sexta-feira, 31 de julho de 2015

Crer em Deus numa cultura secularizada

Está a decorrer, no Seminário Diocesano de Leiria, de 30 de julho a 2 de agosto, o Encontro de Reflexão Teológica 2015 (ERT 2015) organizado pelo movimento católico de profissionais “Metanoia” em torno do tema Crer em Deus numa cultura secularizada.
A escolha do tema parte dos seguintes pressupostos, como se pode ler no folheto/programa:
Crer em Deus não é necessário para se ser feliz. Crer em Deus tampouco é indispensável para ter valores importantes na vida ou para ter sentido para a vida. Todos convivemos ou conhecemos pessoas que comprovam estas afirmações. Contudo, acreditar no Deus de Jesus e no seu Evangelho podem constituir o maior tesouro na vida.
Daí, do tesouro que encerra a fé em Jesus Cristo, as questões que motivam a reflexão:
E, nesse caso, porque não partilhá-lo? Porque não testemunhar de um Deus verdadeiramente apetecível?
O tema central deste ERT, cujo desenvolvimento teológico ficou ao encargo do perito dominicano frei José Nunes, explicita-se através dos seguintes subtemas, correspondentes a outras tantas conferências: 1. Deus – um rival do Homem (?); 2. Deus criador – a criação como um dom; 3. Deus salvador-libertador: “não tenhais medo”; e 4. Deus da alegria.
As primeiras três das conferências foram proferidas no dia 31 (hoje), seguindo-se o trabalho de grupos, sob guião apropriado, e o plenário de partilha; e a quarta sê-lo-á dia 1 (amanhã), a que se seguirá a síntese do ERT.
Para lá do tema central acima enunciado, vários intervenientes apresentaram reflexão oportuna sobre várias experiências pastorais, na rubrica “painel de experiências”, do dia 30. Assim, o padre Idalino Simões falou sobre “A experiência pastoral na periferia das grandes cidades”; Paula Cristina Santos abordou o tema “Pelos caminhos de Santiago”; e António Marujo apresentou o tema “Escutar a Cidade, em preparação para o Sínodo de Lisboa”.
Durante o ERT 2014, os participantes organizaram um cartaz com “a indicação de um conjunto de iniciativas” onde os presentes tinham “uma participação ativa, designadas “Pequenos Milagres”, cujas iniciativas, este ano, foram revisitadas, de modo que se fique a saber o que realmente aconteceu durante o ano, neste âmbito, e se possam acrescentar outras experiências. Para esta revisitação serviu a rubrica do dia 30 “Pequenos Milagres”.
Além da conferência prevista, o dia 1 de agosto ficará marcado pelo “Passeio e visita ao Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota”, durante a manhã, bem como pela “Celebração Eucarística”, pelas 18,15 horas, e “Festa”, pelas 21 horas. Por seu turno, um concerto marcará a manhã do dia 2 de agosto, logo a seguir ao debate sobre “Que desafios a partir deste ERT?”.
Cada um dos outros dias contempla um momento forte de oração em comum, sendo que o último dia prevê um “Mosaico/Oração dos fiéis”.
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O que é o grupo “Metanoia”?
Para melhor compreensão deste movimento católico de profissionais, seu perfil e suas atividades, talvez não seja despiciendo um pequeno excursus etimológico e bíblico.
“Metanoia” é a transcrição do nome grego “μετάνοια”, que significa “mudança de sentimentos”, “arrependimento”. Depois, na literatura eclesiástica, passou a ter o significado específico de “penitência” (arrependimento com as obras consonantes com o arrependimento – conversão). Como é óbvio, “μετάνοια” relaciona-se com o verbo “μετανοέω”, que significa “mudar de parecer”, “arrepender-se”.
Porém, não parece que esta mudança seja automática ou instintiva. Veja-se que na formação de “μετανοέω” entra o verbo “νοέω”, com o significados de “pensar”, “cair na conta”, “ver”, “meditar”, “ser prudente”, “projetar”, “olhar para o futuro”. Ora, todos estes sentidos apontam para uma operação que é produzida na mente (na ideia, no intelecto), que mobiliza a consciência e a vontade, que possibilita a clarividência e que faz avançar para o futuro (sem receio, embora com algumas cautelas). Por outro lado, na formação de “μετανοέω” entra o prefixo “μετά”, a indicar, na derivação de palavras, a ideia de “comunidade”, “participação”, “entre”, “sucessão de tempo”, “a seguir”, “durante”.
O prefixo “μετά” resulta da forma igual com a função de advérbio (a significar “no meio”, “entre”; com ideia de lugar – “por detrás”, “a seguir”; com a ideia de tempo – “a seguir”; “detrás de outro, seguindo-o”) e de preposição (com genitivo, “em meio de”, “em companhia de”, “de acordo com”; com dativo, “em meio de”, “com”, “para”; com acusativo, “depois de”, “a seguir”, “entre”, “para”; com a ideia de tempo, “durante”).
Nos textos bíblicos do Novo Testamento, o apelo ao arrependimento/penitência/conversão é lancinante da parte de Cristo como condição da aceitação do Reino de Deus, que está próximo (vd Mt 4,17 e Mc 1,15) e constitui a predisposição para a fé no Evangelho. A forma verbal utilizada é “μετανοϊτε”, presente do optativo da voz ativa na 2.ª pessoa do plural do verbo “μετανοέω”. É a formulação do brado/apelo que exprime um vivo desejo do pregador, que se deve entender como uma viva recomendação, quase ordem, pois exprime a condição sine qua non da aceitação do Reino de Deus ou Reino dos Céus.
Também João Batista, o precursor, lança o mesmo brado/apelo ao arrependimento como predisposição para a purificação dos pecados. A forma verbal é a mesma (vd Mt 3,2).
Após a ressurreição e ascensão do Senhor, reforçada pelo Espírito Santo do Pentecostes, Pedro dirige aos circunstantes o mesmo brado/apelo, mas agora a forma verbal utilizada é outra, “μετανοήσατε”, no aoristo do imperativo na 2.ª pessoa do plural do mesmo verbo “μετανοέω” (vd At 2,38; 3,19).
O aoristo, no grego, indicava uma ação verbal ou um acontecimento, sem definir absolutamente o seu tempo de duração, ou sem definir com precisão o tempo em que a ação ocorreu ou havia de ter ocorrido. Ao invés, no grego do Novo Testamento, o aoristo tem como efeito reverter a um momento, ou seja, considera a ação como num curto instante: representa um momento de entrada ou de término ou, então, faz o enfoque numa ação completa de algo que tenha ocorrido simples e isoladamente, sem distinguir passos ou detalhes do progresso da ação.
No caso vertente, o arrependimento refere-se a ações pecaminosas do passado e, se elas voltarem a ocorrer, o mesmo arrependimento se impõe com mais força. O arrependimento, seguido da fé no Reino, abre a porta do futuro irreversível. E esse futuro não pode esperar mais.
É óbvio que muitos textos bíblicos fazem eco ora do brado/apelo ao arrependimento (cf 1Rs 8,47; Ez 18,30-31; Mt 21,29-32; Mc 1,4; 6,12; Lc 1,16; 13,5; 15,7.10; 24,47; At 17,30), ora da atitude sincera de arrependimento assumido (Mt 12,41; 21,29-32; Jb 42,6; Lc 15,17-20; At 11,18) ou da sua obstinada rejeição (cf Mt 11,20; Lc 16,19-31).
Por tudo isto, se vê como o arrependimento é uma atitude provocada pela pregação do Reino, predispõe para a fé na Boa Nova. Impõe-se contra o tempo e exige a mudança das mentalidades, do coração, das atitudes e dos comportamentos de cada um no contexto comunitário. Implica, pois, um novo rumo, configura uma nova vida. A conversão não se fica pelas aparências; tem de ser real, fruto da pregação dos conteúdos da fé e da lúcida e voluntariosa reflexão pessoal coadjuvada pela comunidade e sua força. Porém, sendo real, tem de frutificar também no exterior, no ambiente; tem de ter consequências. Recordemos que o prefixo “μετά” configura a ação no espaço em que se vive e no tempo em que temos mesmo de agir sem demoras e sem precipitações.
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Sendo assim, o movimento “Metanoia” assume-se como espaço e tempo de encontro, acolhendo pessoas, crentes ou não, nas mais variadas circunstâncias de vida. O encontro acontece a partir daquilo o que cada um vive, experiencializa e transporta, procurando não separar interioridade e exterioridade, reflexão e vivência, princípios e ação, espiritualidade e cidadania, opções pessoais e futuro das nossas sociedades.
O movimento propõe-se “construir comunidade entre pessoas com condições pessoais, profissionais e percursos de vida diversos, para quem o encontro e a celebração da fé em Jesus Cristo são indissociáveis da abertura aos outros, num processo nunca acabado de conversão pessoal” (cf site do movimento), com recurso “a formas organizativas” que se querem “leves e flexíveis, baseadas nos princípios da participação democrática, da corresponsabilidade, do voluntariado e da assunção coletiva dos encargos”.
Configura outrossim:
. Um espaço de descoberta e vivência da fé que dá sentido ao vivido, que integra e inclui a partir do essencial – Jesus, que nos seus gestos e palavras sempre amou e incitou ao amor.
. Uma experiência de Igreja construída na fragilidade e que bebe da sabedoria de tantos homens e mulheres que viveram e vivem a experiência de Deus e dão sentido à Paixão de Jesus.
. Um espaço de liberdade, corresponsabilidade, reflexão e partilha de vida, de conversão e aprendizagem com os outros.

