sábado, 28 de janeiro de 2017

No cinquentenário do falecimento do 1.º Bispo da Beira (sem medo)

Natural de Milheirós de Poiares, D. Sebastião Soares de Resende nasceu a 14 de junho de 1906 e faleceu a 25 de janeiro de 1967, no Paço Episcopal da cidade da Beira, Moçambique.
O mais novo de seis filhos recebeu, no leite materno, a fé cristã que o impeliria à dignificação de seres humanos tão desprezados como os indígenas moçambicanos.
Na adolescência, ainda foi levantada a hipótese de o pequeno se tornar barbeiro, profissão a que estavam ligadas tarefas de agente de medicinas populares. Porém, a influência do abade Serafim José dos Reis, pároco da freguesia falou mais alto e Sebastião ingressou no seminário de Vilar no Porto, contra a vontade do pai, onde fez os estudos preparatórios, após o que deu entrada no Seminário Maior para cursar Teologia. Aluno sempre distinto, foi ordenado sacerdote aos vinte e dois anos, a 21 de outubro de 1928.
Graças à inteligência superior de que era dotado, foi enviado para Roma, onde se licenciou em Teologia e se doutorou em Filosofia, na Pontifícia Universidade Gregoriana. Fez também, em Bérgamo, o curso de Ciências Sociais. Terá sido nesta saída do país que, de passagem pelo Santuário de Lurdes, se deixou tocar por uma “inspiração interior” para tudo fazer “com ânimo cristão, mais eclesiástico”, como confidenciava em carta ao padre Dias de Pinho, seu amigo e conterrâneo.
Terminada a formação na Itália, em 1933, o doutor Sebastião é chamado para o ensino no Seminário Maior do Porto. Um ano depois é nomeado vice-reitor. Em 1935 é feito, com o futuro bispo Dom António Ferreira Gomes, cónego da Sé Catedral do Porto.
Segundo o historiador Pedro Ramos Brandão, o interesse intelectual de Soares de Resende centrava-se então nos estudos em torno da história teológica portuguesa e o pensamento católico português. Era conhecido pelo seu tomismo inabalável, bom suporte da Teologia, que ele considerava decadente em Portugal, dada a ausência duma Faculdade de Teologia. A garra de investigador-estudioso levou-o a travar-se de razões com alguns nomes da literatura nacional, designadamente Aquilino Ribeiro, no suplemento “Letras e Artes” do diário católico Novidades.
O ponto de partida da polémica com o aludido escritor beirão está na publicação por este, em 1940, duma tradução do latim da obra de António de Gouveia Em prol de Aristóteles. Queixa-se Sebastião Resende do mau tratamento da figura de Gouveia, que sai “apoucada” do prefácio que Aquilino antepõe à tradução.
O autor do Malhadinhas responde, em carta ao Diretor, que a escolástica decadente é que deve ser criticada e garante, citando o seu próprio prefácio, que tem alta estima pela larga cultura de António de Gouveia, considerando abstrusa e esterilizante a dialética da escolástica decadente. Mais diz que aprecia o Organon de Aristóteles e defende-se de alguns dos termos utilizados no seu prefácio como “Ponte dos asnos” em que diz estarem os estudantes de teologia sentados sobre os calcanhares ou em fachas de palha. Diz que não é sua a referência e que, se assim estavam os estudantes, era por não haver melhor. Sebastião Resende contra-ataca e declara que o seu escopo era defender a escolástica. Ponto por ponto argumenta acerca da razoabilidade da sua crítica anterior, pondo em contradição o que Aquilino agora diz com o que está noutros passos do prefácio. Aquilino vem, na semana seguinte, tecer novas considerações, reafirmando que se referia à dialética decadente e que o Organon é “código assombroso” no método, mas é “disciplina formal, engenhosa, mas estéril”, do ponto de vista pedagógico, “enquanto matéria levada na Universidade de Paris até à exaustão”. E o que quer atingir é a “viciação que sofreu nas escolas a lógica aristotélica”. No final, declara que teve “prazer em travar conhecimento” com Sebastião Resende, “a cuja cortesia, agilidade mental, ardor combativo, rendo preito cordial”. E o crítico professor do Seminário do Porto vem a concluir a discussão, salientando o prazer intelectual da discussão serena, da polémica orientada pela inteligência. Mas não deixa de contestar uma afirmação de Aquilino que atribui a dita “viciação” a um gérmen já presente na lógica de Aristóteles. Esta lógica, por ser mal usada, não passa a ser má; outros, como reconhece o próprio Aquilino, usaram-na bem.
