segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Não espera, que homem é este?

É legítimo e normal que os detentores de cargos públicos peçam a demissão, mas se mantenham em exercício até que os sucessores tomem posse e iniciem funções. Não foi assim com António Domingues. Porquê? O que o faz correr? Havia razão para o endeusar a partir duma pretensa origem humilde e pobre, com uma subida a pulso na vida?
A sua entrada para a CGD, com as exigências de exceção que parece ter logrado por via negocial com o Governo e ratificadas por decreto-lei de legitimidade controversa e a sua disposição de abandono do cargo mercê da obrigação de declaração de rendimentos e de património junto do Tribunal Constitucional fazem-me lembrar coisas. Obviamente que não vou entrar pelo lado da dificuldade de encontrar forma de contornar as exigências de compatibilidade ou pela impossibilidade de acumular a pensão de reforma haurida pelo trabalho no BPI com o “magro” (?!) vencimento e os míseros (?!) prémios de desempenho decorrentes da ex-sua presidência da CGD, sem saudades. Mas lembro-me do complexo aforístico badalado até à saciedade pela opima sabedoria popular: Não sirvas a quem serviu, não peças a quem pediu, não devas a quem deveu.
Essa de subir a pulso é muitas vezes real e meritória, mas, não raro, é reveladora da soberba da vida que estava encoberta pelo vulto e se descobriu quando as circunstâncias se tornaram propícias.
Pela lógica das coisas, do famoso decreto-lei que retirava os gestores da CGD do estatuto de gestor público já nada resta. Se o rico teve de entregar a predita declaração no início de mandato, também terá de a entregar no fim de mandato. Por isso, é tão verdadeira (?!) a asserção de que A. Domingues não fica mais um dia à frente da Caixa Geral de Depósitos para não entregar a declaração como a alegada asserção de que não saía por causa das declarações.
Sendo assim e porque não foi só o Governo e a oposição que andaram mal na questão da CGD, há que dizê-lo claramente: devem ser assacadas responsabilidades a António Domingues pelas frustrantes expectativas que criou nos clientes da CGD – muitos de nós pequenos clientes, mas dificilmente temos outras hipóteses de clientela noutro banco – e nos contribuintes, dado que se trata do banco público. Parece que eram avisadas as reservas dos funcionários face à equipa!
E, se aos políticos as contas se fazem no términus da legislatura por via eleitoral, a menos que haja cometimento de ilícito criminal, a quem abandona inexoravelmente um cargo público desta natureza, não se pode agradecer o trabalho, mas a indemnização por danos imateriais, nomeadamente o goramento de legítimas expectativas.
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Segundo o Jornal de Negócios, A. Domingues rejeitou prolongar o seu mandato até ao final de janeiro, quando deverá entrar em exercício a equipa liderada por Paulo Macedo, tendo informado o Ministro das Finanças, Mário Centeno, no passado dia 30 de dezembro. E a Lusa, referiu que fonte do Ministério das Finanças confirmara que António Domingues declinara “o pedido feito para se manter em funções por mais uns dias”. Por isso, “o período de transição será inteiramente assegurado pelos membros da atual administração que mantêm os respetivos mandatos, sendo expectável que a nova equipa tome posse nos próximos dias”.
O Jornal de Negócios revela que, na recusa enviada a Mário Centeno, o então líder da CGD, que se demitiu a 25 de novembro, aduz que não era possível “assegurar as condições jurídicas para aceitar o prolongamento do mandato por mais um mês face ao final de dezembro, data em que terminaria funções”. Boa desculpa, e só isso, a das condições jurídicas!
Para o Ministério das finanças, o adiamento da saída efetiva acautelava a demora na entrada de Paulo Macedo para o banco público. E, no mesmo dia 30, a equipa de gestão da CGD liderada por Domingues indicou que permaneceria em funções até que a futura administração, de Paulo Macedo, recebesse luz verde do Banco Central Europeu (BCE).
Segundo a Lusa, apoiada em fonte oficial do Ministério das Finanças, confirma-se que a transição será assegurada pelos restantes membros da atual equipa não demissionários.
A lista completa dos futuros administradores da CGD ainda não é conhecida, mas já foi encaminhada pelo Governo para o BCE, que tem que dar o seu aval aos nomes propostos, o que ainda não aconteceu. Quando Frankfurt aprovar os novos membros do Conselho de Administração da CGD, que terá Paulo Macedo como presidente executivo e Rui Vilar como “chairman”, estarão criadas as condições para que os mesmos assumam os cargos.
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Num primeiro momento, acreditou-se que António Domingues, que apresentou, como se disse, em 25 de novembro, a sua renúncia à liderança da CGD, pelo que deveria sair do banco público no final do ano, tinha acedido ao apelo da tutela para assegurar este período de transição, que deverá ser relativamente curto. Pelos visto, foi uma falsa notícia.
Porém, na tarde do dia 30 de dezembro, o presidente demissionário da CGD informou o Ministro das Finanças de que deixaria, de imediato, a liderança do banco público, sem esperar pelo aval do BCE para que o seu sucessor, Paulo Macedo, inicie formalmente funções.
Porém, o Expresso on line noticiou, na tarde do mesmo dia 30, citando fonte do Ministério das Finanças, que Domingues e a restante equipa tinham concordado em adiar a sua saída do banco, de forma a acautelar eventuais atrasos na aprovação do nome de Macedo em Frankfurt – decisão que o BCE só tomará depois de 10 de janeiro.
Assim, até à posse da nova administração, a gestão corrente da CGD passará agora a ser assegurada pelos quatro administradores que permanecem no banco: Rui Vilar, João Martins, Tiago Marques e Pedro Leitão – que não poderão, no entanto, tomar decisões que, de si, exijam luz verde do conselho de administração.
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Entretanto, Domingues enviou SMS a Centeno a lamentar o comportamento das Finanças. Era expectável que Centeno, se quisesse pagar com a mesma moeda, também enviasse a Domingues um SMS a lamentar a postura do ex-presidente da CGD.
De facto, António Domingues deixou o seu gabinete vago para Paulo Macedo no dia 23; na noite de 29, o Ministro pediu-lhe que ficasse mais um mês; no dia seguinte, Domingues disse que não. E hoje, segunda-feira, dia 2, Domingues enviou o tal SMS a Centeno.
É certo que o Ministro não faz tudo o que deseja, nem pode tudo. Mas Domingues, por sua conta e risco, faz passar a CGD por uma história tão insólita como degradante. E o artista gozou o Natal tranquilo a gozar os contribuintes, clientes e colaboradores. Não voltou, reformou-se. E gozou 5 dias úteis de férias para descansar antes de empreender o seu trabalho de reformado, eu se espera magno e bem pago.
Homens destes não merecem nada! E quem neles confia merece?

2017.01.02 – Louro de Carvalho

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