sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Um dia para recordar as vítimas do holocausto

O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto é celebrado em 27 de janeiro por força da resolução n.º 60/7, de 1 de novembro de 2005, da Organização das Nações Unidas, que o instituiu. A sua comemoração tem como objetivo lembrar a data de 27 de janeiro de 1945 – já lá vão 72 anos – quando as forças militares aliadas libertaram as pessoas que estavam no maior campo de concentração do regime nazista em Auschwitz-Birkenau, na Polónia.
É um dia de lembrança dos milhões de vítimas provocadas pelo genocídio da Alemanha nazi sobre os judeus, ciganos, homossexuais, entre outros, ocorrido durante a II Guerra Mundial. Nele decorrem cerimónias de homenagem a pessoas falecidas no Holocausto.
A origem do Holocausto está no pensamento racista do regime nazista, que preconizava a superioridade da raça ariana, que não poderia misturar-se com outras raças e considerava os judeus e outras minorias vulneráveis como negros e homossexuais, como inimigos a eliminar, para que houvesse apenas uma raça superior – no que era acompanhado pelo regime fascista, que tinha os judeus como inferiores por motivo de caraterísticas biológicas.
A consolidação desse pensamento, sobretudo na vertente do antissemitismo, gerou o extermínio de milhões de judeus, pelo regime nazista, durante a II Guerra Mundial em toda a Europa. Esse extermínio aconteceu de diversas formas, sendo que uma das mais comuns era o envio dos judeus e grupos de minorias, inclusive crianças, para os campos de concentração, onde eram torturados, humilhados e, por fim, exterminados por diversos tipos de atrocidades. Utilizando técnicas ditas científicas, os nazistas executaram o plano de purificação das raças, levando os judeus para campos de concentração, onde os mesmos, após grande sofrimento, eram assassinados, na grande maioria por câmara de gás, onde eram amontoados e presos dentro duma sala fechada, até que fosse libertado um tipo de gás fatal. Noutros casos, a morte acontecia por fuzilamento. Após o extermínio os corpos eram cremados em fornos crematórios e, nalguns casos, em crematórios ao ar livre.

Um dos maiores campos de concentração era o de Auschwitz-Birkenau, na Polónia, onde se tem o registo de que em apenas 3 dias morreram mais de 22 mil judeus. A estratégia nazista contabilizou cerca de 6 milhões de mortos em campos de concentração, além dos mortos em cidades controladas por nazistas ou que nem chegavam aos ditos campos de concentração. 

Só uma supina ignorância histórica ou contumaz cegueira ideológica podem justificar a negação do holocausto ou a sua subvalorização. A este respeito, Elie Wiesel, sobrevivente do Holocausto e prémio Nobel da Paz em 1986, adverte que “esquecer o Holocausto é matar duas vezes”.
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O Governo português assinala hoje a efeméride, associando-se plenamente às cerimónias de homenagem às vítimas do Holocausto que, nesta data histórica, têm lugar em Auschwitz-Birkenau e em todo o Mundo.

Já em 27 de janeiro de 2016, em comunicado divulgado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Governo, prestava “homenagem às vítimas do extermínio nazi e reiterava o imperativo de manter viva a memória do Holocausto”. E fazia-o enquanto líder político de um país signatário e membro observador da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, assumindo “o compromisso de não deixar esquecer este episódio sombrio da História” e reafirmando “a importância de promover a educação sobre este episódio tenebroso, confiante de que, ao fazê-lo, está a contribuir ativamente para impedir que se repita. É o princípio “recordar para não repetir”.

Ao assinalar o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, o Governo reiterava a prioridade a dar à educação e à luta contra o ódio, a intolerância, o preconceito, a discriminação e o racismo, que levaram ao genocídio de milhões de seres humanos. Evocar o Holocausto e promover a educação das gerações vindouras sobre este terrível episódio é, pois, dever fundamental a que o Governo se associa plenamente. Ao mesmo tempo, o Governo evocava a memória daqueles que impediram o extermínio de milhares de pessoas perseguidas pelo nazismo. Entre eles, mencionava Aristides de Sousa Mendes, Carlos Sampaio Garrido e Alberto Teixeira Branquinho, diplomatas portugueses que empreenderam a tarefa de salvar o maior número possível de pessoas de uma morte certa. Mas esquecia o casal Brito Mendes e o padre Joaquim Carreira. Recorde-se que Sousa Mendes, Sampaio Garrido, o casal Brito Mendes e o padre Carreira são considerados “Justos Entre as Nações” peloYad Vashem’ (Memorial do Holocausto de Jerusalém, Israel) inclui estes quatro portugueses na lista dos não judeus com o nome gravado no mural de honra do “Jardim dos Justos”.  

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Hoje, Augusto Santos Silva publicou no DN um texto sobre a efeméride, sublinhando que o dia 27 de janeiro de 1945, “trazendo plenamente à luz do dia o horror do extermínio nele praticado”, fez cessar “todas as desculpas”. É certo e sabido que muitos vinham assiduamente denunciando “a conceção e a execução do sinistro programa nazi, primeiro, de desumanização e subsequentemente de aniquilação de um povo, o povo judeu”; e “denunciaram o tratamento, em termos de barbárie equivalente, dado aos opositores políticos, aos ciganos, aos homossexuais, aos portadores de deficiência e aos doentes incuráveis”. Porém, lamenta o colunista que a voz dos denunciantes tenha sido pouco ouvida por demasiado tempo, pelo que o Holocausto pôde contar “com a indiferença dos que pensaram que não era com eles, não podiam fazer nada”. Mas, com a libertação de Auschwitz qualquer razão de ignorância ou desconhecimento perdeu legitimidade.