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É claro que o mecanismo vital de reflexão/ação/reflexão de um movimento de Igreja que respeite e assuma a secularidade e se movimente evangelicamente no seu contexto constitui uma mais-valia inquestionável para realização do ser e da missão da Igreja no mundo encarado de modo holístico e na dinâmica do enriquecimento setorial. Sobre a aridez da secularidade autónoma (e, mesmo, da laicidade positiva), sobre a fluidez das ideologias e sobre o manto esfarrapado das desigualdades ou das desequilibradas assimetrias, é preciso estabelecer as necessárias pontes para que o homem do século XXI seja feliz e, nessa felicidade, veja em Deus e no outro homem os aliados mais vizinhos e mais solidários – o que se conseguirá se se apostar na construção de autênticas comunidades.

2015.07.31 – Louro de Carvalho

A Comunicação na Liturgia

Está a decorrer em Fátima, desde o passado dia 27 de julho e com termo previsto para manhã, dia 31, o XLI Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica, uma iniciativa do Secretariado Nacional de Liturgia que, este ano, aborda e aprofunda a temática “A Comunicação na Liturgia”. 
Trata-se, na visão dos seus mentores e organizadores, de uma temática “sempre atual”, dado que, sem esquecer as novas tecnologias, a Liturgia é “por sua natureza comunicação”.
D. José Cordeiro, bispo de Bragança e Miranda e presidente da Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade, declarou, na sessão de abertura do encontro, que a Liturgia “é a comunicação de Deus ao homem, é a comunicação do Pai pelo Filho no Espírito Santo e depois a resposta do homem no Espírito Santo pelo Filho ao Pai”. Por outro lado, o mesmo prelado, que também é interveniente ativo no referido encontro, sublinha que, ao integrar as novas realidades e as novas formas de comunicar, a Liturgia se torna “mais participativa por todos” porque é na participação ativa e consciente, que “se vê como essa comunicação é em si mesma”.
Os trabalhos repartem-se por conferências para todo o auditório, workshops por setores e celebrações litúrgicas, decorrendo, no Centro Pastoral Paulo VI, as conferências (no Auditório) e os workshops (no Salão Bom Pastor, os de numeração ímpar e, no Auditório, os de numeração par). Trata-se de aprender ouvindo, partilhando experiências e exercitando a celebração, no pressuposto pedagógico “usa e serás mestre(“exercendo disces”) e do aforismo teológico “lex orandi, lex credendi”.
Assim, dá-se conta dos temas das conferências previstas (sempre às 17 horas – dias 27 a 30) e a decorrer e dos respetivos conferencistas: a Liturgia, comunicação global, a 27 de julho, pelo Padre Professor Bruno Cescon (Concordia-Podernone, Itália); a Liturgia, mistério de comunhão: palavra e rito, a 28 de julho, pelo Padre Doutor José Frazão Correia, Provincial da Companhia de Jesus em Portugal; a Liturgia e as novas tecnologias, a 29 de julho, pelo Dr. Paulo Rocha, diretor da Agência Ecclesia; e as artes ao serviço da Liturgia, a 30 de julho, por D. João Marcos, Bispo Coadjutor de Beja.
Os workshops por setores estão a ser dinamizados (dois por dia, às 15 horas – dias 28 a 30) pelos seguintes agentes: Cónego Dr. Luís Manuel P. da Silva, I – Presidir e comunicar; Prof. Emanuel Pacheco, II – O canto como comunicação; Cónego Dr. João da Silva Peixoto, III – A homilia; Cónego Dr. Manuel Joaquim Costa, IV – O dinamismo da comunicação na Liturgia da Palavra; Padre Dr. Francisco Hipólito Couto, V – Liturgia e Mistagogia; e Padre Dr. Paulo Malícia, VI – Liturgia e Catequese.
Por seu turno, as celebrações são a aplicação que mais tempo absorve aos mais de 1100 participantes, de várias idades e serviços litúrgicos na Igreja. Assim, a oração de início dos trabalhos decorrerá no Auditório do Centro Pastoral Paulo VI, no dia 27, à tardinha; a Oração de Laudes, na Capelinha das Aparições, nos dias 28 e 29, na Basílica da Santíssima Trindade, no dia 30, e no Centro Pastoral Paulo VI, no dia 31; a Oração de Vésperas, na Basílica da Santíssima Trindade, nos dias 28 a 30; a Oração do Terço do Rosário, na Capelinha das Aparições, nos dias 28 a 30; a Celebração Penitencial, na Basílica da Santíssima Trindade, no dia 28; e a Missa, na Basílica da Santíssima Trindade, nos dias 28 a 30.
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A pari, numa iniciativa inédita nestes encontros e porque a organização entendeu “a especificidade da comunicação com os surdos na Liturgia", o Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência, em colaboração com o Secretariado Nacional de Liturgia, proporciona que, no decorrer do XLI Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica, haja interpretação em LGP (Língua Gestual Portuguesa) nas missas do Santuário de Fátima celebradas às 11 horas, na basílica da Santíssima Trindade, nos dias 28, 29, 30 e 31 de Julho, nas quais estão presentes os participantes neste encontro.
Porém, o ineditismo de que se fala, refere-se a estes encontros de Pastoral Litúrgica, que não ao Santuário de Fátima, já que, por iniciativa deste, todos os domingos, desde 19 de maio de 2013, a Missa das 15 horas, na Basílica da Santíssima Trindade, tem interpretação em LGP.
Por outro lado, no contexto da transmissão das celebrações pela televisão e pela rádio, o responsável logístico pelo encontro reconhece o seu alcance para quem “não pode estar a vivê-las in loco e em ato” mas lança o alerta no sentido que “não podem ser substituídas” pelas que são a “própria realidade” da celebração. O Padre Pedro Ferreira, diretor do Secretariado Nacional de Liturgia, salientou a afirmação de que, “quando nós vivermos na Liturgia só dos meios de comunicação, não precisarmos de ir à missa porque temos a televisão em casa, estamos mal”. O mesmo sacerdote assinalou que as novas tecnologias podem ter sido o pretexto para os participantes falarem da Liturgia “enquanto comunicação” mas a “atenção centra-se essencialmente no que na liturgia é comunicação”. E acrescentou: “A comunicação é a essência da Liturgia. Na prática, nós ficamos a saber quem é Deus que se manifesta e quem somos nós”.
O encontro também provoca a reflexão sobre o uso dos tablets e smartphones nas cerimónias, os quais podem indevidamente favorecer a tendência de substituir o missal ou o lecionário. Ora, segundo os liturgistas, estes meios “servem para a sua preparação, mas não para sua celebração”. A propósito do papel dos meios de comunicação social em torno da Liturgia, o Secretariado Nacional de Liturgia recorda, na promoção do XLI Encontro de Pastoral Litúrgica, o n.º 57 da exortação apostólica Sacramentum Caritatis (SC), do Papa Bento XVI.
Sobre a importância e utilidade dos meios de comunicação social na liturgia, a SC esclarece:
Devido ao progresso admirável dos meios de comunicação, nos últimos decénios a palavra ‘participação’ adquiriu um significado mais amplo do que no passado; com satisfação, todos reconhecemos que estes instrumentos oferecem novas possibilidades, inclusivamente quanto à celebração eucarística.
Daí, resultam especiais cuidados na formação e na assunção das responsabilidades da parte dos agentes pastorais do setor:
