sábado, 14 de janeiro de 2017

Pruridos de protocolo

O Expresso de hoje, dia 14 de janeiro, publica um texto de Ângela Silva sobre as “Atribulações do 1.º funeral de Estado pós-25 de abril”.
Na verdade, desde 1951, não tinha falecido nenhum Presidente da República no exercício de funções e os demais que exerceram a função de Chefe de Estado faleceram em circunstâncias específicas: Craveiro Lopes já não estava nas boas graças do Estado Novo; Américo Tomás tinha sido destituído pela revolução abrilina e expulso das forças armadas, não tendo sido reintegrado em vida; e os marechais António de Spínola e Francisco da Costa Gomes foram Chefes de Estado não eleitos, mas designados pela então Junta de Salvação Nacional.
Seja como for, já estamos bem distantes da inauguração da III República. E havia que prever com muito mais antecedência situações destas, visto que as pessoas não são eternas. Um presidente pode morrer no exercício e os ex-presidentes morrem a seu tempo. Tratando-se de figuras cimeiras do Estado, devem ser tratadas como tais. De resto, nem se percebe por que motivo os presidentes não eleitos, mas que desempenharam o cargo em circunstâncias particularmente difíceis e sensíveis, não haviam de ter funerais de Estado.
Se o Estado não prestigia as suas instituições e figuras cimeiras, como quer dar-se ao respeito dos cidadãos? Ora, o primeiro Chefe de Estado eleito foi-o em 1976, há mais de 40 anos.
Ora, tanto quanto o Expresso refere, “quando Mário Soares foi internado a 13 de dezembro, o que havia sobre funerais de ex-Presidentes da República era um estudo no âmbito do protocolo de Estado que Marcelo Rebelo de Sousa tinha encomendado em abril”. Por outro lado, havia um estudo, encomendado por Cavaco Silva, “sobre funerais de Presidentes em funções”. Mas tudo vago e impreciso.
É perguntar que anda a fazer o protocolo do Estado, a Casa Civil do Presidente da República e os serviços da Assembleia da República?
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Porém, a principal crítica que me ocorre da leitura do artigo do predito semanário diz respeito à questão da escolha do local.
Não é o local em si. Para mim, qualquer um dos espaços que estiveram na mesa da discussão eram excelentes pela simbologia política e de Estado. Além disso, devo reconhecer que a escolha do Mosteiro dos Jerónimos foi indubitavelmente a melhor escolha, talvez não só por ter sido o local escolhido por Mário Soares para a assinatura do tratado de adesão à CEE, mas sobretudo por se tratar do monumento que simboliza o Portugal da época moderna da História e o Portugal da expansão em cuja diáspora se perpetuam os seus filhos a partir das raízes continentais europeias. E á um espaço que não fica atrás dos espaços emblemáticos das outras nações.
Então em que se centra a minha crítica? É exatamente neste segmento discursivo proferido a propósito da dificuldade em centrar as cerimónias fúnebres na Assembleia da República: “… e não tendo Ramalho Eanes nem Cavaco Silva sido deputados, alguém achou melhor caminhar para uma solução mais geral”.
Entendo que foi boa solução ter abandonado a hipótese do Palácio de São Bento por motivos funcionais, mas não por motivos protocolares. Aliás, são frequentes as quebras de protocolo quando o calor da multidão ou os factos significativos avultam.
Ramalho Eanes e Cavaco Silva não foram deputados – dizem. De facto, Ramalho Eanes não o foi. De Cavaco tal não se poderá dizer tout court. Integrou a lista de candidatos pela AD em 1980 e foi eleito deputado, mas era ministro da Finanças e do Plano do Governo de Sá Carneiro. Com a nomeação de Francisco Pinto Balsemão como Primeiro-Ministro em consequência da morte de Francisco Sá Carneiro, recusou continuar como membro do Governo e assumiu o lugar de deputado, embora tenha vindo a renunciar em virtude da eleição parlamentar para Presidente do Conselho Nacional do Plano.
De qualquer modo, alegar que Ramalho Eanes e Cavaco Silva não foram deputados não passa de preciosismo ou prurido puritanista protocolar. Antes de mais, a homenagem não era para estes dois, não havendo lugar a que se vedasse a entrada de não deputados nas instalações da Assembleia da República para este tipo de cerimónias de enorme impacto público.
Se me dizem que agora se estava a preparar legislação para futuro, das duas, uma: ou o local das exéquias de Estado não deveria ser vinculativo (o escolhido para Soares não tinha necessariamente de ser o mesmo que para outros Chefes de Estado e demais figuras com honras de Estado); ou há que pensar a sério na simbologia da Casa da Democracia.
Quanto a esta última hipótese, é preciso recordar que a Assembleia da República (AR) não se limita a homenagear personalidades que tenham sido deputados. Aliás, a AR testemunha a posse do Presidente da República, assiste à leitura de suas mensagens, recebe-o em dias da Nação como no dia 25 de abril. E têm lá sido recebidas personalidades estrangeiras e mesmo o rei Felipe VI de Espanha, que não são deputados. Mas a AR é a casa da democracia, o espaço privilegiado do poder, o local da representação popular, o que melhor simboliza a República.
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Em relação ao local escolhido para as cerimónias de funeral de Estado, parece que o Mosteiro dos Jerónimos tanto quadra a personalidades políticas católicas como Ramalho Eanes, Cavaco Silva e, quando Deus quiser, Marcelo Rebelo de Sousa – pois, tem a igreja, a sala dos azulejos e os claustros e um enorme espaço frontal a céu aberto à beira-Tejo – como para outros como Jorge Sampaio, tal como serviu para Soares.
Perante as altas figuras do Estado, é pertinente o protocolo não se perder em bizantinices, mas procurar a segurança, a dignidade e o brilho que o Estado merece, bem como as figuras públicas que homenageia.

2017.01.14 – Louro de Carvalho

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