Na verdade, o Holocausto aconteceu “no coração da Europa”, mobilizando os instrumentos mais poderosos de organização que a modernidade criara e levando “o Mal a um nível de sofisticação e de banalização nunca antes imaginado”. Não foi acidente ou efeito colateral de qualquer ação legítima; foi, antes, “uma ação voluntária, planeada e organizada”, uma “ação de extermínio” com o fito de erradicar um povo inteiro, cuja “única falta" era “existir” e os seus membros estarem na “Alemanha” ou nos “países ocupados” por ela.
Santos Silva situa o extermínio no contexto da desumanização como estilo de atuação, dizendo:
“O extermínio do povo judeu traduzia-se na desumanização de cada judia e judeu: a retirada de qualquer elemento de humanidade, a absoluta indignidade, a coisificação absoluta. Este mesmo princípio foi aplicado, nos tempos nazis, aos ciganos, aos homossexuais, aos deficientes e outros ‘não saudáveis’, assim como aos opositores políticos igualmente vítimas do universo concentracionário.”.
Por isso, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto – reforça Santos Silva – “homenageia todas as vítimas do Holocausto” – as “vítimas da maior barbaridade que a humanidade tinha até então conseguido inventar”. E o ato de homenagem àquelas vítimas – todas e cada uma – constitui obrigação coletiva, “identificando e honrando cada vítima”. Por isso, o Ministro dos Negócios Estrangeiros saúda o trabalho desenvolvido pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, no respeitante aos portugueses vítimas do sistema nazi, e anuncia que, em maio, se procederá à homenagem, em Mauthausen, aos nossos compatriotas que foram encarcerados neste campo de concentração. Mas, para a homenagem ser completa, sustenta a necessidade de a combinar com mais três coisas:
- Homenagear os heróis que denunciaram o horror nazi e agiram contra ele, protegendo as vítimas. Muitos pagaram com a vida ou com a humilhação, perseguição ou condenação. E menciona o cônsul Aristides de Sousa Mendes e o padre Joaquim Carreira – aquele, cujo exemplo não pode ser esquecido; e este, recentemente reconhecido como “Justo Entre as Nações”, como Aristides. E fez bem em referir outros diplomatas que ajudaram a minorar o sofrimento dos perseguidos, como Teixeira Branquinho e Sampaio Garrido. Aqui, esquece que Sampaio Garrido e José Brito Mendes (e esposa) também são “Justos entre as Nações”, nem sequer mencionando o casal Brito Mendes. Não conhece o trabalho da Escola Básica e Secundária de Airães, Felgueiras.   
- Preservar a memória do Holocausto é a segunda tarefa, que deve ser incorporada na formação cívica e moral de todos e na consciência coletiva da nação. A este respeito, reporta que a Declaração de Estocolmo, de 2000, estabelece os compromissos de investigação, divulgação e ensino sobre o Holocausto e que Portugal se vincula a estes compromissos e acompanha a atividade da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto. Por sua vez, o Ministério da Educação marca a data com a difusão de materiais pedagógicos pelas escolas; e a Assembleia da República organiza uma comemoração solene. A lógica destas iniciativas é a conservação da memória do Holocausto, fomentando a consciência histórica e cívica.
- Porém, combater todas as estratégias de extermínio e desumanização será a melhor forma de combinar a postura do estado e dos cidadãos com a homenagem às vítimas do Holocausto. Será mesmo a forma mais difícil e a mais esquecida. A derrota do nazismo não significou o fim das estratégias de extermínio e desumanização, pois, não foi ele que as criou, embora as tenha elevado a um expoente inédito. Na verdade, segundo Santos Silva, “a violação dos direitos mais básicos, o racismo, a perseguição das minorias, a aniquilação de comunidades nacionais, étnicas ou religiosas, em suma, a desumanização do Outro é uma prática corrente no mundo de hoje, perante a qual muitos de nós são demasiado complacentes”.
Assim, a solidariedade com as vítimas do Holocausto implica não as esquecer nem o sofrimento único por que passaram; postula compreender e respeitar a experiência única do povo judeu, “que os nazis quiseram, consciente e determinadamente, exterminar”; e exige não replicar o descaso dos complacentes “com a ascensão do nazismo e as perseguições que já anunciavam o horror”. E o Ministro conclui:
“Para isso, é preciso dizer não a qualquer discurso e qualquer ação que desumanize seja quem for. Quando retiram a humanidade a um, retiram a humanidade a todos.”.
Por seu turno, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, em mensagem alusiva ao ato, afirmou que “seria um erro pensar no Holocausto como um simples resultado da loucura de um grupo de criminosos nazistas”; ao invés, “foi a culminação de milénios de ódio e discriminação aos judeus, o que é chamado hoje de antissemitismo”.
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Face às atuais ameaças sistémicas, urge impedir que a história tenebrosa alguma vez se reedite!

2017.01.27 – Louro de Carvalho

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