Isto requer dos agentes pastorais do setor uma preparação específica e um vivo sentido de responsabilidade; com efeito, a Santa Missa transmitida na televisão ganha inevitavelmente um certo caráter de exemplaridade; daí o dever de prestar particular atenção a que a celebração, além de se realizar em lugares dignos e bem preparados, respeite as normas litúrgicas.
E fica a advertência aos beneficiários do serviço litúrgico dos meios de comunicação social:
Enfim, quanto ao valor desta participação na Santa Missa pelos meios de comunicação, quem assiste a tais transmissões deve saber que, em condições normais, não cumpre o preceito dominical; de facto, a linguagem da imagem representa a realidade, mas não a reproduz em si mesma. Se é muito louvável que idosos e doentes participem na Santa Missa festiva através das transmissões radiotelevisivas, o mesmo não se pode dizer de quem quisesse, por meio de tais transmissões, dispensar-se de ir à igreja tomar parte na celebração eucarística na assembleia da Igreja viva.
D. José Cordeiro, na apresentação do encontro, referiu-se à linguagem e ao livro na Liturgia, nos termos seguintes:
“A linguagem da Liturgia são ritos e orações e tem a dignidade da própria celebração do culto divino. O livro em si é também um sinal da presença da Palavra de Deus que é rezada, proclamada e tem um rito próprio, um simbolismo e significado muito especial na celebração”.
No atinente à música litúrgica, o eminente prelado de Bragança-Miranda refere que “Portugal é um dos países onde mais se avançou no campo da música litúrgica” mas adverte que a Palavra de Deus rezada “não pode ser uma invenção e uma moda do momento”. Por isso, esclarece que “nem qualquer música serve para a Liturgia, nem mesmo a música sacra, o que distingue a música litúrgica é que ela não é um adorno da celebração mas o cantar a própria celebração”.
Além do tema de fundo, que é, como se disse, a Comunicação na Liturgia, merecem tratamento conveniente outros temas importantes, como: a Homilia, a Liturgia da Palavra, as Artes, a Catequese e o Canto. Para a sua abordagem, participam como oradores, entre outras figuras ligadas à comunicação e à pastoral da Igreja, o padre José Frazão Correia, provincial da Companhia de Jesus em Portugal, Paulo Rocha, diretor da Agência ECCLESIA, D. João Marcos, bispo coadjutor de Beja e o padre Paulo Malícia, diretor do Setor de Catequese do Patriarcado de Lisboa. A Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade procurou que fossem outras vozes, que não apenas o liturgistas, a comunicar a sua experiência à luz da Teologia, da Comunicação Social, das Ciências Humanas, da Pastoral e da Espiritualidade.
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Mas afinal a Liturgia é mesmo comunicação como asseguram os oradores acima referidos? Descobriram agora a “pólvora” litúrgica?
A palavra “liturgia” existia no grego clássico – λειτουργία – e significava “função” ou “serviço público” ou “qualquer serviço”. Porém, no grego do Novo Testamento, passou a significar o “culto divino público”, a “liturgia”. E o verbo “λειτουργέω”, que significava “exercer à sua conta funções públicas” ou simplesmente “servir”, passou ao Novo Testamento com o significado de “servir o Senhor”, “desempenhar funções sagradas” (cf Isidro Pereira, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, 6.ª ed. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1984).
Habitualmente, fixamo-nos nos ritos que espelham o culto de adoração (latria) público que o Povo de Deus (reunido em assembleia ou representado pelos seus ministros) presta ao seu Senhor e o de hiperdulia ou de dulia, prestado respetivamente, à Virgem Maria e aos Santos e Anjos. No entanto, sempre se vão lembrando os outros fins do culto: o eucarístico (de louvor e ação de graças), o impetratório (de súplica) e o propiciatório (de pedido de perdão).
Os cristãos, como refere o Livro dos Atos e a literatura patrística, reuniam-se assiduamente para o ensino dos apóstolos, a união fraterna, as orações e a fração do pão. E todos viviam em grande alegria, dando testemunho da Ressurreição. Frequentavam o Templo. Tinham tudo em comum e nada faltava aos necessitados (cf At 2,42-47; 4,32-37).
Está visto que a prestação do culto compagina o ato de comunicação: rezando, fala-se com Deus (comunica-se com Ele); escutando a Palavra, Deus faz-Se ouvir (Ele comunica connosco); respondendo à Palavra de Deus com o silêncio, comunicamos com Deus e connosco mesmos e deixamos que Ele se meta connosco, e respondendo com o ato de fé e a oração comum, comunicamos com Ele coletivamente e em coro e comunicamos entre nós; reunindo-nos na união fraterna, comunicamos uns com os outros; fazendo a memória da Paixão, comunicamos com o passado que se presentifica; aguardando a escatologia da vinda do Senhor, comunicamos com o futuro; e, comungando o Pão da Vida e bebendo do cálice da Salvação, comunicamos com o corpo e alma do povo, da Igreja, dos santos, dos defuntos. É a festa total para a comunicação no terreno do dia a dia, para a missão e como testemunho da Salvação em Cristo.
E como se comunica na Liturgia? Com a Palavra divina, com a palavra humana, com o canto, com os gestos, com a oração em voz alta, com o silêncio, com o ato de fé, com a música instrumental, com a água benta, com a campainha, com as velas, com a oferta, com a comunhão, com a mesa da Palavra, com o altar, com o Livro, com a Cruz, com os motivos artísticos, etc.
Habitualmente, comunicamos voltando-nos todos para um mesmo sítio (livro, cruz, ambão, altar, pia batismal, sacrário…), mas, por vezes, voltamo-nos uns para os outros e até nos movimentamos (em cortejo, procissão, saudação…).
E, quando o sacerdote oficiava de costas para o povo e voltado para o altar, fazia-o em nome e representação do Povo de Deus e voltava-se para o povo para o saudar, para o convidar à oração e para o instruir. Repare-se que os textos da Missa, da Liturgia das horas e de muitos momentos sacramentais estão predominantemente redigidos no plural. É o culto público ao menos em potência. Depois, é de notar que o sacerdote tem duas formas gestuais de rezar: rezando em nome próprio ou com o povo, fá-lo “usualmente” de mãos postas; se reza em nome do povo, fá-lo “usualmente” de braços semiabertos, embora na conclusão da oração passe à posição de mãos postas.
Por tudo isto, perceber e estipular como própria da Liturgia a dimensão da comunicação não é nada demais. No entanto, concorda-se que, ao longo do tempo, tem sido uma dimensão subliminarmente evidenciada, embora se tenha insistido muito na necessidade de participação de todos (e não na mera assistência e na encomenda de serviços religiosos), mas com o zelo excessivo da observância das rubricas, pelo que a Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade e o Secretariado Nacional de Liturgia estão no bom caminho. E é bom que se ponham ao serviço da Liturgia e dos crentes todos os meios que possam torná-la mais viva, apetecida e frutuosa.
Deus o merece, o homem precisa e a Igreja realiza-se!