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Em 1940, a Igreja Católica assina com o Estado a Concordata e o Acordo Missionário, de que resultou a criação de novas dioceses no Ultramar. Moçambique ficara reduzido a Prelazia (diocese única) desde 1783, tendo até aí vivido na dependência de Goa. Entre as novas dioceses está a Beira, que se transformaria num estratégico centro económico e social. Mas só 3 anos após a criação da diocese é que Pio XII nomeia 1.º Bispo da Beira Sebastião Soares de Resende, então com 37 anos.
A 3 anos da inauguração da TAP, o Bispo, que fora ordenado na Sé do Porto por Dom Agostinho de Jesus e Sousa, Bispo do Porto (coadjuvado por Dom António Antunes, bispo de Coimbra, e Dom Rafael Maria da Assunção, bispo titular de Limira), vê-se obrigado a viajar ainda de navio até à sua nova terra de (pro)missão, aonde chega a 30 de novembro de 1943. Ficou-lhe na memória a brisa da tarde no foral do Macúti, após os cumprimentos formais ao governador e ao presidente da Câmara da Beira. O professor reservado e austero passa a bispo missionário, próximo e aberto à condição humana. Tem agora pela frente 1 milhão e 700 mil pessoas. Os católicos nativos são pouco mais de 32 mil. Os europeus não chegam aos 4 mil.
Os primeiros contactos no terreno impõem à consciência do prelado a opção por condições exequíveis para fazer avançar um projeto evangelizador. Tornava-se imprescindível recrutar mais braços. Da metrópole chegavam poucos e mal preparados, restando a alternativa de menor agrado do governo: missionários estrangeiros. Os padres de Burgos e os padres Brancos são os que respondem em maior número. A criação de novas missões e estruturas de apoio (seminário, creches, escolas primárias, colégios, hospitais, centro de formação de professores…) às populações era outra prioridade pastoral. Cáustico, o Bispo deixou, no seu diário pessoal, recados à navegação:
“As autoridades portuguesas querem o preto selvagem para continuar a ser animal de carga. Mas as missões hão de ir, quer queiram quer não”.
A escrita foi a arma de que se serviu. A um ritmo quase anual, Dom Sebastião publicou 15 Cartas Pastorais – tormento para a polícia política e poderes estabelecidos, mas também para membros do episcopado. Completaram as Cartas Pastorais as intervenções na imprensa, sobretudo na Voz Africana e no Diário de Moçambique (este criado por ele no Natal de 1950).
Não lhe deu tréguas a PIDE, impondo, por três vezes, o encerramento do jornal (a polícia do regime, sobre o bispo, recolheria nos seus arquivos um processo de 400 páginas). Um dos meios utilizados para a evangelização foi ainda a Rádio Pax, gerida pelos missionários franciscanos.
Um dos investimentos maiores de Dom Sebastião dar-se-ia no setor do ensino e da educação. Não suportaria por muito tempo o “ensino rudimentar”, de dois anos, destinado às populações indígenas, tendo como disciplinas obrigatórias a Língua Portuguesa e a História de Portugal. Salazar defendia que a “portugalização” se faria assim. Porém, o Bispo da Beira preconizava uma “educação igual e geral para todos, quer fossem indígenas ou europeus”. Para tanto, teve o prelado de bater-se, não só contra o governo de Lisboa, mas também contra a hierarquia católica. Foi com dificuldade que o Bispo da Beira conseguiu manter a diferença entre ensino e catequização. A Igreja corria assim o risco de se transformar numa extensão administrativa. O bispo reclamava que a instrução/ensino aperfeiçoa o homem e a catequese forma o cristão. Foram, pois, muitos os evangelizadores, sobretudo estrangeiros, que, recusando “portugalizar”, optaram pela aprendizagem das línguas autóctones, com natural aplauso do bispo missionário.
