Tomou posse, a 20 de janeiro, o 45.º Presidente dos Estados Unidos, com o
envio aos americanos e ao mundo de uma mensagem populista, protecionista e
isolacionista.
Aqueles que pensavam que as intervenções do candidato à presidência eram
predominantemente táticas e, por conseguinte, escolhidas para o desenvolvimento
duma campanha eleitoral de choque esperavam que o eleito fosse moderando o
discurso. Já para quem pensava que o discurso eleitoral do ora presidente era
sobretudo uma forte manifestação da sua estrutura mental e da sua ambição não
esperava outro tipo de intervenção, sobretudo depois que se percebeu que Trump,
depois da eleição, continuava igual a si próprio: arrogante, ameaçador,
medíocre, interesseiro. E as escolhas dos colaboradores, quer para ocupação de
cargos governativos, quer para as assessorias e aconselhamento, não revelam
nada de bom.
Donald Trump assume o cargo com uma taxa de popularidade de apenas 40%, a
menor de um novo presidente em décadas. E há boas razões para esta baixa
popularidade, manifesta na presença da pequena multidão presente no ato de
posse e nas inúmeras manifestações de protesto, que prometem continuar.
Com é que se tornou possível um discurso à nação totalmente vazio de
conteúdo, sem um fio condutor e eivado de tiradas populistas sem sentido de
governança?
Será mesmo o povo que “vai
governar esta nação novamente”, como afiança o presidente? Em tom populista
referiu que “por muito tempo, um grupo pequeno na capital dominou o poder, e a
população não foi beneficiada”. Por isso prometeu: “O povo vai governar esta
nação novamente”. Como é que o povo vai governar, a menos que governar com a palavra
“povo” na boca seja governo do povo?
Com efeito, no discurso
presidencial não aparece uma única referência à democracia, seu conteúdo, suas
virtualidades e seus riscos!
As largas centenas de
manifestações de protesto desmentem a sua asserção de que “juntos, vamos determinar
o curso da América e do mundo por muitos, muitos anos que virão”.
Na verdade, a América está
profundamente dividida e continuará cada vez mais. E, dividida, como é que se
apresentará como exemplo para o mundo, a ponto de se verificar o propósito trumpiano
“nós brilharemos para todos nos seguirem”? Até, pouco disse da responsabilidade
da América sobre a manutenção da ordem mundial, que viesse a confirmar ou a
desmentir as críticas que fizera à NATO, à União Europeia ou a relação
subterrânea com o governo de Taiwan ultrapassando do relacionamento com a
República Popular da China.
Colocar como lema programático a
América em primeiro lugar, porque “buscamos amizade e boa vontade com as nações
do mundo, mas fazemo-lo com o entendimento de que é direito das nações pôr os
seus interesses em 1.º lugar” ou se torna desajustado na atual situação ou sabe
a memórias da primeira metade do século XX à maneira de Hitler ou de Mussolini.
Parece que agora, para Trump, não se trata de endeusar a raça alemã, mas a
nação americana. Se isto for a sério, então o discurso do presidente começa a
fazer sentido. Passa a eliminar-se tudo o que seja considerado integrante das
forças do mal, aliás como Bush quis fazer. Cortam-se as ligações aos demais
países pela anulação dos tratados internacionais (bilaterais ou multilaterais), sobrecarregam-se as importações com altas taxas alfandegárias (o que poder criar dificuldades às empresas nacionais pelo agravamento dos
custos de matérias primas e produtos já transformados), esgrimem-se argumentos e
atitudes contra as economias emergentes e beliscam-se as potências militares. É
a guerra pela guerra!
E como é que a América, isolada,
conseguirá erradicar o terrorismo radical islâmico da face da Terra?
Não faz qualquer sentido falar
dum patriotismo excludente, visto que não existe hoje a raça americana pura. Os
americanos resultam de cruzamentos e de convivências que se esperavam cada vez
mais pacíficas. Mais do que abrir os corações ao patriotismo era necessário
abri-los à fraternidade, onde – aí, sim – não há espaço para a discriminação.
Julga o presidente que o
desemprego e a falta de estruturas públicas na América se devem aos gastos de
triliões e triliões de dólares além-mar, na defesa das fronteiras de outros
países. Por isso, anuncia cortes nas despesas no exterior para devolver
empregos aos americanos, defender as próprias fronteiras, investir em
infraestruturas públicas. Será que Trump vai acabar com a intervenção militar
norte-americana nos demais países, abandonar a NATO, fechar fronteiras à
imigração, expulsar residentes não nacionais, construir mais muros como o do
México e exigir que os outros países lhe paguem as despesas com os muros?
***
Já depois do discurso
presidencial soube-se que os EUA abandonarão a política de redução de energias poluentes e retomarão
as perfurações do petróleo e gás de xisto. É o abraço à revolução do petróleo e
gás de xisto. A nova Administração da Casa Branca justificou a medida com a
criação de emprego e a obtenção de receitas para pagar a renovação das
infraestruturas públicas, trazendo a prosperidade a milhões de norte-americanos.
As reservas de
petróleo e gás de xisto estão estimadas num valor de 50 mil milhões de dólares.
E os rendimentos obtidos com a exploração destes hidrocarbonetos, extraídos com
a polémica técnica da fraturação hidráulica, servirão para financiar a
reconstrução de infraestruturas públicas, como estradas, escolas e pontes.