2015.07.30 – Louro de Carvalho

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Dá emprego aos teus sonhos, dá trabalho à tua vida!

De acordo com a informação prestada hoje, dia 29 de julho, à agência Ecclesia, pela sua presidente, chegou a seu termo a intensa campanha da JOC (Juventude Operária Católica) contra o desemprego, mas a “defesa da dignidade e do trabalho” continua depois de um périplo que revelou “verdades, mostrou projetos de integração e permitiu descobrir caminhos”.
Lisandra Rodrigues, presidente nacional da JOC verifica que as taxas de desemprego ainda estão muito longe dos 0%. Enquanto assim for, muito será, segundo esta dirigente daquele movimento eclesial, “o trabalho por fazer na defesa da dignidade de todos e do trabalho para todos”, porque os jovens “não podem ficar sem trabalho, sem perspetivas e sem esperança”.
Em comunicado hoje divulgado, a JOC apresentou a sua análise e reflexão em torno da Campanha Nacional 2014/2015, que teve como tema/apelo ‘Dá emprego aos teus sonhos, dá trabalho à tua vida!’.
Nesta campanha, que se iniciou em fevereiro de 2014 e terminou no dia 25 de julho de 2015, houve oportunidade de ir ao encontro de jovens e adultos em situação de desemprego.
Este movimento da ação católica – que surgiu na Bélgica, em 1925, pela mão do padre Joseph Cardijn e chegou a Portugal 10 anos depois, tendo assumido como missão “a libertação dos jovens trabalhadores – acredita que é prioritário o acesso ao trabalho para todos e, por isso, pôs em marcha esta Campanha Nacional contra o Desemprego com o lema/apelo: “Dá emprego aos teus sonhos, dá trabalho à tua vida” – apelo que nunca será sobejamente repetido.
A JOC não pode aceitar a tentativa que a sociedade vem desenvolvendo – e que se sente em muitos momentos e lugares – de olhar para o desemprego com resignação, aceitando-o como algo natural e inevitável. Ora, o desemprego tem de ser denunciado como um problema estruturante da nossa sociedade – conclui a reflexão dos jocistas, que alertam para o facto de o conceito de “desempregado”, sobretudo nas camadas mais jovens, ter “provocado bastante inquietação”.
Neste contexto, em alinhamento com os movimentos internacionais congéneres e com o discurso papal, por diversas vezes expresso, identificam os jovens “à procura do primeiro emprego e os jovens nem-nem” (ou “nim”) – jovens que não estudam, nem trabalham e que não se incluem “muitas vezes” na conceção de desempregado.
Com efeito, o Papa Francisco, Francisco em discurso que dirigiu aos trabalhadores da Sardenha, em setembro de 2013, explicitou, sem tergiversação, queonde não há trabalho, falta a dignidade”. Assim, o Pontífice insuflou uma boa dose de “coragem” no auditório adulto e juvenil, apelando: “Não deixeis que vos roubem a esperança!”. Por isso, é necessário “perseguir como prioritário o objetivo do acesso ao trabalho para todos ou da sua manutenção”.
Por seu turno, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) revela, na publicação anual Education at a Glance, de 2014, que Portugal tem a terceira mais alta proporção de jovens com baixas qualificações da OCDE e é o décimo país do mundo com “maior percentagem” de jovens até aos 29 anos que “estão inativos e um dos países onde esta realidade mais se acentuou”: representam já quase 17% da população entre os 15 e os 29 anos.
Ademais, a JOC vem alertar (e trata-se de alerta não inédito; aliás, regista a controvérsia gerada em torno das estatísticas) para o facto de “o número real de desempregados do nosso país” ser “francamente superior ao apresentado nas estatísticas”, adiantando cinco de várias razões para que isto aconteça, a saber:
Muitos dos jovens candidatos a trabalho, pela primeira, vez não se inscrevem nos centros de emprego; muitas pessoas que sabem não reunirem as condições do exercício do direito de perceção do subsídio de desemprego também não se inscrevem; as pessoas que se encontram inscritas no respetivo centro de emprego, mas que, temporariamente, são inseridas em cursos de formação são retiradas da lista de desempregados; as pessoas que se encontram em CEI (Contratos de Emprego Inserção) são excluídas da contagem; e os que desistem de procurar emprego neste país e, acabam por emigrar, contribuem também para que os dados oficiais acusem alguma redução.