Todavia, era o Estatuto do Indígena que mais afligia o prelado. As relações laborais ditadas pelos brancos defendiam a tese de que os negros estavam inexoravelmente destinados ao trabalho pesado nas colónias. Na Beira, a escravatura morava no algodão. E o Bispo denuncia:
“Nós cá dentro continuamos a vender pretos e a escravizá-los ao algodão, obrigando-os a fazer trabalhos debaixo de pancadaria, e isto é incrível e espantoso”.
Adriano Moreira terá sido o membro do governo de Salazar que melhor compreendeu as angústias do Bispo. O antigo ministro das Colónias andaria de braço dado com Dom Sebastião para a instauração do ensino técnico, politécnico e superior. Em agosto de 1962, são criados os Estudos Gerais de Moçambique e de Angola, integrados na universidade portuguesa.
O Bispo da Beira tinha a convicção de que, num futuro próximo, aquela colónia do Índico caminharia inevitavelmente para a autodeterminação e para a independência:
“Moçambique tem os seus direitos e, uma vez que seja possível, deve tornar-se independente, com negros e brancos a governar”.
O contacto com figuras, como John Kennedy e o arcebispo Fulton Sheen, de Nova Iorque, a quem solicitou apoio financeiro para as missões da diocese, deram-lhe a certeza da marcha da História, pelo que lutava, sem tréguas, contra todas as formas de exploração dos seres humanos.
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Teve ainda Dom Sebastião a dita de participar na preparação e na realização do Concílio Vaticano II, sendo um dos bispos mais interventivos e incisivos. Sobre o esquema “De Ecclesia”, insistiu na necessidade de tornar claro que os leigos venham inseridos dentro do povo de Deus e sustenta que “o estado de perfeição se identifica com o estado da vida cristã”, pelo que preferia a expressão “estado religioso”, para não contradizer o “chamamento universal à santidade”. Sobre “dioceses e províncias eclesiásticas”, considerava dever ser apenas pastoral o critério para a delimitação dos territórios, sendo multiplamente perigosos os critérios nacionais, sociais, económicos. Queria evitar o “racismo espiritual” e promover a possibilidade de o bispo conhecer bem o seu rebanho. No respeitante ao esquema do “apostolado dos leigos”, sugeria que o parágrafo I tivesse como título “formas de participação dos leigos na missão da Igreja” e pedia que se explicitasse melhor o fundamento doutrinal do princípio segundo o qual a vocação cristã é vocação ao apostolado. Sobre a Igreja no mundo contemporâneo (“De Ecclesia in mundo hujus temporis”), salientou três aspetos: a doutrina social da Igreja não pode ficar no papel, mas concorrer com auxílio e colaboração concreta para as questões sociais e económicas; os leigos devem ser formados nas questões políticas a fim de poderem, como cidadãos conscientes, cumprir a sua missão; não basta uma Igreja dos pobres, mas é necessária uma Igreja pobre, no espírito evangélico (em palavras e obras), porque será a nota de maior credibilidade para revelar o rosto de Cristo ao mundo. E, na última sessão do Concílio, sobre a “dignidade da pessoa humana”, apelou a que o Concílio tomasse uma posição firme e solene declarando que todos os homens não só são iguais, mas são irmãos. Sobre as missões, destaca a valorização da urgência da ação social. E, no atinente ao “ministério e vida dos presbíteros”, sustenta que o presbítero gera comunidade e que o padre religioso é mais sacerdote da Igreja e do Bispo que do seu Instituto.
– cf Carlos Azevedo, Perfil Biográfico de D. Sebastião Soares de Resende, LUSITANIA SACRA, V série, 6 (1994).  
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Estão em curso, neste mês de janeiro, duas grandes homenagens ao 1.º Bispo da Beira.
A paróquia de Milheirós de Poiares (Diocese do Porto) está a homenagear Dom Sebastião Soares de Resende, nos 50 anos da sua morte. O dia 25, o do falecimento do ilustre prelado, foi assinalado com a celebração de missa solene na igreja matriz presidida por dom António Augusto Azevedo, Bispo Auxiliar do Porto.
Mas a comemoração oficial decorre hoje, dia 28. A sessão comemorativa é orientada por Dom Carlos Azevedo, Delegado do Pontifício do Conselho para a Cultura, e preenchida por testemunhos de Dom Augusto César, Bispo Emérito de Portalegre e Castelo Branco e que foi Bispo de Tete, de Monsenhor Sebastião Brás, do cabido portucalense e sobrinho de Dom Sebastião, e do padre Joaquim Teles, que desenvolveu atividade pastoral em Moçambique. Depois, procede-se à colocação duma coroa de flores junto à estátua de Dom Sebastião Soares de Resende, situada no largo da Igreja de Milheirós de Poiares, e dá-se o descerramento da pintura a óleo de Dom Sebastião Soares de Resende, do pintor António Macedo.
A comemoração será finalizada com a celebração eucarística sob a presidência do Bispo do Porto, Dom António Francisco dos Santos.
Também a arquidiocese da Beira (antiga diocese da Beira) homenageia o seu primeiro bispo, como pode ler-se no jornal moçambicano “O País”:
Por ocasião da passagem dos 50 anos da morte do primeiro Bispo da Beira, Dom Sebastião Soares de Resende, a Igreja Católica na cidade da Beira iniciou neste domingo [dia 22 de janeiro] uma série de atividades com vista a imortalizar esta figura.
Dom Sebastião Soares de Resende perdeu a vida no dia 25 de janeiro de 1967, é considerado uma figura histórica e marcante para a comunidade católica, em Moçambique e no mundo inteiro. Dom Sebastião foi um grande defensor dos direitos dos homens e sobretudo da igualdade, independente[mente] da raça.
A Igreja Católica na Beira pretende com as celebrações da passagem de 50 anos de Dom Sebastião de Resende, que deverão terminar em Outubro deste ano, redescobrir esta figura que muito contribuiu para o bem-estar social em Moçambique.
“A sua boa visão vai iluminar também a nós a olharmos para frente, não só para os próximos meses ou anos, mas sim para a direção, rumo que o nosso povo deve ter. Ele tem propostas claras sobre o rumo que a nossa sociedade deve ter para poder crescer em Paz”, disse o Arcebispo da Beira, Dom Cláudio Dalla Zuanna.
Na Beira, as comemorações abrangem quase todo o ano de 2017, que lhe é formalmente dedicado.
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Este grande homem deixou expresso, no seu testamento, o seguinte:
“Agradeço a Deus, Trindade Santa”; “Peço perdão aos irmãos em Cristo e a todos os colaboradores e habitantes da Diocese, cristãos e não cristãos ”; “Quantos aos bens materiais, nada tenho a dispor, porque nada possuo”. “ Gostaria que em algum trajeto para a minha sepultura, os cristãos africanos pegassem no meu caixão ”. “O enterro deve ser simplicíssimo”. “ Gostaria que fosse sepultado em simples campa rasa para que seja mais calcado pelos visitantes ”. “Sobre a campa, uma pequena pedra por cima escrito, Dom Sebastião Soares de Resende primeiro Bispo da Beira ”.
“Aí ficarei e aí esperarei a ressurreição da carne para o juízo final ”.
(cfhttp://www.ucm.ac.mz/cms/node/1441, ac. 28.01.2017)
Lutou pelo Evangelho e pelo Homem, baniu o medo!

2017.01.28 – Louro de Carvalho

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