Maior do Porto. Um ano depois é nomeado vice-reitor. Em 1935 é feito,
com o futuro bispo Dom António Ferreira Gomes, cónego da Sé Catedral do Porto.
Segundo
o historiador Pedro Ramos Brandão, o interesse intelectual de Soares de Resende
centrava-se então nos estudos em torno da história teológica portuguesa e o
pensamento católico português. Era conhecido pelo seu tomismo inabalável, bom
suporte da Teologia, que ele considerava decadente em Portugal, dada a ausência
duma Faculdade de Teologia. A garra de investigador-estudioso levou-o a
travar-se de razões com alguns nomes da literatura nacional, designadamente Aquilino
Ribeiro, no suplemento “Letras e Artes” do diário católico Novidades.
O ponto de
partida da polémica com o aludido escritor beirão está na publicação por este,
em 1940, duma tradução do latim da obra de António de Gouveia Em prol de Aristóteles. Queixa-se
Sebastião Resende do mau tratamento da figura de Gouveia, que sai “apoucada” do
prefácio que Aquilino antepõe à tradução.
O autor do Malhadinhas responde, em carta ao
Diretor, que a escolástica decadente é que deve ser criticada e garante,
citando o seu próprio prefácio, que tem alta estima pela larga cultura de
António de Gouveia, considerando abstrusa e esterilizante a dialética da
escolástica decadente. Mais diz que aprecia o Organon de Aristóteles e defende-se de alguns dos termos utilizados
no seu prefácio como “Ponte dos asnos” em que diz estarem os estudantes de
teologia sentados sobre os calcanhares ou em fachas de palha. Diz que não é sua
a referência e que, se assim estavam os estudantes, era por não haver melhor.
Sebastião Resende contra-ataca e declara que o seu escopo era defender a
escolástica. Ponto por ponto argumenta acerca da razoabilidade da sua crítica
anterior, pondo em contradição o que Aquilino agora diz com o que está noutros
passos do prefácio. Aquilino vem, na semana seguinte, tecer novas considerações,
reafirmando que se referia à dialética decadente e que o Organon é “código assombroso” no método, mas é “disciplina formal,
engenhosa, mas estéril”, do ponto de vista pedagógico, “enquanto matéria levada
na Universidade de Paris até à exaustão”. E o que quer atingir é a “viciação
que sofreu nas escolas a lógica aristotélica”. No final, declara que teve “prazer
em travar conhecimento” com Sebastião Resende, “a cuja cortesia, agilidade
mental, ardor combativo, rendo preito cordial”. E o crítico professor do
Seminário do Porto vem a concluir a discussão, salientando o prazer intelectual
da discussão serena, da polémica orientada pela inteligência. Mas não deixa de
contestar uma afirmação de Aquilino que atribui a dita “viciação” a um gérmen
já presente na lógica de Aristóteles. Esta lógica, por ser mal usada, não passa
a ser má; outros, como reconhece o próprio Aquilino, usaram-na bem.
***
Em
1940, a Igreja Católica assina com o Estado a Concordata e o Acordo
Missionário, de que resultou a criação de novas dioceses no Ultramar. Moçambique
ficara reduzido a Prelazia (diocese única) desde 1783, tendo até aí vivido na dependência de Goa.
Entre as novas dioceses está a Beira, que se transformaria num estratégico
centro económico e social. Mas só 3 anos após a criação da diocese é que Pio
XII nomeia 1.º Bispo da Beira Sebastião Soares de Resende, então com 37 anos.
A
3 anos da inauguração da TAP, o Bispo, que fora ordenado na Sé do Porto por Dom
Agostinho de Jesus e Sousa, Bispo do Porto (coadjuvado por Dom António Antunes, bispo de Coimbra, e Dom Rafael
Maria da Assunção, bispo titular de Limira), vê-se obrigado a viajar ainda de navio até à
sua nova terra de (pro)missão, aonde chega a 30 de novembro de 1943. Ficou-lhe
na memória a brisa da tarde no foral do Macúti, após os cumprimentos formais ao
governador e ao presidente da Câmara da Beira. O professor reservado e austero
passa a bispo missionário, próximo e aberto à condição humana. Tem agora pela
frente 1 milhão e 700 mil pessoas. Os católicos nativos são pouco mais de 32
mil. Os europeus não chegam aos 4 mil.
Os
primeiros contactos no terreno impõem à consciência do prelado a opção por
condições exequíveis para fazer avançar um projeto evangelizador. Tornava-se imprescindível
recrutar mais braços. Da metrópole chegavam poucos e mal preparados, restando a
alternativa de menor agrado do governo: missionários estrangeiros. Os padres de
Burgos e os padres Brancos são os que respondem em maior número. A criação de
novas missões e estruturas de apoio (seminário, creches, escolas primárias, colégios,
hospitais, centro de formação de professores…) às populações era outra prioridade
pastoral. Cáustico, o Bispo deixou, no seu diário pessoal, recados à navegação:
“As autoridades
portuguesas querem o preto selvagem para continuar a ser animal de carga. Mas
as missões hão de ir, quer queiram quer não”.