A taxa de desemprego (= população desempregada / população ativa x 100) que nos apresentam é, pois, falaciosa por não incluir todas estas pessoas.
O relatório World Employment and Social Outlook, divulgado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), na véspera do arranque do Fórum de Davos, regista que há, atualmente, 201 milhões de pessoas no desemprego. É certo que a situação melhorou nos Estados Unidos e no Japão. Porém, permanece difícil noutras economias avançadas, mormente na Europa. Em Portugal, a taxa de desemprego (ajustada de sazonalidade) situou-se nos 13,9% em novembro último, segundo dados do INE. São mais de 700.000 as pessoas sem trabalho. Os mais jovens, entre os 15 e os 24 anos, são os mais afetados e a taxa de desemprego nesta faixa populacional atinge no nosso país os 35,6%.
A este respeito, Guy Ryder, Director Geral da OIT, referiu que, “a boa notícia é que o número de trabalhadores em situação precária caiu em todo o mundo”. Não obstante, não é aceitável que quase metade da população ativa não tenha acesso a condições básicas, a um emprego decente. E o problema, sublinha o responsável da OIT, é ainda pior para as mulheres.
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Durante um ano e meio de campanha e perante as descobertas feitas, vários grupos da JOC sentiram o apelo de partilhar com os demais o que estavam a refletir e a viver, denunciando, anunciando e procurando respostas em conjunto. Foram, assim, muitas as ações desenvolvidas, como: workshops sobre empregabilidade e debates sobre o desemprego; participação ativa no 1.º de maio; encontro de formação sobre ‘projeto individual de vida’; ações de rua durante o Carnaval; e a produção de “artigos e manifestos” – e, por parte da JOC, “tudo isto sem descurar a importância do acompanhamento pessoal tão importante e necessário na descoberta e assunção da nossa dignidade como pessoas e trabalhadores”.
O lema/apelo enunciado pela Campanha é assumido por muitos desempregados com quem o movimento católico contactou, que não baixam os braços, se mantêm perseverantes na procura de uma oportunidade, investem na sua formação, ou abraçam novos desafios, constituindo-se como exemplo e fonte de esperança para outros.
Ao longo desta reflexão jocista, foram também vários os sinais que encheram a JOC de esperança e a fazem acreditar que unidos vencemos o desemprego. Os seus militantes falam de todos aqueles que tinham identificado como desempregados e que neste momento já não o são; dos gestos de solidariedade que se multiplicam para com quem atravessa situações de maior dificuldade; e das diversas organizações que ficaram a conhecer e que fazem um trabalho tão meritório e imprescindível junto dos desempregados mostrando que vale mesmo a pena correr ao encontro da ‘ovelha perdida’. Jesus apela-nos a largar as 99 ovelhas, ou seja, todos os que estão bem e mais facilmente podem caminhar sem o nosso apoio, para irmos ‘resgatar a ovelha perdida’ (cf Mt 18,10-14; Lc 15,3-7), os que têm a sua dignidade posta em causa, os que se encontram sem rumo, desorientados, desempregados.
A transformação pessoal, necessária para o avanço da transformação da sociedade, começa então a acontecer quando menos se espera. O assistente de um grupo de jovens partilhava assim a sua reflexão:
“Conheci uma família em que um dos membros do casal estava desempregado e a quem acabei por ajudar. Senti que quando conseguimos dar nome e rostos ao desemprego, tornamo-nos mais sensíveis. Todos conhecemos alguém desempregado. E se esta crise trouxe algo de bom, foi precisamente o facto de nos tornarmos mais sensíveis a esta questão.”
Por seu turno, Rick Boxx, Presidente do Integrity Resource Center, dizia:
“Quando sou abordado por alguém a pedir ajuda na busca dum novo emprego, procuro fazer mais do que simplesmente sugerir alguns possíveis locais de trabalho. Converso com a pessoa sobre os seus interesses, sonhos, desejos. Isto nem sempre é fácil, especialmente se a pessoa nunca dedicou tempo a pensar nestas questões”.
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A JOC, na sua análise reflexiva da realidade, seguiu a metodologia da ação católica, que se sintetiza nos três verbos: VER, JULGAR e AGIR. Com efeito, a realidade, complexa e lancinante, postula um olhar atento, minucioso e compassivo. Sobre ela é necessário fazer o discernimento, ou seja, perceber os reais sinais do bem e os reais sinais do mal (e ver o que de bom e de mal temos mesmos fenómenos) – um juízo não condenatório, mas um juízo segundo o coração de Deus. E é preciso agir para que nada do que está mal permaneça tal como está e os sinais do bem sobressaiam perante os demais.
Assim, quem olha para esta realidade não pode deixar de denunciar, anunciar e comprometer-se em conjunto pela transformação segundo o querer de Deus
Não é fácil, mas é possível e é urgente!
Assim, o apelo do Papa à esperança foi sentido pelos jocistas portugueses nas diversas etapas da Campanha, em que pretenderam: levar esperança aos que se encontram desalentados e sem perspetivas e com eles procurar soluções que os tornem protagonistas da sua vida.
Porém, esta esperança assenta em sinais encontrados logo ao longo do primeiro ano: muitos jovens e adultos que não desistem, que diariamente lutam para que a sua condição de desempregado se altere; várias formas de solidariedade, que se vão multiplicando para fazer face às dificuldades causadas pelo desemprego; associações que se constituem para fazer face ao desemprego. Mas, neste âmbito, o movimento jocista destaca o trabalho desenvolvido pelos GEPE (Grupos de Entreajuda na Procura de Emprego), um projeto de voluntariado e de solidariedade entre pessoas à procura de emprego. Os GEPE constituem-se como espaços de encontro, entre pessoas à procura de emprego, comprometidas em entreajudar-se nessa procura ativa, combatendo assim o isolamento a que muitas vezes os desempregados estão sujeitos e alargando as redes de contactos.
Em toda a caminhada, a realidade foi encarada com um olhar cristão, percebendo as interpelações que Jesus Cristo faz à transformação da pessoa e do meio.

2015.07.29 – Louro de Carvalho  

O homem e o burro

Não me ocorre contar nenhuma história de homens e burros. Porém, umas pitadas de curiosidades que reli em livrinhos de Nunes dos Santos, da coleção “Retalhos”, da Menabel, sugeriram-me alguma reflexão. Com efeito, no seu opúsculo O homem, esse granda ponto, o refinado autor de curiosidades e de ditos humorísticos desenvolve um conjunto de ideias em torno do título “As afinidades do homem com o burro”, o que me fez lembrar que, segundo algo que a experiência coletiva mostra e que o povo regista no seu rifonário, o homem é muitas vezes semelhante ao burro e, às vezes, até pior do que ele.  
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A palavra “burro” – que, em Português, funciona como nome que serve para designar o asno, jumento, jerico, onagro e, por vezes, besta – não remonta ao sermo urbanus do latim, como sucede, por exemplo, com o termo âne, em Francês, que remonta ao vocábulo asinus do sermo urbanus latino, mas provavelmente à expressão mais longa do asinus burrus (nome, asinus + adjetivo, burrus) do sermo vulgaris latino. Asinus burrus seria aquele tipo de besta ruça, pardo-avermelhada. Dizem que ainda hoje a carne de burro é um pouco avermelhada, mais que a do cavalo ou do muar. Burrus é, no Latim, um adjetivo de 1.ª classe alternativo a “ruber” ou “rubeus”. Aproveito o ensejo para solicitar que nunca aponham como assinatura abreviada outra coisa a não ser a rubrica (palavra grave e não esdrúxula, como alguns dizem e fazem), porque se fazia a vermelho para distinguir do resto do texto (habitualmente do aluno) ou porque se marcavam a vermelho os começos de apartado em contabilidade e se escreviam a vermelho os gestos e movimentos dos ministros sagrados nas liturgias.
Como acontece com outras expressões do latim vulgar, em que houve evolução diferente da mesma expressão conforme a língua românica em causa, também aqui a língua portuguesa na sua realização popular adotou preferencialmente a forma adjetiva “burrus” deixando para trás a forma nominal substantiva “asinus”. A língua francesa, ao invés, adotou a forma nominal substantiva asinus (âne) e deixou cair a forma adjetiva burrus (rouge).
Algo semelhante sucede com a frase “Não tenho nada”. No latim do sermo urbanus, dizia-se “Nihil habeo”. Todavia, o sermo vulgaris preferia expressões menos sintéticas e a forma vigente era “Non habeo rem natam” – não tenho coisa nascida. Os franceses perderam a “nascida” e ficaram com a “coisa” (nome, “res”) e dizem “Je n’ ai rien”; os portugueses, ao invés, abandonaram a “coisa” (nome, “res”) e preferiram a “nascida” (adjetivo). Mas repare-se que no Galaico-português dizíamos “no ei ren”, que sincreticamente podia escrever-se de várias maneiras: no(n) ai ren, no(n) hay ren, no(n) hei ren, no(n) hey ren, no(n) ey ren, no(n) ay ren. No Português, o verbo haver ficou como verbo auxiliar ou com o sentido de existir e perdeu o sentido de posse. Este passou a ser indicado pelo verbo “ter”, que significava, como o tenere latino, segurar, ter na mão, sustentar. Em Francês, mantém-se o verbo avoir, com o sentido de ter, possuir; e persiste o verbo tenir, com sentido de segurar, agarrar, ter na mão.
Mas há mais casos em que os falantes privilegiaram o adjetivo e desconsideraram o nome substantivo. Por exemplo, o “pêssego” (hoje nome, era dantes adjetivo) era conhecido como malum persicum (“fruto da Pérsia”, porque os romanos pensavam que ele tivesse sido trazido de lá pelos soldados de Alexandre Magno). Diz-se habitualmente, por exemplo, o básico, o secundário, com omissão do nome “ensino”; o pedagógico, o diretivo, com omissão do nome “conselho”; e o executivo, o deliberativo, com a omissão do nome “órgão”.
Também utilizamos como adjetivo a palavra “burro” em expressões como “tijolo burro” (tijolo maciço) e “fiquei burro”, quando me contaram o que aconteceu. E, como eles ou pior do que eles, fazemos asneiras, burrices e, como dizem os brasileiros, burradas.
Por outro lado, a palavra “burra”, que habitualmente designa a fêmea do burro, também designava, em Portugal, um sistema de tirar água do poço e uma arca de madeira, reforçada com couro e metal, usada para guardar dinheiro. A segunda destas duas asserções é ilustrada com a passagem de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, quando escreve: “E o dinheiro a pingar, vintém por vintém, dentro da gaveta, e a escorrer da gaveta para a burra, aos cinquenta e aos cem mil réis, e da burra para o banco, aos contos e aos contos”.
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Voltando aos escritos de Nunes dos Santos, há que referir que, no opúsculo acima referenciado, ele disserta com alguma abundância sobre as afinidades entre o homem e o burro – que passo a acompanhar modificando quanto baste e ampliando ad libitum.
Efetivamente, ainda sob a proteção materna, o homem se habitua a brincar com os animais e, entre eles, o burro, a burra e o burrinho. E tanto a mãe como o pai, os manos e os vizinhos advertem que não seja burreco ou burrinho (teimoso, ingénuo…). E quem nunca viu uma criança a achar graça á voz do burro e até a tentar imitá-lo? Quando, mais tarde, o pai e os amigos (os professores não o fazem nem o podem fazer) notam que o menino tem algumas dificuldades de aprendizagem, é preguiçoso ou ingénuo ou se deixa sovar pelos outros, chamam-lhe burrinho. E, se zangados, gritam: “Irra, que é burro!”. Ou “Arre, burro!”. Mas cuidado! Já ouvi pai a chamar burro ao filho, o qual ficou em silêncio desgostoso e, passado o nervosismo do pai, interpelou-o: “Ó pai, como se chamará o pai dum burro”?
Quando o homem se sente necessitado de ganhar o pão com o suor do seu rosto e se sujeita a todo o tipo e quantidade de trabalho, diz que é “um burro de carga” ou os outros dizem que trabalha “como um burro” ou que “nem um burro”. E, se come em demasia e assegura que comeu que nem um abade, podem retorquir-lhe que “comeu que nem um burro”. Quem nunca exclamou que “é mais fácil manter um burro a pão de ló!”. Porém, quando o sujeito dá conta de que o sobrecarregam sistematicamente e só a si, é capaz de refilar, dizendo que, às tantas, “atira com a albarda ao ar”. Mas pode acontecer que o destinador dos trabalhos responda que não faz mal, pois “está habituado a montar em pelo”.
Por vezes, em discussão familiar ou grupal, se um indivíduo começa a disparatar, pode ter de escutar como reação o ditado “Vozes de burro não chegam ao céu”. Mas, se o que profere o disparate tem notória calvície e desafia os demais se já viram algum burro careca, pode receber a resposta: “Não, mas já vi muito careca burro”. E, se os desafia a dizer se já viram algum burro com chifres, a resposta pode ser mais desagradável e agressiva. Porém, se calmamente está a emitir a sua opinião perante um grupo e se vê constantemente interrompido por quem inesperadamente lhe corta a palavra, é bem capaz de advertir: “Quando um burro fala, o outro abaixa as orelhas”.
Se um indivíduo deixa transparecer mágoa por qualquer dito ou gesto de outrem, ouvirá os amigos dizer que “está a prender o burro”, que “está de burro” ou que “está com o burro”.
Atentando na relação conjugal, se o marido faz todas as vontades à mulher de forma acrítica, pode ser prendado com o epíteto de “burro de carga”, de “(burro) manso” ou de “burranca”. Também a criancinha quer que o papá (ou a esposa ao marido) faça de burro ou de cavalo e a leve às costas ou às cavalitas.
Quando se lhe oferece a grande oportunidade da sua vida e o homem não tem perspicácia suficiente para a agarrar e a deixa escapar, os amigos e conhecidos comentarão: Que grande burro! Dirão a mesma coisa se ele se deixou burlar pelo conto do vigário ou deu um passo maior que a perna na prossecução de um negócio ruinoso. E, se o negócio em que se meteu deu para o torto, sabem dizer que deu com os burrinhos na água.
Também, neste mundo de Cristo, surgem homens persistentes e determinados nos seus empreendimentos. Ora, quando um homem aposta mesmo na perseverança e, porque é de antes partir que dobrar, não desiste, pode saber do comentário a seu respeito: “É teimoso que nem um burro”. Se o homem reage mal ao discurso dos amigos ou se toma atitudes inusitadas, podem-lhe rezar: “Valha-te um burro aos coices”. E, quando nota que cometeu um erro ou foi enganado, exclama “Que burro que eu fui” ou “Fui um (grande) burro”. Porém, se fala com altivez e soberba, os ouvintes dirão: “Fala por cima da burra”. E, se tiver pensamentos positivos antes as dificuldades da vida e vir o seu esforço compensado, será considerado como “um burro de sorte” ou, mais sinteticamente, um sortudo.
Também podem ser aplicados estes chistes à mulher, obviamente no feminino (a não ser em expressões como “está a prender o burro”). No entanto, o povo não deixa igualar a mulher à burra, pois estabelece bem a diferença quando adverte que “para trás mija a burra” (peço perdão pelo calão). Homem ou mulher são seres que não andam para trás!
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O citado Nunes dos Santos, no opúsculo Uma mão cheia de curiosidades, fornece uma explicação para o adágio “A pensar morreu um burro”. Opina ele que a origem desta expressão se deve à história do ‘burro de Buridan’, filósofo francês do século XIV e reitor da Academia de Paris, que dissertou sobre a indecisão, caraterística de muitos seres humanos. Assim, supôs que, “se a um burro cheio de fome e, igualmente, cheio de sede, lhe pusessem à frente duas vasilhas, uma com aveia e outra com água, a saber por qual delas se decidiria primeiro”, o burro ficaria tão indeciso que que acabaria por morrer à sede. Por isso, sempre que alguém demora muito tempo a decidir, está sujeito a ouvir a expressão: a pensar morreu um burro.
Por outro lado, todos sabemos que, por mais desagradável que se torne o zurrar do animal, o burro sente enorme prazer em ouvir e fazer ouvir a sua voz. Já me aconteceu em ambientes dramaticamente sérios, como funeral e procissão do Santíssimo Sacramento, ao ouvir tais vozes impertinentes, ter de colocar um dedo numa das bochechas para, em vez de rir, poder tossir. Mas o pior é que há seres humanos que têm enorme gosto em ouvir a sua voz e fazê-la ouvir, conseguindo, por esse meio, martirizar os circunstantes.
O burro, na sua discrição, também tem o seu quê de vaidade e desejo de conforto e solidariedade: gosta de que lhe assobiem quando e enquanto bebe. E também esta caraterística passa zombeteiramente para os humanos. Quem nunca assobiou a um colega enquanto ele bebe e acompanha a postura com o aforismo, o meu burrinho tem brio, só bebe quando lhe assobio? É óbvio que ouve a réplica: nunca a água me amargou senão quando o diabo me assobiou. Mas atenção: Não se assobia às burras.
O burro tem o hábito de mexer com as orelhas, com as quais exerce diversas funções, como espantar insetos e apurar a postura auditiva. Só que a abanar as orelhas o burro não incorre na negligência e cobardia em que incorrem os homens. Num órgão colegial ou perante um superior, quando o cidadão com responsabilidades sociais se limita a abanar acriticamente as orelhas para baixo em sinal de ámen ou para os lados em sinal de discordância não sustentada, pode estar a deixar correr graves injustiças ou a travar a realização de grandes benefícios. Aqui já o homem é pior que o burro.
Mas há mais: o burro só come quanto tem fome e bebe quando tem sede e contém-se noutras circunstâncias não imperativas fisiologicamente, como, perante a iminência de perigo, resiste, não avança temerariamente, por mias que lhe batam. Já o homem, sem fome e sem sede, satisfaz a gula e sem quê nem para quê exorbita em sexo. E compra e vende, mercantilizando o corpo e a alma. É pior!
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Há milhares de anos que o homem conta com ajuda deste seu amigo em muitas tarefas domésticas, nomeadamente no transporte pessoal e de carga.  O burro, mais baixo que o cavalo, tem orelhas mais compridas e o rabo, quase sem pelo, acaba num pequeno tufo de crinas. Algumas pessoas acham-no pouco bonito, mas ele torna-se muito útil, porque é forte e resistente. Além disso, a sua visão, olfato e audição são mais desenvolvidos que no cavalo. 
Um burro vive mais ou menos 20 anos, mas alguns chegam aos 30. Tal como nos cavalos a idade vê-se pelos dentes, que, apesar de muito fortes, vão ficando mais feios com a idade. A fêmea tem normalmente apenas um filhote (raramente dois), que demora quase um ano a nascer.
Os burros são diferentes uns dos outros conforme o clima e a raça. Em Portugal, têm mais ou menos 1 metro e 40 centímetros (do nosso tamanho aos 10 anos) e a cor varia entre o cinzento com manchas e o castanho. A sua voz é o zurrar.  Contrariamente ao que se pensa comummente, os burros não são teimosos. São muito aptos para brincar e trabalhar, mas gostam de que os criadores lhes deem muita atenção. O deitarem-se ao chão e fazerem as suas diabruras, além de constituir um meio de fricção, serve também para exibicionismo asinino.
Quanto à alimentação, o burro come muito pouco e contenta-se com folhas e grãos que os outros animais soem deixar de lado. São é muito esquisitos com a água, que tem de ser limpa e sem cheiro. O leite de burra parece ser bom para a saúde e consta que Cleópatra se banhava com esse benéfico suco. Há também povos que comem a carne de asno. Por seu turno, os árabes nómadas faziam as suas tendas com peles de burro. E os povos antigos faziam ainda dos ossos o corpo das flautas, mais duras e mais sonantes que as feitas de ossos das outras espécies. 
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Francisco de Assis chamava-lhe irmão pela docilidade e préstimo. A burra de Balaão falou, quando era difícil perceber a vontade divina. O burro (ou a burra), segundo a tradição, é testemunha do nascimento de Jesus (contra o que alguns apregoam, Bento XVI não expulsou o burro e o boi do presépio; apenas declarou que o Evangelho de Lucas os não menciona); serve a Família Sagrada na fuga para o Egito; e, sobretudo, serve o objetivo messiânico de Jesus, que entra em Jerusalém montado num jumento dócil e humilde, em vez de entrar montado soberbamente num cavalo ao modo dos outros reis e senhores. Grande amigo e instrumento da humildade messiânica é o burro!

