Decorreu hoje, dia 3 de julho, a
cerimónia de prestação de honras de Panteão Nacional a Eusébio da Silva
Ferreira. É a 12.ª personalidade a receber honras de Panteão, a primeira do
mundo desportivo e o primeiro português nascido em África.
A sequência cerimonial teve início
às 15,15 horas, no Cemitério do Lumiar, com a saída da urna com os restos
mortais do excelso jogador do Benfica e da Seleção Nacional, desaparecido em
janeiro do ano de 2014.
Às 15 horas e 45 minutos, o Padre
Delmar Gomes Barreiros celebrou uma missa de participação restrita, na igreja
do Seminário da Luz, com a presença da família, após o que o cortejo seguiu para
o Estádio da Luz, onde teve lugar a primeira curta paragem. Aqui estiveram Luís Filipe Vieira, José Eduardo Moniz, Luís Nazaré (respetivamente, o presidente, o vice-presidente
e o presidente da Mesa da Assembleia-Geral), além de Rui Costa
e Vilarinho, entre outros, a que se juntaram entre 300 e 400 pessoas para verem
o cortejo.
O cortejo percorreu depois a
Avenida Eusébio da Silva Ferreira, passando pela 2.ª Circular, Campo Grande e
Marquês de Pombal. Uma segunda paragem ocorreu no Alto do Parque Eduardo VII,
junto à Bandeira Nacional, onde a urna foi deslocada do carro fúnebre para o
armão militar de tração animal.
O cortejo prosseguiu a sua marcha
para a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Assembleia da República (AR). Na sede da FPF, várias
figuras do futebol nacional prestaram homenagem ao Pantera Negra, entre as quais
o presidente da FPF Fernando Gomes, o selecionador Fernando Santos, João Vieira
Pinto, Humberto Coelho, entre outras; junto à AR, muitas pessoas aplaudiram a
passagem da urna e alguns deputados estiveram nas escadarias, tal como a
presidente da Assembleia da República.
No Panteão Nacional, a cerimónia
teve início às 19 horas, com a entrada do cortejo pelo Campo de Santa Clara, e
decorreu com a presença das entidades oficiais e dos convidados. Entretanto, no
Campo de Santa Clara estiveram mais de 200 pessoas a assistir aos diversos atos
públicos, a partir de um ecrã gigante que transmitia a emissão da RTP.
Depois da interpretação do Hino
Nacional por Dulce Pontes, em modo de fado, António Simões fez o elogio fúnebre
a Eusébio da Silva Ferreira.
Durante a cerimónia usaram ainda
da palavra protocolar o Presidente da República, Aníbal António Cavaco Silva,
que presidiu à cerimónia na sua qualidade de máximo representante da República,
e a Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção Esteves, a
representante do órgão responsável pela decisão da prestação das honras panteónicas
e pela organização da cerimónia.
Foi projetado um vídeo com
imagens do futebolista e Rui Veloso interpretou duas canções, “África”, tema
que, conforme refere o artista, teve oportunidade de cantar com Eusébio há
cerca de 20 anos, na Ajuda, durante um jantar de amigos, e “Nunca me esqueci de
ti”, que espelha a saudade do artista e do povo português pelo insigne “onomatóforo”
de Portugal pelo mundo.
Às 20 horas, depois de assinado o
Termo de Sepultura pelo Presidente da República, pela Presidente da Assembleia
da República e pelo Primeiro-Ministro, a Banda da Guarda Nacional Republicana
executou o Hino Nacional. Foi por força deste documento que o King foi
colocado na sala 2 do Panteão.
A seguir, a urna foi transportada
e escoltada por militares da GNR, até à sala em que a arca tumular se encontra e
onde ficará depositada no Panteão, junto do general Humberto Delgado, do
escritor Aquilino Ribeiro e da poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen.
***
Das palavras proferidas no decurso
da prestação das honras de panteão, destacam-se alguns segmentos, como a seguir
se discrimina.
Dulce
Pontes, convidada pela família para homenagear Eusébio, declarou, momentos
antes de ensaiar a sua participação na cerimónia, que se trata de “um momento muito especial” e também complicado de
gerir, sobretudo porque se cruzou algumas vezes com o Pantera Negra, uma delas
para promover o Europeu de 2004 e outra num concerto de Andrea Bocelli. A artista
cantou A
Portuguesa (o Hino
Nacional) depois de o caixão ter chegado ao monumento,
quase quatro horas depois da saída do cemitério, num cortejo que visitou, como
se disse, locais emblemáticos da capital e do futebolista.
Quanto ao encontro com Bocelli, Dulce Pontes
revela que “Ele adorava Andrea Bocelli. Foi lindo vê-los os dois”. Quanto a
Eusébio e à homenagem, disse:
“Há um sentimento de uma densidade muito
grande... o Eusébio irradiava humildade, com aquele fundo de dignidade muito
forte, não precisava de abrir a boca. Depois, nós sabemos como foi o tempo
dele, jogava mesmo por amor à camisola, não havia aquelas quantias chorudas. Ao
mesmo tempo, é um bocado estranho. É uma honra que é prestada e que é merecida,
é uma homenagem, mas é denso. E, sendo o Hino Nacional, ainda mais denso se
torna. Não sei como vai ser, mas vai ser com toda a alma.”.
O presidente da Federação Moçambicana de
Futebol (FMF) defendeu,
em declarações à Lusa, que Eusébio deveria ter uma estátua ou o nome de uma rua
em Maputo. No dia em que o corpo de Eusébio foi trasladado para o Panteão
Nacional, em Lisboa, Feisal Sidat considerou “justo e oportuno” atribuir-lhe “um
lugar digno” e lamentou que o Governo moçambicano não tenha ainda prestado a
devida homenagem à antiga estrela do futebol mundial que nasceu na então cidade
de Lourenço Marques.