A
escrita foi a arma de que se serviu. A um ritmo quase anual, Dom Sebastião
publicou 15 Cartas Pastorais – tormento para a polícia política e poderes
estabelecidos, mas também para membros do episcopado. Completaram as Cartas
Pastorais as intervenções na imprensa, sobretudo na Voz Africana e no Diário de
Moçambique (este criado por ele no Natal de 1950).
Não
lhe deu tréguas a PIDE, impondo, por três vezes, o encerramento do jornal (a polícia do regime, sobre
o bispo, recolheria nos seus arquivos um processo de 400 páginas). Um dos meios
utilizados para a evangelização foi ainda a Rádio
Pax, gerida pelos missionários franciscanos.
Um
dos investimentos maiores de Dom Sebastião dar-se-ia no setor do ensino e da educação.
Não suportaria por muito tempo o “ensino rudimentar”, de dois anos, destinado
às populações indígenas, tendo como disciplinas obrigatórias a Língua
Portuguesa e a História de Portugal. Salazar defendia que a “portugalização” se
faria assim. Porém, o Bispo da Beira preconizava uma “educação igual e geral
para todos, quer fossem indígenas ou europeus”. Para tanto, teve o prelado de
bater-se, não só contra o governo de Lisboa, mas também contra a hierarquia
católica. Foi com dificuldade que o Bispo da Beira conseguiu manter a diferença
entre ensino e catequização. A Igreja corria assim o risco de se transformar
numa extensão administrativa. O bispo reclamava que a instrução/ensino
aperfeiçoa o homem e a catequese forma o cristão. Foram, pois, muitos os
evangelizadores, sobretudo estrangeiros, que, recusando “portugalizar”, optaram
pela aprendizagem das línguas autóctones, com natural aplauso do bispo
missionário.
Todavia,
era o Estatuto do Indígena que mais
afligia o prelado. As relações laborais ditadas pelos brancos defendiam a tese
de que os negros estavam inexoravelmente destinados ao trabalho pesado nas
colónias. Na Beira, a escravatura morava no algodão. E o Bispo denuncia:
“Nós cá dentro continuamos
a vender pretos e a escravizá-los ao algodão, obrigando-os a fazer trabalhos
debaixo de pancadaria, e isto é incrível e espantoso”.
Adriano
Moreira terá sido o membro do governo de Salazar que melhor compreendeu as
angústias do Bispo. O antigo ministro das Colónias andaria de braço dado com Dom
Sebastião para a instauração do ensino técnico, politécnico e superior. Em
agosto de 1962, são criados os Estudos Gerais de Moçambique e de Angola,
integrados na universidade portuguesa.
O
Bispo da Beira tinha a convicção de que, num futuro próximo, aquela colónia do
Índico caminharia inevitavelmente para a autodeterminação e para a independência:
“Moçambique tem os seus
direitos e, uma vez que seja possível, deve tornar-se independente, com negros
e brancos a governar”.
O
contacto com figuras, como John Kennedy e o arcebispo Fulton Sheen, de Nova
Iorque, a quem solicitou apoio financeiro para as missões da diocese, deram-lhe
a certeza da marcha da História, pelo que lutava, sem tréguas, contra todas as
formas de exploração dos seres humanos.
***
Teve
ainda Dom Sebastião a dita de participar na preparação e na realização do
Concílio Vaticano II, sendo um dos bispos mais interventivos e incisivos. Sobre
o esquema “De Ecclesia”, insistiu na necessidade de tornar claro que os leigos
venham inseridos dentro do povo de Deus e sustenta que “o estado de perfeição
se identifica com o estado da vida cristã”, pelo que preferia a expressão “estado
religioso”, para não contradizer o “chamamento universal à santidade”. Sobre “dioceses e províncias eclesiásticas”,
considerava dever ser apenas pastoral o critério para a delimitação dos
territórios, sendo multiplamente perigosos os critérios nacionais, sociais,
económicos. Queria evitar o “racismo espiritual” e promover a possibilidade de
o bispo conhecer bem o seu rebanho. No respeitante ao esquema do “apostolado dos leigos”, sugeria que o parágrafo
I tivesse como título “formas de participação dos leigos na missão da Igreja” e
pedia que se explicitasse melhor o fundamento doutrinal do princípio segundo o
qual a vocação cristã é vocação ao apostolado. Sobre a Igreja no mundo contemporâneo (“De Ecclesia in mundo hujus temporis”), salientou três aspetos: a doutrina
social da Igreja não pode ficar no papel, mas concorrer com auxílio e
colaboração concreta para as questões sociais e económicas; os leigos devem ser
formados nas questões políticas a fim de poderem, como cidadãos conscientes,
cumprir a sua missão; não basta uma Igreja dos pobres, mas é necessária uma
Igreja pobre, no espírito evangélico (em palavras e obras), porque será a nota de maior credibilidade para revelar o
rosto de Cristo ao mundo. E, na última sessão do Concílio, sobre a “dignidade da pessoa humana”, apelou a
que o Concílio tomasse uma posição firme e solene declarando que todos os homens não só são iguais, mas são
irmãos. Sobre as missões, destaca a valorização da urgência da ação social.