2015.07.28 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Os discursos de antecipação e alternativos

Faz hoje, dia 27 de julho, 45 anos sobre o dia em que faleceu António Oliveira Salazar.
Será extemporâneo fazer um juízo político sobre o homem que, sem participar na revolução de 28 de maio de 1926, melhor respondeu na prática aos seus objetivos políticos e militares, entre os quais se incluíam o saneamento das contas públicas e o reganho da estatura política do Estado, servido incondicional e acriticamente pelas forças armadas e policiais em torno de um ideário de autoritarismo messiânico – custasse o que custasse. Nota-se hoje pretensão algo similar, não?!
Era o absolutismo mais refinado posto em ação no século XX ou o despotismo iluminado colocado não ao serviço do progresso ou da liberdade, mas de valores tidos como sagrados, mas em que subiste a dúvida se os seus mentores verdadeiramente acreditavam neles. Com efeito, não se negava a pátria, mas era a pátria que o regime concebia, sem o pluralismo de ideias, posturas e sentimentos, hipocritamente plurirracial, bastando que uns pensassem e mandassem e os outros obedecessem e fizessem; não se negava a família, mas não se lhe reconheciam direitos, que eram transferidos para as instituições estatais ou paraestatais (UN, LP, MP, DCT e FNAT), e a habitação social, que o Estado programava, era tudo menos amiga da família, dadas as dimensões exíguas de cada habitação familiar tipo; e não se discutia Deus e a religião, mas a polémica estalou em torno da inclusão ou não do nome de Deus na Constituição Política e a religião aceite ou tolerada seria aquela que não desdissesse dos desígnios do regime, caso contrário era sujeita a condicionamento, policiamento e silenciamento – e colocada, pelo menos em tentativa, ao serviço do ideário do regime.
Era um regime em que muitos acreditaram, pela segurança e ordem que inspirou, mas que se tornaram adversários à medida que recolhiam elementos mentais e comportamentais que os levavam à rutura e, por consequência, às malhas dos perseguidores. Porém, o líder, que não encheu os seus bolsos, encheu os cofres do Estado, e o povo, que não saiu do ruralismo, chegou a passar fome, sem guerra mundial, mas sem a expurgar do Ultramar. E creu no messianismo.
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Foi com naturalidade regiminal que o dia 27.07.1970 encheu as páginas dos jornais e os noticiários da Rádio e da RTP.
Assim, o DN publicava, ao meio dia daquele 27 de julho, uma edição especial sobre o ex-presidente do Conselho de Ministros de Portugal, onde se destacava uma biografia em que a vida do homem finado e a do País quase se confundiam. Esta edição ocorreu uma hora depois de ter sido oficialmente anunciada a morte de António Oliveira Salazar. E, desde essa segunda-feira até ao dia do funeral, na quinta-feira, o jornal dedicou dezenas de páginas ao acontecimento, em muitas das quais apenas existiam fotografias. Obviamente, a notícia já não surpreendera o país, dado que, durante quase dois anos, Salazar lutara contra a morte. A doença gravíssima que o prostrou deparara com a resistência invulgar daquele homem considerado providencial por muitos e para quem, naquela manhã, se esgotaram todos os recursos da medicina, tendo deixado de pulsar o coração do homem que a propaganda tirou do mundo dos comuns. E as discussões sobre a medicina e a cirurgia empregues e sobre os competentes honorários – pro bono vel pro moneta – persistiram.
O que soa a artificial ou a furo jornalístico frustrado foi o que se passou com o Diário de Lisboa, em outubro de 1968. Por ocasião do internamento de Salazar no Hospital da Cruz Vermelha, em setembro de 1968, por vi de queda no lajedo e de hematoma cerebral, aquele vespertino diário lisboeta preparou uma edição especial a dar a notícia da morte do ditador, a fim de ter tudo pronto para ir para a banca logo que a notícia fosse confirmada. Todavia, essa edição nunca chegou a vir à luz do dia, uma vez que o ex-Presidente do Conselho sobreviveu ainda durante mais dois anos.
A revista Sábado, de 23 de julho passado, publicou na íntegra o fac-símile daquelas oito páginas, que não referem o dia daquele mês de outubro de 1968. As provas tipográficas desse documento foram recentemente doadas ao Arquivo Nacional Torre do Tombo pela viúva e pela irmã de António Ruella Ramos.
A 1.ª página oferece com o título em grandes parangonas “Morreu Salazar”, a que vem anteposta a referência do antetítulo “após quarenta anos no Poder”. E o pós-título reza: “O chefe do Governo cessante sucumbiu esta tarde”. Ao fundo, a uma coluna, anuncia-se: “A vida e a ação do Prof. Salazar – página central”; em caixilho “edição especial”; “hoje – 8 páginas”; e “visado pela censura”. Depois, a abranger uma coluna da esquerda, as duas colunas centrais e as duas colunas da direita, um caixilho sob o título “Agonia e Desenlace” dá conta das putativas circunstâncias da morte do ex-governante, do conteúdo dos sucessivos boletins médicos e das declarações de algumas personalidades presumivelmente afetas ao ex-chefe do Governo.
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Este género de postura noticiosa e discursiva não é tão inusitado como se possa crer. João Paulo II escreveu discursos (um deles para estudantes universitários portugueses, em 1982) e, pressionado pela exiguidade do tempo, decidiu fazer longas omissões de que prestes deu conta ao auditório, prometendo entregar o texto na íntegra ao reitor da Universidade Católica Portuguesa, para que lho lesse noutra oportunidade, já que o Reitor da UCP tinha mais tempo que o Papa. E o Papa Francisco tem sido useiro e vezeiro nesta postura, não por falta de tempo, mas tendo em conta circunstâncias com que não contava, como as alterações climatéricas nas Filipinas no Tacloban International Airport ou depois do que ouviu e anotou nalguns momentos das suas viagens apostólicas à Albânia, à Bósnia-Herzegovina e à América Latina.
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Célebre se tornou a precaução tomada por Richard Nixon a propósito da Missão Apolo XI. Só 30 anos depois, em 1999, o Los Angeles Times divulgou a possibilidade, tida como quase certa, de uma má alunagem ter impedido o regresso à Terra.
Com efeito, tanto Michael Collins, que permaneceu em órbita a bordo do Columbia, como Neil Armstrong e Edwin Aldrin, que alunavam a bordo do Eagle, sabiam os riscos que corriam. Porém, os dois alunantes, pelo menos, não sabiam que, se alguma coisa corresse mal (por exemplo, se não conseguissem lançar a secção de descolagem do módulo lunar), lhes seriam cortadas todas as comunicações e ficariam condenados a morrer na superfície lunar por falta de possibilidade de apoio.
Tudo acabou por correr bem. Todavia, William Safire, redator ao serviço da Casa Branca, preparou um discurso para Nixon pronunciar, a 18 de julho de 1969, “em caso de desastre” e com este segmento a dar-lhe o título. Dele se transcrevem os passos mais significativos:
“O destino determinou que os homens que foram à Lua para a explorarem em paz ficassem lá para descansar em paz. Estes corajosos homens – Neil Armstrong e Edwin Aldrin – sabem que não há esperança de serem salvos. Mas também sabem que, com o seu sacrifício, há esperança para a humanidade. Estes dois homens dão as suas vidas pelo mais nobre objetivo da humanidade: a busca da verdade e do conhecimento, as suas famílias e amigos vão chorá-los, a nação vai chorá-los; a ‘Mãe-Terra’, que ousou enviar dois dos seus filhos para o desconhecido, vai chorá-los.
“Na Antiguidade, os homens olhavam as estrelas e viam os seus heróis nas constelações. Nos tempos modernos, também fazemos isso, mas os nossos heróis são homens épicos de carne e sangue [Isto me faz lembrar os heróis portugueses d’ Os Lusíadas]. Outros se seguirão e certamente regressarão a casa, (…) mas estes homens foram os primeiros e permanecerão para sempre nos nossos corações.
“Porque cada ser humano que olhar para a Lua, nas noites que estão para vir, saberá que existe um canto no outro mundo que será para sempre parte da humanidade”. – In “Nunes dos Santos, Uma mão cheia de curiosidades, Porto: Menabel, 2000”.
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Sei que os líderes partidários estudam o discurso de vitória e o de derrota, segundo o que os resultados da respetiva eleição ditarem. E isso parece compaginar uma postura de prudência, já que um discurso improvisado peca por ser pobre em momento de grandeza de vitória e em momento de nobreza no caso de derrota.
Não obstante, não deixo de recordar com a conveniente censura, o caso de um autarca presidente de câmara acabado de ser reeleito, que teve o desplante de declarar, em plena cerimónia da instalação dos órgãos autárquicos do seu município, que, depois do que ali ouvira, passaria a pronunciar o discurso alternativo que preparara para a circunstância de o discurso de um dos opositores à linha política que ele perfilhava, ter sido o que foi e como foi. E, de facto, deixou em cima da mesa os papéis que tinha colocado sobre ela e puxou de outro cardápio.
Recordo também o discurso acintoso de Cavaco Silva em 2011, quase ajuste de contas com os opositores, tanto na noite da sua reeleição como na tarde da sua posse na Assembleia da República. E não havia necessidade!
Concordo, pois, que se preparem discursos alternativos para o surgimento de eventos prováveis ou que revelem maior atenção às pessoas, mas penso temerário o uso de discurso insultuoso, preparado em alternativa ou não, contra alguém, só por que não concorda connosco.
E vêm defender a liberdade de expressão com unhas e dentes – a deles!

2015.07.27 – Louro de Carvalho