domingo, 22 de janeiro de 2017

Contornos da “trumpcracia”

Tomou posse, a 20 de janeiro, o 45.º Presidente dos Estados Unidos, com o envio aos americanos e ao mundo de uma mensagem populista, protecionista e isolacionista.
Aqueles que pensavam que as intervenções do candidato à presidência eram predominantemente táticas e, por conseguinte, escolhidas para o desenvolvimento duma campanha eleitoral de choque esperavam que o eleito fosse moderando o discurso. Já para quem pensava que o discurso eleitoral do ora presidente era sobretudo uma forte manifestação da sua estrutura mental e da sua ambição não esperava outro tipo de intervenção, sobretudo depois que se percebeu que Trump, depois da eleição, continuava igual a si próprio: arrogante, ameaçador, medíocre, interesseiro. E as escolhas dos colaboradores, quer para ocupação de cargos governativos, quer para as assessorias e aconselhamento, não revelam nada de bom.
Donald Trump assume o cargo com uma taxa de popularidade de apenas 40%, a menor de um novo presidente em décadas. E há boas razões para esta baixa popularidade, manifesta na presença da pequena multidão presente no ato de posse e nas inúmeras manifestações de protesto, que prometem continuar.
Com é que se tornou possível um discurso à nação totalmente vazio de conteúdo, sem um fio condutor e eivado de tiradas populistas sem sentido de governança?
Será mesmo o povo que “vai governar esta nação novamente”, como afiança o presidente? Em tom populista referiu que “por muito tempo, um grupo pequeno na capital dominou o poder, e a população não foi beneficiada”. Por isso prometeu: “O povo vai governar esta nação novamente”. Como é que o povo vai governar, a menos que governar com a palavra “povo” na boca seja governo do povo?
Com efeito, no discurso presidencial não aparece uma única referência à democracia, seu conteúdo, suas virtualidades e seus riscos!
As largas centenas de manifestações de protesto desmentem a sua asserção de que “juntos, vamos determinar o curso da América e do mundo por muitos, muitos anos que virão”.
Na verdade, a América está profundamente dividida e continuará cada vez mais. E, dividida, como é que se apresentará como exemplo para o mundo, a ponto de se verificar o propósito trumpiano “nós brilharemos para todos nos seguirem”? Até, pouco disse da responsabilidade da América sobre a manutenção da ordem mundial, que viesse a confirmar ou a desmentir as críticas que fizera à NATO, à União Europeia ou a relação subterrânea com o governo de Taiwan ultrapassando do relacionamento com a República Popular da China.
Colocar como lema programático a América em primeiro lugar, porque “buscamos amizade e boa vontade com as nações do mundo, mas fazemo-lo com o entendimento de que é direito das nações pôr os seus interesses em 1.º lugar” ou se torna desajustado na atual situação ou sabe a memórias da primeira metade do século XX à maneira de Hitler ou de Mussolini. Parece que agora, para Trump, não se trata de endeusar a raça alemã, mas a nação americana. Se isto for a sério, então o discurso do presidente começa a fazer sentido. Passa a eliminar-se tudo o que seja considerado integrante das forças do mal, aliás como Bush quis fazer. Cortam-se as ligações aos demais países pela anulação dos tratados internacionais (bilaterais ou multilaterais), sobrecarregam-se as importações com altas taxas alfandegárias (o que poder criar dificuldades às empresas nacionais pelo agravamento dos custos de matérias primas e produtos já transformados), esgrimem-se argumentos e atitudes contra as economias emergentes e beliscam-se as potências militares. É a guerra pela guerra!
E como é que a América, isolada, conseguirá erradicar o terrorismo radical islâmico da face da Terra?
Não faz qualquer sentido falar dum patriotismo excludente, visto que não existe hoje a raça americana pura. Os americanos resultam de cruzamentos e de convivências que se esperavam cada vez mais pacíficas. Mais do que abrir os corações ao patriotismo era necessário abri-los à fraternidade, onde – aí, sim – não há espaço para a discriminação.
Julga o presidente que o desemprego e a falta de estruturas públicas na América se devem aos gastos de triliões e triliões de dólares além-mar, na defesa das fronteiras de outros países. Por isso, anuncia cortes nas despesas no exterior para devolver empregos aos americanos, defender as próprias fronteiras, investir em infraestruturas públicas. Será que Trump vai acabar com a intervenção militar norte-americana nos demais países, abandonar a NATO, fechar fronteiras à imigração, expulsar residentes não nacionais, construir mais muros como o do México e exigir que os outros países lhe paguem as despesas com os muros?
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Já depois do discurso presidencial soube-se que os EUA abandonarão a política de redução de energias poluentes e retomarão as perfurações do petróleo e gás de xisto. É o abraço à revolução do petróleo e gás de xisto. A nova Administração da Casa Branca justificou a medida com a criação de emprego e a obtenção de receitas para pagar a renovação das infraestruturas públicas, trazendo a prosperidade a milhões de norte-americanos.
As reservas de petróleo e gás de xisto estão estimadas num valor de 50 mil milhões de dólares. E os rendimentos obtidos com a exploração destes hidrocarbonetos, extraídos com a polémica técnica da fraturação hidráulica, servirão para financiar a reconstrução de infraestruturas públicas, como estradas, escolas e pontes.
No atinente ao clima, o presidente “compromete-se a eliminar as políticas desnecessárias e prejudiciais, como o plano para o clima e as águas, seguido por Barack Obama, como indica um texto colocado no sítio da Casa Branca, logo que Donald Trump tomou posse.
Era um plano denominado “Plano de Ação para o Clima”, que foi adotado durante o segundo mandato de Obama e que permitiu elaborar padrões federais para eliminar as fontes mais poluidoras, como as centrais térmicas mais antigas, modernizar a produção elétrica, sob o controlo da agência de proteção do Ambiente, a quem tinham sido atribuídos extensos poderes.
Com o escopo de colocar os EUA na rota da transição energética, o plano encorajava os esforços em energias renováveis. Agora, os serviços da Casa Branca garantem que “levantar todas as restrições vai ajudar enormemente os trabalhadores norte-americanos, aumentar os salários em mais de 30 mil milhões de dólares (28 mil milhões de euros) nos próximos sete anos”.,
Por enquanto nada foi dito sobre o Acordo de Paris contra as alterações climáticas ou o controverso projeto do oleoduto Keystone XL. Porém, é conveniente não esquecer que, na campanha eleitoral, Trump classificou as alterações climáticas, resultantes do aquecimento global, como “uma mistificação” e uma postura de favor aos interesses chineses.
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Milhões de americanos estiveram nas ruas das principais cidades do país em protesto contra Donald Trump. E o movimento estendeu-se a outros pontos do globo.
Linda Sarsour, uma das organizadoras da Manifestação das Mulheres, declarou, enquanto caminhava no meio da enorme multidão que encheu, no dia 21, as ruas de Washington no quadro duma campanha contra Donald Trump: “Terei respeito por esta presidência, mas não terei respeito por este presidente”. As suas palavras refletem o estado de espírito das centenas de milhares de mulheres que preenchiam por completo seis quarteirões da Avenida da Independência, no centro de Washington, com uma estimativa da organização a referir a presença de, pelo menos, 300 mil pessoas. No fim do dia, o The Washington Post mencionava 500 mil só na capital. Entre os inúmeros apoios recebidos esteve uma mensagem no Twitter de Hillary Clinton a apoiar e a agradecer. Também o ex-secretário de Estado John Kerry passeou ostensivamente com o seu cão entre os manifestantes e marcaram presença muitas figuras do mundo da música e do cinema, como Madonna ou Ashley Judd.
Muitas das mulheres que desfilavam usavam gorros de lã cor-de-rosa denominados “pussyhats” (em tradução literal, chapéus vaginais) numa referência às declarações de Trump em 2005, reveladas durante a campanha, sobre como “apalpava mulheres”.
O desfile de Washington foi um dos que se realizaram nas principais cidades dos EUA, mobilizando milhões nas ruas, e também da Cidade do México a Tóquio e de Sidney a Paris e Lisboa. Nesta cidade, cerca de uma centena de pessoas, mulheres na maioria, segundo a agência Lusa, concentrou-se frente à embaixada dos EUA, com cartazes onde se liam slogans, como “Não sejas Trump”, “Contra o ódio no poder” e “Operação machista não”, entre outros. Na Europa, a maior concentração ocorreu em Londres, onde terão estado 80 mil a 100 mil pessoas.
À mesma hora em que as pessoas convergiam para o local da manifestação, Trump participava no serviço inter-religioso que ocorre no primeiro dia em funções do novo presidente. Entretanto, foram eliminadas do site da Casa Branca referências a diversas políticas do anterior presidente, nomeadamente as atinentes a iniciativas ambientais.
Ainda no seu primeiro dia em funções, Trump assinou a proclamação da instituição do Dia Nacional do Patriotismo e o decreto de alteração das condições de acesso à habitação da parte de pessoas de menos recursos. E, poucas horas após a tomada de posse, o The Hill relevava estarem em preparação importantes reduções nos orçamentos das agências e departamentos do governo, ficando ainda por definir a fórmula de trabalho com a comunicação social – o bode expiatório de todos os males que Trump vê na América. Especulava-se ainda se se manteria um espaço de trabalho na Casa Branca e no acesso, ou não, a fontes da presidência. Steve Bannon, um dos principais assessores do novo presidente, anunciava estarem em estudo mudanças nas conferências de imprensa diárias, que poderão passar a videoconferências para “possibilitar as perguntas das rádios e jornais regionais”, passando a aceitar-se perguntas de cidadãos comuns.
Mas a pedra de toque da novel presidência é a assinatura do decreto de revogação do acesso generalizado à saúde instituído por Obama, conhecido como Obamacare, o que pode deixar fora do acesso à saúde 20 milhões de americanos.
Além disso, Trump assinou um decreto a levantar a interdição do general na reserva James Mattis para desempenhar funções de Secretário da Defesa, o qual, por lei, não poderia assumir tais funções por ter deixado o serviço ativo há menos de sete anos.
Momento relevante do dia constituiu a deslocação de Trump à sede da CIA, em Langley. Tendo estado em rota de colisão com a agência a propósito do relatório em que a CIA concluía ter a Rússia ajudado o republicano a ganhar as eleições, o Presidente elogiou a atuação dos agentes e garantiu-lhes todo o apoio (1.000%), garantindo que o resto fora mentira dos “media”.
É perigosamente promissor o estilo de liderança do novo Presidente. Acautele-se o mundo!

2017.01.21 – Louro de Carvalho

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