No atinente
ao clima, o presidente “compromete-se a eliminar as políticas desnecessárias e
prejudiciais, como o plano para o clima e as águas, seguido por Barack Obama, como
indica um texto colocado no sítio da Casa Branca, logo que Donald Trump tomou
posse.
Era um plano
denominado “Plano de Ação para o Clima”, que foi adotado durante o segundo
mandato de Obama e que permitiu elaborar padrões federais para eliminar as
fontes mais poluidoras, como as centrais térmicas mais antigas, modernizar a
produção elétrica, sob o controlo da agência de proteção do Ambiente, a quem
tinham sido atribuídos extensos poderes.
Com o escopo
de colocar os EUA na rota da transição energética, o plano encorajava os
esforços em energias renováveis. Agora, os serviços da Casa Branca garantem que
“levantar todas as restrições vai ajudar enormemente os trabalhadores
norte-americanos, aumentar os salários em mais de 30 mil milhões de dólares (28 mil
milhões de euros) nos
próximos sete anos”.,
Por enquanto
nada foi dito sobre o Acordo de Paris
contra as alterações climáticas ou o controverso projeto do oleoduto Keystone
XL. Porém, é conveniente não esquecer que, na campanha eleitoral, Trump
classificou as alterações climáticas, resultantes do aquecimento global, como
“uma mistificação” e uma postura de favor aos interesses chineses.
***
Milhões de
americanos estiveram nas ruas das principais cidades do país em protesto contra
Donald Trump. E o movimento estendeu-se a outros pontos do globo.
Linda
Sarsour, uma das organizadoras da Manifestação
das Mulheres, declarou, enquanto caminhava no meio da enorme multidão que
encheu, no dia 21, as ruas de Washington no quadro duma campanha contra Donald
Trump: “Terei respeito por esta
presidência, mas não terei respeito por este presidente”. As suas palavras refletem
o estado de espírito das centenas de milhares de mulheres que preenchiam por
completo seis quarteirões da Avenida da Independência, no centro de Washington,
com uma estimativa da organização a referir a presença de, pelo menos, 300 mil
pessoas. No fim do dia, o The Washington Post mencionava 500
mil só na capital. Entre os inúmeros apoios recebidos esteve uma mensagem no Twitter de Hillary Clinton a apoiar e a agradecer.
Também o ex-secretário de Estado John Kerry passeou ostensivamente com o seu
cão entre os manifestantes e marcaram presença muitas figuras do mundo da
música e do cinema, como Madonna ou Ashley Judd.
Muitas das
mulheres que desfilavam usavam gorros de lã cor-de-rosa denominados “pussyhats” (em tradução
literal, chapéus vaginais) numa
referência às declarações de Trump em 2005, reveladas durante a campanha, sobre
como “apalpava mulheres”.
O desfile de
Washington foi um dos que se realizaram nas principais cidades dos EUA,
mobilizando milhões nas ruas, e também da Cidade do México a Tóquio e de Sidney
a Paris e Lisboa. Nesta cidade, cerca de uma centena de pessoas, mulheres na
maioria, segundo a agência Lusa,
concentrou-se frente à embaixada dos EUA, com cartazes onde se liam slogans, como “Não sejas Trump”, “Contra o
ódio no poder” e “Operação machista
não”, entre outros. Na Europa, a maior concentração ocorreu em Londres,
onde terão estado 80 mil a 100 mil pessoas.
À mesma hora
em que as pessoas convergiam para o local da manifestação, Trump participava no
serviço inter-religioso que ocorre no primeiro dia em funções do novo
presidente. Entretanto, foram eliminadas do site da Casa
Branca referências a diversas políticas do anterior presidente, nomeadamente as
atinentes a iniciativas ambientais.
Ainda no seu
primeiro dia em funções, Trump assinou a proclamação da instituição do Dia Nacional do Patriotismo e o decreto
de alteração das condições de acesso à habitação da parte de pessoas de menos
recursos. E, poucas horas após a tomada de posse, o The Hill relevava
estarem em preparação importantes reduções nos orçamentos das agências e departamentos
do governo, ficando ainda por definir a fórmula de trabalho com a comunicação
social – o bode expiatório de todos os males que Trump vê na América. Especulava-se
ainda se se manteria um espaço de trabalho na Casa Branca e no acesso, ou não,
a fontes da presidência. Steve Bannon, um dos principais assessores do novo
presidente, anunciava estarem em estudo mudanças nas conferências de imprensa
diárias, que poderão passar a videoconferências para “possibilitar as perguntas
das rádios e jornais regionais”, passando a aceitar-se perguntas de cidadãos
comuns.
Mas a pedra
de toque da novel presidência é a assinatura do decreto de revogação do acesso
generalizado à saúde instituído por Obama, conhecido como Obamacare, o que pode
deixar fora do acesso à saúde 20 milhões de americanos.
Além disso, Trump
assinou um decreto a levantar a interdição do general na reserva James Mattis
para desempenhar funções de Secretário da Defesa, o qual, por lei, não poderia
assumir tais funções por ter deixado o serviço ativo há menos de sete anos.
Momento
relevante do dia constituiu a deslocação de Trump à sede da CIA, em Langley. Tendo
estado em rota de colisão com a agência a propósito do relatório em que a CIA
concluía ter a Rússia ajudado o republicano a ganhar as eleições, o Presidente elogiou
a atuação dos agentes e garantiu-lhes todo o apoio (1.000%), garantindo que o resto fora mentira dos “media”.
É perigosamente
promissor o estilo de liderança do novo Presidente. Acautele-se o mundo!
2017.01.21 – Louro de Carvalho
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