E, no atinente ao “ministério e vida dos presbíteros”, sustenta que o presbítero
gera comunidade e que o padre religioso é mais sacerdote da Igreja e do Bispo
que do seu Instituto.
– cf Carlos Azevedo, Perfil Biográfico
de D. Sebastião Soares de Resende, LUSITANIA SACRA, V série, 6 (1994).
***
Estão
em curso, neste mês de janeiro, duas grandes homenagens ao 1.º Bispo da Beira.
A
paróquia de Milheirós de Poiares (Diocese do Porto) está a homenagear Dom Sebastião Soares
de Resende, nos 50 anos da sua morte. O dia 25, o do falecimento do ilustre
prelado, foi assinalado com a celebração de missa solene na igreja matriz
presidida por dom António Augusto Azevedo, Bispo Auxiliar do Porto.
Mas
a comemoração oficial decorre hoje, dia 28. A sessão comemorativa é orientada
por Dom Carlos Azevedo, Delegado do Pontifício do Conselho para a Cultura, e
preenchida por testemunhos de Dom Augusto César, Bispo Emérito de Portalegre e
Castelo Branco e que foi Bispo de Tete, de Monsenhor Sebastião Brás, do cabido
portucalense e sobrinho de Dom Sebastião, e do padre Joaquim Teles, que
desenvolveu atividade pastoral em Moçambique. Depois, procede-se à colocação duma
coroa de flores junto à estátua de Dom Sebastião Soares de Resende, situada no
largo da Igreja de Milheirós de Poiares, e dá-se o descerramento da pintura a
óleo de Dom Sebastião Soares de Resende, do pintor António Macedo.
A
comemoração será finalizada com a celebração eucarística sob a presidência do
Bispo do Porto, Dom António Francisco dos Santos.
Também
a arquidiocese da Beira (antiga diocese da Beira) homenageia o seu primeiro bispo, como pode
ler-se no jornal moçambicano “O País”:
Por ocasião da passagem dos 50 anos da morte do primeiro Bispo da Beira,
Dom Sebastião Soares de Resende, a Igreja Católica na cidade da Beira iniciou
neste domingo [dia 22 de janeiro] uma série de atividades com vista a
imortalizar esta figura.
Dom Sebastião Soares de Resende perdeu a vida no dia 25 de janeiro de 1967,
é considerado uma figura histórica e marcante para a comunidade católica, em
Moçambique e no mundo inteiro. Dom Sebastião foi um grande defensor dos
direitos dos homens e sobretudo da igualdade, independente[mente] da raça.
A Igreja Católica na Beira pretende com as celebrações da passagem de 50
anos de Dom Sebastião de Resende, que deverão terminar em Outubro deste ano,
redescobrir esta figura que muito contribuiu para o bem-estar social em
Moçambique.
“A sua boa visão vai iluminar também a nós a olharmos para frente, não só
para os próximos meses ou anos, mas sim para a direção, rumo que o nosso povo
deve ter. Ele tem propostas claras sobre o rumo que a nossa sociedade deve ter
para poder crescer em Paz”, disse o Arcebispo da Beira, Dom Cláudio Dalla
Zuanna.
Na Beira, as
comemorações abrangem quase todo o ano de 2017, que lhe é formalmente dedicado.
***
Este grande
homem deixou expresso, no seu testamento, o seguinte:
“Agradeço a Deus, Trindade Santa”; “Peço perdão aos
irmãos em Cristo e a todos os colaboradores e habitantes da Diocese, cristãos e
não cristãos ”; “Quantos aos bens materiais, nada tenho a dispor, porque nada
possuo”. “ Gostaria que em algum trajeto para a minha sepultura, os cristãos
africanos pegassem no meu caixão ”. “O enterro deve ser simplicíssimo”. “
Gostaria que fosse sepultado em simples campa rasa para que seja mais calcado
pelos visitantes ”. “Sobre a campa, uma pequena pedra por cima escrito, Dom
Sebastião Soares de Resende primeiro Bispo da Beira ”.
“Aí ficarei e aí esperarei a ressurreição da carne
para o juízo final ”.
(cfhttp://www.ucm.ac.mz/cms/node/1441,
ac. 28.01.2017)
Lutou pelo Evangelho e pelo
Homem, baniu o medo!
2017.01.28 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário