O
Expresso de hoje, dia 14 de janeiro,
publica um texto de Ângela Silva sobre as “Atribulações
do 1.º funeral de Estado pós-25 de abril”.
Na
verdade, desde 1951, não tinha falecido nenhum Presidente da República no exercício
de funções e os demais que exerceram a função de Chefe de Estado faleceram em circunstâncias
específicas: Craveiro Lopes já não estava nas boas graças do Estado Novo;
Américo Tomás tinha sido destituído pela revolução abrilina e expulso das
forças armadas, não tendo sido reintegrado em vida; e os marechais António de Spínola
e Francisco da Costa Gomes foram Chefes de Estado não eleitos, mas designados
pela então Junta de Salvação Nacional.
Seja
como for, já estamos bem distantes da inauguração da III República. E havia que
prever com muito mais antecedência situações destas, visto que as pessoas não
são eternas. Um presidente pode morrer no exercício e os ex-presidentes morrem
a seu tempo. Tratando-se de figuras cimeiras do Estado, devem ser tratadas como
tais. De resto, nem se percebe por que motivo os presidentes não eleitos, mas
que desempenharam o cargo em circunstâncias particularmente difíceis e sensíveis,
não haviam de ter funerais de Estado.
Se
o Estado não prestigia as suas instituições e figuras cimeiras, como quer
dar-se ao respeito dos cidadãos? Ora, o primeiro Chefe de Estado eleito foi-o
em 1976, há mais de 40 anos.
Ora,
tanto quanto o Expresso refere, “quando
Mário Soares foi internado a 13 de dezembro, o que havia sobre funerais de
ex-Presidentes da República era um estudo no âmbito do protocolo de Estado que
Marcelo Rebelo de Sousa tinha encomendado em abril”. Por outro lado, havia um
estudo, encomendado por Cavaco Silva, “sobre funerais de Presidentes em funções”.
Mas tudo vago e impreciso.
É
perguntar que anda a fazer o protocolo do Estado, a Casa Civil do Presidente da
República e os serviços da Assembleia da República?
***
Porém,
a principal crítica que me ocorre da leitura do artigo do predito semanário diz
respeito à questão da escolha do local.
Não
é o local em si. Para mim, qualquer um dos espaços que estiveram na mesa da
discussão eram excelentes pela simbologia política e de Estado. Além disso,
devo reconhecer que a escolha do Mosteiro dos Jerónimos foi indubitavelmente a melhor
escolha, talvez não só por ter sido o local escolhido por Mário Soares para a
assinatura do tratado de adesão à CEE, mas sobretudo por se tratar do monumento
que simboliza o Portugal da época moderna da História e o Portugal da expansão
em cuja diáspora se perpetuam os seus filhos a partir das raízes continentais
europeias. E á um espaço que não fica atrás dos espaços emblemáticos das outras
nações.
Então
em que se centra a minha crítica? É exatamente neste segmento discursivo proferido
a propósito da dificuldade em centrar as cerimónias fúnebres na Assembleia da República:
“… e não tendo Ramalho Eanes nem Cavaco
Silva sido deputados, alguém achou melhor caminhar para uma solução mais geral”.
Entendo
que foi boa solução ter abandonado a hipótese do Palácio de São Bento por
motivos funcionais, mas não por motivos protocolares. Aliás, são frequentes as
quebras de protocolo quando o calor da multidão ou os factos significativos
avultam.
Ramalho
Eanes e Cavaco Silva não foram deputados – dizem. De facto, Ramalho Eanes não o
foi. De Cavaco tal não se poderá dizer tout
court. Integrou a lista de candidatos pela AD em 1980 e foi eleito
deputado, mas era ministro da Finanças e do Plano do Governo de Sá Carneiro. Com
a nomeação de Francisco Pinto Balsemão como Primeiro-Ministro em consequência da
morte de Francisco Sá Carneiro, recusou continuar como membro do Governo e
assumiu o lugar de deputado, embora tenha vindo a renunciar em virtude da
eleição parlamentar para Presidente do Conselho Nacional do Plano.
De
qualquer modo, alegar que Ramalho Eanes e Cavaco Silva não foram deputados não
passa de preciosismo ou prurido puritanista protocolar. Antes de mais, a homenagem
não era para estes dois, não havendo lugar a que se vedasse a entrada de não
deputados nas instalações da Assembleia da República para este tipo de
cerimónias de enorme impacto público.
Se
me dizem que agora se estava a preparar legislação para futuro, das duas, uma:
ou o local das exéquias de Estado não deveria ser vinculativo (o
escolhido para Soares não tinha necessariamente de ser o mesmo que para outros Chefes
de Estado e demais figuras com honras de Estado); ou há que pensar a sério na simbologia da Casa da
Democracia.
Quanto
a esta última hipótese, é preciso recordar que a Assembleia da República (AR) não se limita a homenagear
personalidades que tenham sido deputados. Aliás, a AR testemunha a posse do Presidente
da República, assiste à leitura de suas mensagens, recebe-o em dias da Nação
como no dia 25 de abril. E têm lá sido recebidas personalidades estrangeiras e
mesmo o rei Felipe VI de Espanha, que não são deputados. Mas a AR é a casa da
democracia, o espaço privilegiado do poder, o local da representação popular, o
que melhor simboliza a República.
***
Em
relação ao local escolhido para as cerimónias de funeral de Estado, parece que o
Mosteiro dos Jerónimos tanto quadra a personalidades políticas católicas como
Ramalho Eanes, Cavaco Silva e, quando Deus quiser, Marcelo Rebelo de Sousa –
pois, tem a igreja, a sala dos azulejos e os claustros e um enorme espaço
frontal a céu aberto à beira-Tejo – como para outros como Jorge Sampaio, tal
como serviu para Soares.
Perante
as altas figuras do Estado, é pertinente o protocolo não se perder em
bizantinices, mas procurar a segurança, a dignidade e o brilho que o Estado
merece, bem como as figuras públicas que homenageia.
2017.01.14 – Louro de Carvalho
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