Eusébio era uma “figura muito querida no país”,
à semelhança do antigo capitão do Benfica Mário Coluna, que morreu no ano
passado em Maputo, e ambos “vão ficar para sempre no coração dos moçambicanos”.
O responsável pela FMF destacou também a figura do 'pantera negra' no bairro da
Mafalala, na capital moçambicana, onde cresceu e começou a jogar futebol e “onde
mesmo os mais jovens recordam a sua memória”.
Por seu turno, o presidente da FPF, Fernando Gomes,
considerou que esta é “uma justa homenagem”, Humberto Coelho recordou a forma
como Eusébio “representou Portugal no desporto e no futebol como ninguém”,
Fernando Santos lembrou o primeiro jogo do futebolista pelo Benfica e João
Pinto falou da importância do antigo jogador para a seleção nacional.
O Padre Delmar Gomes Barreiros declarou:
“A Pátria está em festa. Ao recebermos os
restos mortais de Eusébio, recebemos um herói. (…). Estamos
num momento que é de honra para nós: como cristãos, como profissionais do
desporto, como cidadãos. Ao Benfica só desejaria uma coisa: passado de glória,
futuro de vitória”.
Antes dos atos públicos
frente à igreja de santa Engrácia, Telmo Correia, deputado do CDS-PP e autor da proposta para
a trasladação, disse à SIC que o “Eusébio é um herói popular”, salientando o
momento histórico, pois o antigo futebolista “é o primeiro português nascido em
África a ter essa honra”.
Também Bagão Félix, falando aos jornalistas sobre o King, assegurou: “Eusébio libertou-se da lei da
morte, através da memória”.
Ao
melhor amigo de Eusébio no futebol, António Simões, coube o discurso inaugural,
em que fez um breve elogio fúnebre ao herói:
“Ele dizia que eu era o irmão branco dele.
Acrescento então que eras o irmão de todas as cores, do compromisso, ternura e
lealdade (...) Não morreu. Só se ausentou fisicamente. Com o seu afastamento,
nós é que morremos em parte. No meu caso, uma grande parte.”.
Do seu lado, Assunção Esteves pronunciou palavras
protocolares adequadas ao momento e à figura nacional homenageada, de que se destacam
as seguintes:
“Eusébio era o fazedor dos afetos da alegria.
A alegria que Espinosa diz que nos aproxima mais da liberdade, que é “força
maior de ser e estar no mundo”. Ele gerava uma coesão positiva que a todos nos
ligava. Também por isso a homenagem do Parlamento o chama para a celebração de
todos os consensos. Porque ele sintetiza o reconhecimento unânime do valor, a
pura concordância acima de todas as preferências particulares, metáfora,
afinal, do próprio jogo da democracia.”.
E, Cavaco Silva, encerrando
a sequência de discursos protocolares, sentenciou:
Como desportista, como ser humano,
Eusébio da Silva Ferreira esteve sempre acima, muito acima, das querelas e das
controvérsias que marcam o nosso quotidiano. A admiração que temos pela sua
personalidade invulgar é partilhada por todos os Portugueses, sendo transversal
a divisões ideológicas ou simpatias clubísticas. Eusébio é, na verdade,
património de todos. Na família e nos seus próximos, naqueles que tiveram o
privilégio de o conhecer de perto, deixou um indelével e bem português
sentimento de saudade. Para todos os outros, incluindo as novas gerações, o ‘Pantera
Negra’ é uma referência como desportista, que se destacou, como poucos no
mundo, pela sua arte nos relvados mas também pelo seu calor humano e pela
simpatia que de imediato despertava nos seus semelhantes. Eusébio é,
verdadeiramente, uma figura nacional. (…).
Encarava com surpreendente humildade a
grandeza do seu génio. Admirado por milhões, tratava todos e cada um com uma
extraordinária simplicidade, a simplicidade natural dos que são verdadeiramente
grandes, que nada precisam de mostrar e exibir, porque têm a consciência serena
do seu valor e da sua grandeza. (…).
Hoje evocamos
a sua personalidade da forma mais elevada e solene com que a República
homenageia os seus maiores. Ao conceder a Eusébio da Silva Ferreira honras de
Panteão Nacional, o Estado português exprime a sua gratidão por um campeão do
desporto, uma lenda do futebol que é admirada em todo o mundo.
Eusébio da Silva Ferreira é um traço
de união entre os Portugueses, mas também no mundo lusófono. (…). É o imenso
afeto que nos deu que hoje queremos devolver-lhe, em sinal de gratidão pelo que
significou como desportista e pelo que foi como ser humano.
O seu exemplo irá perdurar na nossa
memória. E agora, a partir de hoje, Eusébio não estará apenas nos nossos
corações. Repousará, lado a lado, com os grandes nomes da nossa vida pública e
da nossa cultura. Eusébio da Silva Ferreira, como poucas personalidades do
século XX, foi amado genuinamente pelo povo português, por um país inteiro. A
República portuguesa, ao prestar-lhe esta homenagem, vai ao encontro desse
sentimento do nosso povo, praticando um ato verdadeiramente democrático,
através do qual se faz justiça a um português excecional e raro, cuja memória
devemos honrar.
***
Penso que a cerimónia lega metaforicamente
para a História uma boa foto do herói, dos decisores, da entidade organizadora,
do povo e também, neste caso, o Presidente da República, que, assumido hic et nunc como lídimo representante do
povo, logrou a pronúncia de um autêntico elogio fúnebre numa perspetiva holística
genuína. Di-lo quem também o critica!
Honra, pois, a Eusébio da
Silva Ferreira, o herói que emergiu do seio do povo, se fez grande sem deixar
de ser povo!
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